Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REGISTO
CADUCIDADE
Sumário
1.– A questão da falta de registo da ação de anulação de deliberação social, quando suscitada pelo autor – sobre quem recaía essa obrigação de registo –, apenas na fase de recurso, não tem a virtualidade de motivar a suspensão da instância ou anulação do processado; tudo se reconduz ao oportuno registo da decisão, transitada em julgado, se tal se justificar.
2.– A possibilidade de consolidar a decisão do procedimento cautelar como definitiva, por via do mecanismo da inversão do contencioso, verificados determinados requisitos, tornando desnecessária a instauração da ação principal tem, necessariamente, reflexos na ponderação da questão alusiva à caducidade do direito de peticionar a anulação de deliberação social, nos moldes a que alude o nº 3 do art. 369º do CPC; assim, com o pedido de inversão do contencioso, o prazo de caducidade é interrompido, ficando definitivamente interrompida a caducidade com a decisão que o acolha ou, ao invés, retomando o prazo com o trânsito em julgado da decisão que rejeite o pedido.
3.– O efeito cominatório associado à falta de contestação, previsto no art. 567º, nº1 do CPC, não permite que se leve à factualidade assente matéria conclusiva e de direito
Da responsabilidade do relator (art. 644º, nº7 do NCPC).
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa. I.–RELATÓRIO
Ação Declarativa comum. Autores/apelantes A. e B. Ré/apelada C, SA Pedido “Termos em que se Requer a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 7.02.2018 com as legais consequências”. Causa de pedir Os requerentes são donos e legítimos possuidores de 66,55% do capital social da C SA; Datada de 16 de janeiro de 2018 foi convocada uma Assembleia Geral da Requerida com a ordem de trabalhos que se dá como reproduzida; Em 21 de janeiro de 2018 o Requerente B. solicitou a inclusão de pontos na ordem de trabalhos de determinados pontos, pedido que foi negado; Em 29 de janeiro foi aditada e alterada a ordem de trabalhos por inclusão de novos pontos; A Assembleia Geral convocada veio a realizar-se em 7.02.2018 sem a inclusão dos pontos solicitados pelos Requerentes e sem a presença do Notário solicitada; As deliberações tomadas sem a inclusão dos pontos solicitados pelo Requerente B. e sem a presença do Notário atempadamente solicitada tornam as deliberações tomadas anuláveis. Os Requerentes solicitaram a suspensão da execução das deliberações sociais num processo que corre os seus termos no Juiz 5. Oposição Citada, a ré. não contestou. Alegações Cumprido o disposto no art. 567°, do CPC, a ré juntou procuração forense e apresentou alegações. Julgamento Em 21-12-2018 foi proferida sentença que concluiu como segue: “Pelo exposto, com fundamento na verificação da exceção perentória de caducidade do exercício do direito de anulação por parte dos AA. contra a R., decide-se julgar improcedente, por não provada, a ação e, em consequência, absolver a R. do pedido formulado. Custas pelos AA. (art. 527°, 1 e 2, do Cód. Proc. Civil). Valor da ação: 30.000,01. Notifique e registe”. Recurso Não se conformando os autores apelaram formulando as seguintes conclusões:
“A.–Dispõe o n.° 5 do artigo 168.° do CSC que as ações de declaração de nulidade e de anulação de deliberações sociais estão sujeitas a registo. Finda a fase dos articulados não foi suscitada a questão nem demonstrado ter sido feito o registo da ação. A sentença não podia ter sido proferida sem essa verificação. B.–No processo 3342/18.5T8STN os RR solicitaram a suspensão da execução que obtiveram por força do disposto no artigo 381.° n.° 3 do CPC e a inversão do contencioso. Dispõe o n.° 3 do artigo 369.° do CPC que «se o direito acautelado estiver sujeito a caducidade, esta interrompe-se com o pedido de inversão do contencioso, reiniciando-se a contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que negue o pedido». A ação foi interposta ainda antes de ter terminado a suspensão da caducidade. C.–Os documentos juntos pelos AA não foram impugnados nos articulados pela Ré. O Dr. Juiz determinou o efeito cominatório da não contestação. As considerações feitas na douta sentença para além dos factos provados estão em excesso de pronúncia porque não foram impugnados pela Ré nem são matéria de Direito. D.–Os pedidos de inclusão na ordem de trabalhos feitos pelos RR. e a solicitada presença de Notário teriam impedido que a deliberação tivesse sido cometida com ilegalidade que resulta de figurar como sócia uma sociedade estranha ao capital social que já foi propriedade dos AA. Termos em que deverá a sentença ser substituída por outra que julgue de acordo com os factos dados como provados tal como constam da PI e de acordo com o Direito aplicado. Assim se JULGANDO se fará JUSTIÇA!” A ré apresentou contra alegações. Cumpre apreciar. II.–FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1)– Os requerentes são donos dos escritos que estão juntos à petição inicial, identificados como doc. 1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2)– Datada de 16 de Janeiro de 2018 foi convocada uma Assembleia Geral da Requerida a realizar no dia 07.02.2018 com a ordem de trabalhos descrita no documento anexo à p.i com o n.° 2, e cujo teor se dá como reproduzido; 3)– Em 21 de janeiro de 2018 o Requerente B. solicitou que a ata a elaborar fosse lavrada por notário, e ainda a inclusão de pontos na ordem de trabalhos dos seguintes pontos: a.- Verificação da qualidade de sócios acionistas mediante a verificação das ações emitidas e detidas após a conversão em nominativas em reunião do Conselho de Administração de 25 de Outubro de 2017 das ações ao portador previamente existentes. b.- Definição da qualidade de acionistas dos presentes na Assembleia Geral e dos votos que detém. c.- Votação sobre a validade das deliberações da Assembleia Geral de 3.1.2018 em relação aos vários pontos aí votados. d.- Apreciar e votar a idoneidade e imparcialidade do presidente da Assembleia Geral para conduzir os trabalhos e votação sobre a sua remoção do cargo. 4)– O pedido acima referido foi negado. 5)– Em 29 de Janeiro foi aditada e alterada a ordem de trabalhos por inclusão de novos pontos, nos termos descritos no documento anexo à pi com o n.°6, e cujo teor se dá por reproduzido. 6)– A Assembleia Geral convocada veio a realizar-se em 7.02.2018, nos termos e com as deliberações constantes da ata junta como documento 6, cujo teor se dá por reproduzido, sem a inclusão dos pontos solicitados pelos Requerentes e sem a presença do Notário solicitada. 7)– Na reunião da assembleia geral da requerida de 07.02.2018 foi, para além do mais, deliberado, com os votos favoráveis de JF, BL, VS e R., Lda., e os votos desfavoráveis dos requerentes, celebrar, com o Sr. FF, um contrato de mútuo, no valor de até 300.000,00€, com um prazo de reembolso de 5 anos, eventualmente renovável, o qual vencerá juros à taxa anual de 3%, para financiar o pagamento de impostos e contribuições à Segurança social, ambos em atraso, e para financiamento da actividade corrente da sociedade, cuja situação financeira se degradou, nos últimos meses, e constituição a favor daquele, de uma hipoteca voluntária, sobre o prédio urbano sito na (…), Idanha, freguesia de Belas(…) . 8)– Os Requerentes solicitaram a suspensão da execução das deliberações sociais num processo que corre os seus termos no Juiz 5 - dos Juízos de Comércio de Sintra sob o numero 3342/18.5T8STN. 9)– Por acórdão proferido em 18.10.2018, foi confirmada a sentença proferida no processo identificado em 7), que julgou improcedente o pedido de suspensão de deliberações sociais (consulta oficiosa do processo pendente neste juízo de comércio). 10)– A petição inicial entrou em juízo a 5 de junho de 2018. III–FUNDAMENTOS DE DIREITO
1.– Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [1] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- Do registo da ação;
- Da caducidade do direito de propor a ação de anulação de deliberação social;
- Da invalidade da deliberação tomada em assembleia geral da ré realizada em 07-02-2018. 2.– Do registo da ação Nos termos do art. 9º do Cód. do Registo Comercial estão sujeitas a registo as “acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais, bem como os procedimentos cautelares de suspensão destas” – alínea e) –, bem como as decisões finais, com trânsito em julgado, proferidas nessas ações e procedimentos – alínea h). Trata-se de registo obrigatório – art. 15º, nº5 do mesmo código – relevando ainda o disposto nos números 6, 7 e 8 do mesmo artigo [ [2] ]. As ações de declaração de nulidade ou de anulação de deliberações sociais não podem prosseguir, enquanto não for feita prova de ter sido requerido o registo; nas acções de suspensão das referidas deliberações a decisão não será proferida enquanto aquela prova não for feita (art. 168º, nº5 do Cód. das Sociedades Comerciais). Como salienta Alexandre de Soveral Martins “a falta de rigor é evidente: desde logo, porque não é agora claro o momento a partir do qual essas acções não podem prosseguir se não for feita prova de que o registo foi requerido”[[3]] [[4]]. Em todo o caso afigura-se-nos que o momento processual em que o tribunal deve aferir do cumprimento da obrigação do registo é, naturalmente, a fase subsequente aos articulados, nomeadamente aquando da realização da audiência prévia ou da prolação do despacho saneador, em que o juiz deve apreciar de todas as questões que possam influir na tramitação dos autos, sem prejuízo de nada obstar a que avalie dessa questão em momento anterior. O que não tem cabimento, em nosso entender, é considerar que, ultrapassada essa fase, proferida decisão sobre o mérito da causa, a questão seja suscitada apenas em sede de recurso e pela parte sobre quem recaía essa obrigação de registo, isto é, aos autores; não só esse registo deixou de ter qualquer utilidade prática – a questão seria, então, se fosse esse o caso, de registo da decisão final proferida e não da instauração da ação –, como se entendeu no acórdão do TRG de 14-09-2017 [ [5] ], como estaríamos, verdadeiramente, a atribuir um benefício ao infrator; efetivamente, não se vê que os autores, que tão prontamente suscitaram a questão ao tribunal, em sede de recurso, tenham diligenciado com vista ao cumprimento dessa obrigação. Improcede, pois, a questão suscitada, não se justificando suspender a instância, salientando-se que nem sequer se alcança a cominação aludida pelos apelantes, a saber, que a sentença “terá que ser revertida”; em todo o caso, se com isso se reportam a eventual anulação do processado, trata-se de cominação sem fundamento, como já se apontou. 3.– Da caducidade do direito de propor a ação de anulação de deliberação social
O tribunal de primeira instância fundamentou nestes termos a decisão sobre a questão da caducidade: “Pretendem os AA. obter a anulação das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da sociedade R. realizada a 7.02.2018. Conforme facilmente se constata, a petição inicial deu entrada em juízo a 5 de junho de 2018. Estabelece o n.°2 do art. 59° do CSC que o prazo para a proposição da ação de anulação é, para o que ora interessa, de 30 dias contados da data em que foi encerrada a assembleia geral, ou seja, contados desde 07.02.2018. No caso concreto tal prazo está largamente ultrapassado. Assim, desde logo, mostra-se caducado o direito de os AA. proporem a ação de anulação - art. 579°, do CPC”. Não se acompanha esse entendimento. Como resulta dos autos, os autores instauraram, previamente, contra a ré, procedimento cautelar de suspensão da deliberação social em causa, pedindo a inversão do contencioso [ [6] ], sendo que, pese embora se desconheça a data de instauração desse procedimento, pode seguramente concluir-se que o foi no prazo legal a que alude o art. 380º nº 1 e 3 do CPC, tanto assim que a questão da caducidade da instauração desse procedimento nunca foi aí apreciada [ [7] ].
O que se sabe é o seguinte, salientando-se que o tribunal de primeira instância consultou esse processo, conforme indicado na sentença recorrida:
- A assembleia geral em causa data de 07-02-2018;
- A sentença proferida no referido procedimento cautelar data de 21-05-2018, tendo julgado improcedente a pretensão formulada, conforme documento de fls. 80 a 88-v;
- O acórdão do TRL que confirmou essa sentença data de 18-10-2018.
Assim, ponderando que a presente ação deu entrada em 05-06-2018, isto é, em momento anterior ao trânsito em julgado da aludida decisão e o disposto no art. 369º, nº3 do CPC, impõe-se concluir que não se verifica a aludida exceção de caducidade, não tendo o tribunal de primeira instância atentado no citado normativo. Efetivamente, a possibilidade de consolidar a decisão do procedimento cautelar como definitiva, por via do mecanismo da inversão do contencioso, verificados determinados requisitos, tornando desnecessária a instauração da ação principal, tem, necessariamente, reflexos a este nível. Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “[o] nº3 visa não prejudicar o requerente da providência e da inversão do contencioso, sempre que o exercício do direito acautelado através da providência esteja sujeito a um prazo de caducidade (…) Com o pedido de inversão do contencioso, o prazo de caducidade é interrompido, ficando definitivamente interrompida a caducidade com a decisão que o acolha (…) e retomando, ao invés, o prazo com o trânsito em julgado da decisão que rejeite o pedido”[ [8] ]. Saliente-se que se trata de inovação introduzida pela Lei 41/2013 de 26-06, que alterou os termos em que a questão da caducidade do direito de instaurar a ação (definitiva) de anulação vinha sendo analisada, nos casos de coexistência com procedimento cautelar de suspensão, sendo que os casos de caducidade da providência, a que alude o art. 373º do CPC - cfr. o art. 389º da lei anterior – se inserem noutro âmbito, não se confundindo com a questão ora em análise. Refere a ré que nas contra alegações de recurso, nomeadamente, que os autores, quando aludem à caducidade, nos termos em que o fizeram, “trazem a este recurso” uma “questão nova”, e que “a referência” a esse processo “só consta da sentença recorrida porque o juiz a quo lhe fez uma consulta oficiosa”, não tendo esse processo qualquer relevância. Trata-se de argumentação sem fundamento. A questão que o tribunal apreciou, oficiosamente, foi a da caducidade do direito dos autores peticionarem a declaração de invalidade da deliberação em causa, podendo/devendo, consultar o processo aludido, ao abrigo do princípio do inquisitório (art. 411º do CPC); o documento que os autores juntaram em sede de recurso – cópia da aludida sentença – já devia constar do processo e o Juiz devia ter ordenado essa junção, ponderando a factualidade que deu por assente sob os números 8 e 9, que não foi objeto de impugnação pelas partes [ [9] ]. Ou seja, não só tem plena justificação a junção do documento, ao contrário do que a ré refere nas contra alegações de recurso – que, nesse contexto, nem sequer deve ser ponderado no âmbito da apresentação de novos elementos de prova –, como podia a questão ser suscitada pelos apelantes em sede de recurso, como foi; acrescente-se que a ré invocou a caducidade do direito dos autores nas alegações de direito que apresentou, sendo que não contestou a ação. Procedem, pois, as conclusões dos apelantes, impondo-se alterar o juízo valorativo feito pela primeira instância. 4.– Da invalidade da deliberação tomada em assembleia geral da ré realizada em 07-02-2018.
Em apreciação subsidiária, lê-se na sentença recorrida: “E mesmo que, por mera hipótese de raciocínio, não se verificasse tal caducidade, cumpre assinalar que, conforme se constata da leitura da ata em causa, e desde logo se infere pelo resultado da votação, os requerentes não demonstram ser titulares de 66,55% do capital social da R. Os requerentes são é titulares de um conjunto de escritos que, por estarem sujeitos ao cumprimento dos procedimentos previstos na Lei n.° 15/2017, de 3 de maio, e DL n.° 123/2017, de 25 de setembro, que estabelecem o regime de conversão das ações ao portador em ações nominativas, por conterem referências a “endosso” que os AA. não esclarecem minimamente onde, quando e como ocorreu, e por estarem desacompanhados do comprovativo respetivo registo no livro de registo de ações da sociedade não podem valer como representativos do capital social da R.. Tudo isto sem prejuízo, de estar vedada a transmissão de valores ao portador a partir do dia 4 de novembro de 2017. Por outro lado, os AA. invocam que pediram o aditamento de vários pontos à ordem de trabalhos, e que o pedido foi negado. Todavia, não especificam concretamente quais os fundamentos do respetivo indeferimento, nem sequer indicam os preceitos legais violados e que impõem a anulação das deliberações tomadas. Segundo a al. a), do n.°1, do art. 58°, do CSC, são anuláveis as deliberações que violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos art. 56°, quer do contrato de sociedade. Ora, percorrendo a factualidade dada como provada, não se vislumbra a existência de qualquer fundamento para a anulação da deliberação tomada. Nestes termos, mesmo que não operasse a verificada caducidade, também não se vislumbraria fundamento legal suficiente para a anulação das deliberações tomadas na AG da R., realizada a 07.02.2018”. Os apelantes questionam igualmente o entendimento assim expresso limitando-se a invocar conforme consta do número 6 a 8 das alegações de recurso – cfr. as conclusões C) e D). Não têm razão. Os apelantes não impugnaram o julgamento de facto feito pelo tribunal (arts. 639º, nº1 e 640º do CPC), pelo que se conformaram com essa avaliação, nomeadamente, quanto à matéria indicada no número 1 dos factos provados; nada havendo que alterar em face dos elementos disponíveis nos autos (art. 662º do CPC), é em face desse quadro factual que se impõe analisar. A afirmação de que “os requerentes são donos e legítimos possuidores de 66,55% do capital social da Sobral e Fonseca SA” é conclusiva, bem se alcançando que o tribunal tenha reconduzido essa alegação à factualidade vertida em 1. O efeito cominatório associado à falta de contestação, previsto no art. 567º, nº1 do CPC, não permite que se leve à factualidade assente matéria conclusiva e de direito. No mais, o tribunal limitou-se a analisar os “escritos” aludidos, concluindo que dos mesmos não pode extrair-se que os requerentes sejam titulares de 66,55% do capital social da ré. Essa questão foi sobejamente analisada na sentença proferida no referido procedimento cautelar, sendo que a análise jurídica aqui efetuada é uma súmula do que já havia sido apreciado naquele processo, em que o tribunal concluiu que os requerentes são apenas titulares de 20.000 ações ao portador [ [10] ]. Inexiste, pois, o apontado excesso de pronúncia, salientando-se que os apelantes não aduziram qualquer nulidade de sentença. * Por último, os apelantes concluem que “[o]s pedidos de inclusão na ordem de trabalhos feitos pelos RR. e a solicitada presença de Notário teriam impedido que a deliberação tivesse sido cometida com ilegalidade que resulta de figurar como sócia uma sociedade estranha ao capital social que já foi propriedade dos AA.”, sendo que essa conclusão (D) repete a alegação vertida no corpo das alegações, em que nada mais foi aduzido pelos apelantes, a esse propósito. Os apelantes tecem afirmações sem cuidar minimamente de fundamentar as mesmas, vício que já havia sido apontado na decisão recorrida, com referência à petição inicial – cfr. o texto supra enunciado – insistindo os apelantes nessa atuação. Assim, nada há que acrescentar ao que já foi enunciado na decisão recorrida, não podendo, no entanto, deixar de se assinalar que as questões alusivas quer ao pedido de inclusão na ordem de trabalhos, quer à falta do notário, já foram apreciadas nos aludidos autos de procedimento cautelar, assinalando-se as seguintes passagens:
- Do acórdão da Relação de Lisboa aludido no número 9 dos factos provados [ [11] ]: “ Quanto ao aditamento à convocatória solicitado atempadamente e do pedido da acta notarial:
- sobre estas questões importa lembrar a matéria de facto provada constante do ponto 8. da fundamentação de facto - pontos incluídos na ordem de trabalhos da assembleia geral convocada para 07.02.2018 - sendo de referir que foi dado como provado» no ponto 19. da mesma fundamentação de facto, que o pedido de introdução de novos pontos da ordem de trabalhos por parte de AMfoi indeferido» por carta de 30.01.18» com o fundamento em ter sido apresentado fora de prazo. Ou seja, se é certo que os recorrentes apresentaram um pedido de inclusão de assuntos na ordem do dia, não é menos certo que esse pedido foi indeferido, pelo presidente da mesa da Assembleia Geral, com fundamento na sua intempestividade. Não impugnada a referida matéria de facto dada como provada, uma vez mais, improcede tal alegação. Sobre pedido de acta notarial conclui-se na sentença recorrida que a sua falta só daria lugar à anulabilidade das deliberações sociais, tomadas na respectiva reunião da assembleia geral, se a referida falta interferisse no sentido final da deliberação, matéria que não foi alegada nos autos, nem dos mesmos resulta. Nada há mais a referir a este respeito, acompanhando-se a sentença recorrida na sua fundamentação sobre esta questão e supra transcrita, improcedendo aqui as conclusões das alegações de recurso”;
-Da sentença proferida e que foi mantida por esse acórdão, conforme número 9 dos factos provados: “Alegaram ainda os Requerentes que não foi atendida a pretensão dos Requerentes no sentido da acta ser lavrada por Notário. A Requerida respondeu que a acta não foi lavrada por Notário porque os Requerentes não o fizeram comparecer. Nos termos do art.º 63.°, nº 6, do CSC qualquer sócio pode requerer que a acta seja lavrada por notário, em instrumento avulso, por escrito apresentado com cinco dias úteis de antecedência, Salvo o devido respeito por opinião diversa, a razão de ser da antecedência de 5 dias é a permitir que a sociedade, a quem é dirigida a pretensão e a quem incumbe a organização da assembleia geral, providencie pela comparência do notário. A desconsideração da referida pretensão constitui vício de procedimento que, nos termos do art. 58.°, n.° 1, al. a), do CSC, pode conduzir à anulabilidade da deliberação. Porém, citando António Menezes Cordeiro (Código das sociedades Comerciais anotado, 2ª ed., 2014, pág. 235), "vícios de forma ou de procedimento, quando não caiam no 56º/1, a) e b), geram anulabilidade: mas apenas quando a falha possa interferir no sentido final da deliberação. Trata-se da regra geral do processo (201º/1, do CPC), que serve também o favor societatis. Aderindo sem reservas a tal doutrina, entende este tribunal que, nos casos de irregularidades do procedimento não basta a verificação das mesmas. Torna-se necessário que daí resulte susceptibilidade de influir no sentido da deliberação. Nomeadamente não foi invocada qualquer desconformidade da acta elaborada ou diminuição de garantias, nomeadamente ao nível da prova” concluindo-se que também nesta parte não se verifica vício determinante da anulabilidade da deliberação”. Improcedem, pois, sem necessidade de outras considerações, as conclusões de recurso. * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida, pelos fundamentos apontados. Custas pelos apelantes. Notifique.
[1]Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013. [2]Artigo 15.º Factos sujeitos a registo obrigatório (…) 5- Estão igualmente sujeitas a registo obrigatório as acções, decisões, procedimentos e providências cautelares previstas no artigo 9.º 6- O registo do procedimento cautelar não é obrigatório se já se encontrar pedido o registo da providência cautelar requerida e o registo desta não é obrigatório se já se encontrar pedido o registo da acção principal. 7- O registo das acções e dos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações sociais devem ser pedidos no prazo de dois meses a contar da data da sua propositura. 8- O registo das decisões finais proferidas nas acções e procedimentos referidos no número anterior deve ser pedido no prazo de dois meses a contar do trânsito em julgado. [3](2011) Código das Sociedades Comerciais em Comentário. Coimbra: Almedina Vol. II, p. 720. [4]Por confronto com a redação resultante do Decreto-Lei n.º 403/86, de 03 de dezembro, que dispunha como segue: Artigo 15.º Factos sujeitos a registo obrigatório (…) 4 - As acções de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de sociedade, de agrupamento complementar de empresas e de agrupamento europeu de interesse económico, dos actos constitutivos de cooperativas e de estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, bem como de deliberações sociais, não terão seguimento após os articulados enquanto não for feita a prova de ter sido pedido o seu registo; nos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações sociais, a decisão não será proferida enquanto aquela prova não for feita. [5]Processo 546/14.3TBBGC.G1 (Relator: Lina Castro Baptista), acessível in www.dgsi.pt, sendo que no caso se discutia questão similar em face do Registo Predial, concluindo-se que “[a] falta de registo da ação (petição inicial) neste momento processual, em que já existe decisão final na 1ª Instância e em que estamos a proceder ao julgamento em 2ª Instância, não tem qualquer utilidade prática. Apenas terá agora utilidade o registo da decisão final da causa, com trânsito em julgado, o qual deverá ser levado a cabo oportunamente”. No mesmo sentido cfr. o ac. STJ de 28-05-1991, referido nesse aresto, proferido no processo n.º 080398 (Relator: Marques Cordeiro), acessível no mesmo local, assim sumariado: I- A acção que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade sobre imóvel esta sujeito a registo obrigatório por força do preceituado no artigo 3, n. 1, alínea a) do Código do Registo Predial. II- A falta do registo da acção e de conhecimento oficioso mas, não tendo as partes suscitado oportunamente a questão, o tribunal de 1ª instância não cometeu qualquer nulidade ao deixar de se aperceber da falta de registo da acção. III- O registo da acção, ao mesmo tempo que assegura os interesses do autor, protege igualmente eventuais interessados, alertando-os para o facto de poderem vir a ser prejudicados pela pretensão do Autor, caso este obtenha ganho de causa. IV- Dado o estado do processo não ha necessidade de suspender a instância para que o registo seja efectuado uma vez que são poucas ou nenhumas as possibilidades de um terceiro de boa fé estar interessado na aquisição do prédio, ao que acresce a má fé por parte da Ré se procedesse a sua venda, e, pelo que respeita ao Autor, os inconvenientes que lhe podem advir da falta do registo da acção só a ele mesmo são imputáveis”. [6]Conforme indicação constante da sentença aí proferida, em que se indica que os autores “[a] final pediram ainda a inversão do contencioso”. [7]Como refere Abrantes Geraldes, trata-se de um prazo de caducidade “[m]algrado estar previsto na lei adjectiva”, “cujo decurso determina a extinção do direito de acção cautelar,sem prejuízo da manutenção do direito a fazer valer na acção principal” (2006 Temas da Reforma do Processo Civil. Coimbra: Almedina, IV vol., pp.82-83). [8]2017, Código de Processo Civil Anotado. Coimbra: Almedina, vol. 2º, p.48. [9]Como se impunha que, igualmente, tivesse sido junta cópia do acórdão da Relação aludido nos factos provados, razão pela qual essa junção foi aqui determinada; refira-se que não se ordenou a notificação às partes dessa junção porquanto as mesmas têm conhecimento desse aresto, já que foram partes no referido procedimento cautelar. [10]Lê-se nessa decisão: “A Lei nº 15/2017 de 03.05 proibiu a emissão de valores mobiliários ao portador e estabeleceu o prazo de seis meses para conversão obrigatória dos existentes em nominativos, findo o qual fica proibida a transmissão de valores mobiliários ao portador e suspenso o direito de participar em distribuição de resultados associado a valores mobiliários ao portador (art. 2º, nº2, als. a) e b). Esse prazo atingiu o seu termo em 04.11.2017. O D.L. n.° 123/2017 de 25.09, por seu turno, estabeleceu o regime da conversão dos valores mobiliários ao portador em valores mobiliários nominativos, estabelecendo um procedimento de conversão, a promover pela entidade emitente. Nos termos do art.º 4.°, n.° 1, ais. a) e b), do referido diploma legal, o procedimento de conversão opera por anotação na conta de registo individualizado, ou por substituição ou alteração dos títulos, realizados pelo emitente. Resulta da matéria provada que a Requerida, em reunião do conselho de administração de 25.10.2017, que então integrava os requerentes e José António Monteiro, deliberou a conversão dos títulos ao portador em títulos nominativos. Nessa reunião foi efectuada uma lista de titulares, correspondendo a Rebocalex, Lda. as 59980 posteriormente apresentadas pelos Requerentes. Os Requerentes, então também sócios e gerentes da Rebocalex, nada opuseram a tal enumeração, assumindo assim a titularidade pela Rebocalex das acções de que agora se afirmam portadores e titulares. Convidados a concretizar o negócio subjacente ao endosso aposto nas acções com data de 10.11.2017, alegaram a realização de um negócio com o pai, José António Fonseca, de troca das acções da Requerida, na posse da Rebocalex, pelas participações sociais na Rebocalex, tituladas pelos próprios, mas sujeitas a procuração irrevogável outorgada a favor de José António Fonseca, com poderes para onerar e vender as referidas participações sociais. Não se provou a realização de qualquer negócio, nomeadamente a alegada permuta, o que desde logo conduz a que a aposição do endosso não se mostre legitimada por negócio subjacente que se mostre válido e eficaz. Não podendo aqui deixar de se assinalar a contradição dos Requerentes ao alegar por um lado que as acções foram convertidas em nominativas em 25.10.2017 com referência à titularidade pela Rebocalex, e ao justificar por outro a aquisição posterior, em 10.11.2017, com acto de endosso que só assume significado nas acções ao portador. Acresce ainda que o endosso foi aposto com data de 10.11.2017, por conseguinte após o termo do prazo de seis meses previsto no art.0 2°, n.°2, ai. a) da Lei n.° 15/2017 de 03.05, sendo por conseguinte inválido (art.º 280.°, n.° 1, do Código Civil). Entende assim este tribunal não ter sido demonstrada, pelos Requerentes, nem a titularidade, nem a posse legitima das 59980 acções que apresentaram com endosso da Rebocalex, nem mesmo a validade desse endosso. Relativamente às 20.000 seções originariamente detidas pelos Requerentes, não se suscita controvérsia quanto à posse ou titularidade das mesmas pelos requerentes, sendo assim de a admitir, nomeadamente em função da posição assumida pelas partes relativamente às mesmas. Concluindo que os Requerentes são titulares de 20.000 acções representativas do capital social da Requerida, assiste-lhes legitimidade para, nos termos do art.° 380.°, n.° 1 do CPC, instaurar o presente procedimento. Entendendo este tribunal que, constando dos registos da Requerida aquela titularidade, e sendo manifesto que a não substituição dos títulos decorre do clima de litígio e desconfiança instalados entre os intervenientes, daí não decorre a perda de direitos dos Requerentes, nomeadamente o direito de instaurar o presente procedimento. Porém, não sendo reconhecida aos Requerentes a titularidade das 59980 acções endossadas pela Rebocalex, perde fundamento o procedimento, na parte em que se funda no não reconhecimento pela Requerida, daquele mesmo direito. Afastada a legitimidade do voto dos Requerentes relativamente às acções originariamente pertencentes à Rebocalex poderá ainda discutir-se a legitimidade do voto desta. Entende no entanto este tribunal que atestada a tese dos Requerentes de posse legitimada por endosso das referidas acções, e tendo a Requerida emitido título nominativo provisório a favor da mesma, não subsistem elementos que permitam colocar em causa a legitimidade do voto”. [11]Acordão distribuído à 2ª secção e subscrito pelos Juízes Desembargadores Magda Geraldes (Relatora), Farinha Alves e Tibério Silva (Adjuntos).