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INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DE ACTO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO
INÍCIO DA CONTAGEM DE PRAZO
Sumário
I - O prazo de seis meses consagrado no art. 123º/1 CIRE para o administrador da insolvência exercer o direito potestativo de resolução do ato lesivo para a massa insolvente conta-se do efetivo conhecimento dos contornos do negócio e não da data em que o mesmo chegou ao seu conhecimento. II - O regime previsto no art. 123º/1/2 CIRE aplica-se indistintamente às situações em que o administrador da insolvência exerce o direito à resolução pela via judicial ou por via extrajudicial. III - A previsão do art. 123º/2 CIRE “enquanto…o negócio não estiver cumprido” reporta-se aos contratos de execução continuada ou duradoura.
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório
Por apenso ao processo de insolvência foi instaurada a presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTOR: “Massa Insolvente de B…”, representada pelo seu Administrador de Insolvência – Dr. C…, com escritório na …, n.º ..º, 1º, ….-… Porto; e,
- RÉUS: B…, divorciado, NIF ………, com domicílio fixado na Rua …, n.º …, R/C Dto., …, ….-… Vila Nova de Gaia;
E…, divorciada, NIF ………, com domicílio estabelecido na Rua …, n.º …, ….-… São João da Madeira;
“F…, S.A.”, NIF ………, com sede na Rua …, n.º …, …, ….-… Oliveira de Azeméis,
pede o autor:
- que se declare resolvido em benefício da Massa Insolvente (aqui Autora) e, em consequência, ineficaz em relação à mesma, o ato consubstanciado no título de compra e venda, outorgado em 10.02.2012, na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira, através do qual os 1º e 2ª RR. declararam vender à 3ª Ré, o seguinte bem: “prédio urbano, moradia unifamiliar composta por cave, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, destinado a habitação, sito na Rua …, lote .., n.º .., freguesia e concelho de São João da Madeira, inscrito na matriz urbana n.º 6738 e descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 4502”;
- seja decretado o cancelamento do registo de aquisição efetuado com base nesse título de compra e venda e com referência ao imóvel supra identificado;
Subsidiariamente, caso assim não se entenda,
- seja declarado nulo, por simulação, o ato consubstanciado no referido título de compra e venda,
- seja decretado o cancelamento do registo de aquisição efetuado com base nesse título de compra e venda e com referência ao imóvel supra identificado.
Alegou para o efeito e em síntese que o Insolvente e a sua ex-mulher (E…), aqui, 2ª Ré, através de título de compra e venda, outorgado em 10.02.2012, na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira, declararam vender à 3ª Ré (F…), o seguinte bem: “prédio urbano, moradia unifamiliar composta por cave, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, destinado a habitação, sito na Rua …, lote .., n.º .., freguesia e concelho de São João da Madeira, inscrito na matriz urbana n.º 6738 e descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 4502.
O preço declarado da venda foi de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros).
Mais alegou que a Autora tomou conhecimento, em 14.10.2016, que os vendedores, aqui 1º e 2ª RR., não receberam o preço da “alegada” venda. Não receberam, pelo menos, a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), não se mostrando o negócio cumprido.
Considera-se prejudicial à massa insolvente o ato que diminua, fruste, dificulte, ponha em perigo ou retarde a satisfação dos credores da insolvência (120º/2 do CIRE). A “alegada” venda foi realizada a uma sociedade constituída em 09.02.2012 e o preço, apesar de declararem o contrário, não foi recebido pelos vendedores (1º e 2ª RR.).
A “venda” foi realizada com o intuito de impedir a satisfação dos credores, já que nessa fase a insolvência era iminente.
Mais alega que nessa data (10.02.2012), já se encontravam vencidas as seguintes dívidas:
a. Autoridade Tributária: dívida de 31.12.2011;
b. G…: dívida contraída em 15.05.2009;
c. H…, S.A: dívida contraída em 10.02.2006;
d. I…, S.A.: dívida contraída em 19.06.2006;
e. J…, S.A.: dívida contraída em 14.01.2010;
f. K…, S.A.: dívida contraída em 29.04.2009;
g. L…, S.A.: dívida contraída em 06.01.1999;
A adquirente e os seus acionistas tinham conhecimento que o 1º e 2ª RR. estavam em situação de insolvência iminente. Tinham conhecimento que pagar € 160.000,00 (240.000,00 – 80.000,00), em vez dos declarados € 240.000,00, era prejudicial aos credores, o que justifica a resolução do negócio a favor da massa insolvente.
A título subsidiário, alegou que os 1º e 2ª RR. não quiserem vender o imóvel [descrito em 1º supra] à 3ª Ré e a 3ª Ré não o quis comprar. A vontade declarada por todas as partes não corresponde à vontade real. Antes quiseram simular uma venda para prejudicar os credores dos 1º e 2ª RR.
Os 1º e 2ª RR continuam a comportar-se como verdadeiros e únicos donos do imóvel, dispondo e utilizando-o como bem entendem. A 3ª Ré nunca se comportou como verdadeira e única dona do imóvel e confrontados os primeiro e segundo réus com a questão do pagamento do preço, apresentaram diferentes versões.
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Citados os réus contestaram.
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Os réus B… e E… defenderam-se por exceção e por impugnação.
Por exceção suscitaram a caducidade/prescrição da ação.
Alegaram para o efeito que por via da presente ação, que deu entrada em Fevereiro de 2017, a Autora comunicou, por citação nos autos, aos Réus a resolução do contrato de compra e venda, celebrado no dia 10 de Fevereiro de 2012. O Administrador de Insolvência tomou conhecimento do negócio objeto de resolução antes de 14 de Julho de 2015, mediante notificação judicial feita nos autos a fls. no apenso principal de insolvência, pelo que tomou conhecimento do negócio há mais de 6 meses da data da resolução, data essa que se inicia com a citação dos Réus nos presentes autos, em que, no caso da Ré E…, foi a 19 de Maio de 2017.
Alegaram, ainda, que foram declarados insolventes, por sentença proferida em 13 de Fevereiro de 2014, em relação ao Réu B…, e a 08 de Abril de 2014, em relação à Ré E…, nos autos que correm termos sob o nº 333/14.9TBSJM do 1º juízo Cível de S. João da Madeira, não se verificando qualquer causa de interrupção ou de suspensão.
Concluem que entre a data da declaração de insolvência e a data da comunicação da resolução já decorreram mais de 2 anos, como, também, decorreram mais de 6 meses entre a data do conhecimento do negócio e a data da comunicação da resolução, pelo que, se mostra prescrito ou caducado (do ponto visto técnico jurídico a quem entende que é uma caducidade e não uma prescrição) o direito de fazer valer a pretensão da Massa Insolvente em resolver o aludido negócio, pelo decurso do prazo de seis meses do conhecimento, como também, pelo decurso do prazo de 2 anos da data da declaração de insolvência.
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A ré F… veio em sede de exceção suscitar a caducidade da ação e ainda, o caso julgado.
Em relação à exceção de caducidade renova os argumentos dos corréus.
Sobre a exceção de caso julgado alegou que os 1º e 2º Réus, B… e E…, divorciaram-se em 5 de Maio de 2009, por decisão proferida pela Conservatória do Registo Civil de São João da Madeira, transitada em julgado na mesma data, produzindo os seus efeitos após o dia 5 de Maio de 2009.
Após o divórcio, primeiro e segunda Réus deixaram de ser donos em comum do prédio aqui em causa, passando cada um deles a ter o direito à sua meação sobre o identificado bem (cônjuge meeiro).E, no que tange à segunda Ré, conforme se extrai do despacho proferido em 02/07/2015, nos autos de Processo nº 333/14.9TBSJM, que correu termos pela Comarca de Aveiro – Instância Central de Oliveira de Azeméis – 2ª Secção de Comércio – J1, já o Tribunal se pronunciou, tomando posição definitiva, no sentido de que quanto à celebração do título de compra e venda posto em crise nesta lide, já não era possível ponderar a resolução desse negócio, tendo o identificado despacho transitado em julgado.
Conclui que dúvidas não podem subsistir de que quanto à resolução do negócio jurídico em causa, a mesma não pode operar, porquanto o Tribunal já se pronunciou quanto ao mesmo, não podendo agora o Tribunal vir a apreciar do mesmo pedido, sob pena de violação do caso julgado, porquanto existe identidade de sujeitos, desde logo porque, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica os primeiro e segundo Réus no negócio em causa eram os vendedores, a compradora era a terceira Ré, e o objeto da venda era o mesmo.
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Na resposta à matéria das exceções veio o autor, Administrador da Insolvência, impugnar os fundamentos das exceções, alegando para o efeito e em síntese, que enquanto não estiver cumprido o negócio, como não está, a resolução pode ser declarada sem dependência de prazo – art. 123º/2 do CIRE.
Sendo nulo o negócio, porque simulado, a nulidade pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer interessado. A massa insolvente, através do administrador de insolvência, tem legitimidade, ao abrigo do disposto no art. 286º do CC, para pedir em juízo a declaração de nulidade, por simulação, de um contrato de compra que havia sido celebrado entre a devedora insolvente e a Ré.
Quanto à exceção de caso julgado, alegou que não foi junta qualquer decisão com a contestação e que a transcrição que consta do art. 2º da referida contestação, não se trata de um despacho decisório e nunca podia existir caso julgado, desde logo porque não há identidade de partes (a Autora não é parte naqueles autos) – art. 580º/1 e 580º/2 do CPC.
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Em sede de saneador, sobre a matéria das exceções de caducidade e caso julgado, proferiu-se o despacho que se transcreve:
“1. Da exceção de caso julgado:
Veio a 3.º ré suscitar a exceção de caso julgado, declarando que nos autos de insolvência relativos à ex mulher do ora insolvente foi proferido despacho que considerou que a questão de resolução do negócio cuja resolução é peticionada nos presentes não poderia ser ali apreciada atendendo à data de celebração do título de compra e venda.
Como dispõe o nº.1 do artigo 580.º do Código de Processo Civil a exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido já decidida por sentença que não admite recurso ordinário.
A finalidade da exceção é clara: pretende-se evitar que um dado tribunal veja ou as suas decisões desautorizadas por um outro tribunal, admitindo que este decide em sentido oposto àquele; ou as suas decisões repetidas, praticando-se atos inúteis, supondo que decide em sentido idêntico. Ocorrendo a exceção de caso julgado o tribunal abstém-se de proferir uma decisão de mérito não se lhe colocando, pois, a referida alternativa.
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, pág. 567), “o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão”.
São três os elementos fundamentais que identificam uma causa, reportando-se o primeiro aos sujeitos intervenientes e os dois restantes ao objeto do processo; assim, entende-se que uma causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra, respetivamente, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. nº.1 do art.580º do Código de Processo Civil).
Como refere o Prof. Lebre de Freitas, “ao conceito de repetição é indiferente que seja ou não a mesma a posição das partes no segundo processo, podendo ser autor na segunda ação o réu da primeira e vice-versa; consequentemente é também irrelevante que, na segunda ação se peça o mesmo que na primeira ou o inverso do que nela se pediu (...) Basta, pois, a identidade dos sujeitos e a identidade do pedido, independentemente de quem é autor e réu e de quem afirma a situação jurídica ou a situação de facto e requer a consequente providência judicial”.
Ora, desde logo e sem necessidade de grandes considerandos, verifica-se que as partes nos autos referidos pela 3.º Ré e os presentes não são as mesmas - cfr. certidão de fls. 184 v.º e 185.º
De igual modo, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (cfr. art.673º do Código de Processo Civil), ou seja, é pelo teor da decisão com referência à pretensão das partes que se afere a extensão objetiva do caso julgado.
Ora, a este respeito, de igual modo resulta claro que naqueloutros autos não é proferida qualquer decisão de mérito a respeito da questão de resolução do negócio referido nos presentes autos, tendo antes sido proferido mero despacho de expediente que aprecia outra questão – existência ou não de bens a apreender – e refere a título incidental que se encontra afastada a possibilidade de naqueles autos vir a ser proposta uma ação de resolução do negócio jurídico em causa atendendo à data de celebração do mesmo, declaração esta que de igual modo não seria impeditiva a que tal ação viesse a ser ali efetivamente proposta e que depois viesse a ser apreciada em sede própria, precisamente porque não consubstancia uma decisão qua tale, uma apreciação final da questão, mas uma declaração efetuada na apreciação de outra questão, nos moldes supra referidos.
Tal despacho de mero expediente, não configura assim qualquer caso julgado quanto à matéria em causa.
Por tudo exposto, julga-se improcedente a exceção dilatória de caso julgado invocada.
Custas no incidente pela 3.º Ré que se fixa em 4 UC´s.
2. Da exceção de caducidade:
Vieram os RR. invocar a caducidade do direito de resolução uma vez que o prazo de 6 meses previsto no art. 123.º do CIRE se encontra esgotado dado que o Sr. AI teve conhecimento do negócio em 14.07.2015.
Ora, sem necessidade de considerandos mais aprofundados, na petição inicial são invocados factos de não cumprimento do negócio em apreço, pelo que nos termos do art. 123.º/2 do CIRE em tais casos não há qualquer prazo a ser observado.
Na verdade do teor do n.º 2 do referido preceito legal apenas é estabelecido que a resolução pode ser declarada sem dependência de prazo por via de exceção, não se dizendo – ao contrário do disposto no art. 287.º/2 do CC – que apenas pode ser arguida, pelo que a arguição incumbe às partes mas a declaração de resolução é efetuada pelo tribunal, pelo que não assiste razão ao argumento invocado pelos RR.
Acresce que ainda que assim não se entendesse sempre a data de conhecimento do negócio dependeria de produção de prova, sendo matéria controvertida.
Por outro lado a A. invoca a nulidade do negócio realizado, pelo que de igual modo sempre o regime legal da nulidade previsto no art. 286.º do CC seria aqui aplicável, ex vi art.17.º do CIRE, uma vez que o CIRE nada estabelece quanto a esta matéria, prevalecendo assim sobre o disposto no art. 123.º CIRE que fixa o regime de resolução genérico, ou seja, com base noutros fundamentos que não a nulidade.
Assim, prevalece o regime específico da nulidade previsto no CC sobre o regime genérico da resolução previsto no CIRE.
Por tudo exposto, julga-se improcedente a exceção de caducidade/prescrição invocada.
Custas no incidente pelos Réus que se fixa em 3,5 UC´s”.
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B… e E…, Réus vieram interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões: 1. A presente ação é uma ação de resolução de negócio em benefício da massa insolvente, cujo prazo para ser intentada, no entendimento dos Recorrentes, já há muito está ultrapassado; 2. A Massa Insolvente alega que o negócio não foi concluído, por entender que o preço nunca foi recebido; 3. Em via subsidiária, a Autora arguiu a nulidade do negócio por entender que este foi simulado; 4. Ao invés, Recorrentes afirmam que o negócio foi pontualmente cumprido e invocam que a resolução em benefício da massa insolvente pode ser efetuada no prazo de 6 meses ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência. 5. O Meritíssimo Juiz ad quo considerou estar habilitado a conhecer desde já o mérito quanto à exceção da prescrição invocada, dando como assente matéria que, na realidade, é controvertida, como o não cumprimento do negócio em apreço. 6. Consideram os Recorrentes que tal é insuficiente para que o Tribunal ad quo pudesse já pronunciar-se sobre a invocada prescrição/caducidade, pelo menos neste sentido. 7. Consideram, ainda, que a existir pronúncia quanto a esta exceção invocada, a decisão teria, forçosamente, que ser proferida em sentido completamente oposto. 8. Caso assim o Tribunal ad quo não entendesse, os autos deveriam ter prosseguido para discussão de toda a matéria relevante, ou seja, deveriam prosseguir por forma a apurar os temas da prova, nomeadamente, saber em que data o Administrador de Insolvência teve conhecimento do negócio em causa e de que o preço não tinha sido recebido pelos vendedores, bem como apurar o cumprimento ou não cumprimento do negócio, uma vez que esta é também uma matéria controvertida, face às posições invocadas pelas partes. 9. Considerada a matéria assente supra enunciada, consideram os Recorrentes que, ao pronunciar-se deste modo no despacho saneador, o Meritíssimo Juiz ad quo não teve em atenção a corrente jurisprudencial maioritária, que não permite a aplicação do nº 2 do art. 123º do CIRE a um contrato de compra e venda com o argumento do não pagamento do preço. 10. Recorde-se, todavia, que a questão do pagamento ou não pagamento do preço é controvertida, tendo em conta as posições assumidas pelas partes nos articulados. 11. Os Recorrentes seguem o entendimento dos vários acórdãos supra citados, concordando com a impossibilidade de aplicação do nº 2 do artigo 123º do CIRE por estarmos perante um contrato de compra e venda, que não se enquadra na definição de contrato duradouro ou de execução continuada. 12. Como se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, no Ac. de 20-09-2018, “a faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo n.º2 do artigo 123.º do CIRE apenas se aplica aos contratos de execução continuada ou duradoura (as obrigações cumprem-se por uma sucessão de atos – Ex.: contrato de arrendamento - pagamento de parcelas periódicas), não sendo aplicável aos contratos de execução instantânea (as obrigações são cumpridas em um só instante, num único momento, como sucede na compra e venda)”, disponível em dgsi.pt. 13. Para que o nº 2 do art. 123º do CIRE seja aplicável, é obrigatória a verificação cumulativa de dois requisitos, a saber: a) o negócio resolvendo não estar ainda cumprido; b) a resolução ser efetuada por via de exceção; 14. Contudo, «enquanto…o negócio não estiver cumprido» reporta-se exclusivamente aos contratos de execução continuada ou duradoura. 15. O decurso dos prazos da prescrição ou da caducidade apresenta-se como uma reação ou sanção da ordem jurídica contra a inércia e o desinteresse do titular do direito, entendendo-se que ele já não pretende a sua tutela, garantindo assim a segurança jurídica. 16. O Administrador de Insolvência teve conhecimento do negócio objeto de resolução antes de 14 de Julho de 2015, mediante notificação judicial feita nos autos do apenso principal de insolvência, ou seja, há mais de 6 meses da data da resolução, data essa que se inicia com a citação dos Recorrentes nos autos, que, no caso da Recorrente E… foi em 19 de maio de 2017. 17. Refere o Tribunal da Relação de Coimbra, no AC DE 02-02-2016 que, no “que concerne ao alcance e abrangência de tal «conhecimento» deve entender-se que ele se reporta ao conhecimento, pelo administrador da insolvência”, 18. Pois só assim é possível garantir a segurança jurídica e não garantir a tutela de um direito ad eternum; 19. Os Recorrentes foram declarados Insolventes por sentenças proferidas em 13 de Fevereiro de 2014 e 08 de Abril de 2014, pelo que, não restam dúvidas que há muito está ultrapassado o prazo de dois anos, como também decorreram mais de 6 meses entre a data do conhecimento do negócio e a data da comunicação da resolução. 20. Assim, a existir qualquer decisão quanto à exceção de prescrição/caducidade já nesta fase, esta teria que ser num sentido completamente oposto ao decidido pelo Tribunal ad quo, dando total provimento à mesma, enfermando assim toda a restante matéria em discussão nos presentes autos. 21. Se é somente em via subsidiária que a Autora arguiu a nulidade do negócio por simulação; 22. É o regime da Resolução do Negócio em Benefício da Massa Insolvente que deve ser aplicado ao caso em apreço e é por via deste regime que não é possível aplicar o nº2 do artº 123º do CIRE ao negócio objeto de resolução. 23. Posto isto, resulta claro que a sentença recorrida apreciou mal as questões jurídicas que se lhe depararam ao considerar aplicável o nº2 do artº 123º do CIRE ao contrato objeto de resolução quando, na realidade, esta disposição não lhe é aplicável por não estarmos perante um contrato duradouro ou de execução continuada. Sem prescindir, 24. Caso se entenda que o este artigo é aplicável ao contrato de compra e venda aqui em litígio, determina o art. 595º n.º 1 al. b) do C.P.C. que o juiz pode, no despacho saneador, conhecer imediatamente do mérito da causa sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. 25. Para isso, é obrigatório que o estado do processo permite conhecer imediatamente do mérito da causa sem necessidade de mais provas, sempre que a questão seja apenas de direito, ou, sendo de direito e de facto, ou só de facto, o processo contiver todos os elementos para uma decisão segura, segundo as várias soluções possíveis de direito e não apenas tendo em vista a perfilhada pelo juiz da causa. 26. Quando os factos essenciais ao conhecimento de exceção perentória se mostram controvertidos, no despacho saneador, o tribunal deve relegar para final o conhecimento da mesma. 27. Contrariamente ao esperado, entendeu o Meritíssimo Juiz ad quo que o negócio não foi cumprido e, por isso, aplicar desde já o nº 2 do art. 123º do CIRE. 28. Contudo, olvidou que o pagamento ou não pagamento do preço é, nos presentes autos, uma matéria controvertida, como já se disse, face às posições assumidas pelas partes em sede de articulados, onde a Massa Insolvente alega o não recebimento do preço e os Recorrentes afirmam que o negócio foi feito integralmente como consta na escritura pública, de boa fé e de forma onerosa. 29. Pelo que, não se concebe, salvaguardando novamente o devido respeito, que o Tribunal ad quo possa desde já dar como provado o não cumprimento do negócio e, assim, fazer cair por terra a prescrição/caducidade invocada. 30. Recorde-se que o Meritíssimo Juiz ad quo estabeleceu como um dos temas da prova "saber em que data o Administrador de Insolvência teve conhecimento do negócio em causa e de que o preço não tinha sido recebido pelos vendedores” pelo que, se esta é uma matéria controvertida, consideram os Recorrentes que a decisão de proferir decisão no despacho saneador foi prematura, por si só, pois não permitiu qualquer produção de prova sobre um dos temas da prova. 31. Desta forma, se o Tribunal ad quo entende que o nº 2 do art. 123º do CIRE é aplicável ao contrato de compra e venda com o argumento do não pagamento do preço, tese que os Recorrentes não aceitam, ou mesmo aplicando o regime da nulidade previsto no 286º do Código Civil, deveriam sempre os autos ter prosseguido para a audiência de julgamento para discussão da matéria controvertida, 32. Sem qualquer decisão em sede de despacho saneador, muito menos no sentido adotado pelo Tribunal ad quo, relativamente à exceção de prescrição/caducidade. 33. Até porque, não sendo julgada procedente a simulação, seria a hipótese da resolução do negócio em benefício da massa insolvente julgada improcedente por não estarem cumpridos os pressupostos, nomeadamente, há muito estar ultrapassado o prazo de dois anos, como também, terem decorrido mais de 6 meses entre a data do conhecimento do negócio e a data da comunicação da resolução. 34. Pelo exposto, caso se entenda que há matéria suficiente para pronúncia sobre a prescrição/caducidade invocada, deverá a decisão recorrida ser revogada, substituindo-a por outra decisão que julgue procedente a exceção, enfermando a demais matéria discutida nos autos. 35. Em alternativa, deverão os autos prosseguirem para a realização de audiência final de discussão e julgamento, permitindo a produção de prova sobre todos os temas da prova, revogando a decisão recorrida.
Termina por pedir o provimento do presente recurso e a revogação da sentença recorrida e proferindo-se decisão que julgue procedente a exceção de prescrição/caducidade, por provada, ou em alternativa, a revogação da decisão recorrida, ordenando-se o prosseguimento dos autos para a audiência final de discussão e julgamento.
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F…, S.A., Ré, também veio interpor recurso do despacho, formulando as seguintes conclusões: a) A decisão quanto à possibilidade de resolução da compra e venda objeto dos presentes autos já foi decida – e bem – nos autos do processo 333/14.9TBSJM, que correu termos pelo, J1 da à data 2.ª Secção de Comércio da Instância Central de Oliveira de Azeméis da Comarca de Aveiro; b) A identidade dos sujeitos, para aferimento da exceção de caso julgado, deve ser casuísta, relevando a ponderação dos interesses controvertidos, bem como da eficácia externa da decisão; c) Nos presentes autos e nos do processo 333/14.9TBSJM o interesse em causa em qualquer decisão proferida quanto à possibilidade ou não de resolver a compra e venda celebrada pelos insolventes com a aqui recorrente é idêntico; d) A Autora não alega em momento algum a prejudicialidade para a massa do negócio que visa resolver, falhando um dos pressupostos essenciais para a resolução do mesmo; e) Se ainda fosse hipoteticamente possível a resolução da compra e venda sub judice, o que por mera cautela de patrocínio se consente, para poder decidir-se definitivamente sobre a mesma carecia o Tribunal a quo da apreciação de prova que manifestamente não efetuou; f) Não dispunha o Tribunal a quo de elementos de facto suficientes para que pudesse pronunciar-se pela não verificação da exceção de caducidade; g) A compra e venda de um bem imóvel é um negócio formal, cuja perfeição se atinge por mero efeito do contrato, sendo este gerador de obrigações para as partes – a tradição do bem e o pagamento do preço; h) Com a celebração de uma escritura pública de compra e venda o referido negócio encontra-se definitivamente cumprido; i) É absolutamente irrelevante para os efeitos visados no n.º 2 do Art.º 123.º do CIRE que, posteriormente à celebração de uma compra e venda, uma, ou parte de uma, obrigação não se encontre cumprida; j) A Autora teve conhecimento direto e absoluto da realização da compra e venda objeto dos presentes autos pelo menos a 17 de Julho de 2015, pelo que o seu direito a resolver o negócio caducou a 18 de Janeiro de 2016, nos termos do disposto na parte inicial do n.º 1 do Art.º 123.º do CIRE; k) Ainda que assim não fosse, a presente ação apenas foi apresentada em juízo depois de volvidos três anos e quatro dias da declaração da insolvência relevante para o efeito, pelo que o direito de resolução do negócio jurídico aqui em crise se encontrava caducado há mais de um ano, nos termos do n.º 1 do Art.º 123.º do CIRE, in fine; l) Numa ação de simples apreciação negativa como a presente não é lícito ao Tribunal a quo que tome conhecimento e se pronuncie quanto a uma eventual nulidade de uma compra e venda, cingindo-se o objeto dos autos à verificação, ou não, dos pressupostos que facultem ao Administrador de Insolvência a faculdade de resolver o negócio em benefício da massa.
Termina por pedir que se julgue o recurso procedente, modificando-se o despacho saneador e nessa conformidade:
a) se reconheça a verificação da exceção de caso julgado, absolvendo-se a Ré do pedido;
b) se reconheça a verificação da exceção de caducidade do direito de resolução do negócio em benefício da massa, absolvendo-se a Ré do pedido;
Ou subsidiariamente, caso assim não se entenda:
c) se ordene a baixa do processo ao Tribunal a quo para que profira novo despacho saneador, no qual se abstenha de julgar, até que produzida toda a prova, a exceção de caducidade do direito de resolução do negócio em benefício da massa.
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Não foram apresentadas respostas aos recursos.
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Os recursos foram admitidos como recurso de apelação.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
a) Apelação dos réus B… e E… - caducidade do direito de ação;
b) Apelação da ré F…– verificação dos pressupostos da exceção de caso julgado e caducidade do direito de ação.
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2.Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os termos do relatório, do qual se destacam os seguintes factos:
- Através de título de compra e venda, outorgado em 10.02.2012, na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira, os primeiro e segundo réus declararam vender à 3ª Ré (F…), o seguinte bem: “prédio urbano, moradia unifamiliar composta por cave, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, destinado a habitação, sito na Rua …, lote .., n.º .., freguesia e concelho de São João da Madeira, inscrito na matriz urbana n.º 6738 e descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 4502”.
- O preço declarado da venda foi de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros.
- O processo de insolvência iniciou-se em 30.01.2014.
- O primeiro e segundo réus foram declarados insolventes, por sentença proferida em 13 de Fevereiro de 2014, em relação ao Réu B… e a 08 de Abril de 2014, em relação à Ré E…, nos autos que correm termos sob o nº 333/14.9TBSJM do 1º juízo Cível de S. João da Madeira.
- Em 17 de fevereiro de 2017, por apenso ao processo de insolvência, o Administrador da Insolvência instaurou a presente ação na qual peticiona, como se transcreve:
“a. Ser declarado resolvido em benefício da Massa Insolvente (aqui Autora) e, em consequência, ineficaz em relação à mesma, o ato consubstanciado no título de compra e venda, outorgado em 10.02.2012, na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira, através do qual os 1º e 2ª RR. declararam vender à 3ª Ré, o seguinte bem:
>“prédio urbano, moradia unifamiliar composta por cave, rés-do-chão, 1º andar e logradouro, destinado a habitação, sito na Rua …, lote .., n.º .., freguesia e concelho de São João da Madeira, inscrito na matriz urbana n.º 6738 e descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o n.º 4502”;
b. Ser decretado o cancelamento do registo de aquisição efetuado com base nesse título de compra e venda e com referência ao imóvel supra identificado;
Subsidiariamente, caso assim não se entenda,
c. Ser declarado nulo, por simulação, o ato consubstanciado no referido título de compra e venda,
d. Ser decretado o cancelamento do registo de aquisição efetuado com base nesse título de compra e venda e com referência ao imóvel supra identificado;
e. Serem os RR. condenados em custas”.
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3. O direito
Nas apelações são colocadas, em parte, as mesmas questões, motivo pelo qual se procederá à apreciação conjunta das apelações em relação à impugnação da decisão que versa sobre a exceção de caducidade, procedendo à apreciação em separado da exceção do caso julgado, que constitui apenas objeto da apelação da ré F….
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Na apreciação das questões, por efeito da sucessão de leis no tempo, cumpre ter presente que o presente processo de insolvência foi instaurado em 30 de janeiro de 2014, vigorando à data, o regime previsto no DL 53/2004 de 18/03, na redação do DL 200/2004 de 18/08, com as alterações introduzidas pelo DL 116/2008 de 04/07, DL 185/2009 de 12/08 e pela Lei 16/2012 de 20 de abril (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que passaremos a designar de forma abreviada “CIRE”), disposições e alterações que se aplicarão ao caso presente.
As alterações introduzidas ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas pelo DL 79/2017 de 30 de junho, que entrou em vigor a 01 de julho de 2017, apenas serão consideradas para efeitos adjetivos.
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- Da exceção do caso julgado -
A apelante F…, SA nas conclusões de recurso sob as alíneas a) a c) insurge-se contra o segmento do despacho que julgou improcedente a exceção do caso julgado.
Considera que a decisão proferida no âmbito do Proc. 333/14.9TBSJM que correu termos pela 2ª Secção de Comércio da Instância Central de Oliveira de Azeméis, Aveiro constitui caso julgado quanto à questão da caducidade do direito à resolução por parte do administrador da insolvência, porque o interesse em causa, naquele processo e nestes autos, é idêntico.
A questão que se coloca consiste em apurar se a decisão proferida no âmbito do Proc. 333/14.9TBSJM, no qual foi declarada a insolvência da corré E… constitui caso julgado em relação à questão da exceção de caducidade
Relembrando os termos da decisão proferida por despacho de 02 de julho de 2015, no Proc. 333/14.9TBSJM:
“Mais se determina a notificação do Sr. Administrador da Insolvência para, em 10 dias, se pronunciar sobre o prosseguimento dos presentes autos de insolvência, uma vez que até ao presente momento ainda não fora apreendido qualquer bem à massa insolvente e conforme reconhecido pelo Sr. Administrador da Insolvência e pelos próprios credores, atenta a data de celebração do título de compra e venda não é possível ponderar a resolução desse negócio”.
No despacho recorrido considerou-se não estarem reunidos os requisitos de natureza subjetiva para operar o caso julgado, uma vez que não existe identidade de sujeitos nas duas ações.
Trata-se, assim, de apreciar se estão reunidos os pressupostos do caso julgado, quanto à questão da exceção de caducidade.
O caso julgado, que constitui uma exceção dilatória, pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – art. 580º CPC.
Distingue a lei o caso julgado material, do caso julgado formal.
O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (art. 620º e 628º CPC).
O caso julgado material, que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (art. 619º CPC).
O caso julgado verifica-se em relação às decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, as que estatuem sobre a pretensão do Autor.
Por sua vez determina o art. 625º/1 CPC que: “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar.”
A exceção tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – art. 580º/2 CPC.
Como refere MANUEL DE ANDRADE “o caso julgado tem como fundamento o prestígio dos tribunais e uma razão de certeza ou segurança jurídica”[2].
O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir, Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica[3].
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA salienta que o “caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (art. 113º/1 CRP). Neste enquadramento, o art. 208º/2 CRP estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas (nomeadamente, outros tribunais e entes administrativos) e privadas, prevalecendo, por isso, sobre as de quaisquer outras entidades. Aquela obrigatoriedade e esta prevalência são conseguidas, em grande medida, através do valor de caso julgado dessas decisões”[4].
Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da ação – as partes, o pedido e a causa de pedir.
Como se dispõe no art. 581º CPC: “repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo)[5].
No que respeita aos limites do pedido e da causa de pedir, refere ANTUNES VARELA que: “[…] o caso julgado forma-se diretamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor[…] é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado.
É a resposta dada na sentença à pretensão do Autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado.
A força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta”[6].
Vigorando entre nós o princípio da substanciação, a causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico donde o Autor pretende ter derivado o direito tutelar; o ato ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito (art. 581º/4 CPC).
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA refere, por sua vez, que reconhecer que a “decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”[7].
Considera, ainda, o mesmo autor, que o caso julgado da decisão possui um valor enunciativo, na medida em que a eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem acolhido esta mesma interpretação sendo disso exemplo, entre outros, os Acórdãos STJ 26.04.2012 (Proc. 289/10.7TBPTB.G1.S1), Ac. STJ 20.10.2011 (Proc. 994/2003.4TMBRG.S1.L1), 15.09.2010 (Proc. 415/06.0TTLSB.L1.S1), Ac. STJ 13.07.2010 (Proc.464/05.6TBCBT-C.G1.S1), todos em www.dgsi.pt
Cita-se, como síntese do exposto, a seguinte passagem do Ac. STJ 13.07.2010:
“Na perspetiva do respeito pela autoridade do caso julgado, isto é, da aferição do âmbito e limites da decisão ou dos “termos em que se julga” (art. 673º CPC), entende-se que a determinação dos limites do caso julgado e sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.
Porque a decisão não é mais nem menos que a conclusão dos pressupostos lógicos que a ela conduzem – os fundamentos - e aos quais se refere, o caso julgado deve abranger a decisão e os seus fundamentos logicamente necessários, ou a decisão e as questões solucionadas na sentença conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, ou só a própria decisão.”
Revertendo o exposto à concreta situação verifica-se que não estão reunidos os pressupostos do caso julgado, pois desde logo não foi proferida qualquer decisão sobre o mérito da causa, ou sobre a concreta exceção de caducidade, porque o despacho versa sobre a possibilidade de prosseguir com o processo de insolvência e ação de resolução no processo de insolvência da corré E….
Por outro lado, ainda, que assim se não entenda, sempre seria de considerar não existir identidade de partes, nem de causa de pedir entre as duas ações.
Não figura como parte naqueles autos a massa insolvente e o insolvente neste processo (B…) e os fundamentos da resolução alegados nestes autos assentam em factos que não foram considerados na decisão proferida naquele outro processo.
Acresce que a exceção de caducidade tem caráter pessoal (art. 303º CC por remissão do art. 333º/2 CC), não sendo de conhecimento oficioso e apenas aproveita a quem faça uso da mesma. Também por este motivo não poderia a decisão ali proferida constituir caso julgado em relação à concreta matéria da exceção de caducidade.
Conclui-se do exposto que não merece censura a decisão que julgou improcedente a exceção de caso julgado.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso, sob as alíneas a) a c) na apelação da ré F….
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- Da exceção de caducidade - Na apelação dos réus B… e E…, os apelantes insurgem-se contra o segmento do despacho que julgou improcedente a exceção de caducidade. Nas conclusões de recurso sob as alíneas f) a k) a apelante F… insurge-se, de igual forma, contra tal segmento da decisão.
Os argumentos apresentados são os mesmos, por se entender que foram excedidos os prazos previstos no art. 123º/1 CIRE e não se aplicar no caso concreto o regime previsto no art. 123º/2 CIRE.
A questão que se coloca consiste em saber se em relação ao pedido principal caducou o direito que o administrador da insolvência pretende exercer em representação da massa insolvente: a resolução do contrato de compra e venda do imóvel celebrado em 10 de fevereiro de 2012.
Em tese geral, os art.ºs 120.º a 126.º do CIRE, consagram um conjunto de procedimentos que visam salvaguardar as ações anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efetivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores, como é o caso da resolução em benefício da massa insolvente.
A resolução em benefício da massa insolvente, promovida pelo Administrador da Insolvência visa tutelar “interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os dos que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os dos que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de atos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência. A finalidade é, pois, a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos dos credores”[8].
Decorre dos art.ºs 120.º a 126.º do CIRE que a resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades:
a) a resolução condicional prevista no art.º 120.º do CIRE; e
b) a resolução incondicional prevista no art.º 121.º do mesmo diploma.
Estando em causa a resolução condicional, de acordo com o art.º 120.º/1 do CIRE, o Administrador da Insolvência pode resolver em benefício da massa insolvente “os atos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”, assim como os atos a que aludem as alíneas do n.º 1 do art.º 121.º do mesmo diploma legal, podendo tal resolução ser feita judicialmente, por via de ação ou de exceção, ou extrajudicialmente, mediante carta registada com aviso de receção[9].
Nos termos art.º 120.º/2 do CIRE “consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”.
Por seu turno, o n.º3 do citado preceito, consagra uma presunção legal, juris et jure, sem admissão de prova contrária, desde que referente a atos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
Nos termos do art. 120º/4 a resolução condicional pressupõe a má-fé do terceiro, a qual se presume quanto a atos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
De acordo com o art. 120º/5 entende-se por má-fé o conhecimento, à data do ato, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) de que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) do caráter prejudicial do ato e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) do início do processo de insolvência.
O exercício do direito potestativo de resolução do ato a favor da massa insolvente está contudo sujeito a um prazo de caducidade, como de forma unânime tem sido qualificado pela jurisprudência[10].
Dispõe o art. 123º, nº 1 CIRE: “1. A resolução pode ser efetuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de receção nos seis meses seguintes ao conhecimento do ato, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência”.
A primeira questão que aqui se coloca na interpretação do preceito consiste em saber se, relativamente ao administrador da insolvência, o prazo de seis meses se inicia com o conhecimento do ato, puro e simples, ou se se inicia com o conhecimento por este das circunstâncias e conteúdo do ato e da sua prejudicialidade relativamente à massa.
A jurisprudência não tem adotado uma interpretação uniforme.
Segundo uma corrente jurisprudencial[11] o prazo inicia-se a partir da data do conhecimento do ato, contribuindo para este entendimento a natureza urgente do processo e o facto de ser no âmbito da ação de impugnação do ato resolutivo que se deve discutir dos pressupostos da resolução.
Seguindo outro entendimento, perfilhado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de outubro de 2016, Proc. 3158/11.0TJVNF-H.G1.S1 (disponível em www.dgsi.pt)[12], o prazo conta-se a partir da data em que o administrador da insolvência tem conhecimento do ato e dos seus contornos e verificando-se que este fica desde logo ciente que, pelo seu conteúdo, tal ato é prejudicial à massa insolvente.
Nestas circunstâncias pode ocorrer que numa determinada data o administrador da insolvência tenha tomado conhecimento da realização pelo insolvente de um certo negócio, mas só passado algum tempo, em data posterior, ficou ciente de que o mesmo é prejudicial à massa.
Optando por este entendimento evitar-se-ão, como é preferível, declarações resolutivas sem cabal conhecimento do conteúdo e fundamento do negócio, havendo, assim, menor risco de impugnação vitoriosa por parte dos visados.
Argumenta-se, ainda, que a consideração da urgência do processo de insolvência, não nos deve levar a interpretar o art. 123º, nº 1 do CIRE de forma literal, contando o prazo de seis meses aí consagrado apenas a partir do conhecimento do ato. Importa dar ao administrador da insolvência margem para que averigue e possa avaliar se o ato praticado no “período suspeito” é prejudicial à massa, sabendo-se que esse prejuízo nem sempre resulta da aparência de um ato potencialmente lesivo, sendo prudente proceder a averiguações com vista a apurar, por exemplo, se o preço da venda de um imóvel é simulado ou não, ou se, através de negócios indiretos, mais ou menos complexos, mais se não visou que salvaguardar os interesses de certos credores em detrimento de outros.
Partilhamos este entendimento e seguindo esta via de interpretação, nos casos em que exista fundada dilação entre a data do conhecimento do ato praticado e o efetivo conhecimento dos fundamentos e conteúdo desse ato, pode o administrador da insolvência comunicar a resolução nos seis meses subsequentes a esse efetivo conhecimento, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.
Uma segunda questão se coloca na interpretação do preceito e que consiste em saber se o prazo previsto no art. 123º/1 CIRE se aplica quando a resolução é exercida por meio de ação.
Entendemos que este prazo se aplica indistintamente quer o direito seja exercido por via extrajudicial quer por via judicial, porquanto os motivos que justificam o estabelecimento de um curto prazo para proceder à resolução dos atos prejudiciais à massa insolvente e que se prendem com a necessidade de rapidamente se pôr termo à incerteza quanto ao destino dos atos em causa, que muitas vezes revestem natureza onerosa, são válidos tanto para os casos em que a resolução se efetua por meio de carta registada com aviso de receção, como para aqueles em que a resolução se concretiza através de meios judiciais.
Desta forma, não se vê qualquer fundamento para que a resolução, quando realizada pela via da ação judicial, se possa efetuar para além do prazo de seis meses e de dois anos, a que se refere o nº 1 do art. 123º do CIRE.
Na jurisprudência, entre outros, pronunciaram-se neste sentido o Ac. Rel. Porto 12 abril de 2011, Proc. 707/07.1TBPRD-D.P1 e o Ac. Rel. Guimarães 17 de maio de 2018, Proc. 896/16.4T8VRL-I.G1 (ambos em www.dgsi.pt).
No caso dos autos formulado a título principal, o pedido de resolução do ato, tal pretensão fica sujeita ao regime previsto para a resolução dos atos previsto em sede de Código da Insolvência, não aproveitando por isso do regime geral do Código Civil. Apenas o pedido formulado a título subsidiário – nulidade do ato com fundamento em simulação -poderá reger-se pelo regime geral da nulidade e por isso, não se pode acolher a interpretação defendida no despacho recorrido.
Neste contexto e aplicando o regime previsto no art. 123º/1 CIRE verifica-se que sendo controvertida a questão de apurar a data a partir da qual o administrador da insolvência tomou conhecimento dos contornos do ato a respeito do qual pretende exercer o direito à resolução, tal como defendem os apelantes, o processo não reunia os elementos de facto para decidir em sede de saneador a exceção de caducidade.
Porém, mesmo que se viesse a provar que em 14 de outubro de 2016 o administrador da insolvência tomou conhecimento dos motivos que justificavam a resolução, ou seja, dentro do prazo legal de seis meses, mesmo assim, verificava-se que à data da instauração da ação (17 fevereiro de 2017), já há muito estava ultrapassado o prazo de dois anos a contar da data em que foi proferida a sentença que declarou a insolvência dos réus (13 de fevereiro de 2014 e 08 de abril de 2014).
Desta forma, assiste razão aos apelantes quando defendem a caducidade do direito de ação, com fundamento no art. 123º/1 CIRE.
No despacho recorrido fez-se apelo ao regime do art. 123º/2 CIRE, o que foi contestado pelos apelantes.
Entendemos, contudo, que tal regime não se aplica à concreta situação dos autos.
Prevê o preceito: “2 - Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a resolução ser declarada, sem dependência de prazo, por via de exceção”.
A possibilidade de resolução sem dependência de prazo consentida pelo n.º 2 do art.º 123º, depende da verificação cumulativa de dois requisitos:
a) o negócio resolvendo não estar ainda cumprido;
b) a resolução ser efetuada por via de exceção.
A previsão deste segmento normativo «enquanto…o negócio não estiver cumprido» reporta-se aos contratos de execução continuada ou duradoura. Já o «cumprimento» deve ser entendido como a realização, a perfeição, do negócio inter partes considerada, isto é, tal como elas o quiseram e gizaram entre si e por reporte aos efeitos que dele para elas poderão advir.
O aproveitamento, ou não, dos efeitos possíveis do negócio, por uma das partes, designadamente com relação ou com intervenção/afetação de terceiros, não releva, interfere com, ou impede o, cumprimento; pois que é uma realidade que se situa, a jusante, para além deste.
No caso em apreciação, o negócio objeto de resolução é um contrato de compra e venda de um imóvel.
Denomina-se como contrato de compra e venda, ou promessa de compra e venda, o contrato bilateral pelo qual uma das partes (vendedor) se obriga a transferir o domínio de um objeto à outra (comprador), mediante a contraprestação de certo valor em dinheiro (cf. art.º 879º do Código Civil). A transferência da propriedade dá-se por mero efeito do contrato.
O contrato de compra e venda não é um contrato de execução continuada. Não é confundível a falta de pagamento do preço com o carácter duradouro ou continuado de um contrato. São conceitos distintos e não relacionáveis.
O não pagamento do preço é um circunstancialismo posterior à completude do negócio que se tornou pleno e eficaz com a celebração da escritura pública de compra e venda.
A faculdade temporalmente dilatada de resolução conferida pelo n.º 2 do artigo 123.º do CIRE não se aplica aos contratos de execução instantânea (as obrigações são cumpridas em um só instante, num único momento, como sucede na compra e venda), nem aos contratos de execução diferida (a prestação é cumprida em um só ato, mas em momento posterior ao da celebração do contrato – Ex.: venda a prazo, parcelamento do preço), mas apenas aos contratos de execução continuada ou duradoura (as obrigações cumprem-se por uma sucessão de atos – Ex.: contrato de arrendamento - pagamento de parcelas periódicas).
Esta foi a interpretação acolhida, entre outros, nos Ac. Rel. Lisboa 20 de setembro de 2018, Proc. 20167/12.4T2SNT-E-6 e Ac. Rel. Coimbra de 02 de fevereiro de 2016, Proc. 27/10.4TBPNL-O.P2 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), cujos argumentos seguimos de perto.
Assim, e desde logo, pela falta do primeiro pressuposto, o n.º 2 do art.º 123º do CIRE, não é aplicável. Mas também não é aplicável porque o direito não foi exercido pela via da exceção, mas por ação.
Com efeito, o ato em causa reveste a natureza de contrato de compra e venda, o qual na perspetiva das partes se considera perfeito com a celebração da escritura pública. O incumprimento, por falta de pagamento do preço (na posição defendida pelo administrador da insolvência) reporta-se a um momento posterior à celebração do contrato. As partes não atribuíram ao contrato a natureza de contrato de execução continuada, por não estar convencionado o diferimento do pagamento do preço.
Daqui resulta que na concreta situação não se aplica o prazo de caducidade previsto no art. 123º/2 CIRE.
Cumpre ainda salientar que a exceção de caducidade apenas foi suscitada em relação ao pedido principal e já não quanto ao pedido subsidiário, e por isso, os efeitos da procedência da exceção apenas atingem aquele pedido.
Conclui-se, assim, por julgar procedente a exceção de caducidade deduzida pelos réus e improcedente o pedido formulado a título principal na petição, absolvendo-se os réus do pedido, com a consequente revogação da decisão nesta parte.
Procedem as conclusões de recurso dos réus B… e E… e as conclusões de recurso da ré F…, sob as alíneas f) a k).
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Na apelação da ré Imosarjar, sob as alíneas d), e) e l) a apelante suscita um conjunto de questões que não foram apreciadas nos despachos recorridos: a omissão de factos que revelem o caráter prejudicial do negócio para a massa insolvente e a inviabilidade do pedido subsidiário, face à pretensão de resolução do negócio.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[13]. O recurso ordinário (que nos importa analisar para a situação presente) não é uma nova instância, mas uma mera fase (eventualmente) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[14]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[15] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
Verifica-se que os novos argumentos que os apelantes vêm introduzir nas conclusões do recurso não podem ser considerados, porque o tribunal de 1ª instância não se pronunciou sobre tal matéria, que constitui uma questão nova.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os novos fundamentos de sustentação da sua defesa, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal“a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem” está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso da ré F…, sob as alíneas d), e) e l).
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:
- em 1ª instância pela massa insolvente e ré F…, na proporção do decaimento, que se fixa em 3/4 e 1/4, respetivamente;
- na apelação dos réus B… e E…, a cargo da massa insolvente;
- na apelação da ré F…, pela apelante e massa insolvente na mesma proporção.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação dos réus B… e E… e parcialmente procedente a apelação da ré F…, S.A. e nessa conformidade, revogar, em parte, a decisão e julgar procedente a exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de compra e venda celebrado em 10 de fevereiro de 2012 e absolver os réus do pedido formulado a título principal e confirmar o demais decidido.
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Custas:
- em 1ª instância pela massa insolvente e ré F…, na proporção do decaimento, que se fixa em 3/4 e 1/4, respetivamente;
- na apelação dos réus B… e E…, a cargo a massa insolvente;
- na apelação da ré F…, pela apelante e massa insolvente na mesma proporção.
*
Porto, 09 de setembro de 2019
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
_____________ [1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990. [2] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Limitada, 1993, pag. 306 [3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pag. 568 [4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 568 [5] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil ob. cit., pag. 320 [6] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO e NORA Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, Lda, 1985, pag. 712 [7] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 578 [8] FERNANDO DE GRAVATO MORAIS Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Coimbra, Almedina, 2008, pag. 47. [9] Cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, Atualizada de acordo com as Leis nº 16/2012 e 66-B/2012 e o Código de Processo Civil de 2013, Lisboa, Quid Juris, 2013, pag. 523 a 534. [10] Apreciando a questão de forma exaustiva com referências jurisprudências e estudos jurídicos Ac. Rel. Coimbra 02 de fevereiro de 2016, Proc. 27/10.4TBPNL-O.C2, acessível em www.dgsi.pt [11] Ac. Rel. Coimbra 02 de fevereiro de 2016, Proc. 27/10.4TBPNL-O.C2; Ac. Rel. Guimarães 17 de maio de 2018, Proc. 896/16.4T8VRL-I.G, ambos acessíveis em www.dgsi.pt [12] Cuja interpretação também foi acolhida no Ac. Rel. Porto 30 de maio de 2018, Proc. 7313/12.7TBMAI-G.P1 (acessível em www.dgsi.pt) [13] CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5. [14] CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383. [15] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1 (http://www.dgsi.pt)