TAXA DE JUSTIÇA
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
RESTITUIÇÃO
INCIDENTE TRIBUTÁVEL
Sumário

– Não há lugar à devolução das quantias que os recorrentes pagaram a título de taxa de justiça para se constituírem assistentes se essa constituição não foi admitida.

– Razões de ordem sistemática parecem-nos deixar claro que a tributação dos procedimentos e incidentes anómalos se insere no conjunto de normas que regulam a distribuição da responsabilidade pelo pagamento das custas devidas pela atividade processual desenvolvida ao longo do processo, não tendo propósitos punitivos estranhos à natureza objetiva do princípio de causalidade em matéria de custas, levando a que deva ter-se por afastada a tributação incidental assente apenas no carácter inconsequente da pretensão deduzida, situação que está antes abrangida pela taxa sancionatória excecional.

– O requerimento apresentado em que o requerido surge na mesma peça em que os requerentes da constituição de assistente indicavam ao tribunal, porque para tanto foram por este notificados pelo tribunal, qual deles pretendiam assumisse a posição processual de assistente, não pode ser considerado como consubstanciando uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, porquanto que devesse ser autonomamente tributado como procedimento ou incidente anómalo.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO.


1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Instrução Criminal de Almada – Juiz 1, processo de inquérito com o nº 3085/18.0T9ALM, foi proferido despacho, aos 04/02/2019, que indeferiu a impetrada restituição dos montantes pagos a título de taxa de justiça pelos queixosos MH, JE, EE , PE , AE e NE , não admitidos a intervir como assistentes nos autos e condenou cada um dos requerentes nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça individualmente em uma UC.

2. Inconformados com o teor do referido despacho, dele interpuseram recurso MH, JE, EE , PE , AE e NE , para o que formularam as seguintes conclusões (transcrição):

A.- No âmbito de um processo crime por ofensa à memória de pessoa falecida (artigo 185.º do Código Penal), os Recorrentes, na qualidade de cônjuge sobrevivo e descendentes, respetivamente, de EEJ, mediante requerimento conjunto, requereram a sua constituição como Assistentes, nos termos dos artigos 68.º n.º 1 b) e 182.º n.º 2 do Código do Processo Penal.

B.- Para o efeito, encontravam-se representados pela mandatária signatária, demonstraram as respetivas qualidades através do assento de óbito e da escritura de habilitação de herdeiros de EEJe autoliquidaram a correspondente taxa de justiça, no valor de 1 UC cada um.

C.- Por despacho de 08.01.2019 (referência 382728875), que considerou que apenas um dos Queixosos podia ser admitido a intervir como Assistente, os Recorrentes foram notificados para indicar qual deles assumiria essa posição processual, sob pena de o Tribunal considerar para o efeito o primeiro a figurar no respetivo requerimento.

D.- Pese embora discordassem desse entendimento, através de requerimento de 22.01.2019, os Queixosos vieram indicar o Queixoso HE para exercer a posição de Assistente.

E.- No mesmo requerimento, os Queixosos não admitidos a intervir como Assistentes, ora Recorrentes, requereram a restituição da taxa de justiça por si paga, uma vez que, não tendo sido admitida a sua intervenção nos autos, não haveria qualquer atividade processual atinente que devesse dar lugar ao pagamento da correspondente taxa de justiça.

F.- Os Queixosos foram, então, surpreendidos com o despacho ora recorrido que, não só indeferiu a requerida restituição, como "açoitou" o requerimento dos Recorrentes com a condenação de cada um ao pagamento de 1 UC, a título de custas pelo incidente, o que é inaceitável.

G.- A taxa de justiça devida pela constituição de Assistente pressupõe que o requerente intervenha (ou possa intervir) no processo, que dê azo a determinada atividade processual e que tenha alguma utilidade prática na instrução, o que justifica o regime do artigo 8.º n.º 1 do RCP, que prevê que o valor da taxa de justiça devida pelo Assistente possa ser agravado em função do desfecho do processo e da concreta atividade processual por si desenvolvida.

H.- O que está sujeito a taxa de justiça é a constituição ipso facto nas funções de Assistente e a assunção das prerrogativas próprias dessa posição processual - e a verdade é que os Recorrentes foram impedidos de a exercer.

I.- Não obstante, o despacho recorrido considerou que as taxas de justiça cuja restituição foi requerida são devidas e condenou os Recorrentes em custas por terem requerido essa devolução.

J.- A questão impõe-se: se apenas um dos Queixosos tem legitimidade para intervir como Assistente, como entendeu o Tribunal a quo, a que se deve o pagamento das taxas de justiça dos restantes?

K.- Acresce que o Tribunal, considerando que o requerimento dos Recorrentes carecia de fundamento legal, decidiu condená-los em custas por terem deduzido essa pretensão, o que, com o devido respeito, se revela absolutamente iníquo.

L.- Os casos em que a lei prevê a responsabilidade do Assistente por custas estão estabelecidos no artigo 515.º do CPP, não se enquadrando a situação em apreço em qualquer deles.

M.- Também não se vislumbra qualquer fundamento para a tributação do requerimento, como a especial complexidade, litigância de má-fé, uso anormal ou indevido do processo, ou qualquer outro.

N.- Não obstante, o despacho recorrido considerou o requerimento dos Queixosos como incidente processual e aplicou-lhe uma penalidade correspondente a 1 UC por cada requerente que não viu a sua pretensão satisfeita, num total de 6 UC, sem qualquer fundamento de facto ou de direito, o que viola o artigo 97º n.º 4 do CPP, bem como o regime legal das custas processuais.

O.- Com efeito, o despacho estriba-se apenas na (alegada) falta de fundamento da pretensão dos Recorrentes, não se enquadrando essa condenação na previsão de qualquer disposição legal.

P.- A questão em apreço neste recurso prende-se com a consideração do requerimento dos Recorrentes como incidente processual e com a sua tributação como tal.

Q.- Como é natural, nem toda e qualquer atividade processual desencadeada pela apresentação de um requerimento, exercício do contraditório e necessária decisão judicial consubstancia um incidente da instância. Para que se configure um incidente da instância é também necessário que essa atividade seja causada por uma ocorrência extraordinária, que pressuponha a existência de uma questão acessória ou secundária a resolver e perturbe a normal marcha do processo (neste sentido, acórdão do TRP de 20.06.2016 -Proc. N.º 803/14.9T8VFR.P1).

R.- Como é referido no acórdão do TRL de 13.07.2004 (Proc. N.º 1372/2004-5), que incide sobre uma situação semelhante à dos presentes autos,
"apenas em certos casos, em que se perfile um mínimo de relevância ou labor processual, se poderá falar de incidente. (...)

O que parece inquestionável é que qualquer atividade ou ocorrência processual, mesmo que anómala ou estranha ao desenvolvimento normal do processo, só será um incidente tributável desde que deva ser tributada de acordo com as regras e princípios que regem a condenação em custas.
(...)
O facto de o Tribunal ter entendido que o requerimento carecia de fundamento legal não justificaria a tributação, como incidente, da ocorrência em causa. Esta, não só não teve a dignidade mínima para justificar a sua classificação como incidente, nem se pode concluir ser tributável perante os princípios da condenação em custas (...)

S.- No caso em apreço, o requerimento dos Recorrentes corresponde ao exercício de um direito que consideram assistir-lhes, uma vez que, sendo a taxa de justiça paga pela constituição como Assistentes, se essa constituição é indeferida, a taxa de justiça não é devida e deve ser restituída,

T.- Acresce que o pedido de restituição é suscitado, em duas linhas, num requerimento de resposta ao despacho de 08.01.2019 (referência 382728875), o que pressupunha sempre a sua análise pelo Tribunal, não tendo implicado qualquer acréscimo de atividade ou labor processual,

U.- Por outro lado, salvo o devido respeito por entendimento diverso, o requerimento apresentado pelos Recorrentes afigura-se pertinente e razoável e uma decorrência lógica e natural da posição assumida no despacho de 08.01,2019 de que apenas um poderia intervir como Assistente no processo,

V.- Ainda que o Tribunal considerasse que não havia lugar à restituição das taxas de justiça pagas - o que se pondera, sem conceder - tal não justifica a condenação dos requerentes em custas,

W.- O requerimento em apreço não constitui uma ocorrência extraordinária ou anormal que extravase o âmbito do processo ou que perturbe a sua marcha normal, nem a lei prevê que a sua apresentação seja passível de condenação em custas.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e o despacho recorrido ser revogado, com as legais consequências.

3.O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação de recurso, pugnando por lhe ser negado provimento.

4.– Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ao recurso ser dado provimento na parte que respeita à condenação em custas do incidente e não provimento quanto ao mais impetrado.

5.– Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO

1.–Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a questões que se suscitam são as seguintes:

Falta de fundamentação da decisão recorrida.

Admissibilidade legal da devolução das quantias pagas a título de taxa de justiça devida pela constituição de assistente.

Se o requerimento de devolução da quantia paga a título de taxa de justiça devida pela constituição de assistente constitui incidente sujeito a tributação, na improcedência da pretensão.

2.–Elementos relevantes para a apreciação deste recurso

2.1–MH, HE, JE, EE, PE, AE e NE, apresentaram queixa-crime contra MS  e ES , manifestando logo, entre o mais, a sua intenção de se constituírem assistentes nos autos.

2.2–Em 07/01/2019, foi proferido despacho judicial no sentido de que, estando em causa factos susceptíveis de integrarem a prática de um crime de ofensa à memória de pessoa falecida, p. e p. pelo artigo 185º, do Código Penal e arrogando-se os aludidos cidadãos titulares do direito de queixa por serem, respectivamente, cônjuge e filhos do falecido EEJ, tendo em atenção o estabelecido nos artigos 113º, nº 1, alínea a) e 188º, nº 2, do Código Penal, bem como no artigo 68º, nº 1, alínea b), do CPP, apenas deverá ser admitido a intervir nos autos como assistente um dos requerentes dessa constituição.

Daí que determinou a notificação dos mesmos para indicarem qual deles pretendia constituir-se assistente, com a advertência de, nada dizendo, o tribunal considerar para o efeito apenas a primeira requerente que figura no requerimento de fls. 164 a 168.

2.3.–Aos 22/01/2019, MH, HE, JE, EE , PE, AE e NE , vieram informar nos autos que pretendiam fosse HE  a assumir a posição processual de assistente, impetrando também a “restituição do montante das taxas de justiça pago pelos Queixosos cuja constituição de Assistente não for deferida”.

2.4–Aos 04/02/2019 foi proferida a seguinte decisão objecto do recurso (transcrição na parte que releva):

Requerimento de constituição de assistentes de fls. 87:

Vêm MH, HE , JE, EE , PE , AE e NE , respectivamente viúva e filhos de EEJ, requerer a sua constituição como assistentes nos presentes autos.

O Ministério Público pronunciou-se nos termos constantes de fls. 213, nada opondo à constituição como assistente da primeira requerente MH.

Não existem arguidos constituídos nessa qualidade nos autos (relativamente aos quais haja que dar cumprimento ao disposto no art. 68.º, n.º 4 do Código do Processo Penal).

Notificados nos termos e para os efeitos constantes do despacho de fls. 221, vieram os requerentes, indicar HE como principal requerente, mais solicitando a restituição do montante das taxas de justiça pagas pelos queixoso cuja constituição de assistente não seja deferida.

Cumpre apreciar.

Compulsados os autos, constata-se que neles se investigam factos passíveis de, em abstracto, consubstanciar a prática do crime de ofensa à memória de pessoa falecida, p. e p. pelo art. 185.º do Código Penal.

Os requerentes vieram pedir a sua constituição como assistentes em tempo, atento o disposto no art. 68.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Todos se mostram devidamente representados pela mesma advogada - fls. 162.

Procederam ao pagamento das taxas de justiça correspondentes - fls. 92 a 106.

E mostram-se documentalmente comprovadas as suas qualidades de, respectivamente, cônjuge sobreviva e descendentes (fls. 16 a 18).
Nos termos do art. 68.º, n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal: "As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento".

Por seu turno, o art. 188.º, n.º 2 do Código Penal estabelece que o direito de acusação particular pelo crime de ofensa à memória de pessoa falecida cabe às pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 113º, pela ordem aí estabelecida.

E decorre do art. 113.º, n.º 2 do Código Penal que "...o direito de queixa pertence às pessoas a seguir indicadas, salvo se alguma delas houver comparticipado no crime:
a)-  Ao cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou à pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, aos descendentes e aos adoptados e aos ascendentes e aos adoptantes; e, na sua falta
b)-  Aos irmãos e seus descendentes."

No normativo em apreço, a lei processual penal vem designar as pessoas que assumirão a defesa dos interesses (ou da memória) da pessoa falecida, estabelecendo duas "classes" e preferindo qualquer membro da primeira sobre qualquer membro da segunda, que só poderá intervir na falta daqueles.

Em casos como o dos autos - em que são requerentes a cônjuge e os filhos do falecido, todos eles incluídos no primeiro grupo de pessoas - não existe qualquer ordem de preferência estabelecida.

Contudo, porque é uno o interesse a defender, deverá também ser apenas admitida a intervir nos autos como assistente, uma daquelas pessoas, preferindo a que primeiro apresentar requerimento no sentido da sua constituição como assistente - neste sentido, cfr. Manuel Lopes Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 13.a Edição, pág. 222 e Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 2.a Edição, pág. 207..

No caso dos autos, tendo sido apresentado requerimento conjunto, foram os requerentes convidados a indicar quem assumiria tal qualidade, convite a que responderam indicando como principal/primeiro requerente HE .

Assim, porque relativamente ao principal requerente, se mostram preenchidos os pressupostos legais para o efeito, deverá este, e apenas este, ser admitido a intervir como assistente nos autos, havendo que indeferir o requerimento formulado pelos demais.

Em face do exposto:

1.–Por ter legitimidade, estar em tempo, devidamente representado por advogada, mostrando-se paga a taxa de justiça correspondente e não havendo que dar cumprimento ao disposto no art. 68.º, n.º 4 do Código de Processo Penal quanto a outros sujeitos processuais (por não haver arguido constituído nessa qualidade nos autos), nos termos dos art.os 68.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 70.º, n.º 1 e 519.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, admito HE , a intervir nos presentes autos como assistente.

2.–Por carecerem de legitimidade para tanto - por existir já assistente constituído nos autos em representação do interesse do falecido e com igual grau de preferência nos termos dos art.os 68.º, n.º 1 al. b) do Código do Processo Penal e 113.º, n.º 2 al. a) do Código Penal, aplicável ex vi do art. 188.º, n.º 2 do mesmo código, indefiro a constituição de MH, JE, EE , PE , AE e NE  como assistentes nos presentes autos.

Conforme se referiu, requereram os queixosos a restituição dos montantes pagos a título de taxa de justiça, pelos requerentes não admitidos a intervir como assistentes.

Contudo, afigura-se-me carecer de fundamento legal a pretensão deduzida.

Efectivamente, a constituição de assistente constitui um incidente sujeito a tributação nos termos do art. 68.º e 519.º do Código do Processo Penal e 8.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

O que significa que, não obstante a pretensão ter sido deduzida em requerimento conjunto, o acto é individual e, como tal, é também individual a taxa de justiça a suportar.

Improcedendo a pretensão deduzida por cada um dos requerentes acima identificados em 2., cada um deles será condenado nas custas do incidente que deduziu, custas que, atenta a simplicidade da questão subjacente, se fixam no mínimo legal de 1 U.C..

Termos em que indefiro a requerida restituição dos montantes pagos a título de taxa de justiça, condenando em custas cada um dos requerentes supra identificados em 2., com taxa de justiça que fixo em 1 UC.

Apreciemos

Falta de fundamentação da decisão recorrida

Entendem os recorrentes que o despacho recorrido mostra-se “sem qualquer fundamento de facto ou de direito”, no que respeita à sua condenação em custas do incidente.

Tem assento na Lei Fundamental – artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa – a imposição da fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, devendo esta ser feita na forma prevista na lei.

Por sua vez, estabelece-se no artigo 97º, nº 5, do CPP, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

A falta de fundamentação da sentença integra nulidade, conforme resulta dos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº1 alínea a), do CPP, mas a omissão de fundamentação de despacho decisório que não seja de mero expediente (com excepção da situação prevista no nº 6, do artigo 194º e da decisão instrutória, esta face ao disposto nos artigos 308º, nº 2 e 283º, nº 3, do mesmo diploma) constitui mera irregularidade.

Só que, no que tange concretamente à matéria de custas, mesmo a falta de fundamentação quanto a estas na sentença não é geradora de nulidade, o que resulta da leitura conjugada do estabelecido nos referidos artigos 374º e 379º, sendo que o nº 4 do primeiro, que regula expressamente os requisitos da sentença, consagra que “a sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas” e, se entendesse o legislador que também tinham de ser indicados os motivos ou de ser fundamentada a matéria relativa a custas assim o tinha plasmado expressamente na lei.

Daí que, por maioria de razão, estando em causa condenação em custas por despacho, inexiste falta de fundamentação, geradora da enfermidade invocada ou mesmo de irregularidade, quando dele não constam, como no caso em apreço – é vero, no que tange às normas legais aplicáveis - esses motivos ou explicitação.

Face ao que improcede o recurso neste segmento.

Admissibilidade legal da devolução das quantias pagas a título de taxa de justiça devida pela constituição de assistente

Sustentam os recorrentes que aos queixosos não admitidos como assistentes nos autos deveria ter sido restituída a quantia paga individualmente a título de taxa de justiça pela sua constituição como tal, aduzindo que “não tendo sido admitida a sua intervenção nos autos, não haveria qualquer atividade processual atinente que devesse dar lugar ao pagamento da correspondente taxa de justiça.”

De acordo com o estabelecido no artigo 519º, nº 1, do CPP, a constituição de assistente dá lugar ao pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais.

Por seu lado, o artigo 8º, do dito Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26/02, rege que “a taxa de justiça devida pela constituição como assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente” – nº 1; sendo que “o documento comprovativo do pagamento referido nos números anteriores deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no acto para o efeito” – nº 3 – e, omitindo-se a apresentação deste documento, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante – nº 4 –, determinando o não pagamento destas quantias que o requerimento para constituição de assistente seja considerado sem efeito – nº 5.

Pois bem, MH, HE, JE, EE, PE, AE e NE, requereram a sua constituição como assistentes nos autos e autoliquidaram, cada um deles, a pertinente taxa de justiça.

Apenas HE foi admitido nessa qualidade, sendo indeferida a constituição como assistentes dos demais impetrantes.

Ora, como resulta cabalmente das normas legais retro enunciadas, o pagamento da taxa de justiça (sendo que esta, em termos gerais, corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado - artigo 6º, nº 1, do RCP) é, no caso, condição da constituição do lesado como assistente, pois a sua omissão conduz à ineficácia do requerimento.
O impulso processual é dado, aqui, precisamente com o requerimento para constituição de assistente dos que se arrogam a condição de lesados.

E, como assinala Salvador da Costa, As Custas Processuais – Análise e Comentário, Almedina, 2017, 6ª Edição, pág. 152, no processo penal só excepcionalmente se admite a devolução ao arguido ou ao assistente da taxa de justiça que pagaram, o que acontece no âmbito do recurso de revisão, conforme estabelecido nos artigos 462º, nº 1 e 463º, nº 3, alínea b), do CPP.

Termos em que, não há lugar à devolução das quantias que os recorrentes pagaram a título de taxa de justiça para se constituírem assistentes, não merecendo censura a decisão revidenda nesta parte.

Se o requerimento de devolução da quantia paga a título de taxa de justiça devida pela constituição de assistente constitui incidente sujeito a tributação, na improcedência da pretensão

O tribunal a quo condenou cada um dos requerentes (ora recorrentes) da devolução da quantia paga a título de taxa de justiça devida pela constituição de assistente nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça respectiva em uma UC.

Insatisfeitos estão, porquanto consideram não configurar a sua pretensão incidente processual tributável.

O artigo 7º, nº 4, do Regulamento das Custas Processuais, consagra que é devida taxa de justiça, entre o mais, pelos incidentes e procedimentos anómalos, determinada de acordo com o constantes da Tabela II, definindo-se no seu nº 8 que se consideram “procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas”.

Elucida Salvador da Costa, ob. cit., pág. 143, que “são pressupostos dos referidos incidentes ou procedimentos a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica”.

Ou, de acordo com o Ac. R. de Lisboa de 20/03/2018, Proc. nº 1514/16.6GLSNT.L1-5, citando o Ac. R. de Évora de 20/01/2015, Proc. nº 43/11.9TANIS-A.E1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt, “parece-nos que o critério definidor do caráter anómalo da atividade processual causada pelo sujeito ou outro interveniente processual dever centrar-se nas ideias enfatizadas por Salvador da Costa. A lei exigirá que o processado se apresente como estranho ao que seja o desenvolvimento do processo, ou seja, tal como ditado pela sequência processual expressamente traçada na lei de processo ou pelo que deva considerar-se decorrer do exercício dos direitos dos sujeitos e outros intervenientes face à dinâmica da própria lide. Por outro lado, a atividade processual desencadeada deve assumir autonomia e relevância face ao normal processado da causa, pois este está abrangido pela tributação que é própria do processo.”

Aduzindo-se ainda que “razões de ordem sistemática parecem-nos deixar claro que a tributação dos procedimentos e incidentes anómalos se insere no conjunto de normas que regulam a distribuição da responsabilidade pelo pagamento das custas devidas pela atividade processual desenvolvida ao longo do processo, não tendo propósitos punitivos estranhos à natureza objetiva do princípio de causalidade em matéria de custas, levando a que deva ter-se por afastada a tributação incidental assente apenas no carácter inconsequente da pretensão deduzida - (cfr Ac RP de 14.05.2009, cível, relator - Freitas Vieira) -, situação que está antes abrangida pela taxa sancionatória excecional.”

Ora, no caso em apreço, o requerimento apresentado não pode ser considerado como consubstanciando uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, porquanto o requerido surge na mesma peça em que os requerentes da constituição de assistente indicavam ao tribunal, porque para tanto foram por este notificados (com fundamento no seu – do tribunal - entendimento de que arrogando-se os aludidos cidadãos titulares do direito de queixa por serem, respectivamente, cônjuge e filhos do falecido Ernesto Estrada Júnior, tendo em atenção o estabelecido nos artigos 113º, nº 1, alínea a) e 188º, nº 2, do Código Penal, bem como no artigo 68º, nº 1, alínea b), do CPP, apenas deverá ser admitido a intervir nos autos como assistente um dos requerentes dessa constituição) qual deles pretendiam assumisse a posição processual de assistente.

Daí que não configure dedução de incidente alheio ao processamento normal dos autos que devesse ser autonomamente tributado como procedimento ou incidente anómalo.

Pelo exposto, a razão está do lado dos recorrentes neste segmento, merendo o recurso parcial provimento.

III–DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos queixosos MH, JE, EE , PE , AE e NE  e, em consequência:

A)- Revogam o despacho recorrido na parte em que condenou cada um deles nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça individualmente em uma UC;

B)- No mais, confirmam a decisão recorrida.

Sem tributação.


Lisboa, 24 de Setembro de 2019


(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)

                                  
(Artur Vargues)                                  
(Jorge Gonçalves)