TÍTULO EXECUTIVO
INSUFICIÊNCIA
Sumário

I– A decisão implícita corresponde a um pressuposto necessário da decisão expressa, existindo a necessidade de verificação de um critério de conexão lógica entre a decisão implícita e a decisão expressa.

II– A insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art. 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta”.

Sumário (elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade - art.º 663º, nº 7 do Cód. Proc. Civil)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


“A., Lda” intentou, em 18 de Novembro de 2011, contra B.., a presente acção executiva de pagamento de quantia certa, nos termos da qual requer a cobrança coerciva da quantia total de € 14.679,42, sendo € 13.258,90 de capital em dívida e € 1.420,52 de juros de mora vencidos. No Requerimento Executivo, alegou a Exequente que: no exercício da sua actividade, forneceu à Executada diverso material do seu comércio; em 9 de Fevereiro de 2009, foi celebrado um acordo de pagamento de dívida entre a Exequente e a Executada, pelo qual a Executada reconheceu ser devedora da Exequente da quantia total de € 14.000,00, tendo-se obrigado a pagar a referida dívida, em prestações mensais e sucessivas; a Executada não cumpriu o acordo, tendo apenas procedido a alguns pagamentos parciais, ficando por liquidar a quantia de € 13.258,90; apesar de instada a pagar o remanescente, a Executada não o fez até à presente data; e tem a Exequente direito a exigir o pagamento do capital em dívida, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

Com o Requerimento Executivo não foi junto aos autos o título dado à execução.

Foram efectuadas pelo Exmo Sr. Agente de Execução diligências de averiguação e penhora de bens penhoráveis à Executada, tendo, na sequência de dois pedidos de intervenção efectuados por aquele, sido proferidos despachos em 21/06/2012 e em 18/10/2016, sob as Referências nºs 296448015 e 359007248, respectivamente.

Em 26 de Junho de 2017, a Exequente procedeu à junção aos autos do título executivo, alegando, para o efeito, que só então verificou que, por lapso, aquele título não tinha sido junto aquando da apresentação do Requerimento Executivo – cfr. requerimento com a Referência nº 367436348.

Em 29 de Junho de 2017, foi efectuada pelo Exmo Sr. Agente de Execução penhora sobre o direito de usufruto de um imóvel, que constitui a casa de morada da Executada – cfr. Auto de Penhora com a Referência nº 369913636.

Em 23 de Outubro de 2017, a Executada deduziu embargos de executado, que consubstanciam o Apenso A, onde invocou, nomeadamente, que não assinou o documento apresentado à execução como título executivo, e que esse documento apenas foi junto passado seis anos da propositura da execução. Tais embargos foram recebidos em 18/06/2018; tendo a Exequente apresentado contestação em 03/09/2018, defendendo que foi a Executada quem assinou o referido documento. Por despacho proferido em 18 de Janeiro de 2019, foi determinado que os embargos de executado, porque dependentes da execução, ficariam a aguardar o trânsito em julgado da decisão objecto deste recurso, ao abrigo do disposto no artigo 272º, nº 1 do Cód. Proc. Civil.

Na mesma data da dedução dos referidos embargos (23/10/2017), a Executada apresentou nesta execução um requerimento (sob a Referência nº 370255429), onde requereu que seja dada sem efeito a penhora efectuada e que seja dado conhecimento ao Conselho Deontológico da Camara dos Solicitadores da actuação do Exmo Sr. Agente de Execução, por forma a que a actuação do mesmo possa ser analisada e, se for caso disso, ser-lhe instaurado processo disciplinar competente. Alegou, para tanto, em síntese útil, que: a presente acção executiva tem como título executivo um acordo de pagamento, ao abrigo do artigo 46º, nº 1, al. c) do C.P.C. em vigor na data da entrada da presente execução; não foi proferido despacho liminar, por o Exmo Sr. Agente de Execução não ter dado cumprimento ao artigo 812º do C.P.C., tendo procedido à aludida penhora em Junho de 2017, quando, na realidade, nem sequer existia um título executivo nos autos; e, só em Julho de 2017, é que a Exequente veio a juntar um acordo de pagamento, o qual nem sequer tem a assinatura da Executada.

Em 6 de Novembro de 2017, a Exequente respondeu ao aludido requerimento da Executada, pugnando pela improcedência do mesmo, alegando, para o efeito, em síntese útil, que: a presente execução deu entrada em 18/11/2011, pelo que, não é aplicável ao caso o citado art. 812.º-A, tendo o Exmo Sr. Agente de Execução procedido conforme o legalmente previsto na data de instauração daquela execução; no caso dos autos não está legalmente vedada a penhora do direito de usufruto, ainda que o mesmo recaia sobre a habitação própria e permanente da Executada; o título executivo não foi junto com o Requerimento Executivo por lapso da Exequente, que, oportunamente, requereu ao Tribunal que fosse relevado tal lapso; mesmo a não ter existido tal junção, de acordo com a al. d) do nº 1 e do nº 3 do artigo 725º do Cód. Proc. Civil, poderia a Exequente proceder à sua junção, no prazo de 10 dias, após notificação da recusa do Requerimento Executivo pela secretaria – notificação essa, que não ocorreu.

Em 15 de Novembro de 2017, a Executada apresentou requerimento (sob a Referência nº 370976738) onde reiterou a sua pretensão.

Em 16 de Janeiro de 2018, foi proferida a decisão ora em recurso, sob a Referência 372628054, com o seguinte teor:
“Compulsados os autos verifico que a presente acção executiva foi instaurada em 2011.11.18, não tendo sido junto qualquer título executivo.
Apenas em 26.06.2017, cfr. Ref. 15507372 foi junto pela exequente um documento como título executivo, documento particular titulado “declaração de divida”, contudo da análise do mesmo não consta qualquer assinatura ou rubrica referente à executada.
Ou seja, passados 7 anos da instauração da presente execução juntou a exequente o título executivo, o qual não se mostra rubricado/assinado pela executada.
Assim, nos termos do artigo 734º, nº1 e 2 ex vi artigo 726º, nº2, al. a) do CPC, rejeito a presente execução.
Custas pelo exequente.
Registe e notifique.
Dê conhecimento ao AE.”.

Inconformada, a Exequente recorre desta decisão, requerendo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que determine o prosseguimento da execução; terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1.- Nos presentes autos foi proferido despacho/ sentença de fls. que decidiu extinguir a extinção da acção executiva, por meio de rejeição, por considerar, segundo parece, que (i) o título executivo foi junto muito depois da apresentação do requerimento executivo e (ii) por se ter concluído que o título executivo não se encontra assinado pela Executada.
2.- O requerimento executivo foi apresentado no passado dia 28 de Novembro de 2011, sendo que o título executivo foi espontaneamente junto aos autos pela Exequente, por meio de requerimento, no passado dia 26 de Junho de 2017.
3.- Após apresentação do título executivo, os autos prosseguiram os seus ulteriores termos, tendo sido conferido à Executada, aqui Apelada, o direito de se opor à execução e/ou à penhora, o que acabou por suceder.
4.- Em momento algum no processo, a Exequente foi notificada para juntar aos autos o título executivo em causa, tendo sido a parte que, verificado o lapso, procedeu à sua junção, tendo regularizado, por esta via, a instância executiva.
5.- Por outro lado, também é certo que a junção aos autos título executivo em causa foi admitida, tendo sido apenas agora proferida sentença que, inexplicavelmente, pôs termo à execução.
6.- Considerando a data da apresentação do requerimento executivo – 28 de Novembro 2011 – aos presentes autos aplica-se, ainda, o regime anterior e precedente à reforma da acção executiva, introduzida pelo novo C.P.C.
7.- De acordo com o disposto no artigo 6.º das disposições transitórias do novo C.P.C., em tudo o que diga respeito aos títulos executivos e respectivas fases processuais, aplica-se o regime antigo aos processos instaurados antes da entrada em vigor do novo C.P.C
8.- O título executivo que deu causa e sobre o qual se sustenta a presente acção executiva é um acordo de pagamento da dívida exequenda, firmado entre as Partes, em 09 de Fevereiro de 2009.
9.- Ao abrigo do disposto no anterior artigo 46.º c) do C.P.C., apenas podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
10.- Com efeito, o título executivo em causa enquadra-se nos títulos descritos no referido normativo, sendo um documento particular, assinado pelo devedor, que importa a constituição ou o reconhecimento de determinada obrigação pecuniária.
11.- De acordo com o referido acordo, por conta dos serviços prestados e facturados pela Exequente à Executada, foi celebrado um acordo de pagamento da divida exequenda, nos termos do qual a Executada reconhece a divida existente e obriga-se a pagar a quantia exequenda em prestações mensais mínimas de € 250,00, até à extinção do débito.
12.- Uma vez admitido o documento como título executivo, a sua junção, ainda que tardia, determinou o prosseguimento dos autos de execução, uma vez que à luz do anterior artigo 812.º C al. d), qualquer processo que tivesse por base um título de obrigação pecuniária vencida de montante não superior à alçada do tribunal da relação, dispensava a realização de citação prévia ou a prolação de despacho liminar de admissão.
13.- Assim sendo, uma vez recebido requerimento executivo, com base num título executivo constitutivo de uma obrigação pecuniária vencida, o Agente de Execução dá inicio às diligências de pesquisa e busca de bens penhoráveis, prosseguindo o processo os seus ulteriores termos.
14.- No caso vertente, estando em causa um acordo de pagamento, no qual se reconhece a constituição de uma dívida pecuniária vencida e tendo a execução prosseguido, mesmo após junção tardia do título executivo, considera-se a instância executiva regularizada.
15.- Determina o disposto no artigo 6.º do C.P.C. que, no exercício do dever de gestão processual, cabe ao Juiz providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância, quando a sanação do dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.
16.- No caso vertente, não tendo sido rejeitada a execução e muito embora a Exequente não tenha em momento algum sido notificada para juntar aos autos o respectivo título executivo, certo é que procedeu à sua junção, após o que foi conferida à Executada a possibilidade para, querendo, apresentar oposição à execução e/ou à penhora, o que acabou por suceder.
17.- Entende-se que, face ao prosseguimento dos autos e tendo sido conferida à Executada a possibilidade para, querendo, se manifestar quanto à obrigação exequenda e ao respectivo título executivo, considera-se a presente instância executiva regularizada, devendo seguir os seus ulteriores termos quanto à matéria de facto invocada pelas Partes.
18.- Nos termos do disposto no artigo 46.º c), o documento particular constitutivo de qualquer obrigação pecuniária deverá ser assinado pelo devedor, pois só dessa forma se reconhece a existência de uma dívida e se confere a respectiva exequibilidade.
19.- Em sede de oposição à execução é alegado pela Executada que o título executivo não se encontra por si assinado ou rubricado, tendo sido mesmo posta em causa a veracidade do documento.
20.- Decorre da argumentação utilizada pela Executada que foi questionada a autenticidade do documento, na medida se alega que a devedora não apôs a sua assinatura, pelo seu punho, no documento, mais se invocando, até, que a assinatura é da Exequente e que o documento foi adulterado.
21.- Estando em causa matéria incidente sobre a prova documental, aplicam-se as regras substantivas previstas no C.C., determinando, para este efeito, o disposto no artigo 374.º n.º 2 que, uma vez impugnada a veracidade da letra ou da assinatura, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade – inversão do ónus da prova.
22.- Uma vez impugnada a veracidade da assinatura da Executada no título executivo, caberia à Exequente provar que a o documento tinha sido assinado, sendo, para o efeito, promovidas as necessárias diligências de prova.
23.- Em clara violação do referido artigo, o tribunal a quo decidiu, sem mais, que o documento em causa não estava assinado pela Executada, não tendo conferido à Exequente a possibilidade de se manifestar quanto ao entendimento e sentido decisório do tribunal a quo.
24.- Depois de impugnada a assinatura do documento, deveria o tribunal a quo, antes de formar a sua convicção, cingir-se à matéria de facto invocada pelas Partes, recolher todas as provas indispensáveis para a prova da matéria de facto alegada e, por fim, decidir, fundamentadamente e com base nos elementos constantes dos autos, sobre a admissibilidade ou existência do título executivo.
25.- Nem se pode afirmar que existam nos autos princípios de prova ou elementos probatórios suficientes que possam ter gerado no tribunal a quo a convicção agora criada de que o documento não foi assinado pela Executada. Ao invés, o tribunal a quo decidiu com base numa mera análise primária do documento e em meros juízos de valor conclusivos, assentes na defesa apresentada pela Executada.
26.- Mais se diga que, sob o ponto de vista formal, o documento encontra-se assinado, precisamente, no espaço destacado para a assinatura da Executada, razão pela qual, mesmo perante uma análise superficial, jamais o tribunal a quo poderia assumir que o documento não se encontra assinado pela Executada.
27.- Existindo uma situação de dúvida quanto à autoria da assinatura em causa, deveriam ter sido realizadas diligências probatórias que pudessem sustentar as afirmações e conclusões agora vertidas na sentença proferida, o que não sucedeu no caso vertente.
28.- Por outro lado, em sede oposição, a Executada requereu a suspensão da presente execução, mecanismo esse que, na duvida existente ou na criação da convicção do tribunal a quo, poderia ser utilizado, nos termos previstos no artigo 733.º n.º 1 al. b) do C.P.C.
29.- De acordo com o referido preceito legal, tratando-se de uma execução baseada em documento particular, como é o caso, e o embargante – executado – tiver impugnado a genuinidade da respectiva assinatura, o Juiz se assim o entender, ouvido o embargado – exequente – pode ordenar a suspensão dos autos.
30.- Na dúvida ou mesmo na ausência de elementos probatórios suficientes que pudessem criar no espírito do tribunal a quo a convicção e certeza da falta de assinatura no documento, poderia o Juiz, depois de ouvidas as partes, determinar a suspensão da execução até que fosse resolvida a questão do título executivo.
31.- Ao invés, o tribunal a quo socorreu-se da aplicação tardia do disposto no artigo 734.º n.º 2 para decidir nos termos em que decidiu e ignorar que a instância executiva já se encontrava regularizada e que, quanto muito, deveria prosseguir os seus termos para decidir sobre toda a matéria de facto já invocada pelas Partes.
32.- Por último, entende a Apelante que a sentença proferida é desprovida de fundamentação jurídica ou factual, tendo igualmente decidido em manifesto excesso de pronúncia, na medida em que conclui sobre determinada matéria sem ter quaisquer elementos probatórios que sustentem essa mesma decisão.
33.- Da mesma forma que não se pronunciou sobre nenhum dos factos invocados pelas partes, tendo decidido com base em juízos conclusivos e de valor sobre a legalidade do título executivo.
34.- A ausência de fundamentação é por demais evidente, na medida em que nada é invocado quanto à conclusão que o título executivo não é assinado pela Executada, seja em termos factuais, como em termos probatórios, trazidos para os autos.
35.- Cinge o seu juízo de valor com base numa análise feita ao documento que, por sua vez, se encontra assinado, precisamente, no campo destacado para a Executada.
36.- Da mesma forma que, conclui que deve a execução em causa ser rejeitada, mesmo depois da Exequente ter junto o título executivo e da Executada ter apresentado a sua defesa e demonstrar perceber o sentido e o alcance do título executivo junto aos autos, não se pronunciando sobre nenhum dos factos invocados.
37.- De uma leitura da decisão fica a Exequente sem perceber em que medida o título executivo não está assinado pela Executada, até porque existem provas documentais ao dispor da Exequente que podem comprovar, com clareza, que a assinatura em causa é da Executada.
38.- Tem-se, pois, por certo que a sentença proferida viola o disposto no artigo 615.º al. a) e al. c) do C.P.C., tanto na vertente da falta de fundamentação, como no facto de se ter pronunciado sobre questões que, atento os elementos dos autos, não permitiam que se chegasse a tal conclusão, como na vertente de omissão de pronuncia sobre questões invocadas pelas Partes e sobre as quais o tribunal a quo não proferiu qualquer decisão.”.

A Executada não contra-alegou.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–QUESTÕES A DECIDIR

De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Porém, esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). Acresce que, não pode também este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas - cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª Ed., Almedina, 2018, págs. 114 a 116.

Nestes termos, neste recurso, as questões a decidir são as seguintes:
a)– existência de fundamento para a rejeição da execução, com base (Conclusões das Alegações sob os nºs 1. a 31.):
- na junção do título executivo dado à presente execução em momento posterior à instauração da acção, nomeadamente “passados 7 anos” dessa instauração;
- na consideração de que o título executivo dado à execução “não se mostra rubricado/assinado pela executada”;
b)– existência de nulidade da decisão por enfermar das nulidades previstas nas als. b) – não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificam - e d) – omissão e excesso de pronúncia - do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil (Conclusões das Alegações sob os nºs 32. a 38.).
 
III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida não especificou de forma discriminada a factualidade em que assenta, mas dela resulta que relevou os factos constantes do relatório que antecede.

IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre apreciar as questões a decidir neste recurso pela sua ordem de análise e precedência lógica, começando pelas invocadas nulidades da decisão, com base na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificam e na omissão e excesso de pronúncia.
Tendo sido invocadas nulidades previstas no art. 615º do Cód. Proc. Civil, deveriam as mesmas ter sido apreciadas pela Mmª Juíza a quo no próprio despacho em que se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso (cfr. nº 1 do art. 617º daquele diploma legal) – o que não fez, como resulta do despacho proferido em 10/05/2018, sob a Referência nº 376258274.
Omitida tal pronúncia, pode o relator do acórdão a proferir pelo Tribunal da Relação, “se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que” tal omissão seja suprida, de acordo com o disposto no nº 5 do citado art. 617º do Cód. Proc. Civil.
Porém, no caso em apreço, considera-se que tal pronúncia é de dispensar, pelo que se passa, de imediato, a apreciar as invocadas nulidades.

Da nulidade da decisão por não especificação dos fundamentos de facto e de direito:
Sublinha-se, em primeiro lugar, que existe mero lapso de escrita na menção feita, na parte final de fls. 20/30 das Alegações de recurso e no art. 38º das respectivas Conclusões, à alínea a) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil, uma vez que resulta à saciedade do demais invocado nas alegações de recurso que a nulidade ali suscitada apenas se poderá subsumir à alínea b) daquele preceito legal (e não à al. a), que respeita unicamente à falta de assinatura do juiz na decisão recorrida, o que não se verifica, de forma manifesta, in casu). E, tanto assim é, que no último parágrafo fls. 20/30 das Alegações de recurso, é feita a menção devida à al. b) do citado preceito legal.
De acordo com o disposto no art. 249º do Cód. Civil e ao abrigo do princípio consagrado no art. 6º do Cód. Proc. Civil, por se tratar de mero erro de escrita, apreciar-se-á a questão da nulidade suscitada em termos da sua devida qualificação jurídica subsumível à al. b) do nº 1 do 615º do Cód. Proc. Civil - o que se passa a fazer.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Tal vício emerge, pois, da violação do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 205º, nº 1 da Constituição da República e no art. 154º do Cód. Proc. Civil.

Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, “Parte Geral e Processo de Declaração”, Coimbra, 2018, pág. 188, “O dever de fundamentação das decisões tem consagração constitucional (art. 205º, nº 1 da CRP), apenas se dispensando no caso de decisões de mero expediente. Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a respectiva decisão deverá ser fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso.”.
Esta nulidade, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da sentença, é um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido que tal vício só se verifica em situações de falta absoluta ou total ininteligibilidade de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência, laconismo ou mediocridade, se deve considerar a fundamentação deficiente.

Com efeito, já Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Volume, 3ª Ed., Coimbra Editora, p. 140, ensinava que: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.”.

Luís Mendonça e Henrique Antunes, in “Dos Recursos”, Quid Juris, p. 116, salientam que: “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.”.

Como salienta Tomé Gomes, in “Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, E-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, p. 370, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf : “(…) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo./A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.”.

A este propósito, escreveu Artur Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, p. 141/142 que: “(…) Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.

No mesmo sentido, e ainda na Doutrina, cfr.: Rodrigues Bastos, in “Notas ao Código de Processo Civil”, III Vol.; e, Lebre de Freitas e Outros, in “Código de Processo Civil  Anotado”, II Vol., 2001, p. 669.
De igual forma e no mesmo sentido tem sido o entendimento da Jurisprudência, sendo possível confrontar, por todos: Acórdão da Relação de Lisboa de 17/05/12, Gilberto Jorge, acessível em www.dgsi.pt, onde se escreve: “A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença.”; Acórdão da Relação de Coimbra de 14/04/93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541; Acórdão da Relação do Porto de 06/01/94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197; Acórdão da Relação de Évora de 22/05/97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266; Acórdão do STJ de 19/10/2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ de 26/04/1995, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, onde se pode ler: “(...) no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.”; Acórdão do STJ de 15/12/2011, Pereira Rodrigues, onde se precisa que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final; e, no Acórdão do STJ de 02/06/2016, Fernanda Isabel Pereira, que enuncia: “Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento.”; e, Acórdão do STJ de 28/05/2015, Granja da Fonseca; e Acórdão do STJ de 10/05/2016, João Camilo – todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Descendo ao caso dos autos, constata-se que estamos perante uma situação em que a decisão recorrida - pese embora de forma deveras insuficiente, lacónica e deficiente – preenche os requisitos mínimos exigidos pela lei quanto à motivação (de facto e de direito) das decisões.

Na verdade, a decisão recorrida encontra-se minimamente motivada de facto (conforme resulta da sua leitura: baseou-se nas datas de entrada do Requerimento Executivo e do Requerimento da Exequente em que foi junto o título executivo, datas essas, que estão exaradas naqueles Requerimentos; bem como se baseou no teor/conteúdo do documento que consubstancia o título dado à execução) e de direito (tendo sido invocado, como fundamento legal da rejeição: “o artigo 726º, nº2, al. a) do CPC”).

Desta forma, de acordo com o disposto no art. 205º, nº 1 da Constituição da República e nos arts. 154º e 615º, nº 1, alínea b), ambos do Cód. Proc. Civil, e tendo em atenção as considerações acima aduzidas a propósito da interpretação e sentido último daquelas disposições legais, conclui-se que não se verifica, no caso dos autos, a falta absoluta ou a total ininteligibilidade de indicação das razões de facto e de direito que justificaram a decisão, susceptíveis da cominação legal de nulidade da decisão. Como também resulta do antes enunciado, questão diversa é a (eventual) errada fundamentação (de facto e/ou direito) da referida decisão, questão essa, que, tendo também sido objecto deste recurso, é matéria a apreciar infra, em sede de mérito.
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Da nulidade da sentença por omissão e excesso de pronúncia:
Nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d) do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.

Esta nulidade consubstancia a sanção para a violação do dever processual previsto no art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, que determina que o julgador na sentença (e nos próprios despachos: cfr. art. 613º, nº 3 do Cód. Proc. Civil) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, não podendo “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
É entendimento pacífico que a omissão de pronúncia se circunscreve à omissão de questões em sentido técnico, questões de que o tribunal tenha por dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. A invocação de um facto ou a produção de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal se não tenha pronunciado não pode constituir omissão de pronúncia para efeitos do disposto no preceito legal em referência. O que significa que, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cfr., por todos, na Jurisprudência: Acórdão do STJ de 22/06/99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 161; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/02/2004, Ana Grácio, CJ 2004 – I, p. 105; Acórdão da Relação de Lisboa de 04/10/2007, Fernanda Isabel Pereira; e, Acórdão da Relação de Lisboa de 06/03/2012, Ana Resende, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

Nas palavras de Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, V Vol., p. 143, “(…) são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado.

O que significa que esta nulidade só se verifica quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas – cfr. Acórdão do STJ de 21/12/2005, Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt.

A questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Deste modo, não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocam tendo em vista obter a (im)procedência da ação – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23/04/2015, Ondina Alves, acessível em www.dgsi.pt.

Como bem precisa Tomé Gomes, in “Da Sentença Cível”, p. 41: “(…) já não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito.”.

Não há, por isso, omissão de pronúncia quando a matéria tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 09/06/2011, Filipe Caroço, acessível em www.dgsi.pt. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui, não ocorrendo nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra – cfr. Acórdãos do STJ de 08/03/2001, Ferreira Ramos, e de 03/10/2002, Araújo de Barros, acessíveis em www.dgsi.pt. O mesmo é dizer que o juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente – cfr. Acórdão do STJ de 30/04/2014, Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt.

No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do art. 615º do Cód. Proc. Civil), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio.

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 06/12/2012, João Bernardo, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, não podendo o julgador condenar, além do pedido, nem considerar a causa de pedir que não tenha sido invocada. Contudo, como é enunciado no Acórdão do STJ de 15/12/2011, Pereira Rodrigues, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integra nulidade. A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença – Acórdão da Relação de Lisboa de 17/05/2012, Gilberto Jorge – Acórdãos todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Da omissão de pronúncia:

Descendo ao caso dos autos, não se vislumbra que na decisão recorrida tenha sido preterido o conhecimento de qualquer questão submetida pelas partes ao conhecimento do tribunal ao longo desta execução ou de que o mesmo devesse apreciar oficiosamente.

Na verdade, por um lado, e desde logo, a decisão recorrida foi proferida ao abrigo da faculdade concedida pelo nº 1 do art. 734º do Cód. Proc. Civil ao juiz de “conhecer oficiosamente” das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do art. 726º daquele diploma legal; e, por outro lado, na decisão recorrida mostra-se apreciada e decidida a questão suscitada pelas partes até então (cfr. Requerimento Executivo; requerimentos da Executada de 23/10/2017 e de 15/11/2017; e resposta da Exequente de 06/11/2017), a saber: junção aos autos do título executivo e a aposição neste da assinatura da Executada (não sendo de cuidar, agora, por tal extravasar o âmbito deste recurso, se aquela questão deveria ter sido, ou não, suscitada apenas em sede de embargos de executado ao abrigo dos arts. 731º e 732º do Cód. Proc. Civil) - sendo irrelevante, para a verificação da nulidade em análise e como se salientou supra, que a decisão recorrida não se tenha pronunciado sobre todos os factos e argumentos invocados pelas partes (como alegado pela Recorrente em sede de recurso).

Se a apreciação/ponderação feita sobre aquela questão na decisão recorrida foi incorrectamente feita (como alega a Recorrente) ocorrerá um erro de julgamento (a apreciar infra na parte respeitante ao mérito da decisão) e não uma omissão de pronúncia, não consubstanciando, pois, a nulidade da decisão prevista no citado art. 615º, nº 1, al. d), 1ª parte, do Cód. Proc. Civil.

Do excesso de pronúncia:
De igual forma, na decisão recorrida, o Tribunal a quo moveu-se nos estritos limites do objeto da causa e do respectivo conhecimento oficioso. Na verdade, o tribunal a quo limitou-se a apreciar uma questão que era do seu conhecimento oficioso e que, não dependendo sequer da alegação de quaisquer factos, se resumiu a apreciar se o título dado à execução apresentava ou não as características de que a lei faz depender a sua exequibilidade. A decisão não se baseou, portanto, em quaisquer factos inexistentes ou não alegados pelas partes, limitando-se a analisar as características e o teor do documento em que se fundava a execução, verificando a sua conformidade com os critérios legais referentes à sua exequibilidade. E, tendo sido considerado que esse documento não poderia constituir título executivo suficiente para a execução, foi rejeitada a execução, sendo, desta forma, manifesto que não se verifica qualquer situação de excesso de pronúncia. Isto, obviamente, sem prejuízo da oportuna apreciação do mérito da decisão, nomeadamente quanto à manifesta insuficiência do título executivo.
Pelo exposto, não se verifica a nulidade da decisão prevista no citado art. 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do Cód. Proc. Civil.
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Quanto ao mérito da decisão recorrida:
Foi interposto recurso da decisão proferida pelo tribunal a quo na parte em que esta decisão, no entendimento da Recorrente (cfr. ponto I das Alegações de recurso – “do Objecto do recurso” e art. 1º das Conclusões insertas naquele articulado), “tomou em consideração dois argumentos
(i) que o título executivo que deu causa à presente causa foi junto apenas em 26.06.2017, já muito depois da data da apresentação do requerimento executivo e
(ii) analisado o título executivo, que deu causa à presente acção executiva” o mesmo não se encontra assinado ou rubricado pela Executada.”
A presente execução deu entrada em tribunal no dia 18 de Novembro de 2011.
Desta forma, na parte respeitante – para o que aqui interessa - aos títulos executivos, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória desta execução aplica-se o Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28 de Dezembro de 1961, de acordo com o disposto no art. 6º, nº 3, a contrario, da Lei nº 41/2013, de 26/06. No demais, e com as necessárias adaptações, aplica-se à presente execução o Código de Processo Civil aprovado pela citada Lei nº 41/2013.
Como decorre do disposto no art. 10º, nºs 4 e 5 do Cód. Proc. Civil, a acção executiva visa a implementação das providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida e tem por base um título, pelo qual se determinam o fim a e os limites da acção executiva.
O fundamento substantivo da acção executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento legal de demonstração.
Aquele título constitui, para fins executivos, condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito exequendo nas suas vertentes fáctico-jurídicas, assumindo, por isso, autonomia em relação à realidade que prova.

Nas palavras de Anselmo de Castro, in “A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial”, ed. 1970, p. 10, o título executivo “é condição necessária da execução, na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção não podem ser praticados senão na presença dele (...)” e “condição suficiente da acção executiva, no sentido de que, na sua presença, seguir-se-á imediatamente a execução”.

Também Lebre de Freitas salienta: “(…) A função executiva do documento, embora pressupondo sempre a sua função probatória, não se confunde com ela e o documento constitui base da acção executiva, com autonomia relativamente à actual existência da obrigação, que não tem, em princípio, de ser questionada na acção executiva, e em conformidade com a lei vigente à data em que o tribunal tenha de verificar a exequibilidade (…)” (in “Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª Edição, Coimbra Editora, p. 69/70); “Sabido que o documento escrito é um objecto representativo duma declaração e como tal constitui meio de prova legal plena (arts. 362º CC, 371-1 CC e 376-2 CC), parece impor-se a conclusão de que o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio é um documento que constitui prova legal para fins executivos e que a declaração nele representada tem por objecto o facto constitutivo do direito do crédito ou é, ela própria, este mesmo facto.” (in“A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2ª Edição, Coimbra Editora, p. 56).

Dando voz a Antunes Varela: “O título executivo é, pois, o documento de que consta a obrigação, cujo cumprimento se pretende obter por via coactiva e que, dada a sua força probatória, faculta imediato recurso à acção executiva.” (in RLJ, nº 121º, p. 147/148); e “Os títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da forma probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador (…), o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista quer não.” (in “Manuel de Processo Civil”, 1985, 2ª edição, p. 78/79).

A propósito da necessidade duma base documental, pronunciaram-se Jorge Barata e Laranjo Pereira, in “Acção Executiva Comum. Noções Fundamentais”, Vol. I, p. 14, da seguinte forma: “(…) A necessidade de apresentação do título executivo representa uma solução de compromisso entre os dois princípios possíveis de organização do direito processual civil executivo, quais sejam, o princípio da cognição prévia que visa essencialmente a defesa do devedor  e o princípio da execução que visa essencialmente a defesa do credor (…) através da acção executiva o tribunal é solicitado a praticar actos gravosos contra o património do executado (…), daí que se coloque ao órgão executivo o problema da certificação a respeito da existência e validade do direito exequendo na altura do desencadeamento das actuações coercivas conducentes à realização do mesmo (…) na nossa ordem jurídico-processual, a acção executiva pode desencadear-se sem ser necessária a declaração jurisdicional prévia da existência do direito do credor”.

As partes não podem constituir títulos executivos além dos legalmente previstos (cfr. art. 46º, nº 1, proémio, do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961; e art. 703, nº 1, proémio, do Cód. Proc. Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06) - nullus titulus sine lege -, quer mediante a dispensa de algum dos seus requisitos, quer exigindo outros fins diversos dos legais. Na verdade, está vedada às partes a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo e a recusa dessa força a um documento legalmente qualificado como título executivo. Ou seja, os títulos executivos são os indicados como tal pela lei estando a enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade, ou seja, sem possibilidade de criação de títulos “ex voluntate” – cfr., neste sentido, Acórdão do STJ, de 14/10/2014, Fernandes do Vale, acessível em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, o título dado à execução é o documento particular junto em 26 de Junho de 2017 pela Exequente no requerimento com a Referência nº 367436348, e no qual se encontra aposta como data da sua elaboração o dia 09 de Fevereiro de 2009.

De acordo com o disposto no art. 46º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, aplicável ao caso dos autos, como se salientou antes, à execução podem servir de base os “documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto”.

Acresce que, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015, publicado na Iª Série do Diário da República nº 201/2015, de 14/10/2015, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26/06, “a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor (então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44 129, de 28 de Dezembro de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho)”.

O que significa que, no caso em apreço, quer na data de instauração da execução (18/11/2011), quer na data em que foi efectivamente junto o título dado à execução (26/06/2017), os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, constituíam legalmente títulos executivos.

A decisão recorrida, para negar exequibilidade ao documento particular dado à presente execução, baseia-se, no entendimento da Recorrente:
(i) no facto de o título executivo ter sido junto apenas em 26/06/2017, já muito depois da data da apresentação do requerimento executivo;
(ii) no facto de o título executivo não se encontrar assinado ou rubricado pela Executada.
Fundamentou-se a decisão recorrida nos arts. 734º e 726º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil.
O art. 734º do Cód. Proc. Civil consagra a possibilidade de o juiz rejeitar oficiosamente a execução instaurada, até ao momento processual ali definido, sempre que se aperceba da existência de questões que deveriam ter conduzido ao indeferimento liminar da execução.
Por sua vez, o referido art. 726º, nº 2 contempla as situações em que é admissível o referido indeferimento liminar, dispondo a alínea a) – a única relevante para este recurso por consubstanciar a motivação da decisão recorrida – que tal ocorre quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título”.
(i) Quanto ao primeiro segmento deste último preceito legal (falta do título),entendemos, ao contrário do percepcionado pela Recorrente, que a decisão recorrida, para rejeitar a execução, não se estriba na ausência/falta na execução do título executivo, não retirando consequências processuais, nem materiais da apresentação de tal título decorridos cerca de cinco anos e sete meses (e não sete anos, como se refere naquela decisão) da data de instauração da execução.

Senão, vejamos.

Pese embora o título executivo não tenha acompanhado o Requerimento Executivo, o certo é que a execução decorreu os seus normais trâmites, até que a ora Recorrente, de motu próprio, peticionou a junção aos autos daquele título (cfr. requerimento de 26/06/2017), não tendo esta pretensão sido objecto de despacho até à prolação da decisão recorrida.

Na decisão recorrida, não só não foi determinado o desentranhamento do referido título executivo, como, inclusive, o conteúdo de tal título foi objecto de apreciação e valoração jurídica pelo tribunal a quo, que sobre ele se pronunciou, concluindo que o mesmo “não se mostra rubricado/assinado pela executada”.

Da concreta redacção e raciocínio lógico subjacente à decisão do tribunal a quo, podemos, pois, extrair a conclusão que a admissão do título executivo requerida pela Exequente foi admitida implicitamente pelo tribunal aquando da prolação daquela decisão, naquilo a que é usual denominar-se por decisão implícita.

Como é consabido, decisão implícita é aquela que está subentendida noutra que foi expressamente tomada; ou seja, quando está tacitamente contida noutra decisão expressa. Por outras palavras, a questão sobre a qual não recaiu decisão expressa é, em face dos princípios, pressuposto necessário e irrecusável ou consequência lógica da decisão explícita. Ou seja, a decisão implícita corresponde a um pressuposto necessário da decisão expressa, existindo a necessidade de verificação de um critério de conexão lógica entre a decisão implícita e a decisão expressa.

Nas sábias palavras do Acórdão do STJ de 12/09/2007, Sousa Peixoto, acessível em www.dgsi.pt: “como resulta do significado etimológico da palavra, decisão implícita é aquela que está subentendida noutra, é aquela que, apesar de não ser claramente expressa, está tacitamente contida noutra decisão (expressa). E sendo assim, para que se possa falar de decisão implícita é necessário que a solução da questão sobre que recaiu a decisão expressa pressuponha a resolução prévia de uma outra questão, ou seja, é necessário que a resolução de determinada questão esteja dependente da resolução dada a outra que constitui um seu antecedente lógico.”. A decisão implícita pode, inclusive, formar caso julgado, como se decidiu, nomeadamente, no Acórdão do STJ de 14/05/2014, Belo Morgado, acessível em www.dgsi.pt. Cfr. ainda, neste sentido, Luso Soares, Duarte Mesquita e Wanda Ferraz de Brito, in “Código de Processo Civil Anotado”, 12ª Ed., Coimbra Almedina, 2001, p. 510, onde se pode ler: “a supressão do parágrafo único do artigo 660º do Código de Processo Civil de 1939 não significa que, na interpretação da sentença, não se reconheça que a mesma contempla um julgamento implícito.”.

Ora, no caso em apreço, a decisão de rejeição da execução com fundamento na circunstância de o título executivo não se encontrar assinado pelo devedor pressupõe, naturalmente e de forma óbvia, como antecedente lógico e necessário, a existência daquele título. Por isto, podemos afirmar que na decisão recorrida se encontra implícita e logicamente contido o juízo de existência (e não de “falta”) jurídico-processual do documento que consubstancia o título executivo.

Pelo exposto, e, maxime, porquanto o título executivo se encontrava efectivamente junto aos autos no momento da prolação da decisão recorrida (que não determinou o seu desentranhamento, como também se salientou), conclui-se que não se verifica no caso dos autos fundamento factual e legal para rejeição da execução por “falta” de título executivo, nem qualquer outra excepção dilatória adveniente de aquele título ter sido junto “muito depois da data da apresentação do requerimento executivo” (cfr. Alegações da Recorrente) – encontrando-se, desta forma, prejudicado o conhecimento das questões exaradas pela Recorrente no ponto II das Alegações, atinentes à “junção aos autos do título executivo e da sua admissão”, e nos pontos 2º a 17º das Conclusões insertas naquele articulado (cfr. art. 608º, nº 2, 1ª parte, ex vi do disposto no art. 663º, nº 2, parte final, ambos do Cód. Proc. Civil).
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(ii) Quanto ao segundo segmento do supra citado art. 726º, nº 2 do Cód. Proc. Civil - insuficiência do título -, entendemos que a decisão recorrida não andou bem ao concluir, de forma oficiosa e ao abrigo do art. 734º daquele diploma legal, que, no título executivo “não consta qualquer assinatura ou rubrica referente à executada”, subsumindo tal situação àquela causa de indeferimento liminar do requerimento executivo.

Senão, vejamos.

Como se afirmou antes, o art. 734º do Cód. Proc. Civil consagra a possibilidade de o juiz rejeitar oficiosamente a execução instaurada, até ao momento processual ali definido, sempre que se aperceba da existência de questões que deveriam ter conduzido ao indeferimento liminar da execução.

Por sua vez, no art. 726º, nº 2, al. a) do Cód. Proc. Civil, o legislador estabeleceu a possibilidade de indeferimento liminar do requerimento executivo quando ocorra manifesta insuficiência do título executivo. Porém, entendemos que o legislador exige, para o indeferimento liminar, que aquela insuficiência seja necessariamente evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional – ou seja, e usando a terminologia legal, que seja “manifesta”.

A este propósito, aduz-se no Acórdão da Relação de Évora de 12/12/2011, José Lúcio, acessível em www.dgsi.pt (que pese embora se debruce sob o art. 812º-E do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, com a redacção dada pelo Dec. Lei nº 226/2008, de 20/11, mantém toda a sua intensidade e pertinência no caso dos autos dada a similitude da letra e do espírito daquele preceito legal com o actual art. 726º do Cód. Proc. Civil), que tal insuficiência deverá “ser insusceptível de sanação como decorre até da comparação com o disposto na alíneas b) e c) da mesma norma (ocorrendo excepções dilatórias estas justificam indeferimento liminar se forem “não supríveis”; tratando-se de título negocial, quando seja manifesto que a obrigação não existe, designadamente por não se ter constituído ou estar já extinta). O indeferimento liminar regulado neste art. 812º-E tem que ser compreendido à mesma luz do indeferimento liminar previsto no art. 817º nº1 al. c), do CPC (um pedido só se mostra manifestamente improcedente, para efeitos do seu indeferimento liminar se não tiver na doutrina quem o defenda ou quando a inviabilidade for de uma evidência irrecusável) ou do disposto no art. 234-A do CPC, quanto à acção declarativa (trata-se de possibilidade extrema, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis).”.

Também a este propósito, se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa de 02/02/2010, António Geraldes, acessível em www.dgsi.pt (que pese embora se debruce sob o art. 820º do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, mantém toda a sua intensidade e pertinência no caso dos autos dada a similitude da letra e do espírito daquele preceito legal com o actual art. 734º do Cód. Proc. Civil), que a rejeição oficiosa da execução “tem de ser necessariamente encarada com parcimónia por parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de deduzir oposição e reservando a actuação de natureza complementar para situações-limite em que a irregularidade da acção executiva não deixe margem para dúvidas. O uso do mecanismo do art. 820º do CPC tem que ser necessariamente reservado para situações excepcionais em que a ocorrência de alguma das situações abstractamente previstas decorrer da mera análise dos elementos fornecidos pelos autos, sem necessidade de intervenção judicial, de pendor inquisitório. Dito de outro modo, a intervenção judicial para efeitos de rejeição da execução deve ser guardada para os casos em que uma eventual intervenção liminar o juiz permitisse determinar por si o indeferimento do requerimento executivo. Não se inscreve na ratio e nos objectivos do preceituado no art. 820º do CPC uma postura do juiz que se traduza na substituição dos ónus que incumbiam ao executado e que este não cumpriu ou não cumpriu dentro dos prazos que a lei prescreve.”.

Também Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2ª Ed., p. 137, entende, a este propósito que: “O indeferimento liminar imediato é reservado para os casos em que seja manifesta a falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso (…).”.

Defendendo – como defendemos - este entendimento, forçoso é concluir que o caso dos autos não se subsume a uma manifesta, evidente, incontroversa, insuprível, definitiva e excepcional insuficiência do título executivo, que justifique legalmente a rejeição oficiosa da execução ao abrigo do art. 734º do Cód. Proc. Civil – pelo contrário.

Na verdade, o título executivo dado à execução consubstancia-se no documento particular junto pela Exequente em 26/06/2017 (cfr. requerimento sob a Referência nº 367436348), com a epígrafe “Acordo de pagamento de dívida”, constando na parte final do mesmo, no local destinado usualmente às assinaturas, a existência de dois traços na mesma linha, separados por um espaço em branco, sendo visível:
- do lado esquerdo, um pouco acima cima do traço aí existente, a menção impressa “Miroglio Portugal, Lda” (ora Recorrente);
- do lado direito, no traço aí existente, uma assinatura manuscrita, cuja grafia não é inteiramente decifrável, nem identificável do ponto de vista onomástico, mais especificamente ao nível da antroponímia.

Ora, considerando que se encontra aposta no referido documento, em local próprio para o efeito, uma assinatura – cuja leitura não é inteiramente perceptível -, não é curial extrair a conclusão, a ilacção, que o mesmo não se encontra assinado/rubricado pela Executada (ora Apelada), ou sequer presumir que tal assinatura não é da lavra da Apelada, como fez a Mma Juiz a quo. Incidindo este controlo judicial liminar – na parte relevante para esta causa - apenas sobre o requisito de forma exigido pelo art. 43º, nº 1, al. c) do Cód. Proc. Civil de 1961 para a exequibilidade dos documentos particulares (a saber: que estejam “assinados pelo devedor”), afigura-se óbvio, da mera análise do conteúdo do referido documento, que o mesmo tem aposta uma assinatura, assinatura essa, que, por um lado, em nada é evidente que não seja a da ora Apelada, sendo, por outro lado, e precisamente, a sua autoria atribuída àquela pela ora Apelante, ab initio, no Requerimento Executivo.

Não é, pois, admissível que, da mera análise do referido documento, se extraía uma conclusão que dele não decorre explicita e manifestamente, sendo certo que a fase processual de que nos ocupamos não é a fase processual própria nem oportuna para sindicar/valorar a autenticidade da assinatura aposta naquele documento – veja-se que, inclusive, a ora Apelada, no momento processual próprio para o efeito (em sede de embargos de executado que deduziu) suscitou tal questão, que deveria/deverá ser objecto de apreciação e conhecimento judicial, em termos probatórios, exclusivamente naquela sede (cfr. arts. 728º e 731º a 733º, todos do Cód. Proc. Civil).  

Tendo em consideração tudo o que anteriormente se referiu, não estamos perante situação enquadrável no art. 726º, nº 2, al. a) do Cód. Proc. Civil (aplicável, reforça-se, apenas aos casos em que seja manifesta, evidente, irremediável a insuficiência do título executivo), pelo que é evidente a falta de fundamento para uma rejeição oficiosa – encontrando-se, desta forma, prejudicado o conhecimento das questões exaradas pela Recorrente no ponto III das Alegações, atinentes à “Da falta de assinatura do título executivo”, e nos pontos 21º a 25º e 27º a 30 das Conclusões insertas naquele articulado (cfr. art. 608º, nº 2, 1ª parte, ex vido disposto no art. 663º, nº 2, parte final, ambos do Cód. Proc. Civil).
Em suma, julgamos que o despacho de rejeição oficiosa da execução, ora recorrido, deve ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento da execução – e dos seus embargos de executado (cfr. sexto parágrafo do Relatório deste Acórdão) – e dos seus normais trâmites.

V.–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, e, em consequência, revogar a decisão recorrida de rejeição da execução, que deve ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos normais e ulteriores termos do processo de execução e dos seus embargos de executado até final.

Apelação sem custas.
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Lisboa, 24 de Setembro de 2019

(Cristina Silva Maximiano)
(Maria Amélia Ribeiro)
(Dina Maria Monteiro)