PROCEDIMENTO CAUTELAR
DANO DE DIFÍCIL REPARABILIDADE
Sumário


Sumário (do Relator)

I- Os procedimentos cautelares representam, de um modo geral, uma antecipação ou garantia de eficácia ao resultado que se visa alcançar no processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita concluir pela provável existência do direito (fumus boni juris) e pelo receio de que tal direito seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).

II- Se é certo que a probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris) se basta com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária (summaria cognitio), o mesmo já não acontece com a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora”, em que se deve usar um critério mais rigoroso.

III- Assim, em relação aos factos integradores do “periculum in mora”, o requerente tem que provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança –, por um lado, os danos que visa acautelar e, por outro, a gravidade e a difícil reparação das consequências danosas resultantes da violação do direito invocado.

IV- Devem, pois, ficar de fora dos interesses acautelados pelos procedimentos cautelares comuns, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, tal como deverão ser igualmente excluídas as lesões graves, mas facilmente reparáveis.

V- O critério de aferição da “irreparabilidade” de prejuízos de natureza patrimonial ou material deverá ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto estamos perante danos de natureza física ou moral, sobretudo se, atentarmos que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva (art. 566º, do C. Civil).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

Recorrente: (…)

Recorrida: (…)

*
I. RELATÓRIO

(…) instaurou contra (…) Lda. o presente procedimento cautelar comum, peticionando que seja restituído provisoriamente ao requerente o estabelecimento comercial em causa, com tudo o que compõe.

Para o efeito, alegou, em suma, que:

· Por contrato reduzido a documento escrito, celebrado em 09/10/2012, o requerente cedeu à requerida a exploração do seu estabelecimento comercial composto de um posto de abastecimentos de combustíveis e loja de conveniência, instalado no imóvel propriedade do requerente, sito na (…) concelho de Chaves.
· Este estabelecimento é composto por quatro ilhas de abastecimento de combustíveis com seis bombas auto-medidoras e duas mangueiras cada, loja de conveniência devidamente equipada, escritório, oficina com equipamento, lavagem e aspiração, bem todos os materiais e equipamentos que ficaram discriminados no anexo que elaboraram.
· Como contrapartida da cessão da exploração, a requerida ficou obrigada a entregar ao requerente a quantia mensal correspondente a 0,15 €/m3, facultando-lhe no final de cada mês um mapa com os números dos contadores das bombas.
· O requerente autorizou a requerida a concessionar a exploração do estabelecimento “por períodos obrigatoriamente compreendidos no prazo da vigência do contrato”.
· Convencionaram que a locação teria “o prazo de vigência igual ao vinculo contratual entre a segunda outorgante (a requerida) e a empresa X Energy, SA, por meio de contrato de abandeiramento e sucessivas renovações. Fazendo o referido documento parte integrante do presente contrato.
· Acordaram ainda que, “no termo do prazo contratual a locação renovar-se-á por iguais e sucessivos períodos de um ano, salvo oposição à renovação por parte da primeira contraente mediante comunicação escrita à segunda contraente com a antecedência não inferior a 90 (noventa) dias do termo do contrato.
· Do contrato celebrado pela requerida com a X Energy, SA consta que o mesmo duraria pelo prazo previsto no anexo III, com início na data da sua assinatura, renovando-se por períodos de 12 meses se não for denunciado ou resolvido por qualquer uma das partes.
· Esse anexo III referia que o prazo do contrato seria de 3 anos prorrogáveis até que se verifique o consumo do volume mínimo de 7.500 m3.
· Segundo o requerente, resulta desse contrato que o prazo inicial de duração do contrato seria de 3 anos e que as suas prorrogações seriam de 1 ano, ocorrendo o seu termo, ora na data em que os 12 meses se completariam ora na data em que se verificasse o consumo pela cessionária do volume mínimo de 7.500m3, assistindo a requerente o direito de o denunciar com a antecedência de 90 dias relativamente a uma dessas datas em que o termo se verificasse.
· Segundo o requerente, de acordo com os mapas mensais enviados pela requerida foi estimado que o consumo mínimo identificado seria alcançado em meados do corrente ano, e, tendo o contrato de locação sido celebrado em 09/10/2012 há muito que decorreu o prazo inicial de 3 anos.
· O requerente, por carta registada com aviso de receção expedida a 26/02/2018 comunicou a sua intenção de “terminar o contrato e não proceder à sua renovação”.
· Acresce que a contrapartida média que a requerida entrega mensalmente ao requerente é de € 1.693,98.
· A Petróleos ... – P., SA propõe-se tomar de arrendamento o local pelo prazo de 15 anos por uma renda inicial de € 4.000,00, passando a ser de € 4.100,00 a partir do segundo ano de vigência, compensando o requerente pela renúncia à exploração do estabelecimento por si mesmo, com o valor de € 18.000,00.
· Também a Y – Petróleos e Investimentos, SA propõe-se tomar de locação o mencionado estabelecimento, pelo prazo de 15 anos, mediante a contrapartida mensal de € 4.000,00.
· A normal demora de um processo judicial é de molde a causar graves prejuízos ao requerente, traduzidos no lucro cessante entre o que a requerida lhe poderá entregar e o que poderá obter dos proponentes, o que se poderá traduzir em várias centenas de milhares de euros.
· Tal prejuízo é de difícil reparação uma vez que a requerida não é titular de património suscetível de assegurar a reparação de tais prejuízos.

Regularmente citada, a requerida deduziu oposição, invocando, em síntese, que:

- A locação de estabelecimento celebrado entre a empresa F. P. Sociedade Unipessoal, Lda. com o locador M. M., tem o prazo de vigência igual ao vínculo contratual entre a requerida e sociedade X Energy, SA, por meio de contrato de abandeiramento e suas sucessivas renovações, fazendo o referido documento parte integrante do respetivo contrato.
- O aludido prazo de 3 anos ou até que se verifique o consumo de 7.500 m3, referido no Anexo III, não tem natureza resolutiva, mas visa proteger o investimento que a X Energy, SA fez no estabelecimento e que ascende ao valor total de € 64.359,77.
- Assim, caso não se verificasse o consumo do volume mínimo de 7.500 m3 de combustíveis, por parte da sociedade «F. P., Unipessoal, Lda.», durante esse prazo de 3 anos, este prazo prorrogar-se-ia até que tal volume mínimo fosse alcançado.
- Completado o prazo de 3 anos e/ou o consumo pela requerida de 7.500 m3 de combustível, por parte da requerida, o contrato celebrado entre esta e a X Energy, SA renova-se pelo período de 12 meses, se não for denunciado ou resolvido por qualquer uma das partes.
- Uma vez que o contrato de locação do estabelecimento celebrado entre a requerida e o requerente, tem o mesmo prazo de vigência do vínculo contratual entre a «F. P., Unipessoal, Lda.» e a «X Energy, SA» por meio de contrato de abandeiramento, e suas sucessivas renovações, mantém-se também ele válido e eficaz.
- Em face deste contrato, a requerida investiu € 32.749,54 no estabelecimento, pagando mais de € 4.000,00 para a vitrificação dos reservatórios de combustível que são propriedade do requerente.
- A requerida contratou 6 trabalhadores que tem, neste momento, ao seu serviço.

Pugna pela improcedência do pretendido pelo requerente.

Procedeu-se à realização da audiência final, com a inquirição das testemunhas arroladas pelas partes.
Na sequência, por decisão de 11 de Junho de 2019, veio a julgar-se improcedente o presente procedimento cautelar, absolvendo-se a requerida do pedido.

Inconformado com o assim decidido, veio o requerente interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I) Matéria de Facto:

1. Dos factos considerados provados na sentença proferida o recorrente pretende fundadamente a alteração de três, reputando dois deles de incompletos e o terceiro de desacertado na sua redação – sem prejuízo de, mesmo com os factos que a sentença proferida considerou provados, a solução de direito não deveria ter sido a que a sentença decretou – o que também se aborda, na sequência:
2. Os dois últimos factos que a sentença considerou provados e que, aliás, fez realçar em «bold», prestam-se a uma interpretação desconforme com a realidade e com os elementos probatórios constantes dos autos – e são os seguintes:
13. No dia 4 de Maio de 2018 o filho do requerente – P. J. – mandatado por este reuniu-se, na sede da «X Energy, SA» com o administrador da mesma – D. R. C. – outros quadros superiores daquele e o legal representante da requerida.
14. Ficando assente a vigência dos referidos contratos.
3. Ora, resulta do depoimento da testemunha P. J., filho do Requerente (cfr. minutos 17:44 a 22:20 registo áudio da sessão de 2018.10.11, constante de 20181011113644_1348913_2871892) que, por um lado, ele interveio nas mesmas sem poderes de vinculação do Requerente, seu pai (e até, pelo menos numa ocasião – refere – «contra a vontade dele»);
4. e, por outro, que ele teve reuniões com responsáveis da «X» no âmbito de negociações tendentes à celebração de um novo contrato com esta, que não com a ora Requerida (nem teria aliás cabimento ter reuniões com a «X» visando contratar com a Requerida…) – embora tenha admitido que um novo contrato até poderia ser celebrado com a ora Requerida a quem o pai até poderia dar preferência.
5. No mesmo depoimento, de minutos 19:18 a 21:00, o Advogado da Requerida inquirindo a testemunha, leu-lhe uma passagem de um e-mail de 2018.05.04 remetido à «X», perguntando-lhe se ele tinha reconhecido que o contrato estava em vigor nessa altura, ao que ele respondeu que sim, por a denúncia apenas ir produzir efeitos no mês seguinte.
6. Referia-se a testemunha às circunstâncias que ficaram a constar dos factos 7., 8. e 9., ou seja, que – consoante consta da carta a que o ponto 8. se refere –, estando previsto que a Requerida atingiria o volume de compras de 7.500 m3 em Junho seguinte, o Requerente procedia pela missiva à denúncia do contrato para produzir efeitos nesse mês (Junho), sendo atingido esse volume, como foi, tendo feito constar da missiva que o fazia nos termos do n.º 2 da Cl.ª 2ª do contrato de cessão de exploração.
7. O mesmo se passa relativamente à testemunha R. C. (registo áudio da sessão de 2019.04.09, constante de 20190409111004_1348913_2871892), que, tendo-lhe sido perguntado se o Requerente teria aceitado, em 5 de Maio, que o contrato de cessão de exploração estaria em vigor, depois de ter respondido que «deixaria de o estar» (!), confirmou o teor do e-mail de 5 de Maio (minutos 13:00 a 18:00).
8. Ou seja, em Maio o contrato ainda estava em vigor, uma vez que a denúncia apenas produziria os seus efeitos em Junho seguinte, pelo que o Requerente terá afirmado o que era uma evidência.

Ora:

9. Face aos documentos dos autos e aos citados depoimentos, afigura-se que os pontos 8., 13. e 14. dos «factos provados» se encontram deficientemente redigidos – o que se diz sem qualquer quebra de respeito:
10. Principiando pelo ponto 13., dele deverá passar a constar, a seguir à expressão «mandatado por este», a frase «sem poderes vinculativos», pois, por um lado, ele próprio o disse e, por outro, em parte alguma foi feita qualquer prova (como não poderia sê-lo) de que o filho dispunha de poderes para vincular o pai.
11. Quanto ao ponto 14.: por um lado, e para traduzir a realidade das coisas, deverá o mesmo limitar-se à menção ao contrato de cessão de exploração (que não «os contratos», pois as testemunhas tão-só se referiram a esse) se mantinha em vigor em 4 de Maio por apenas em Junho a denúncia do Requerente produzir os seus efeitos.
12. Por outro lado, em parte alguma as testemunhas referiram que teria ficado «assente» que o contrato estaria em vigor, mas sim que em Maio, ainda o estava (em vigor), pelo que, tal como está redigido, este ponto – além de desconforme com a realidade e com a prova produzida – pode permitir uma interpretação em sentido discordante do que foi provado e que corresponde à verdade.
13. Pelo que se sugere uma redação como a seguinte (ou semelhante):

«Tendo sido admitido pelo filho do Requerente que em Maio o contrato de cessão de exploração ainda estava em vigor».
14. Quanto ao ponto 8., afigura-se que a menção à carta do Requerente deverá conter a expressão «que se dá aqui por reproduzida», pois que apenas dessa forma ficará visivelmente claro que a carta foi enviada com fundamento «no número dois da cláusula segunda do contrato» e que a denúncia apenas produziria os seus efeitos uma vez atingido o consumo mínimo a que a carta alude (consumo esse constante do ponto antecedente).
15. Estes os pontos que o Requerente considera incorretamente julgados, na medida e pelas razões vindas de expor e cuja alteração se propugna, nos termos também expostos.

II) Matéria de direito:

16. A questão que se afigura fulcral nestes autos, que a sentença reconhece sê-lo, consiste na interpretação de cláusulas contidas no contrato de cessão de exploração celebrado entre o Requerente e a Requerida:
17. A sentença recorrida afirma (pag. 14, três últimos parágrafos) que, visando um procedimento cautelar obter uma «tutela provisória e célere da situação», na sua perspetiva, o Requerente visaria «uma solução definitiva», que assentaria «na interpretação a conferir às cláusulas dos contratos que regulam a sua duração» e que por isso não estaria em causa «uma tutela provisória, mas sim uma apreciação definitiva da questão».

Todavia, trata-se de engano, salvo todo o devido respeito:

18. Desde logo, um procedimento cautelar pode bem servir para conferir uma apreciação definitiva das questões nele suscitadas – haja em vista a possibilidade da inversão do contencioso prevista no art. 369º do Cód. Proc. Civil –, pelo que nada impede que o Tribunal aprecie as questões com natureza tendencialmente definitiva, designadamente as suscitadas pelo Requerente.
19. Em segundo lugar, nada impede que o Tribunal que julgue o procedimento cautelar faça a sua interpretação dos factos e do direito aplicável na perspetiva de proporcionar uma «tutela provisória e célere da situação»; ao contrário do referido na sentença, o Requerente não pretende que no procedimento se aprecie a sua pretensão com carácter definitivo – tanto assim que não requereu a inversão do contencioso, propondo-se, implicitamente, discutir a questão em termos definitivos na ação principal.
20. O que não impede que lhe assista o direito de obter uma «tutela provisória e célere da situação», mediante a interpretação a conferir às cláusulas dos contratos em causa que regulam a respetiva duração, ainda que essa interpretação possa vir a ser outra na ação de que o procedimento foi preparatório ou em sede de recursos.
21. Tendo sido entendimento da sentença recorrida que não lhe competia, pelas razões que expôs, proceder à interpretação das cláusulas contratuais em questão, a mesma incorreu na prática da nulidade do art. 615º nº 1 al. d) [«O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar»], cuja arguição se faz.

Isto posto:

22. Quanto ao requisito da probabilidade da existência do direito, está, pois, em causa, determinar se assistia ou não ao Requerente o direito de denunciar o contrato de cessão de exploração que celebrou com a Requerida, sendo que a divergência de entendimentos respeita ao que cada um deles entende ser o prazo de vigência desse contrato, assim como a possibilidade da sua terminação; o apuramento de qual deles terá razão determinar-se-á mediante a interpretação de cláusulas contidas no mesmo, ao abrigo dos art.s 236º e seg.s do Cód. Civil, o que constitui matéria de direito.

Ora:

23. Consta da Cl.ª Segunda do contrato de cessão de exploração que a locação teria «o prazo de vigência igual ao vínculo contratual entre a Requerida e a empresa “X” por meio de contrato de abandeiramento e suas sucessivas renovações; fazendo o referido documento parte integrante do presente contrato» (nº Um);
24. e que «No termo do prazo contratual a locação renovar-se-á por iguais e sucessivos períodos de um ano, salvo Oposição à Renovação por parte do Requerente mediante comunicação escrita à Requerida com antecedência não inferior a 90 dias do termo do contrato» (nº Dois).
25. Por outro lado, do contrato celebrado pela Requerida com a tal «X» constava que o mesmo vigoraria «pelo prazo previsto no Anexo III – e este anexo referia que o prazo do contrato seria de «3 anos, prorrogáveis até que se verifique o consumo do volume mínimo de 7.500 m3» (cfr. doc. n.º 3 junto ao requerimento inicial).
26. Resulta destas cláusulas que o prazo inicial do contrato de cessão de exploração seria de três anos e que as suas prorrogações seriam de um ano (12 meses), assistindo à cedente – a aqui recorrente – o direito de o denunciar com a antecedência de 90 dias relativamente ao termo do respetivo prazo ou até se verificar o consumo, pela cessionária, do volume mínimo de 7.500 m3.

O diferendo:

27. O Requerente defende que ele, Requerente, não poderia pôr termo ao contrato enquanto não fosse atingido pela Requerida o referido volume de compras de 7.500 m3; e que, atingido esse volume, ele teria o direito de o denunciar.
28. A Requerida, por seu turno, defende que o Requerente não tem esse direito, pretendendo que enquanto estiver em vigor o contrato que ela, Requerida, fez com a «X», manter-se-ia também em vigor o contrato de cessão de exploração, por aquele ser «parte integrante» deste e o contrato de cessão de exploração dizer, na sua Clª. Segunda que a locação teria «o prazo de vigência igual ao vínculo contratual entre a Requerida e a empresa “X”».
29. Todavia, afigura-se que essa interpretação da Requerida é absolutamente inaceitável, a todos os títulos e em várias sedes, pois que o que essa Cl.ª 2ª nº 1 traduz é que é pressuposto da manutenção do contrato de cessão de exploração a manutenção do contrato da cessionária com a «X», ou seja, que cessando este último, aquele também cessará!
30. E não que ele Requerente ficaria submetido (e eternamente), ao arbítrio do que se passasse entre a concessionária e um terceiro com o qual ele Requerente nada contratou.

Na verdade:

31. Do teor do contrato celebrado pela Requerida com a «X» se constata que ele contém uma série de inexatidões e incongruências: – Chamam-lhe «contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial», quando na realidade não o é; – diz-se nele que a Requerida é «dona e legítima possuidora do estabelecimento comercial» que é o posto e os seus equipamentos (considerando d) e cl. 3ª n.º 1), e não o é; – diz-se nele que o estabelecimento se situa na sede da Requerida e, na realidade, não se situa.
32. No meio das imprecisões e incongruências de que o contrato da Requerida com a «X» enferma, haverá que proceder à interpretação das cláusulas contratuais atrás citadas; e, na verdade, a lei fornece-nos os dados necessários para essa interpretação da dita cláusula, seguindo a «hierarquia» dos arts. 236º e segs. do Cód. Civil:
33. Preceitua o nº 1 que «A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele».
34. Nos termos do preceito, a interpretação deve fazer-se consoante aquela que o homem normal, diligente, colocado na situação do real declaratário, pudesse deduzir do comportamento do declarante, salvo se o declarante não pudesse razoavelmente contar com ele.
35. E, quanto a este aspeto, é absolutamente indefensável que o Requerente, como homem normal, quisesse sujeitar-se a um contrato cujo termo ficaria para sempre indefinido e na absoluta disponibilidade de um terceiro (a «X»), com quem ele Requerente nada ajustou – e que a Requerida tivesse interpretado dessa forma a declaração negocial do Requerente.
36. Na verdade, a construção interpretativa da Requerida redundaria em o Requerente ficar submetido a uma vinculação de duração indefinida (ainda «por cima» totalmente dependente da vontade de terceiros), o que, inclusivamente, é contrário à ordem pública à vontade presumível das partes (cfr. Henrique Mesquita, RLJ 129, pag. 46, Vaz Serra, Antunes Varela, Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, citados na presente alegação, assim como os Acs. da RL de 2010.10.28 (Proc. nº 4618/06) e da RP de 2017.10.26 (Proc. nº 1212/12. 0TBSTS.P1).

Sem conceder:

37. Ainda que não se aceitasse este «primeiro critério», o segundo, na dita ordem hierárquica, não conduz a conclusão diferente: na verdade, o artigo seguinte – o 237º – sob o título «Casos duvidosos», preceitua que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos (como é o caso), o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.
38. Haverá que ponderar qual a interpretação da cláusula que conduz a esse equilíbrio: – A da Requerida, que submete o Requerente a um contrato dependente do arbítrio dela e de um terceiro e que pode por isso redundar numa vinculação perpétua daquele? – Ou a do Requerente, que defende que atingido o volume de compras de 7.500 m3, poderá denunciar o contrato?
39. Atentando que o contrato de cessão de exploração tinha necessariamente de estar limitado no tempo, de ter um termo, uma forma de cessação, uma possibilidade de denúncia (ou oposição à sua renovação), e tal em termos de razoabilidade, mediante um critério que possibilitasse ao Autor ter a noção dessa limitação, e que não passe pela vontade de terceiros, afigura-se que a resposta apenas poderá ser que a interpretação correta e acertada é a do Requerente, pois é este que conduz «ao maior equilíbrio das prestações».
40. Por outro lado, ainda, tendo em conta que a retribuição do Requerente pela concessão de exploração consiste em uma percentagem do que aquela comprasse, a aceitar-se a interpretação da Requerida, a partir do momento em que o volume de 7.500 m3 fosse atingido, se ela comprasse € 100,00 de combustível por mês à «X, SA», o Requerente… teria de suportar receber uns cêntimos pela concessão – o que é de todo desequilibrado.
41. Paralelamente, o entendimento defendido pela Requerida implicaria uma contradição insanável entre os nºs Um e Dois da Cl.ª 2ª do contrato de locação de estabelecimento, pois que: – nos termos do nº Um, e segundo ela, estaria no seu arbítrio e no da «X» fixarem, à revelia do Requerente, a duração da concessão de exploração; – enquanto que, segundo o nº Dois, as renovações do contrato seriam anuais e a faculdade de o denunciar renovar-se-ia anualmente…
42. Na interpretação da Ré tratar-se-iam, pois, de asserções incompatíveis – mas já o não são na do Requerente, sendo o defendido por este, também nesta perspetiva, o que conduz ao «maior equilíbrio das prestações»
43. Também à luz da boa fé, designadamente da que deve presidir à celebração dos contratos, antolha-se evidente que nenhuma pessoa «normal» iria partir do princípio que o Requerente se quereria vincular a uma obrigação totalmente dependente da contraparte e de um terceiro, numa decisão em que ele não teria o mínimo direito de intervir (cfr. a este propósito, o Ac. da RP de 2014.02.27 (Proc. nº 3871 /12), parcialmente citado nesta alegação).
44. E, como atrás se referiu, o facto nº 14. não obsta ao vindo de alegar, pois que, em Maio de 2018, a denúncia promovida pelo Requerente não tinha ainda produzido efeitos, pelo que naturalmente que nessa altura o contrato de cessão de exploração estava em vigor.
45. Em suma, verifica-se estar preenchido o requisito da «probabilidade séria da existência do direito».

Quanto ao «periculum in mora:

46. Encontra-se indiciariamente provado nos autos que a Requerida paga ao Requerente, em média, o valor de € 1.693,98 mensais (facto nº 10.); e que a «P., SA» propôs ao Requerente tomar de arrendamento o local (posto de abastecimento) pelo prazo de 15 anos, por uma renda inicial de € 4.000,00 mensais e que, a partir do segundo ano de vigência do contrato seria de € 4.100,00, compensando ainda o requerente pela renúncia à exploração do estabelecimento com a quantia de € 18.000,00 (factos nºs 11. e 12. [a menção ao «requerido» no facto 11. É lapso de escrita]).
47. Destes três factos resulta que, desde a data em que a denúncia terá produzido os seus efeitos – Junho de 2018 – o Requerente já teve um prejuízo, por ora, de € 45.672,24 (€ 4.000,00 - € 1.693,98 x 12 meses + € 18.000,00), que se agravará à razão de € 2.406,02 por mês (€ 4.100,00 – € 1.693,98).
48. A este raciocínio contrapõe a sentença que, não obstante o que considerou provado quanto à proposta da P., que «Daí até ficar demonstrada a efectiva celebração do contrato e o recebimento pelo requerente dos valores que alega é um grande salto» (sic) [a menção a «requerentes» é lapso de escrita].
49. Todavia, afigura-se patente que uma efectiva celebração do contrato com a «P.» apenas será possível quando… a Requerida fizer a entrega do estabelecimento ao Requerente; o raciocínio da sentença redundaria em que qualquer prova indiciária de prejuízos em qualquer procedimento se mostraria de todo inútil, pois que, ainda que os mesmos (indiciariamente) se demonstrassem, sempre a sua efetiva ocorrência apenas se verificaria após o desfecho da ação de que o procedimento fora preparatório…
50. Um procedimento cautelar basta-se, por natureza, neste item, por uma prova indiciária e perfunctória de prejuízos – que o recorrente logrou fazer – estando, pois, os mesmos demonstrados, na medida em que um procedimento cautelar o exige.
51. Quanto a património da Requerida suscetível de garantir o ressarcimento dos prejuízos do Requerente, este alegou que ela nada tinha; esse facto não foi impugnado pela Requerida, pelo que deverá considerar-se assente, por confessado, nos termos do art. 574º n.º 2 do Cód. Proc. Civil.
52. Sem conceder, ainda que assim não fosse – e é –, sempre se inverteria o ónus da prova quanto a esse facto, pois que caberia ao Requerente a prova de um facto negativo, não lhe sendo exigível que juntasse certidões do registo predial de todas as Conservatórias do País para demonstrar que a Requerida nada tem – antes cabendo a esta comprovar o património que tivesse.
53. Em resumo: o Requerente procedeu validamente à denúncia do contrato de locação de estabelecimento, tendo demonstrado a probabilidade séria da existência do direito e o fundado receio da sua lesão – pelo que, em sede de procedimento, deverá ser decretada a restituição provisória ao Requerente do seu estabelecimento.
54. Na sentença recorrida encontram-se, salvo o devido respeito, interpretadas e aplicadas de forma inexata as normas legais constantes das precedentes conclusões.

Finaliza, pugnando pela revogação da sentença recorrida, em conformidade com as conclusões que antecedem.
*
A requerida apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se decisão recorrida deverá ser considerada nula por omissão de pronúncia.
- Saber se se mostram preenchidos os pressupostos legais necessários à procedência do presente procedimento cautelar comum.
- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelo recorrente.
*

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1 - Por contrato reduzido a escrito datado de 9 de Outubro de 2012 o requerente cedeu à requerida a exploração do estabelecimento comercial, composto de posto de abastecimento de combustíveis e loja de conveniências, instalado num imóvel pertença do requerente e sito na Estrada …, Lugar do …, …, Concelho de Chaves.
2 - O estabelecimento é integrado por quatro ilhas de abastecimento de combustíveis líquidos, com seis bombas auto medidoras e duas mangueiras cada, loja de conveniência, oficina com equipamento, lavagem e aspiração e todos os materiais que ficaram discriminados no anexo I que faz parte do contrato.
3 - Fazem parte da locação todos os alvarás e licenças necessários à exploração do posto de abastecimento obrigando-se o requerente a proceder à sua renovação até ao termo do contrato se necessário.
4 - Como contrapartida da cessão da exploração a requerida ficou obrigada a entregar ao requerente a quantia de 0,15 €/m3, e um mapa mensal com os números dos contadores das bombas.
5 - A “Clausula Segunda” do contrato de locação tem o seguinte teor:
(Início e Prazo de Vigência)
UM – A presente locação tem o prazo de vigência igual ao vínculo contratual entre a segunda outorgante e a empresa «X Energy, SA», por meio de contrato de abandeiramento e suas sucessivas renovações. Fazendo o referido documento parte integrante do presente contrato.
DOIS – No termo do prazo contratual a locação renovar-se-á por iguais e sucessivos períodos de um ano, salvo oposição à renovação por parte da Primeira Contraente mediante comunicação escrita à Segunda Contraente, com a antecedência não inferior a 90 (noventa) dias do termo do contrato.
TRÊS – A não renovação do contrato de abandeiramento celebrado entre a segunda outorgante e «X Energy, SA» deverá ser comunicada ao aqui primeiro outorgante dentro de 10 dias contados desde a sua comunicação à contraparte, pela segunda outorgante.
6 - A requerida celebrou com a sociedade «X Energy, SA» um contrato de abandeiramento cuja cláusula vigésima tem o seguinte teor:
1. O presente contrato vigorará pelo prazo previsto no Anexo III com início na data sua assinatura, renovando-se pelo período de 12 meses se não for denunciado ou resolvido por qualquer das partes.
2. A Contraente caso não deseje a prorrogação do presente contrato ou de alguma das suas renovações, deverá denunciá-lo mediante comunicação escrita à outra parte, por carta registada com aviso de recepção, emitida com a antecedência mínima de 90 (noventa) dias sobre a data do seu termo.
(…)
7 - Por sua vez, o Anexo III, determina que o prazo do contrato é de 3 anos prorrogáveis até que se verifique o consumo mínimo de 7.500 m3.
8 - Por carta registada com aviso de receção datada de 26/02/2018 o requerente comunicou à requerida a sua intenção de “terminar o contrato e não proceder à sua renovação”.
9 - No mês de Junho de 2018 a requerida alcançou, desde o início da vigência do contrato, o volume de vendas de 7.566.461,93 litros.
10 - A requerida entrega ao requerente, em média, o valor de 1.693,98 € mensais.
11 - A «Petróleos – P., SA» propôs ao requerido tomar de arrendamento o local (posto de abastecimento) pelo prazo de 15 anos, por uma renda inicial de 4.000 € mensais e que, a partir do segundo ano de vigência do contrato seria de 4.100 €.
12 - Compensando ainda o requerente pela renúncia à exploração do estabelecimento com a quantia de 18.000 €.
13 - No dia 4 de Maio de 2018 o filho do requerente – P. J. – mandatado por este reuniu-se, na sede da «X Energy, SA» com o administrador da mesma – D. R. C. – outros quadros superiores daquele e o legal representante da requerida.
14 - Ficando assente a vigência dos referidos contratos.
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FACTOS NÃO PROVADOS

Por seu turno, o tribunal a quo considerou que, com relevância para a decisão nada mais se provou, designadamente que:

a) A «Y – Petróleos e Investimentos, SA» propõe-se tomar de locação o mencionado estabelecimento pelo prazo de 15 anos, mediante a contrapartida mensal de 4.000 €.
b) O requerente sofrerá prejuízos de difícil ou impossível reparação se o estabelecimento não lhe for de imediato entregue.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Nas suas alegações de recurso, a apelante veio invocar a nulidade da sentença recorrida, porquanto o Tribunal a quo não cuidou de analisar as cláusulas contratuais em questão, tendo em vista a obtenção de uma “tutela provisória e célere da situação.”

Ora, segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do C. P. Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.
(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” (1) (nosso sublinhado).
Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.” (2)
Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.
A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.
Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida.
O tribunal de 1ª instância apreciou e decidiu todas as questões jurídicas em discussão.

Na realidade, no que toca ao direito do requerente, pode-se ler na decisão recorrida que:

(…) Do supra exposto, ressalta que em sede de procedimento cautelar se pretende obter uma tutela provisória e célere da situação.
O procedimento cautelar não se confunde quanto à sua natureza, regras e objecto com a ação adequada a reconhecer um direito, a prevenir/reparar a sua violação ou a realizá-lo coercivamente.
O requerente, mais do que uma medida provisória “adequada a assegurara a efetividade do direito ameaçado, pretende que seja apreciada a questão de fundo, ou seja, uma solução definitiva, que assenta na interpretação a conferir às cláusulas dos contratos que regulam a sua duração.
«Não deve esquecer-se a elementar distinção condensada no nº 2, do artº 2º, do CPC, entre o direito de acção que o artº 10º esquematiza nas espécies executiva e declarativa e, dentro desta, nas acções de simples apreciação, de condenação e constitutivas, e o direito de requerer providência capaz de acautelar o efeito útil daquele conforme previsto nos artºs 362º e sgs.» - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/09/2017, proferido no Proc.1483/17.5T8BCL.G1. 1ª e disponível em www.dgsi.pt.
Deste modo, não estaria em causa uma tutela provisória, mas sim uma apreciação definitiva da questão relativa à interpretação do negócio jurídico.

No fundo, o tribunal a quo considerou que o pedido do requerente extravasa o fim último que se pretende alcançar com o presente procedimento cautelar, pois que pretende uma solução definitiva que assenta na interpretação a conferir às cláusulas do negócio jurídico e, nessa medida, não reconhece o direito do requerente tendente à obtenção de uma medida provisória “adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.

Claro está que o recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea, designadamente no que se refere ao referido segmento da decisão recorrida, mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula, por omissão de pronúncia.

Termos em que se considera que não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada.
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B) Dos requisitos legais de que depende a procedência do procedimento cautelar comum

Os procedimentos cautelares representam, de um modo geral, uma antecipação ou garantia de eficácia ao resultado que se visa alcançar no processo principal e assentam numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita concluir pela provável existência do direito (fumus boni juris) e pelo receio de que tal direito seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora). (3)
De acordo com o disposto no art. 362º, n.º 1, do C. P. Civil, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.”
Sendo assim, as providências cautelares inominadas ou não especificadas têm como pressupostos legais: a) a existência de um litígio, já ou ainda não traduzido em ação, fundada num direito do requerente; b) o justo receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse direito; c) e não existir providência específica para o acautelar.
O fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável constitui, nas providências cautelares atípicas, a manifestação do requisito comum a todas as providências: o “periculum in mora”.
O receio tanto pode manifestar-se antes de proposta a ação, como na sua pendência, ficando o requerente, em qualquer das situações, com a faculdade de solicitar a adoção da medida que julgue mais adequada a acautelar o efeito útil que através do processo principal pretenda ver reconhecido ou satisfeito.
No entanto, só as lesões graves e dificilmente reparáveis merecem a tutela do direito no âmbito do procedimento cautelar.
Devem, pois, ficar de fora dos interesses acautelados pelos procedimentos cautelares comuns, ainda que irreparáveis ou de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, tal como deverão ser igualmente excluídas as lesões graves, mas facilmente reparáveis.

Tal conforme o afirmado pelo Ac. RC de 22.11.2005 (4), se é certo que a probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris) se basta com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária (summaria cognitio), “o mesmo já não acontece com a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora”, em que se deve usar um critério mais rigoroso.

Por outras palavras, em relação aos factos integradores do “periculum in mora”, o requerente tem que provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança – os danos que visa acautelar, sendo certo, importa não esquecer, que se exige a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas da manutenção do “status quo”.

O que significa que apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis.
De facto, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido, cuja providência a ser decretada poderá causar um prejuízo imediato e relativamente ao qual pode não ser compensado em caso de injustificado recurso à providência cautelar (art. 374º, do C. P. Civil).
O tribunal deve pois colocar na “balança dos interesses”, a par dos prejuízos que o requerente pretende evitar, também aqueles que, porventura, a decisão possa determinar na esfera jurídica do requerido, em consonância com a regra prescrita no n.º 2 do art. 368º, do C. P. Civil, assim indeferindo, se for caso disso, a providência quando o prejuízo dela resultante exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.
No caso sub judice, o requerente invocou prejuízos de natureza patrimonial que decorre da não entrega por parte da requerida do posto de abastecimento de combustíveis em causa, tanto quanto é certo que já dispõe de outros interessados para tomarem de arrendamento o mesmo estabelecimento comercial, por valor mensal mais elevado do que aquele que é pago pela requerida.

Ora, como é sabido, o critério de aferição da “irreparabilidade” de prejuízos de natureza patrimonial ou material deverá ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto estamos perante danos de natureza física ou moral, sobretudo se, atentarmos que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva (art. 566º, do C. Civil).

Sem querer com isto dizer que está antecipadamente excluída a proteção do interessado relativamente a alegados prejuízos de natureza material; importará pois ponderar, neste âmbito, designadamente as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados. (5)

Aqui chegados, afigura-se-nos que é exatamente por manifesta falta de verificação deste pressuposto fundamental para a procedência do presente procedimento cautelar comum – “periculum in mora” – que a pretensão do requerente/recorrente deverá soçobrar.

Com relevância para a apreciação desta questão, temos como demonstrado que:

- A requerida entrega ao requerente, em média, o valor de 1.693,98 € mensais. (facto provado n.º 10)
- A «Petróleos – P., SA» propôs ao requerido tomar de arrendamento o local (posto de abastecimento) pelo prazo de 15 anos, por uma renda inicial de 4.000 € mensais e que, a partir do segundo ano de vigência do contrato seria de 4.100 €. (facto provado n.º 11)
- Compensando ainda o requerente pela renúncia à exploração do estabelecimento com a quantia de 18.000 €. (facto provado n.º 12)

Com base em tal factualidade dada como assente, o recorrente entende que foi feita prova indiciária e perfunctória de prejuízos, estando assim demonstrado o referido requisito do “periculum in mora”.
Já vimos, porém, que não é esta a nossa posição.
Reafirmando, somente as lesões graves e de difícil reparação é que permitem o recurso ao procedimento cautelar comum, como forma de as evitar, mediante a tutela provisória consentida pelo mesmo procedimento cautelar.
Os prejuízos materiais invocados pelo requerente (mais concretamente de lucro cessante), não nos permitem concluir, sem mais, qual a gravidade e difícil reparabilidade desses mesmos prejuízos que, como já salientámos, são suscetíveis de serem substituídos ou ressarcidos mediante adequada indemnização.
Por outro lado, não se encontra suficientemente alegado e provado quais as repercussões (económicas ou outras) que tais danos patrimoniais poderão vir a causar ao requerente, sendo certo que temos como demonstrado que a requerida cumpre com a sua prestação devida pela concessão de exploração do indicado estabelecimento comercial, entregando, em média, o valor de € 1.693,98 mensais.

Outrossim, temos como resultante dos factos não provados que:

O requerente sofrerá prejuízos de difícil ou impossível reparação se o estabelecimento não lhe for de imediato entregue. (al. b) dos factos não provados)

Tal factualidade dada como não provada, muito embora de cariz essencialmente conclusivo, não foi sequer alvo de crítica por parte do recorrente, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Por último, como já salientámos, a demonstração do citado requisito de “periculum in mora”, traduzida na demonstração de um fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável ao direito invocado, cabe ao requerente (art. 342º, n.º 1, do C. Civil), sendo certo que a matéria do art. 33º do requerimento inicial, foi devidamente impugnada pela requerida (cfr. art. 59º da oposição), assim igualmente se devendo considerar improcedentes as conclusões de alegação de recurso nºs 51 e 52.

Por conseguinte, perante a ausência de demonstração deste pressuposto fundamental para a procedência do presente procedimento cautelar comum – “periculum in mora” – forçoso é concluir que pela improcedência da pretensão do requerente/recorrente.

Porque assim é, consideramos igualmente como prejudicado o conhecimento, nesta fase recursiva, do invocado direito do requerente/apelante, resultante da alegada denúncia do contrato de locação de estabelecimento em causa, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.
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C) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Neste particular, o recorrente pretende uma diferente redação aos pontos 8, 13 e 14 dos factos provados.
Acontece, porém, que, tal como resulta da análise da questão decidenda anterior, a decisão do presente recurso no que se refere ao seu mérito está votada ao insucesso, não sendo de proceder as pretensões recursivas do apelante no que se refere ao preenchimento de um dos requisitos legais (periculum in mora) necessários ao deferimento do presente procedimento cautelar comum.
Assim sendo, torna-se inútil a reapreciação dos factos impugnados, porquanto os mesmos in casu só assumiriam alguma relevância para efeitos de análise do direito invocado pelo requerente, o que se verifica desnecessário e prejudicado, face à não verificação daquele outro pressuposto legal.
Por conseguinte, tal como é salientado, entre outros, pelo Ac. RG de 09.04.2015 (6), “se é certo que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados, a verdade é que este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. (…) O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente para, por si só, produzir o efeito pretendido.” (sublinhado nosso)
Assim, não deverá haver lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil, o que contraria os princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, princípios com expressa consagração nos arts. 6º, n.º 1, 130º e 131º, n.º 1, todos do C. P. Civil. (7)

Desta forma, face à aludida inutilidade, não se conhecerá da impugnação dos factos provados sob os nºs 8, 13 e 14, que assim se mantêm tal como o julgado pelo tribunal recorrido.

Termos em que, improcede na sua totalidade a apelação em presença.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a decisão recorrida.

Custas pelo apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil).
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Guimarães, 12.09.2019

Este acórdão contem a assinatura digital de:

Relator: António José Saúde Barroca Penha.
1º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores.
Voto em conformidade da 2ª Adjunta, Desembargadora Sandra Maria Vieira Melo, que não assina por não se encontrar presente.


1. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 143.
2. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 08.02.2011, proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, relator Moreira Alves; Ac. STJ de 21.10.2014, proc. n.º 941/09.0TVLSB.L1.S1, relator Gregório Silva Jesus; Ac. STJ de 22.11.2015, proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 07.07.2016, proc. n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes; e Ac. STJ de 04.05.2017, proc. n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relator Tavares de Paiva, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
3. A este propósito vide Alberto dos Reis, in BMJ 3, pág. 32.
4. Proc. n.º 3025/05, relator Barateiro Martins, disponível em www.dgsi.pt.
5. Neste sentido, vide António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, Almedina, 1998, pág. 85.
6. Proc. n.º 4649/11.8TBBRG.G1, relatora Ana Cristina Duarte, acessível em www.dgsi.pt.
7. Vide, deste sentido, ainda o Ac. RC de 24.04.2012, proc. n.º 219/10.6T2VGS.C1, relator António Beça Pereira; e Ac. RP de 07.05.2012, proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1, relatora Anabela Calafate, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.