PROPRIEDADE INDUSTRIAL
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
MARCAS
REGISTO
IMITAÇÃO
CONFUSÃO
SINAIS DISTINTIVOS
Sumário


I - Do acórdão da Relação que tenha recaído sobre decisão do tribunal de propriedade intelectual – que, julgando improcedente o recurso do despacho do Director de Marcas do INPI, manteve esse despacho, que havia deferido o pedido de registo de uma marca nacional – não cabe recurso para o STJ, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível (art. 46.º, n.º 3, do antigo CPI).
II - Entre esses casos encontra-se a contradição de julgados, que depende dos seguintes requisitos: (i) o acórdão recorrido estar em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação (acórdão fundamento); (ii) os dois acórdãos terem sido proferidos no domínio da mesma legislação; e (iii) sobre a mesma questão fundamental de direito (art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC).
III - O termo questão de direito abrange, em primeiro lugar, as questões relacionadas com a interpretação de conceitos jurídicos ou de noções jurídicas e, em segundo lugar, as questões relacionadas com a interpretação, a integração e a aplicação de normas jurídicas.
IV - Não se verifica a referida contradição de julgados quando os dois acórdãos em confronto – apesar de terem decidido de forma diferente – aplicaram as mesmas disposições legais, interpretadas nos mesmos termos, a situações de facto diferentes.

Texto Integral

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. — RELATÓRIO

   1. AA Group LLC veio ao abrigo do disposto nos arts 39.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso do despacho do Director de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 5…79, pedindo que seja revogado o despacho recorrido e não seja admitida a concessão do registo da marca.

  2. Alegou em síntese, que a marca registanda era semelhante à sua e que os elementos figurativos não são suficientes para os distinguir, havendo risco de confusão para os consumidores.

  3. O Banco BB, S.A., respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

   4. O Tribunal da Propriedade Intelectual julgou o recurso improcedente e, em consequência, manteve o despacho recorrido por que se deferiu o pedido de registo da marca nacional nº 5…79.

   5. Inconformado com a sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, a Autora AA Group LLC interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

   6. A Ré Banco BB, S.A., respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

   7. A Autora e a Ré requereram a junção de documentos aos autos.

   8. O Tribunal da Relação de Lisboa

            I. — não admitiu a junção dos documentos pela Recorrente e pela Recorrida;

            II. — negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

  9. Inconformada, a Autora AA Group LLC interpôs recurso de revista.

  10. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.02.2019, que confirmou a sentença do TPI de 05.09.2018 e o despacho do INPI, de 19.12.2017, o qual concedeu à Recorrida o registo da marca nacional n.º 5…79 NB (mista), para assinalar serviços na classe 36.

2. O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC, porquanto o acórdão recorrido está em direta oposição com acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (6.ª Secção) de 08.02.2018, proferido no processo n.º 70/17.2YHLSB, o qual se debruçou sobre a mesma questão de Direito em causa nestes autos, i.e., a capacidade distintiva dos elementos comuns das marcas sob comparação – siglas de duas letras -, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca – a semelhança dos sinais – e o impacto de tais semelhanças na aferição do risco de confusão entre as marcas.

3. As apreciações da capacidade distintiva de marcas compostas por siglas de duas letras sem qualquer significado levadas a cabo no acórdão recorrido e no acórdão fundamente são manifestamente opostas: o acórdão recorrido partiu da premissa (errada) de que, em regra, os sinais compostos por duas letras têm necessariamente fraca capacidade distintiva independentemente dos serviços que visam assinalar; enquanto no acórdão fundamento se levou em conta a capacidade distintiva normal de siglas de duas letras face aos serviços concretamente assinalados.

4. As letras N e B e a sigla NB não assumem qualquer significado relativamente a nenhum dos serviços bancários e financeiros assinalados quer pelo registo da marca internacional n.º 11…75, quer pela marca nacional n.º 5…79, pelo que NB não é uma designação dos serviços assinalados, uma indicação descritiva das características dos serviços assinalados ou um termo que se tenha tornado de uso comum nos usos leais do comércio em relação aos serviços assinalados.

5. A única conclusão extraível do facto (reconhecido expressamente no excerto da sentença do TPI reproduzido no acórdão recorrido) de NB não ter qualquer significado relativamente aos serviços assinalados é a de que NB tem uma capacidade distintiva normal para assinalar aqueles mesmos serviços.

6. Designando a União Europeia como território de proteção, a marca internacional NB da Recorrente foi objeto de exame minucioso quanto à sua capacidade distintiva e suscetibilidade de registo como sinal distintivo por parte do Examinador do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia.

7. O acórdão recorrido laborou num erro de julgamento ao entender que in casu não está verificado o requisito do conceito legal de imitação de marca referente à semelhança dos sinais suscetível de induzir o consumidor em erro ou confusão previsto no artigo 245.º, n.º 1, alínea c) do CPI.

8. O sinal NB estilizado que integra a marca da Recorrida é uma manifesta reprodução gráfica da marca NB nominativa da Recorrente.

9. Afirmar, como afirma a sentença recorrida, que a reprodução estilizada do sinal que compõe a marca da Recorrente registada sob a forma nominativa é suficiente para “neutralizar” a coincidência do elemento nominativo reproduzido equivale a uma verdadeira expropriação da marca da Recorrente, equivalendo a dizer que o registo da marca NB não confere à Recorrente o direito previsto no artigo 258.º do CPI e no artigo 9.º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia de se opor ao uso por terceiros de marcas que reproduzem NB.

10. Os elementos figurativos que estilizam a marca da Recorrida são meramente decorativos que não acrescentam singularidade ou distintividade ao sinal, evidenciando, antes pelo contrário, o elemento verbal NB.

11. A reprodução gráfica do elemento NB resulta numa inevitável e evidente identidade fonética das marcas sob comparação.

12. O tribunal a quo desvalorizou a total identidade fonéticas das marcas em causa sem qualquer sustentação legal, em desconformidade com os critérios de comparação de marcas unanimemente aceites pela doutrina e aplicados uniformemente pela jurisprudência.

13. Ao não ter sequer considerado a identidade fonética entre a marca NB da Recorrente e a marca NB da Recorrida o acórdão recorrido está em contradição direta com o acórdão fundamento, onde a semelhança fonética entre os elementos verbais distintivos das marcas ali em causa foi considerada sobremaneira relevante, não obstante a existência de outros elementos nas marcas (verbais e figurativos).

14. Na apreciação global do risco de confusão entre sinais nominativos e mistos como os que estão em causa nos presentes autos, é aceite sem controvérsia pela doutrina e pela jurisprudência que se deve atender aos respetivos elementos distintivos e dominantes, sendo que no caso das marcas mistas o elemento nominativo tende a ser o dominante.

15. O elemento distintivo da marca da Recorrida é o seu elemento verbal NB, porquanto é aquele que será usado pelo consumidor para referência oral e escrita e, por isso, é o mais idóneo a perdurar na memória do consumidor, assumindo os demais elementos figurativos um carácter eminentemente decorativo que apenas destaca o elemento NB.

16. Deste modo, afigura-se absolutamente errada valorização dos elementos figurativos e da cor integradas na marca NB (mista) como elementos aptos a conferir a esta carácter distintivo face a NB.

17. À luz dos critérios doutrinais e da prática jurisprudencial relevante, a reprodução da marca prioritária NB da Recorrida pelo elemento dominante NB da marca Recorrente resulta inequivocamente na verificação do requisito de imitação de marca previsto no artigo 245.º, n.º 1, alínea a), i.e., as semelhanças gráficas e a identidade fonética levarão inevitavelmente a situações de confusão ou associação das marcas pelos consumidores.

18. Também nesta sede é de notar a oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, no qual estava em causa o risco de confusão entre uma marca nominativa (a marca ali registanda) e marcas mistas (as marcas ali prioritárias).

19. Face a todos os fatores presentes nos autos, outra não poderia ter sido a conclusão do acórdão recorrido senão a de que o consumidor será facilmente induzido em erro ou confusão, ou a associar a marca NB (mista) da Recorrida à marca NB da Recorrente, de forma a não conseguir distingui-las senão após exame atento ou confronto.

20. A ter decidido não se verificarem semelhanças entre a marca NB (mista) da Recorrida e a marca NB da Recorrente suscetíveis de induzir o consumidor em erro ou confusão, a sentença recorrida violou o artigo 245.º, n.º 1 do CPI.

21. Deste modo, ao ter confirmado a decisão de concessão do registo da marca nacional n.º 5…79 NB (mista) à Recorrente o acórdão violou também o artigo 239.º, n.º 1, alínea a) e os artigos 9.º e 189.º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve o acórdão recorrido ser revogado e, consequentemente, ser recusado o registo da marca nacional n.º 5…79 “NB” (mista).

   11. A Ré BB, SA, contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, na hipótese de o recurso ser admitido, pela sua improcedência.

   12. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

A. De acordo com a Recorrente, o Acórdão recorrido “está em contradição com a interpretação do conceito de imitação de marca previsto no artigo 245.o, n.o 1 do CPI e com a aplicação do fundamento de recusa de registo de marca previsto no artigo 239.o, n.o 1, alínea a) do CPI efetuadas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (6.a Secção) de 08.02.2018, proferido no processo n.o 70/17.2YHLSB (Acórdão fundamento)”.

B. A Recorrente resume a referida contradição nos seguintes termos:

“[T]anto no Acórdão recorrido como no Acórdão fundamento estava em causa a imitação de marcas registadas (ou respetivos elementos distintivos) compostas por siglas de duas letras por outras marcas apresentadas a registo posteriormente, as quais combinam a respetiva sigla com outros elementos.

Assim, em ambos os Acórdãos estava em causa a capacidade distintiva dos elementos comuns das marcas sob comparação – as siglas de duas letras –, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca – a semelhança dos sinais – e o impacto de tais semelhanças na aferição do risco de confusão entre as marcas.

No entanto, a interpretação efetuada no Acórdão recorrido é oposta à interpretação plasmada no Acórdão fundamento, o que levou a que no Acórdão recorrido fosse tomada uma decisão frontalmente contrária à decisão adotada no Acórdão fundamento.

C. A Recorrida discorda da tese da Recorrente, no que toca à existência de oposição de julgados, nos termos do artigo 629.o do CPC, pelos três motivos que se expõem de seguida: (i) a questão jurídica apresentada pela Recorrente como sendo comum aos dois Acórdãos – a capacidade distintiva das siglas de duas letras, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca, a semelhança dos sinais – não é explicitamente abordada, nem no Acórdão fundamento, nem no Acórdão recorrido: (ii) o núcleo central da situação de facto analisada no Acórdão fundamento não coincide com o núcleo central da situação de facto analisada no Acórdão recorrido; e (iii) os dois Acórdãos são compatíveis entre si, não existindo qualquer contradição entre eles.

(i) A questão jurídica apresentada pela Recorrente como sendo comum aos dois Acórdãos não é explicitamente abordada, nem no Acórdão fundamento, nem no Acórdão recorrido

D. A Recorrente apresenta a questão fundamental de direito comum aos dois Acórdãos em suposta oposição como dizendo respeito à “capacidade distintiva dos elementos comuns das marcas sob comparação – as siglas de duas letras –, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca – a semelhança dos sinais – e o impacto de tais semelhanças na aferição do risco de confusão entre as marcas.”

E. Esta questão fundamental de direito, no entanto, não é sequer abordada no Acórdão fundamento, que a Recorrente alega estar em antinomia com o Acórdão recorrido.

F. Na verdade, no Acórdão fundamento, o Tribunal não se chega sequer a pronunciar sobre a questão que a Recorrente afirma ser a base de toda esta alegada contradição de julgados – “a capacidade distintiva das siglas de duas letras, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca, a semelhança dos sinais”.

G. Em momento algum o Acórdão fundamento faz menção ao grau ou nível – elevado, normal, ou baixo – de capacidade distintiva dos sinais de duas letras.

H. Aliás, o Acórdão refere-se às marcas em liça como “marcas complexas (constituídas por mais de um elemento nominativo)”; nunca se refere a elas como marcas de “duas letras”, ou, de modo algum, à capacidade distintiva dessa tipologia de marca.

I. Assim, nunca se poderia afirmar que existe qualquer contradição na interpretação do direito aplicável, quanto à questão da “capacidade distintiva das siglas de duas letras”.

J. De acordo com a melhor doutrina e jurisprudência, para que exista oposição de julgados, nos termos da alínea d) do n.o 2 do artigo 629.o do CPC, é essencial que a questão seja explicitamente abordada em ambos os Acórdãos em contradição.

K. A Recorrente não identifica um único excerto em que a questão da “capacidade distintiva de marcas compostas por siglas de duas letras” seja abordada no Acórdão fundamento. Como tal, é manifesto que não existe qualquer contradição com o Acórdão recorrido neste ponto.

L. Em momento algum da sua argumentação a Recorrente evidencia qualquer oposição de decisões expressas, relativamente à questão da “capacidade distintiva de marcas compostas por siglas de duas letras”.

M. De onde se conclui que, nos termos e para os efeitos da alínea d) do número 2 do artigo 629.o do CPC, conforme interpretada pela melhor doutrina e jurisprudência, não existe qualquer oposição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento.

(ii) Das diferenças existentes no núcleo central das situações de facto analisadas em ambos os Acórdãos

N. Em termos substanciais, o cerne da situação de facto trazida a juízo é distinta nos dois casos em confronto (Acórdão recorrido e Acórdão fundamento) – o que significa que não existe identidade na “questão fundamental de direito”, requisito essencial para que haja lugar a oposição de julgados.

O. No Acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa foi confrontado com um conflito entre a marca, “NB” (nominativa), e a marca “ ” (mista).

P. Sendo a marca prioritária, “NB”, uma marca nominativa constituída por uma sigla de duas letras, e a marca registanda, “ ”, uma marca mista, constituída não só por uma sigla de duas letras, desenhadas numa específica tonalidade de verde, acompanhada de um específico elemento figurativo (uma forma geométrica, representando a silhueta cinzenta de uma borboleta).

Q. Já no Acórdão fundamento, o conflito de marcas submetido ao Tribunal da Relação de Lisboa opunha, por um lado, as marcas prioritárias “NH” (nominativa), “ ” (mista), “ ” (mista), e “ ” (mista), e, por outro, a marca posterior “MH HOTELS” (nominativa) – marcas compostas apenas por letras e palavras, escritas a preto e branco, e nenhuma delas acompanhada por qualquer elemento figurativo.

R. Assim, a forma como a Recorrente descreve as situações factuais em liça em ambos os Acórdãos não reproduz, de forma fidedigna, a realidade das coisas:

“[T]anto no Acórdão recorrido como no Acórdão fundamento estava em causa a imitação de marcas registadas (ou respetivos elementos distintivos) compostas por siglas de duas letras por outras marcas apresentadas a registo posteriormente, as quais combinam a respetiva sigla com outros elementos.”

S. A Recorrente omite várias circunstâncias que distinguem os dois núcleos factuais dos casos em confronto.

T. Atente-se nos sinais a cotejo em ambos os litígios:

Marcas prioritárias

Marcas posteriores

Acórdão fundamentoNH

    

MH HOTELS
Acórdão recorridoNB

U. Em primeiro lugar, a diferença marcante é que, no caso do Acórdão recorrido, a marca posterior combina o elemento nominativo de duas letras com um elemento figurativo – uma forma geométrica, representando a silhueta de uma borboleta; enquanto no caso do Acórdão fundamento, nenhuma das marcas em confronto apresenta elementos figurativos.

V. E, em segundo lugar, no Acórdão fundamento todos os sinais em liça aparecem a preto e branco – enquanto no Acórdão recorrido o sinal posterior apresenta uma diferença visualmente muito percetível relativamente ao sinal prioritário, que consiste no facto de nele se utilizar uma específica tonalidade de verde no desenho da sigla que o compõe.

W. Com efeito, a marca “ ” é uma marca mista, que inclui uma cor verde clara específica, e, ainda, uma forma geométrica, representando a silhueta cinzenta de uma borboleta, no canto superior direito.

X. As marcas sob comparação no Acórdão fundamento, ao contrário da marca “ ”, não apresentam quaisquer elementos figurativos, nem quaisquer cores – encontrando-se registadas a preto e branco.

Y. Assim, quando a Recorrente afirma que em causa, em ambos os casos, estão “outras marcas apresentadas a registo posteriormente, as quais combinam a respetiva sigla com outros elementos”, não menciona que, no caso do Acórdão fundamento, esses “outros elementos” são apenas um elemento nominativo genérico (“HOTELS”), enquanto no caso do Acórdão recorrido aqueles “outros elementos” consistem num elemento figurativo (forma geométrica representando uma borboleta) e numa cor específica (verde claro).

Z. Todas estas diferenças são relevantes para compreender os motivos que levaram o Tribunal da Relação de Lisboa a chegar a duas decisões de sentidos opostos (mas coerentes entre si) nestes dois casos.

AA. Nestes termos, cai pela base a tese da Recorrente, segundo a qual existiria oposição de julgados, uma vez que o substrato factual tratado no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento são substancialmente diferentes – o que é o mesmo que dizer que a questão fundamental de direito não é idêntica.

(iii) Da compatibilidade entre as decisões prolatadas no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento

BB. Alega a Recorrente que o Acórdão recorrido “contraria frontalmente” o Acórdão fundamento.

CC. Nas palavras da Recorrente, a questão fundamental de direito cuidada nos dois Acórdãos em suposta oposição seria a seguinte:

“[E]m ambos os Acórdãos estava em causa a capacidade distintiva dos elementos comuns das marcas sob comparação – as siglas de duas letras –, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca – a semelhança dos sinais – e o impacto de tais semelhanças na aferição do risco de confusão entre as marcas.

DD. Em boa verdade, se existe uma divergência nos resultados das duas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa, esta encontra plena justificação nas diferenças entre os dois conjuntos de marcas com que esse Tribunal se defrontou nesses dois casos.

EE. Pois se o Tribunal da Relação de Lisboa conferiu implicitamente uma relevância diferente à capacidade distintiva das (concretas) “siglas de duas letras” ao avaliar o risco de confusão entre as marcas nestes dois casos, essa diferente relevância prende-se exclusivamente com a diferente configuração dos sinais em confronto nesses dois casos.

FF. Na verdade, os dois julgamentos em causa envolvem comparações entre diferentes pares de marcas – e o Tribunal da Relação de Lisboa simplesmente considerou, num caso (Acórdão fundamento), que os elementos nominativos das marcas em liça eram preponderantes, face à quase inexistência de elementos figurativos; enquanto no outro (Acórdão recorrido), entendeu que devido ao seu caráter marcante os elementos figurativos da marca registanda (“ ”) prevaleciam por entre o conjunto que a compõe.

GG. Por outras palavras, os aspetos que levaram o Tribunal a quo a chegar, num caso, a uma decisão de recusa de uma marca (Acórdão fundamento), e, no outro, a uma decisão de concessão (Acórdão recorrido), não se prendem, como pretende a Recorrente, com uma contradição na interpretação do direito, mas simplesmente com o facto de nesses dois casos o mesmo Tribunal ter aplicado o mesmo princípio a marcas constituídas por elementos figurativos diferentes – num caso (“ ”), muito singulares, e, no outro (“NH” e “ ”) inexistentes, ou quase nulos.

HH. O Tribunal a quo expressa de forma admiravelmente sucinta ao regra jurídica que o levou a julgar pela inexistência de risco de confusão entre as marcas “NB” e “ ”:

“Por conseguinte, o risco de confusão pode ser excluído com segurança se dois sinais em conflito, apesar de serem formados pela mesma combinação de duas letras, tiverem uma caracterização gráfica suficientemente diferente para neutralizar os elementos nominativos comuns, o que se verifica no caso presente.”

II. Por outras palavras, o Tribunal da Relação de Lisboa estatui que a adição de elementos figurativos suficientemente distintivos permite afastar o risco de confusão entre sinais de duas letras idênticos – uma conclusão que o Acórdão fundamento de modo algum contraria.

JJ. No Acórdão recorrido, foram os elementos figurativos singulares da marca “ ” que levaram ao afastamento do risco de confusão entre duas marcas de duas letras.

KK. Nomeadamente, nas palavras do Tribunal a quo, foi devido à “cor verde” (do sinal da recorrida) e “o grafismo das letras”, que é “totalmente distinto” que se concluiu que não existia qualquer imitação entre os sinais.

LL. O Tribunal a quo chegou a esse entendimento após realizar uma comparação entre os dois sinais a cotejo em concreto: “NB” e “ ”.

MM. Já no Acórdão fundamento o Tribunal da Relação de Lisboa não se podia focar em quaisquer elementos que não as siglas de duas letras “NH” e “MH” – porque todos os restantes elementos das marcas sob comparação são ou descritivos dos serviços em causa (“HOTELS”, “HOTEL GROUP”) ou banais (como o tipo de letra das marcas mistas).

NN. Facto esse que levou o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão fundamento, a considerar que existia um “claro domínio do [...] elemento verbal” nas marcas mistas (“”, “ ”, e “ ”) a cotejo – precisamente o contrário do que sucedeu no Acórdão recorrido.

OO. O que sucedeu no caso do Acórdão fundamento – e que não contradiz, e, aliás, confirma o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido – foi que o Tribunal pura e simplesmente não considerou que a alteração de um “N” para um “M” e a adição do termo descritivo “HOTELS” fosse suficiente para afastar o risco de confusão entre o sinal “MH HOTELS” e as marcas “NH”, “ ” (mista), “ ” (mista), e “ ” (mista).

PP. Assim, o facto de, no Acórdão fundamento, “a análise comparativa [ter-se concentrado] no confronto das siglas MH e NH”, que a Recorrente parece ver como uma contradição flagrante com o sucedido no Acórdão recorrido, mais não é do que uma consequência da análise concreta levada a cabo pelo Tribunal da Relação aos elementos das marcas em liça.

QQ. Ou seja: a mesma regra de direito – o risco de confusão pode ser excluído com segurança se dois sinais em conflito, apesar de serem formados pela mesma combinação de duas letras, tiverem uma caracterização gráfica suficientemente diferente para neutralizar os elementos nominativos comuns – foi aplicada tanto ao Acórdão recorrido como ao Acórdão fundamento.

RR. E se no Acórdão recorrido o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que os elementos figurativos da marca “ ” configuravam uma “caracterização gráfica suficientemente diferente para neutralizar os elementos nominativos comuns” entre as marcas, já no Acórdão fundamento o mesmo Tribunal considerou que a “caracterização gráfica” dos dois sinais em conflito não era suficientemente diferente para afastar o risco de confusão entre as marcas em liça.

SS. Em suma: não foi por causa de uma contradição jurídica, relativa à força distintiva inerente aos sinais de duas letras, que o Tribunal a quo chegou a uma conclusão distinta no Acórdão recorrido e no Acórdão fundamento – mas sim por causa das diferenças entre os distintos conjuntos de marcas sobre os quais incidiu, nestes dois casos, o julgamento do Tribunal da Relação de Lisboa.

TT. Atente-se na afirmação com que a Recorrente conclui o seu argumentário:

“Ademais, ao ter desvalorizado a capacidade distintiva da marca verbal NB da Recorrente, o Acórdão recorrido considerou que os elementos figurativos da marca NB da Recorrida são suficientes para afastar qualquer risco de confusão, o que também está em contradição com o entendimento sufragado no Acórdão fundamento, onde, como se viu, se considerou que os elementos figurativos das marcas sob comparação não afastavam o risco de confusão, tendo em conta a predominância dos respetivos elementos verbais distintivos.”

UU. A Recorrente afirma, essencialmente, que pelo simples facto de ter considerado os elementos figurativos da marca suficientes para a distinguir, aos olhos do consumidor, da marca “NB”, o Tribunal a quo está a entrar em contradição com o Acórdão fundamento, onde “se considerou que os elementos figurativos das marcas sob comparação não afastavam o risco de confusão”.

VV. Ora, como é evidente, a subsunção de dois casos diferentes a uma mesma regra jurídica pode levar a dois resultados distintos. É precisamente essa a situação nos casos do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento – em que as decisões, apesar de apresentarem sentidos opostos, são coerentes e consistentes entre si.

WW. Em conclusão, não se verifica qualquer contradição de julgados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo que não se encontra preenchido o requisito da alínea d) do número 2 do artigo 629.o do CPC, invocado pela Recorrente para fundamentar a admissibilidade do presente recurso.

XX. Nestes termos, deve o presente recurso ser recusado por inadmissível, e transitar em julgado a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

II – DA FALTA DE FUNDAMENTO DO RECURSO

YY. Caso o presente Recurso seja considerado admissível, o que meramente se admite para efeitos de patrocínio, sempre se diga que o mesmo carece por completo de fundamento.

ZZ. Em boa verdade, a decisão do Tribunal da Relação é absolutamente irrepreensível – e os argumentos da Recorrente não a colocam de modo algum em causa, conforme se expõe de seguida.

(i) Da fraca capacidade distintiva da marca verbal NB da Recorrente

AAA. A Recorrente começa por afirmar que “a capacidade distintiva intrínseca de qualquer marca (ou o seu carácter não descritivo, genérico ou usual) deve ser determinada segundo os critérios gerais e abstratos previstos no artigo 222.o e 222.o [sic] do CPI e nos artigos 4.o e 7.o do Regulamento sobre a Marca da União Europeia, e em função dos produtos ou serviços assinalados.

BBB. E continua: “Assim, a capacidade distintiva da marca NB afere-se em função da sua (in)capacidade para descrever os serviços financeiros que aquela marca assinala na classe 36.”

CCC. Em suma, a Recorrente incorre numa evidente falácia, ao amalgamar por completo a capacidade distintiva de uma marca com o seu caráter não descritivo.

DDD. A capacidade distintiva de uma marca não se resume à mera ausência de elementos descritivos, como a Recorrente pretende fazer crer.

EEE. Efetivamente, a maior ou menor aptidão de uma marca para individualizar produtos ou serviços não se resume ao seu caráter descritivo ou genérico. Existem sinais mais fortes que outros – que, devido às suas características visuais, fonéticas e conceptuais, são mais facilmente apreendidos e recordados pelo consumidor.

FFF. É nestes termos que se afirma, com apoio em firmada jurisprudência, nacional e europeia, que a marca “NB” da Recorrente apresenta fraca capacidade distintiva – o que restringe, necessariamente, o seu âmbito de proteção.

GGG. Assim, cai por terra a conclusão da Recorrente segundo a qual “a única conclusão extraível do facto de NB não ter qualquer significado relativamente aos serviços assinalados é a de que NB tem uma capacidade distintiva normal para assinalar aqueles mesmos serviços”.

HHH. É prática corrente no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia, e é jurisprudência confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que um sinal de duas letras pode ser desprovido de qualquer significado para os produtos e serviços assinalados, e, ainda assim, ter fraca capacidade distintiva para assinalar esses mesmos serviços.

III. É esse o caso da marca nominativa “NB” para serviços bancários e financeiros.

JJJ. E, como é evidente, embora esta baixa capacidade distintiva limite o âmbito de proteção conferido à marca “NB”, é manifestamente hiperbólico afirmar, como faz a Recorrente, que “considerar que a marca NB da Recorrente tem fraca distintividade apenas porque é composta por uma sigla de duas letras está errado e traduz um verdadeiro esvaziamento do conteúdo do direito da Recorrente”.

KKK. A marca da Recorrente encontra-se registada e é válida – mas o seu âmbito será limitado a marcas que dela não se distingam o suficiente para afastar o risco de confusão.

LLL. É absurdo declarar, como faz a Recorrente, que “se a marca verbal NB não puder ser oposta a outras marcas contendo a mesma sigla de duas letras e destinadas a assinalar os mesmos serviços, isso significa que na prática que a marca verbal NB da Recorrente não possui caráter distintivo”.

MMM. Esta passagem limita-se a tornar claro que a Recorrente se encontra sob a falsa impressão de ter adquirido um monopólio sobre as letras NB, em qualquer configuração figurativa, para assinalar serviços bancários e financeiros.

(ii) Da alegada imitação entre os sinais “NB” e “

NNN. Começa a Recorrente por alegar um facto que em momento algum foi colocado em causa, e que, com efeito, resume todos os seus argumentos – o facto de a marca da Recorrida, “ ”, reproduzir as letras que compõem o sinal “NB”, “aglutinadas na mesma sequência”.

OOO. Nem a Recorrida, nem o INPI, nem o Tribunal da Propriedade Intelectual, nem o Tribunal da Relação de Lisboa colocaram este facto em causa – e, mesmo assim, todos estão em concordância quanto à inexistência de qualquer risco de confusão entre os sinais em liça.

PPP. A falácia neste argumento central da Recorrente é fácil de localizar: passa pela atribuição de uma importância indevida à reprodução do elemento nominativo “NB” – um elemento de fraquíssima capacidade distintiva, conforme estabelecido e abundantemente justificado na Sentença a quo.

QQQ. Afinal, a força distintiva do sinal nominativo da Recorrente, constituído por duas simples letras, é parca – o que atribui uma ênfase muito maior aos elementos figurativos neste tipo de sinais.

RRR. A Recorrida não tem dúvidas de que as especificidades visuais da sua marca são mais que suficientes para lograr evitar qualquer risco de confusão com a marca prioritária – uma marca nominativa, composta por apenas duas letras.

SSS. Basta, aliás, consultar a jurisprudência nacional para verificar que mesmo pequenas diferenças figurativas (o que não é o caso, pois o elemento figurativo da marca da Recorrida é altamente distintivo) são suficientes para diferenciar marcas mistas de marcas nominativas compostas pelas mesmas duas letras.

TTT. A Recorrente exprime, e sublinha, a seguinte opinião: “afirmar que a reprodução estilizada do sinal que compõe a marca da Recorrente registada sob a forma nominativa é suficiente para “neutralizar” a coincidência do elemento nominativo reproduzido equivale a uma verdadeira expropriação da marca da Recorrente”.

UUU. Esta frase cristaliza toda a motivação que levou o presente Recurso perante o Venerando Tribunal ad quem: a Recorrente parece possuir a errada convicção de que o registo da marca nominativa “NB” lhe confere um monopólio sobre o uso dessas letras, independentemente da existência de um elemento figurativo distintivo.

VVV. Ora, é absolutamente impróprio falar de “expropriação” quando o direito da Recorrente a utilizar a sua marca “NB” permanece intocado, e, para mais, a concessão da marca nacional n.o 5…79, “” apenas outorga à Recorrida o direito a utilizar o referido sinal na específica configuração gráfica em que este foi concedido.

WWW. Se a Recorrente continua a utilizar a sua marca, “NB”, e a Recorrida apenas pode utilizar a marca “ ”, é evidente que o uso da expressão “expropriação” excede mesmo o que é aceitável para uma hipérbole.

XXX. Mais alega a Recorrente, em suporte das suas asserções, que “o tipo de letra a cor verde e um pequeno elemento figurativo que integram a composição da marca NB (mista) são elementos gráficos básicos, sem qualquer singularidade e com função eminentemente decorativa e que, no limite, apenas evidenciam o elemento NB”.

YYY. Ora, a análise do risco de confusão não se faz somando ou subtraindo elementos comuns e diferentes para atingir uma “neutralização de semelhanças”.

ZZZ. E a afirmação de que os elementos gráficos da marca da Recorrida (o tipo de letra, a cor verde, e a borboleta) são “básicos” e “sem qualquer singularidade” não colhe.

AAAA. Na verdade, elementos simples, e até minimalistas, podem ser portadores de uma enorme capacidade distintiva.

BBBB. Com efeito, os elementos figurativos da marca “” não são de modo algum triviais – mas sim, citando as palavras da Sentença a quo, “marcantes e distintos”.

CCCC. O erro da Recorrente parece residir numa ideia pouco acertada daquilo que atribui capacidade distintiva a um determinado elemento – equacionando elementos figurativos simples com elementos figurativos básicos.

DDDD. Chegando até ao ponto de afirmar que os elementos figurativos da marca da Recorrida não apresentam “qualquer singularidade”.

EEEE. Ora, esta descrição trai uma ideia pouco correta daquilo que é, hoje em dia, o design gráfico e a construção de uma imagem de marca – e da maneira como estes se relacionam com o conceito de capacidade distintiva.

FFFF. “Capacidade distintiva” refere-se precisamente à idoneidade de um sinal para ser reconhecido pelos consumidores e distinguido de outros sinais.

GGGG. E, por muito que essa realidade tenha escapado à Recorrente, existe, por entre a aparente simplicidade dos elementos figurativos da marca da Recorrida, um conceito, altamente singular e plenamente capaz de a distinguir de outros símbolos que são apostos aos mesmos bens e serviços.

HHHH. Esse conceito, que parte da ideia de um lettering sólido, assente, e uma borboleta no canto superior direito, representando leveza e renascimento, é pleno de significado e diferença.

IIII. Dentro do panorama, muitas vezes pesado e solene, do marketing e do branding bancários, os elementos figurativos da marca “ ” impõem-se com um conceito diferente e distinto através dessa mesma aparente simplicidade.

JJJJ. Subjacente ao raciocínio esboçado pelo Recorrente está uma ideia, absolutamente errada, de que apenas o complexo, ou o pesado, ou o difícil pode ser singular.

KKKK. Quando, o mais das vezes, as marcas mais distintivas são precisamente as que, à primeira vista, parecem mais simples.

LLLL. Um exemplo clássico é o da marca da empresa de remessa expressa de correspondência americana Federal Express, tida como um exemplo de excelência em branding:

MMMM. Esta marca, aparentemente simples, cujos elementos figurativos se resumem a um tipo de letra e duas cores, encerra um conceito que lhe atribui uma enorme capacidade distintiva.

NNNN. A seta formada pelo espaço negativo entre a letra “E” e a letra “x” cria uma ideia de movimento para a frente, o que conota a rapidez do serviço prestado.

OOOO. Serve este exemplo para ilustrar que elementos aparentemente simples podem passar ideias poderosas ao consumidor, que distinguem um sinal de outros, apesar de os elementos visuais não serem suscetíveis de uma enumeração extensiva.

PPPP. O mesmo é o caso da marca “ ” – a inescapável borboleta, cor verde e tipo de letra único e sólido constituem uma unidade de significado intrinsecamente distintiva.

QQQQ. Com efeito, do ponto de vista visual, aquilo que o consumidor vê quando se depara com a marca da Recorrida não é a informação, nua, que as letras “NB”, sozinhas, comunicam – é toda a informação visual comunicada por essas letras naquele tipo de letra, associadas a uma cor verde, com a borboleta no canto superior direito.

RRRR. Não pode haver dúvidas de que a impressão causada pelos elementos figurativos é mais impactante – mesmo que esses elementos não sejam complexos – que a impressão causada pelas letras “NB”, por si sós.

SSSS. E, acima de tudo, não pode haver dúvidas de que essa impressão visual é suficiente para distinguir as duas marcas – ou seja, para afastar qualquer noção de que elas são detidas pelo mesmo operador económico, ou por operadores económicos associados.

TTTT. É importante ter em conta que os elementos figurativos da marca “” são utilizados, desde 2014, numa família de marcas notórias em Portugal.

UUUU. Aliás, o Acórdão recorrido enumera como facto provado n.o 7 que “o uso destas marcas NB e NOVO BANCO e a sua cor verde é do conhecimento da esmagadora maioria dos portugueses”.

VVVV. Ao ver as letras “NB”, qua tale (ou seja, na configuração registada como marca pela Recorrente), o consumidor português médio de serviços bancários e financeiros não lhes associa qualquer significado, em particular – assume estar perante uma sigla, as iniciais de uma determinada entidade empresarial; mas sem identificar qual.

WWWW. Porém, ao ver essa mesma sigla – “NB” – associada às cores e elementos figurativos que a Recorrida vem utilizando, consistentemente, desde 2014, o consumidor médio de serviços bancários e financeiros não terá dúvidas: vai apreender, do símbolo “ ”, o significado de “NOVO BANCO”.

XXXX. Assim, existe uma evidente, e enorme, diferença conceptual entre as marcas em liça: enquanto a marca da Recorrente não tem qualquer significado conceptual para o consumidor médio de serviços financeiros e bancários, a marca da recorrida tem um significado muito definido, que é mobilizado pela conjunção das letras “NB” com os elementos figurativos da Família de Marcas Novo Banco: o significado de “Novo Banco”.

YYYY. E, assim, não tem a Recorrida dúvidas de que nenhum elemento visual – mesmo que em teoria mais complexo (ex: fotografias, formas complexas, várias cores) seria tão eficiente na tarefa de distinguir a marca da Recorrida da marca da Recorrente como os elementos gráficos da Família de Marcas Novo Banco – cujo conteúdo conceptual torna os sinais absolutamente inconfundíveis na mente de qualquer consumidor.

ZZZZ. Em suma: não se consegue imaginar qualquer elemento gráfico que, aplicado às letras “NB”, permita ao consumidor distinguir a sua origem empresarial com mais eficácia que os elementos presentes na Marca Nacional n.o 5…79 “ ”.

AAAAA. E, não existindo elementos figurativos que melhor pudessem distinguir duas marcas integrando as letras “NB”, a recusa da marca da Recorrida seria equivalente a conferir à Recorrente um intolerável monopólio sobre qualquer marca mista que compreenda essas duas letras.

(iii) Da inexistência de risco de confusão ou associação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 239.o, n.o 1, alínea a) e 245.o, n.o 1 do CPI

BBBBB. A Recorrente invoca o Acórdão Sabèl, bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relativo ao processo n.o 481/14.5YHLSB-2, exortando a que o risco de confusão seja “apreciado globalmente, atentos todos os fatores relevantes do caso em apreço”.

CCCCC. Mas, logo de seguida, volta ao argumento anterior, citando uma abstrata e, aparentemente, incontornável predominância do elemento nominativo.

DDDDD. O Acórdão Sabèl, e, bem assim, o Acórdão relativo ao processo n.o 481/14.5YHLSB-2, apenas reforçam a tese da Recorrida, bem como a argumentação constante da decisão do Tribunal a quo – a marca da Recorrida, se apreendida como um todo, e sem isolar o seu elemento nominativo, é inconfundível com a marca da Recorrente.

EEEEE. Ao contrário do que afirma a Recorrente, a “valorização dos elementos figurativos e da cor integradas na marca NB” da Recorrida não se afigura “absolutamente errada”.

FFFFF. O Tribunal a quo justifica sobejamente essa valorização do elemento figurativo face ao elemento nominativo:

“NB são duas letras do abecedário que têm de estar disponíveis para qualquer consumidor ou comerciante que também as pretenda usar na abreviatura do seu nome, ou por outro qualquer motivo, não tendo, por si só, qualquer carácter distintivo ou original, pelo que o enfase deste tipo de marcas tem de ser dado aos elementos figurativos.”

GGGGG. Em suma: não se negando que, em regra, o elemento nominativo de um sinal misto será o seu elemento predominante, a verdade é que a Recorrida argumentou, apoiando-se em ampla e firmada jurisprudência, que no caso específico em que estão em causa marcas mistas de duas letras, o elemento predominante será o figurativo. Esse argumento foi aceite pelo Tribunal a quo.

HHHHH. A Recorrente, porém, pretende afastar esse argumento reafirmando, uma e outra vez, a regra genérica segundo a qual a ênfase deve ser dada ao elemento nominativo. Ora, essa regra não está em causa.

IIIII. A Recorrente não coloca em causa que exista uma exceção a essa regra para sinais de duas letras, não questiona que, nesse caso em particular, o elemento figurativo possa predominar. E não o faz porque não tem doutrina ou jurisprudência que a suportem.

JJJJJ. É também por esse motivo que o profusamente citado “Acórdão fundamento” em nada fere a motivação do Acórdão recorrido.

KKKKK. Com efeito, o citado Acórdão põe em confronto duas marcas, uma nominativa e outra mista, respetivamente com as seguintes configurações: “MH HOTELS” e “ ”.

LLLLL. Como é evidente, e para além de tudo o que já ficou dito nesta sede, estes sinais – ao contrário das marcas em liça neste processo – são constituídos por muito mais que duas letras. E, por isso, o elemento figurativo não tem a mesma predominância que no caso sub judice.

MMMMM. Assim, os “paralelismos da situação apreciada no Acórdão citado com a situação dos autos” são tudo menos “manifestos”, ao contrário do que afirma a Recorrente.

NNNNN. Assim, e ao contrário do que afirma a Recorrente, não existiu qualquer erro, por parte do Tribunal a quo, na sua valorização da componente figurativa da marca figurativa.

OOOOO. O argumento que, segundo o Tribunal a quo, motivou essa valoração não chega sequer a ser atacado pela Recorrente – e portanto, as objeções da Recorrente não colhem.

PPPPP. A Recorrente conclui, partindo da premissa de que “a marca reproduz a marca NB, tendo a Recorrida procurado obter proteção para aquela em relação a serviços manifestamente idênticos ou afins àqueles para os quais a marca NB da Recorrente se encontra especificamente protegida”, que “estão reunidas todas as condições para que o consumidor seja facilmente induzido em erro ou confusao ou a associar a marca NB da Recorrida à marca NB da Recorrente, de forma a que não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.

QQQQQ. Ou seja: no entender da Recorrente, e à revelia da prática dos Institutos e da jurisprudência dos nossos Tribunais, o registo de uma marca nominativa, independentemente da sua força distintiva, confere ao seu titular o monopólio sobre qualquer sinal que “reproduza” as mesmas letras que se encontram protegidas – ainda que a marca posterior apresente elementos figurativos distintivos.

RRRRR. E, partindo da conclusão errónea de que “o consumidor seria facilmente induzido em erro ou confusão” entre as marcas a cotejo, a Recorrente clama estar demonstrado “o erro da conclusão que se retira na sentença recorrida de que sendo a marca da recorrente uma marca «fraca», basta uma simples variação por parte das marcas da recorrida para afastar a confundibilidade existente”.

SSSSS. Ou seja: de uma suposta inexistência de risco de confusão, a Recorrente infere que a predominância do elemento figurativo em marcas de duas letras é “absolutamente injustificada”.

TTTTT. E acrescenta: “isto porque tal conclusão genérica parte da premissa errada de que os sinais de duas letras têm necessariamente um carácter distintivo inferior, premissa que a Recorrente recusa veemente [sic] e demonstrou acima ser falsa”.

UUUUU. Em suma, a Recorrente recusa, sem mais, o argumento que está na base do Acórdão do Tribunal a quo – apesar da sua reafirmação recorrente em precedentes administrativos e judiciários, nacionais e europeus.

VVVVV. Para concluir, a Recorrente frisa (novamente A Recorrente, de seguida, cita o Acórdão Flexi Air, para suportar a asserção de que “o carácter distintivo da marca anterior é apenas um elemento de entre outros a ponderar na apreciação do risco de confusão”.

WWWWW. Tanto a Recorrida, como o INPI, como o Tribunal da Propriedade Intelectual, como o Tribunal da Relação de Lisboa nunca deixaram de tomar em consideração todos os outros fatores na comparação das marcas em liça, para efeitos de aferição do risco de confusão.

XXXXX. E, tomando em consideração todos os fatores relevantes, todos chegaram à mesma, idêntica conclusão: a de que não existe qualquer risco de confusão entre “NB”e “”.

YYYYY. É a Recorrente que, insistindo em não tomar em consideração a fraca capacidade distintiva da sua marca nominativa (e recusando-se, explicitamente, a aceitá-la), faz uma análise apenas parcial dos fatores relevantes para a aferição do risco de confusão, e chega a uma conclusão diferente.

ZZZZZ. ) “a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento” – mais uma vez, ignorando as evidentes diferenças entre esse caso e o caso presente, amplamente explanadas supra.

AAAAAA. Assim, e em suma, a Recorrente não apresenta argumentos de índole a afastar a plena conformidade à lei do Acórdão ora recorrido.

BBBBBB. Pois, conforme se encontra amplamente demonstrado, não existe qualquer hipótese de confusão entre as marcas a cotejo.

CCCCCC. Conforme exposto acima, a combinação das letras “NB” com os elementos figurativos que caracterizam a Família de Marcas Novo Banco dá origem a um sinal conceptualmente distinto, que qualquer consumidor de serviços da Classe 36.a não poderá deixar de reconhecer – e que é, como tal, inconfundível com a marca da Recorrente.

DDDDDD. Em conclusão, e em consonância com o INPI, o Tribunal da Propriedade Intelectual e o Tribunal a quo, a Recorrida considera que não existe qualquer risco de confusão entre os sinais, incluindo um risco de associação entre as marcas em conflito, pelo que não se encontram verificados os vários pressupostos legais para que se possa considerar que a marca da Recorrente, na classe 36.a, se trata de uma imitação da marca da Recorrida nos termos dos artigos 239.o e 245.o do CPI.

Nestes termos, e nos mais que doutamente sejam supridos, deve o presente recurso ser rejeitado por inadmissível, transitando em julgado o Acórdão recorrido;

Ou, subsidiariamente, deve o presente recurso ser declarado improcedente, mantendo-se o Acórdão recorrido e, consequentemente, a concessão da marca nacional n.o 5...79 “ ” para a Classe 36.a.

 

  13. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

  14. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

    I. — se o recurso deve ser admitido, por haver contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 70/17.2YHLSB.L1-6; II. — caso o recurso seja admitido, se deve ser recusado o registo da marca nacional n.º 580579 “NB” (mista), por aplicação dos arts. 239.º e 245.º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

  15. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1- A recorrente em 18/10/2012 procedeu ao registo da marca da União Europeia nº1155175 NB verbal, destinando-se a mesma a assinalar os seguintes produtos/serviços da Classificação Internacional de Nice:

36 - Financial services, namely, investment advisory, investment management, assetmanagement, portfolio management, investment brokerage, securities brokerage, investment consultation, wealth management, and financial planning services; all the aforesaid services also available via the Internet or a similar electronic network; financial and investment services, namely, investment advisory and investment management and brokerage of securities, hedge funds, private equity funds, wrap fee programs, separate accounts, variable annuity programs, stocks, bonds, commodities, derivatives and debt investment, and limited partnerships; financial services, namely, financial research, financial analysis, consultation, record keeping and information services, transfer agent services, custodian services, management and investment of funds and assets of others, capital investment services, and financial transaction services; financial services, namely, mutual fund advisory and investment management services, mutual fund distribution services, mutual fund underwriting and administration services, and variable annuities investment services; clearance services, namely, clearing and settling financial transactions on behalf of others; maintaining assets and securities for others, and confirming and tracking financial transactions for others; insurance investment services; trust and estate planning and management services; retirement planning services; real estate investment trust advisory and management services.

2. A recorrida pediu em 05/04/2017 o registo da marca nacional nº 5…79 *”, tendo a mesmo sido concedido em 19/12/2017.

3. Tal marca destina-se a assinalar na classe 36 da Classificação Internacional de Nice: «serviços financeiros; serviços bancários; negócios monetários; troca de moeda e serviços de câmbio; serviços de transação de títulos; serviços de concessão de empréstimos e créditos; locação financeira; serviços de recuperação de dívidas e factoring; serviços de investimento; constituição de capitais; investimento de capitais; subscrição financeira e emissão de títulos (serviços bancários de investimento); gestão financeira; transferências e transações financeiras e serviços de pagamento; serviços de ordem de dinheiro, cheque e numerário; serviços de cartões; informações em matéria financeira; serviços informáticos de corretagem de títulos e ações; serviços de consultoria em matéria financeira; classificação financeira e relatórios de crédito; angariação de fundos e patrocínios; serviços de avaliações financeiras; serviços financeiros, bancários, monetários prestados através de uma rede interativa de comunicações, nomeadamente a internet”.

4. A sigla NB advém do nome do banco “NOVO BANCO”, o qual sucedeu ao “BES”, sigla do insolvente- “Banco Espírito Santo”.

5. O NOVO BANCO tem registado a seu favor várias outras marcas com a sigla NB, para assinalar os serviços elencados em 3 supra na classe 36 da Classificação Internacional de Nice:

 — Marca n.º 5…58, pedida em 28/10/2014


— Marca no 5…59, pedida em 28/10/2014


— Marca no 5…60, pedida em 28/10/2014


 — Marca no 5…52, pedida em 22/10/2014


— Marca no 5…27, pedida em 23/10/2014


 — Marca no 5…28, pedida em 23/10/2014

 — Marca no 5…29, pedida em 23/10/2014


 — Marca no 5…30, pedida em 23/10/2014


 

6. O recorrido é titular da marca da União Europeia nº 014…9,

  

pedida a 29/06/2015 e destinada a assinalar os seguintes produtos e serviços da Classificação Internacional de Nice:

35. Agências de informações comerciais; Análise comercial de mercados; Gestão de negócios comerciais; Administração comercial.

36. Negócios bancários; Serviços financeiros; Serviços bancários e financeiros; Serviços de cartões de crédito; Serviços de cartões de crédito e cartões multibanco; Emissão de cartões de crédito; Emissão de cartões de crédito e de débito; Serviços de cartões bancários, cartões de crédito, cartões de débito e de cartões de pagamento eletrónico; Serviços cartões de crédito e de débito; Seguros bancários; Mediação de seguros; Serviços de subscrição de seguros.

38. Comunicação por meios eletrónicos; Comunicação de informação por meios eletrónicos; Comunicação de dados através de meios eletrónicos.

7. O uso destas marcas NB e NOVO BANCO e a sua cor verde é do conhecimento da esmagadora maioria dos portugueses.

            O DIREITO

   16. A questão da admissibilidade do recurso é uma questão prévia; deverá, por consequência, averiguar-se se a disposição art. 46.º, n.º 3, do antigo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, aplicável ao caso sub judice, impedirá o Supremo Tribunal de Justiça de conhecer da presente revista.

   17. O art. 46.º do antigo Código da Propriedade Industrial aplicável ao caso sub judice, é do seguinte teor:

1. — Da sentença proferida [pelo tribunal da propriedade intelectual — art. 40.º] cabe recurso, nos termos da lei geral do processo civil, para o tribunal da Relação territorialmente competente para a área da sede do tribunal de propriedade intelectual, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo

2. — As decisões do tribunal de propriedade intelectual que admitam recurso, nos termos previstos no regime geral das contra-ordenações e nos artigos 80.º a 92.º do Regulamento (CE) n.º 6/2002, do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, e nos artigos 95.º a 105.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009, do Conselho, de 26 de Fevereiro, são impugnáveis junto do tribunal da Relação territorialmente competente para a área da sede do tribunal de propriedade intelectual.

3. — Do acórdão do Tribunal da Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que este é sempre admissível.

      Os casos em que o recurso é sempre admissível estão previstos no art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e, entre os casos previstos no art. 629.º, n.º 2, está o da contradição de julgados:

“[…] é sempre admissível recurso: […]

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

   18. O texto do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo deve analisar-se distinguindo os três requisitos essenciais do recurso: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.

      Como se diz, designadamente, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 2017, proferido no processo n.º 27/16.0YHLSB.L1.S2,

 I. — Em regra, não cabe recurso para o STJ do acórdão do tribunal da Relação proferido no âmbito do recurso, de plena jurisdição, previsto nos arts. 39.º e ss. do CPI.

II. — Essa regra de irrecorribilidade, fixada no art. 46.º, n.º 3, do CPI é, contudo, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, nomeadamente a contradição de julgados.

 III. — A contradição de julgados aqui equacionada e que releva como conditio da admissibilidade do recurso de revista pressupõe, além do mais, pronúncia sobre a mesma questão fundamental de direito.

 IV. — A questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos, sido feita de modo diverso.

V. — A inexistência do fundamento invocado (contradição de julgados) em ordem a permitir a revista “atípica”, obsta a que dela se tome conhecimento.

   19. A Recorrente AA Group LLC alega que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 70/17.2YHLSB.L1-6, e que, estando em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2018, deve ser admitido ao abrigo do art. 46.º, n.º 3, do antigo Código da Propriedade Industrial e do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

    20. Em primeiro lugar, deve averiguar-se se os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação.

    21. O acórdão recorrido refere-se aos arts. 222.º, 224.º, 239.º e 245.º do antigo Código da Propriedade Industrial — em ligação com o art. 4.º da Directiva 1989/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988. O acórdão fundamento, aos arts. 222.º, 224.º, 239.º e 245.º do antigo Código da Propriedade Industrial — em ligação com o art. 5.º da Directiva n.º 2008/95/CE, de 22 de Outubro de 2008, e com o art. 9.º do Regulamento n.º 207/2009, de 27 de Fevereiro de 2009.

       O requisito de que os dois acórdãos hajam sido proferidos no domínio da mesma legislação está preenchido em relação às duas disposições legais decisivas para a resolução do litígio, ou seja, em relação aos arts. 239.º e 245.º do antigo Código da Propriedade Industrial. 

         O art. 239.º, n.º 1, do antigo Código da Propriedade Industrial, considera como fundamento de recusa do registo de marca “[a] reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada” e o art. 245.º, explicitando o conceito de imitação, determina que

1. — A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:

a) A marca registada tiver prioridade;

b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;

c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.

2. — Para os efeitos da alínea b) do n.º 1:

a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;

b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.

3. — Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada [1].

   22. Em segundo lugar, como os dois acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, deve averiguar-se se foram proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito

    23. O termo questão de direito abrange, em primeiro lugar, as questões relacionadas com a interpretação de conceitos jurídicos ou de noções jurídicas e, em segundo lugar, as questões relacionadas com a interpretação, à integração e à aplicação de normas jurídicas.

    24. A Recorrente alega que os dois acórdãos se pronunciaram sobre a interpretação de um, e do mesmo, conceito jurídico — o conceito de imitação de marca — e com a aplicação de duas, e das mesmas, normas jurídicas — do art. 239.º e do art. 245.º do Código da Propriedade Industrial. 

          Concretizando-o, alega que a questão de direito considerada nos dois acórdãos é

“a capacidade distintiva dos elementos comuns das marcas sob comparação — siglas de duas letras — e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca — a semelhança dos sinais”.

   25. A Recorrida contesta-o, contra-alegando que a questão da capacidade distintiva das siglas de duas letras não é considerada no acórdão fundamento:

“F. […] no Acórdão fundamento, o Tribunal não se chega sequer a pronunciar sobre a questão que a Recorrente afirma ser a base de toda esta alegada contradição de julgados – ‘a capacidade distintiva das siglas de duas letras, e a relevância dessa capacidade distintiva na verificação do terceiro requisito de imitação de marca, a semelhança dos sinais’.

G. Em momento algum o Acórdão fundamento faz menção ao grau ou nível — elevado, normal, ou baixo — de capacidade distintiva dos sinais de duas letras.

H. Aliás, o Acórdão refere-se às marcas em liça como “marcas complexas (constituídas por mais de um elemento nominativo)”; nunca se refere a elas como marcas de “duas letras”, ou, de modo algum, à capacidade distintiva dessa tipologia de marca.

I. Assim, nunca se poderia afirmar que existe qualquer contradição na interpretação do direito aplicável, quanto à questão da ‘capacidade distintiva das siglas de duas letras’”.

   26. Os dois acórdãos interpretaram um, e o mesmo, conceito jurídico — interpretaram o conceito de imitação de marca — para o efeito de aplicarem duas, e as mesmas, normas jurídicas — o art. 239.º e o art. 245.º do antigo Código da Propriedade Industrial. 

      Em cada um dos dois acórdãos, não havia dúvidas sobre estarem, ou não, preenchidos os requisitos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 245.º — a marca registada tiver prioridade e as duas marcas, registada e registando, destinavam-se a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins.

        Em cada um dos dois acórdãos, só havia dúvidas sobre estar, ou não, preenchido o requisito da alínea c) do n.º 1 do art. 245.º, ou seja, sobre as duas marcas, registada e registanda, “[terem] tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.

        O facto de os dois acórdãos interpretarem um, e o mesmo, conceito jurídico, para o efeito de aplicarem duas, e as mesmas, normas significa que está em causa uma, e a mesma, questão de direito.

    27. Em terceiro lugar, deve averiguar-se se o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão invocado pela Recorrente — se o acórdão recorrido está em contradição com acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2018, proferido no processo n.º 70/17.2YHLSB.L1-6.

    28. A contradição ou oposição de julgados há-de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas.

          Em sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 7382/07.1TBVNG.P1.S1, diz-se que “[a] oposição de acórdãos, quanto à mesma questão fundamental de direito, verifica-se quando, perante uma idêntica situação de facto, a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos”, e em sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2017, proferido no processo n.º 488/14.2TVPRT-B.P1.S1, diz-se que

“A oposição de dois acórdãos da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito verifica-se quando o essencial da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico nos dois acórdãos” [2].

  29. Em relação ao requisito da semelhança das situações de facto, dir-se-á o seguinte:

   30. A questão de direito considerada pelos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa relacionava-se sobretudo com a aplicação do requisito do art. 245.º, n.º 1, alínea c), do antigo Código da Propriedade Industrial, ou seja, do requisito de que as duas marcas, registada e registanda,

“[t]enham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.

      Ora o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que “[é] pela visão do ‘conjunto’ que se há-de analisar se o consumidor médio confunde os vários produtos” [3].

       O risco de erro, de confusão ou de associação entre as duas marcas, entre as marcas registada e registanda, deve apreciar-se globalmente [4] e fundar-se “numa impressão de conjunto, tendo em conta, nomeadamente, os elementos distintivos e dominantes dessas marcas” [5].

      Como se diz nos acórdãos de 18 de Março de 2003 — processo n.º 03A545 — e de de 3 de Novembro de 1981 — processo n.º 069396 — ,  “´[é] por intuição sintética e não por dissecção analítica que deve proceder-se à comparação de marcas, já que o que importa ter em conta é a impressão global, de conjunto, própria do público consumidor que, desvalorizando os pormenores se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva”.

       O padrão ou standard pelo qual há-de apreciar-se o risco de erro, de confusão ou de associação é o do consumidor — haverá um risco de erro, de confusão ou de associação desde que as marcas tenham tal semelhança “que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto” — e, dentro dos consumidores, é o consumidor médio [6].

         Como se escreve, p. ex., nos acórdãos de 17 de Abril de 2008 — processo n.º 08A375 —, de 26 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1 —, de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 267/2001.E2.S2 —, haverá que determinar-se se a coexistência das duas marcas no mercado “é passível de induzir facilmente em erro ou confusão o consumidor médio destinatário dos produtos por elas assinalados”. O padrão ou standard do consumidor médio é ou, em todo o caso, deve ser um standard flexível, “por forma a abranger vários sub-tipos, como o consumidor profissional e o especializado ou o mais atento, nos produtos de preço muito elevado, ou o menos diligente, no caso de produtos de preço baixo ou de largo consumo” [7].

        O requisito da semelhança das situações de facto deve concretizar-se como semelhança entre o risco de erro, de confusão ou de associação entre a marca registada e a marca registanda, apreciado globalmente, por referência ao padrão ou standard de um consumidor médio.    

   31. Face ao critério de semelhança ou dissemelhança enunciado, deverá concluir-se que entre as situações de facto subjacentes ao acórdão fundamento e ao acórdão recorrido há uma única semelhança e pelo menos três diferenças — e que as três diferenças são fundamentais.

     Entre as situações de facto subjacentes ao acórdão fundamento e ao acórdão recorrido há uma única semelhança. Os dois acórdãos pronunciam-se sobre marcas contendo siglas de duas letras, foneticamente semelhantes — no caso do acórdão fundamento, as siglas NH e MH e, no caso do acórdão recorrido, a sigla NB. Entre as situações de facto subjacentes ao acórdão fundamento e ao acórdão recorrido há, pelo menos, três diferenças — e as três diferenças são fundamentais.

     Em primeiro lugar, no acórdão fundamento, a semelhança entre as siglas de duas letras — NH e MH — era agravada pela presença de um elemento verbal idêntico ou semelhante — HOTEL ou HOTELS — e, no acórdão recorrido, não — a semelhança entre as siglas não é agravada pela presença de nenhum elemento verbal. Em segundo lugar, no acórdão fundamento, a semelhança fonética entre as siglas de duas letras era essencial — os consumidores designam a marca registada e poderiam designar a marca registanda pela sua sigla — e, no acórdão recorrido, não era essencial — os consumidores não designam a marca registanda pela sua sigla NB e sim pelo seu nome — NOVO BANCO. Em terceiro lugar, no acórdão fundamento, a semelhança fonética entre as siglas de duas letras — NH e MH — não era neutralizada por nenhuma dissemelhança gráfica ou figurativa com adequada eficácia distintiva e, no acórdão recorrido, sim — a semelhança fonética entre as siglas era neutralizada por uma dupla dissemelhança. A marca registada é uma marca verbal e a marca registanda, uma marca mista, com uma particular cor e um particular grafismo.

   32. Em relação à primeira diferença, dir-se-á que o acórdão recorrido aprecia o risco de erro, de confusão ou de associação entre duas marcas sujo elemento verbal é constituído exclusivamente por uma sigla de duas letras:

“apesar de em ambas as marcas existir um elemento verbal comum — NB — o certo é que esta sigla, só por si, nada diz ao consumidor comum dos produtos da recorrida”. 

      O acórdão fundamento, esse, aprecia o risco de erro, de confusão ou de associação entre duas marcas cujo elemento verbal é constituído cumulativamente por uma sigla de duas letras e pela palavra HOTEL ou HOTELS:

“existindo na marca da apelante e em duas das marcas figurativas [a n.º 13135264 e a n.º 12230199] da apelada, a presença coincidente do elemento verbal "HOTELS" e HOTEL, como que o risco — em face da acentuação da semelhança visual e impressão de conjunto das marcas em causa — de confusão se mostra potenciado. […]

Ora… se à semelhança fonética dos sinais se adiciona nos mesmos um outro elemento/palavra que o próprio legislador considera [no art. 223.º, n.º 1, alínea c), do CPI] como não contribuindo de todo [bem pelo contrário] para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, como que o risco de associação entre marcas [se mostra] bastante reforçado”.

    33. Em relação à segunda diferença. dir-se-á que o acórdão recorrido considera que a semelhança, ou identidade, fonética entre as siglas de duas letras não é essencial:

“foneticamente, NB não é usado pelos consumidores dos produtos da recorrida. Estes geralmente para se lhes referir usam o nome da mesma — Novo Banco —, sendo tão só o NB as letras com que se iniciam cada uma destas palavras”.

       O acórdão fundamento, esse, considera que a semelhança fonética é essencial:

 “é inequívoco que , pronunciando-se a sigla da autora como ‘é-m-a-g-á’ , e , as da apelada como ‘é-n-a-g-á’, existe uma fortíssima semelhança fonética entre as marcas em confronto, ou não estivéssemos na presença de siglas integradas por consoantes nasais [aquelas em que a corrente expiratória se desenvolve pela boca e pelo nariz, em virtude do abaixamento do véu palatino]”.

   34. Em relação à terceira diferença, dir-se-á que o acórdão recorrido considerou que a marca registanda (mista) tinha uma “caracterização gráfica suficientemente diferente para neutralizar os elementos nominativos comuns” com a marca registada (verbal):

 “… sendo a marca da recorrente uma marca ‘fraca’ basta uma simples variação por parte da marca da recorrida para afastar a confundibilidade existente. E essa variação existe. Com efeito, a impressão de conjunto produzida pelas marcas em litígio, atendendo, designadamente, aos elementos figurativos e cor da marca registanda, é perfeitamente distinta, respeitando o sinal registando, o princípio de novidade das marcas”

“… em geral, não existe risco de confusão entre sinais de duas letras estilizados de forma diferente ou com representações gráficas diferentes das mesmas letras, que produzam uma impressão visual distinta.

Por conseguinte, o risco de confusão pode ser excluído com segurança se dois sinais em conflito, apesar de serem formados pela mesma combinação de duas letras, tiverem uma caraterização gráfica suficientemente diferente para neutralizar os elementos nominativos comuns, o que se verifica no caso presente (cf. despacho de 19-12-2017 que concedeu o registo da marca nacional nº 5…79)”.

     O acórdão fundamento, esse, considerou que a marca registanda (verbal) não tinha qualquer “caracterização gráfica” e, por isso, não era suficientemente diferente para neutralizar os elementos nominativos comuns com a marca registada (mista):

 “… a primeira constatação que importa precisar/efectuar é a de que, sendo a da autora uma marca verbal ou nominativa [porque apenas integrante de letras e palavras], já o grosso — a […] quase totalidade — das marcas da Reclamante /apelada são marcas figurativas ou emblemáticas, mas com claro domínio do seu elemento verbal — letras e palavras.

 “… em sede de análise comparativa entre marcas, o que releva é a impressão global do conjunto dos seus elementos, ou seja, a impressão de conjunto, [e] não há dúvida que o que ressalta de comum /semelhante entre os sinais da autora e as da apelada, é a presença em todas elas de uma sigla formada por duas letras, sendo as da marca da autora o MH, e as das marcas da apelada, o NH…”.

   35. Em todo o caso, ainda que porventura estivesse preenchido o requisito da semelhança das situações de facto, não estaria preenchido o requisito da dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes — os dois acórdãos aplicaram as mesmas disposições legais, interpretadas nos mesmos termos, a situações de facto diferentes.

        Entre os dois acórdãos, não há qualquer diferença relevante na interpretação de conceitos jurídicos; não há qualquer diferença na interpretação na interpretação e/ou na integração das normas jurídicas; e não há qualquer diferença na aplicação das normas jurídicas.

         Em primeiro lugar, o acórdão fundamento diz que “o risco [de erro, de confusão ou de associação] há-de ser medido com base em entendimento/visão de um consumidor médio dos produtos ou serviços que a marca visa assinalar” e o acórdão recorrido, que

“[o] risco de confusão deve ser entendido em sentido lato, de modo a abarcar tanto o risco de confusão em sentido estrito ou próprio como o risco de associação”; que “o risco de associação depende de vários factores” e, em especial, “do tipo de consumidores, do grau de semelhança entre as marcas e entre os produtos assinalados, e da força e notoriedade da marca registada”; e que

“Os consumidores a considerar são, em primeiro lugar, aqueles a quem os produtos assinalados com as marcas se destinam. Depois, entre os consumidores destinatários, há de atender-se ao consumidor ‘médio’, nem particularmente atento nem particularmente distraído”.

       Em segundo lugar, o acórdão fundamento diz que “há-de… ter-se em atenção uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores”; — que aquilo que releva “a impressão global, de conjunto, própria do público consumidor, e que, desvalorizando pormenores, se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva”; — e o acordão recorrido, que

“No juízo sobre a similitude, devem as marcas ser apreciadas global ou sinteticamente, não devem ser dissecadas analiticamente a fim de excluir do exame elementos ou segmentos, designadamente os que têm pouca capacidade distintiva (o exame deve recair sobre as marcas na sua totalidade)”

   36. Como não há qualquer diferença relevante na interpretação de conceitos jurídicos, não há qualquer diferença na interpretação na interpretação e/ou na integração das normas jurídicas e não há qualquer diferença na aplicação das normas jurídicas, o facto de as duas decisões terem sido, como foram, diferentes deve-se exclusivamente à circunstância de as situações de facto consideradas terem sido, como foram, diferentes.

III. — DECISÃO

      Pelo exposto, não se admite o recurso.

      Custas pela Recorrente AA Group LLC.

Lisboa, 11 de Julho de 2019



Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)


Paula Sá Fernandes


Maria dos Prazeres Beleza

________

[1] Os arts. 239.º e 245.º do antigo Código da Propriedade Industrial correspondem sensivelmente aos arts. 232.º e 238.º do novo Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/2019, de 10 de Dezembro, e entrado em vigor em 1 de Julho de 2019.

[2] Cf. ainda o sumário do acórdão do STJ de 20 de Maio de 2015 — processo n.º 321/12.0YHLSB.L1.S1 —, em que se escreve que, “[e]m sentido técnico, a oposição de acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito verifica-se quando a mesma disposição legal se mostra, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situações de facto subjacentes a essa aplicação”, e que “[p]ara tanto é sempre exigível a identidade, em ambos os casos, do núcleo central da situação de facto e das normas jurídicas interpretandas e/ou aplicandas”, ou o sumário do acórdão do STJ de 14 de Setembro de 2017 — processo n.º 27/16.0YHLSB.L1.S2 —, em que se escreve que “[a] questão de direito fundamental só é a mesma, para este efeito, quando a subsunção do mesmo núcleo factual seja idêntica (ou coincidente), mas tenha, em termos de interpretação e aplicação dos preceitos, sido feita de modo diverso”.

[3] Cf. acórdão do STJ de 3 de Novembro de 1981 — processo n.º 069396 —, de 26 de Junho de 2000 — processo n.º 00A1604 —, de 15 de Maio de 2001 — processo n.º 01A1112 —, de 18 de Março de 2003 — processo n.º 03A545 —, de 12 de Julho de 2005 — processo n.º 05B2005 —; em termos semelhantes, vide, p. ex., os acórdãos do STJ de 25 de Março de 2004 — processo n.º 03B3971 — e de 17 de Abril de 2008 — processo n.º 08A375.

[4] Cf. acórdão do STJ de 25 de Março de 2004 — processo n.º 03B3971.

[5] Cf. acórdão do STJ de 25 de Março de 2004 — processo n.º 03B3971.

[6] Cf. acórdãos do STJ de 13 de Maio de 1997 — processo n.º 96A609 —, de 26 de Junho de 2000 — processo n.º 00A1604 —de 17 de Abril de 2008 — processo n.º 08A375 —, de 26 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1 — ou de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 267/2001.E2.S2.

[7] Cf. acórdão do STJ de de 12 de Julho de 2005 — processo n.º 05B2005.