EXECUÇÃO
VENDA
Sumário

1.– Na ausência de propostas no âmbito da diligência de venda de imóvel penhorado por propostas em carta fechada, e sendo, em consequência, determinada a venda por negociação particular, pode esta vir a ser efectuada por valor inferior ao valor base publicitado, não estando limitada ao valor mínimo estabelecido no art. 816º, nº 2 do CPC;

2.– No caso de venda por negociação particular, o Agente de Execução, caso pretenda que a mesma se faça por valor inferior ao anunciado, apenas necessita de prévia autorização do tribunal na ausência de acordo de todos os interessados;

3.– Para autorizar uma venda por valor inferior, deve o tribunal ponderar as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o tipo de imóvel, sua localização e estado de conservação, necessidade de licenciamentos camarários ou de realização de obras de grande envergadura, valor patrimonial, avaliações efectuadas, valores de mercado da zona, oscilação dos mercados e conjuntura económica, valor das propostas eventualmente apresentadas, tempo decorrido desde o início das diligências de venda e insucesso das mesmas e demais elementos relevantes no caso concreto.

SUMÁRIO (elaborado ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 7 do CPC).

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.RELATÓRIO


1. No âmbito de execução instaurada por A., SA contra B. e C., foi proferido despacho, a 12/12/2018, determinando a venda do bem penhorado ao Exequente pelo valor de € 74.200,00.

2. É deste despacho que os executados recorrem, formulando as seguintes conclusões:
“I.- Não existe encarregado de venda regular e legalmente nomeado.
II.- O que, desde logo, impossibilita a venda do imóvel, pois não existe ‘mandatário’ nomeado e com poderes para o efeito.
III.- De qualquer forma, desconhece-se em absoluto quais as efectivas e concretas diligências que o senhor Agente de Execução (a quem os executados, aliás, não reconhecem a qualidade de encarregado de venda) têm, ou não, levado a cabo para promover a venda do imóvel.
IV.- Ora, o “encarregado de venda recebe um mandato (artº 905º nº1 do CPC): a efectivação da venda dos bens penhorados, por negociação particular, diligenciando por encontrar um proponente comprador que ofereça o maior valor possível pelos bens” (o negrito é nosso) – cfr. Pereira, Joel Timóteo Ramos, Prontuário de Formulários e Trâmites, Volume IV, Processo Executivo, Quid Juris, Lisboa, 2044, pp. 1043 e 1044.
V.- Que concretas diligências fez o (eventualmente suposto, embora não reconhecido) encarregado de venda, no exercício do (eventualmente suposto, embora não reconhecido) mandato (inexistente) para encontrar um proponente comprador que ofereça o maior valor possível pelo imóvel??... Os executados desconhecem. Nada consta nos autos. Porque nada foi feito, obviamente.
VI.- Portanto, das duas uma:
A)- Ou não existe mandatário (i.e., encarregado de venda) – como é o caso – e isso só pode significar que não só não é possível vender o imóvel, como também que nenhuma diligência de venda foi feita desde 2011(!!!);
B)- Ou existe mandatário (i.e., encarregado de venda) – o que não se admite, mas apenas se refere por especulativo raciocínio – e então é por demais evidente que igualmente nenhuma diligência foi realizada encontrar um proponente comprador que ofereça o maior valor possível pelo imóvel. Ora, não podem os executados dicar prejudicados pela inércia de quem teria a obrigação de ser diligente …
VII.- Como consta dos autos, foi o próprio Exequente que sugeriu que ao imóvel penhorado fosse atribuído o valor de € 175.000,00 (cfr. requerimento o exequente de 19.07.2010 c/ a Refª: 1749346), sugestão feita em plena crise do mercado imobiliário.
VIII.- A sugestão do Exequente veio a ser aceite pela srª. Agente de Execução que em 23.07.2010 decidiu atribuir ao imóvel o valor base de € 175.000,00.
IX.- Curiosamente, apenas cerca de um ano depois, veio o Exequente propor-se adquirir ele próprio o imóvel por € 74.200,00 !!! … cerca de 40% do valor que meses antes propusera …
X.- Propósito em que tem insistido ao longo dos anos…
XI.- Desde o início de tais propostas do exequente que os executados sempre se opuseram às mesmas.
XII.- Acresce que o entendimento dos executados, no sentido da rejeição das propostas do exequente, veio a ser igualmente subscrito pelo Tribunal a quo, no Douto Despacho de 30.04.2018 (Refª: 375966021).
XIII.- O que desde logo permite concluir que o Douto Despacho decisão do Tribunal a quo, de que ora se recorre, consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa, legalmente proibida – cfr. artigo 3º nº3 CPC – violação legal que expressamente se invoca.
XIV.- Sem prescindir, permitir que o valor de venda do imóvel se fixe em € 74.200,00, é permitir uma diferença de 57,6% relativamente ao valor base do imóvel e de 50% em relação ao valor mínimo admissível.
XV.- Tudo isto sem uma única fundamentação que não seja o “exposto” nos requerimentos do Agente de Execução (elencados no Douto Despacho recorrido) e o “valor patrimonial do imóvel”.
XVI.- Ora, determina o artigo 812º nº3 do NCPC que o valor base a atribuir ao imóvel corresponde ao maior dos seguintes valores:
- Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efectuada há menos de seis anos;
- Valor de mercado.
XVII.- No caso dos autos o valor base de € 175.000,00 foi atribuído ao imóvel no ano de 2010, em plena crise do mercado imobiliário.
XVIII.- Vale isto por dizer que o valor de mercado do imóvel penhorado nos autos é, no corrente ano de 2019, substancialmente superior ao valor de mercado que tinha há 9 anos atrás, em 2010.
XIX.- Sem prescindir de tudo quanto vai exposto, acresce ainda que, mesmo nos casos em que o Tribunal sinta a necessidade de tomar uma decisão que altere o valor de venda de um imóvel penhorado, “não deve fazê-lo sem proceder à averiguação, nomeadamente, através de perícia adequada, de qual será, efectivamente, o valor de mercado do imóvel, para após e em consciência, mesmo com a não anuência de alguma das partes (não anuência, que nem se justificará após a verificação do valor real do imóvel), poder autorizar a venda pelo preço que efectivamente se venha a constatar ser o verdadeiro e real preço de mercado” – como muito bem se explica no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 03.03.2010, Processo150-E/1991.E1, Relator Mata Ribeiro, consultável em www.dgsi.pt.
XX.- Impunha-se, pois, que o Tribunal a quo se tivesse munido de prévia avaliação feita por perito nomeado para o efeito, devendo naturalmente basear-se no resultado de tal perícia, a fim de se pronunciar (rectius, decidir) sobre o respectivo valor de venda. O que não fez!!!
XXI.- O Douto Despacho recorrido violou o disposto nos artigos 3º nº3 e 812º nº3, ambos do CPC.
XXII.- Pelo que deverá ser revogado e substituído por outro mantenha rejeite a proposta de aquisição do exequente, mantenha o valor base ou, em alternativa, ordene a realização de avaliação pericial para averiguar o valor de mercado do imóvel”.

3. Em sede de contra-alegações, o Exequente defendeu a improcedência do recurso.

II.QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da falta de fundamentação do despacho recorrido;
- da existência de uma decisão surpresa;
- da inexistência de encarregado de venda;
- do valor de venda do imóvel e da necessidade de realização de perícia para apurar esse valor.

III.APRECIAÇÃO DO RECURSO
A. Fundamentação de Facto:
Da análise dos autos resultam como assentes os seguintes factos:

1.- A 9 de Maio de 2007, o exequente intentou acção executiva contra os executados, apresentando como título executivo escritura pública de hipoteca;
2.- No âmbito de tal execução, em 16 de Abril de 2009, foi penhorada a fracção autónoma designada pelas letras #AT# que corresponde ao prédio urbano (…), pertencente aos executados;
3.- Por despacho de 14 de Outubro de 2010 foi designada data para a venda do bem penhorado mediante propostas em carta fechada;
4.- No dia designado (9 de Dezembro de 2010), estando presentes os executados na diligência, não foram apresentadas quaisquer propostas, tendo sido determinada a venda por negociação particular;
5.- Na sequência desse despacho, o exequente requereu que se fixasse o valor base de venda de € 83.300, por entender que o valor anteriormente fixado é superior ao valor de mercado do imóvel;
6.- A 8 de Julho de 2011, os executados fizeram a junção aos autos de procuração forense, constituindo mandatário;
7.- A 25 de Novembro de 2011, o Agente de Execução informou ter uma proposta de aquisição pelo valor de € 74.200,00, tendo notificado as partes para informarem se concordam com o valor da venda do imóvel, o qual foi aceite pelo exequente e rejeitado pelos executados através de requerimento datado de 17 de Dezembro de 2018;

8.- Este requerimento é composto por 9 pontos do seguinte teor:

“1.–Os autos encontram-se em fase de venda do imóvel penhorado, através de negociação particular.
2.–Os executados foram notificados - na pessoa do seu mandatário - da "proposta de aquisição", por parte da exequente, pelo valor de € 74.200,00 (setenta e quatro mil e duzentos euros).
3.–A referida notificação, embora datada de25-11-2011, só foi entregue nos correios em 09.12.2011 e recebida em 12.12.2011 - cfr. Docs 1 e2.
4.–Antes de mais, importa esclarecer que "a venda por negociação particular há-de ser, tal como a efectuada segundo outra modalidade, feita por preço igual ou superior ao valor-base fixado na decisão sobre a venda (só reduzido, nos termos do art. 889-2, quando a venda se faz por propostas em carta fechada) - cfr. Lebre de Freitas, José e Ribeiro Mendes, Armindo in Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Coimbra Editora, p. 601.
5.–Ora, recorde-se que o valor-base é de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros).
6.–Não é de €74.200,00 (setenta e quatro mil e duzentos euros)!
7.–Aliás, recorde-se que foi a própria exequente que, em Julho de 2010, sugeriu o valor base de venda de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros) – cfr.  Doc.3.
8.–Estranha-se que agora venha propor 40% desse valor!
9.–Desta forma, rejeita-se, por ilegal, a referida proposta”;

9.- Na sequência de tais requerimentos, foi proferido o seguinte despacho:

“Decorre das disposições conjugadas dos art.ºs 875.º, n.º 3 e 889.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que o valor base dos bens a vender que deverá ser considerado na proposta de adjudicação será aquele que foi fixado aquando da decisão a que alude o art.º 886.º-A, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, não podendo tal valor vir a ser alterado depois de fixado e muito menos quando não incidiu qualquer reclamação sobre essa decisão.
Dado que o valor oferecido pelo exequente é inferior a 70% do valor base fixado para a venda do imóvel penhorado à ordem da execução, indefere-se ao requerido, não se designando data para abertura de propostas de valor superior ao que consta do requerimento de adjudicação (cfr. art.º 875.º, n.º 3, 889.º, n.º 2, e 876.º, do Código de Processo Civil).
Notifique”.

10.- A 10 de Maio de 2013, o exequente apresentou requerimento no qual refere que “na qualidade de exequente nos autos à margem referenciados, vem, ao abrigo do disposto no art. 905º do Cód. Proc. Civil, apresentar proposta de aquisição pelo valor de Euros 74.200”;

11.- A 10 de Outubro de 2014, a Agente de Execução comunicou que “Em 23-10-2013 e a11-04-2014 a AE elaborou requerimentos telemáticos aos autos, a questionar a prossecução da venda do imóvel na modalidade de negociação particular, pelo facto de, se terem frustrado as propostas em carta fechada ou então iniciar-se nova fase de modalidade de venda.
O primeiro requerimento foi no sentido de, as propostas serem francamente inferiores aos 70% e 85%, respetivamente, do valor base inicialmente apresentado.
Contudo, facto é que, o exequente vê-se munido das avaliações atuais do imóvel, e este teve uma depreciação de valor de mercado substancial, por consequência da crise imobiliária, sendo o valor indicado por aquele, o que corresponde à realidade atual - Proposta: 74.200,00 euros; VP:73.790,00 euros”;

12.- Notificadas as partes para se pronunciarem sobre esta questão, os executados apresentaram requerimento, no qual referem a inexistência de Encarregado de Venda nomeado e se opuseram ao valor referido;

13.- A 18 de Setembro de 2015, o Agente de Execução apresentou a seguinte comunicação: “No dia 09/12/2010 realizou-se a diligência de abertura de propostas em carta fechada, sendo que o valor base anunciado para venda do imóvel se cifrou em € 175.000,00.
Foi publicitada a venda por 70% do valor base, ou seja, pelo valor de € 122.500,00.
Atenta a ausência de propostas no ato de abertura das propostas, determinou-se a venda por negociação particular.
Ora, no âmbito da negociação particular uma vez que ainda não foi nomeado encarregado de venda e tendo a ora signatária recebido propostas de adjudicação do imóvel, informou as partes da sua existência a fim de sujeitá-las a aprovação, não se tendo intitulado encarregada de venda, como refere o ilustre mandatário dos executados.
Atento ao facto do mercado imobiliário ter vindo a desvalorizar com a crise financeira a nível nacional, até à presente data, não foram apresentadas quaisquer propostas para aquisição do imóvel iguais ou superiores a 70% (actualmente 85%) do valor base, sendo que, a proposta de aquisição apresentada pelo exequente, no valor € 74.200,00, conforme é do conhecimento de V. Exa., corresponde a valor superior ao indicado na caderneta predial (Valor Patrimonial Tributário) avaliado a 13/11/2012.
Em resumo:
- Valor base: € 175.000,00
- Valor dos 70%: € 122.500,00
- Proposta: € 74.200,00
Pelo exposto, requer-se a V. Exa. que se digne a apreciar se deverá o imóvel ser adjudicado ao exequente, se os motivos invocados pelos executados para a recusa da proposta são viáveis e se, sendo, informar se deverá a ora signatária proceder às notificações para que as partes se pronunciem quanto à nomeação de encarregado de venda.

14.- A 30 de Abril de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Atenta a oposição dos executados e sendo o valor proposto para a adjudicação do imóvel muito inferior ao valor mínimo anunciado, não autorizo a requerida adjudicação.
Notifique.”

15.- A 23 de Maio de 2018, a Agente de Execução comunicou aos autos a publicitação da venda por negociação particular do bem penhorado, apresentando como Valor Base: € 175.000,00; Valor de Avaliação: € 71.800,00; Valor da Venda: € 148.750,00 e data da Venda: 2018-07-09 14:00;

16.- A 19 de Setembro de 2018, o Agente de Execução apresentou nos autos o seguinte requerimento:
“Os presentes autos remontam a 2007, para satisfação do crédito hipotecário concedido e não liquidado pelos executados ao exequente.
- A tentativa de venda do imóvel penhorado, através de abertura de propostas em carta fechada resultou, em 09-12-2010, frustrada por inexistência de propostas.
- Desde essa altura que a signatária tem tentado concretizar a venda através da modalidade de venda por negociação particular, porém sem sucesso.
- O valor base de venda atribuído ao bem foi 175.000€.
- Até à presente data apenas foram obtidas duas propostas com vista à aquisição do bem, uma no valor de 20.000€ e outra, apresentada pelo exequente, no valor de 74.200€.
- O VPT do imóvel, atribuído por avaliação realizada em 13-11-2012, é de 73.790€.
- Segundo avaliação realizada pelo exequente em 12-06-2018, o imóvel apresenta como valor atual de venda 74.500€, pelo que se torna fácil de concluir que o valor base de venda atribuído anteriormente (175.000€) se encontra totalmente desfasado da realidade.
- Deste modo, e porque não se consegue concretizar a venda do imóvel pelo valor mínimo de venda (85% de 175.000€ = 148.750€), requer-se a V. Exa. se digne a reduzir o valor base de venda do bem ou que seja aceite e autorizada a adudicação do mesmo ao banco exequente pelo valor de 74.200€, uma vez que pelo VB inicial não se vislumbra que sejam obtidas melhores propostas, não podendo a execução eternizar-se”.

17.- A 22 de Novembro de 2018, foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimento do Agente de Execução (Data: 19-09-2018 Documento: qgnKpzjIXvb Referência interna do processo: PE/145/2007):
A “melhor” proposta que o encarregado da venda revelou obter fica muito aquém de 85%.
Notifique o Agente de Execução para, antes do mais, esclarecer qual é o valor patrimonial, a área da fracção penhorada, tipologia, estado de conservação, morada exacta e quais as diligências concreta e proactivamente efectuadas com vista a encontrar melhor proposta. Deverá também informar se existe alguma peritagem recente efectuada ao imóvel.
Não será autorizada a venda do bem por valor inferior ao anteriormente fixado apenas pelo mero decurso do tempo, face aos óbvios e graves prejuízos que acarreta para os executados, e porque não cumpre os fins da execução.
Notifique”.

18.- Veio a Agente de Execução, a 3 de Dezembro de 2018, apresentar a seguinte resposta:

“… informar a V. Exa. que o imóvel penhorado e objecto de venda é um T4, sito na Rua (…) - Corroios, tem como valor patrimonial 73.790,00€, com uma área total de 108,69 m2, tudo conforme caderneta predial urbana que se junta.
Mais informo a AE que não tem qualquer conhecimento do estado atual de conservação do imóvel, nem tão pouco se foi efetuada alguma peritagem recente ao mesmo. A única avaliação efetuada ao bem, da qual a signatária tem conhecimento, é daquela realizada pelo banco exequente em 12-06-2018, tendo da mesma resultado um valor de venda de 74.500€.
Por fim, informa ainda a aqui AE que para obtenção de propostas para a compra do imóvel tem se socorrido da página de internet da OSAE para publicitar a venda do bem, e bem assim da cooperação de uma empresa mediadora no ramo imobiliário com uma vasta lista de investidores, que se ocupa por apresentar o anúncio de venda do imóvel a potenciais interessados.
Até à data não foi possível obter nenhuma proposta melhor do que a do exequente”;

19.- A 12 de Dezembro de 2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Requerimentos do Agente de Execução:

Data: 19-09-2018 Documento: qgnKpzjIXvb Referência interna do processo: PE/145/2007
Data: 03-12-2018 Documento: NYOGk85UWWa Referência interna do processo: PE/145/2007
Face ao exposto e ao valor patrimonial do imóvel, defiro à venda do bem ao Exequente pelo valor de € 74.200,00.
Notifique e informe o Agente de Execução”.

B.Fundamentação de Direito:
Vem a presente apelação interposta na sequência do despacho que decidiu a venda do bem penhorado pelo valor de € 74 200,00, defendendo os executados, ora apelantes, que o mesmo consubstancia uma decisão surpresa, sendo que não existe encarregado de venda nomeado e não sendo de acolher o valor de venda, tendo, além do mais, referido que o despacho recorrido não se mostra fundamentado.
Analisemos cada uma destas questões:

1.Da falta de fundamentação do despacho recorrido:

Na conclusão XV das suas alegações, referem os executados que o despacho recorrido não se mostra fundamentado.
Nos termos do art. 154º, nº 1 do CPC, “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, referindo-se no seu nº 2 que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
A violação deste dever de fundamentação leva à nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) do CPC, aplicável aos despachos, por remissão do art. 613º, nº 3 do mesmo diploma.
Como referem, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 188, em anotação ao citado art. 154º, “O dever de fundamentação das decisões tem consagração constitucional (art. 205º, nº 1 da CRP), apenas se dispensando no caso de decisões de mero expediente. Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a respectiva decisão deverá ser fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso”.
In casu, constata-se que o despacho recorrido refere os motivos pelos quais autoriza a venda pelo valor proposto, a saber: o exposto pelo Agente de Execução e o valor patrimonial do imóvel, pelo que se entende que o dever de fundamentação se mostra observado, já que o despacho em apreço aprecia o pedido deduzido, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.Da existência de uma decisão surpresa:

Defendem os apelantes que a decisão do tribunal recorrido se assumiu como uma decisão surpresa, porquanto anteriormente havia sido indeferida a venda por tal valor.
Nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este princípio assume-se como consequência do princípio do dispositivo, ínsito no art. 3º, nº 1 do CPC, e visa a protecção do exercício de acção e de defesa, permitindo a discussão entre as partes quanto a uma determinada questão e antes da tomada de decisão pelo juiz.
Consequência deste princípio é a proibição de decisões-surpresa, por estas se entendendo aquelas que são tomadas sem que as partes tenham podido acautelar a sua posição ou discutir a solução jurídica preconizada na decisão.
Citando o Ac. TRL de 8-05-2014, relatora Ondina Carmo Alves, proc. 568/12.9TVLSB.L1-2, “… tem sido pacífico na jurisprudência o entendimento de que, apenas se está perante uma decisão surpresa, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou até quando a decisão coloca a discussão jurídica num diferente plano daquele em que a parte o havia feito. Mas, não pode esse princípio ser levado tão longe que esqueça que as partes são representadas por técnicos que devem conhecer o direito e que, por isso, conhecendo ou devendo conhecer os factos, devem igualmente prever todas as qualificações jurídicas de que os mesmos são susceptíveis – v. neste sentido e a título meramente exemplificativo, Acs. do STJ de 29.09.1998 (Pº 98A801) de 27.11.2011 (Pº 02A1353), de 11.03.2010 (Pº 1860/07.0TVLSB.S1) e de 27.09.2011 (Pº 2005/03.0TVLSB.L1.S1), todos disponíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt”.
Face à importância do princípio do contraditório, a sua violação constitui nulidade, nos termos e para os efeitos do art. 195º do CPC.
No caso dos autos, constata-se que a decisão recorrida foi proferida após as partes terem sido ouvidas e terem dito oportunidade de se pronunciarem sobre a questão em apreço, a qual já vinha a ser debatida nos autos há largos anos.
Por outro lado, a discordância dos apelantes com a decisão tomada ou a invocação de irregularidades não constituem qualquer violação do principio do contraditório, uma vez que não se inserem no conceito de decisão surpresa referida, o que determina a improcedência, nesta parte, da alegação dos apelantes.

3.Da inexistência de encarregado de venda:

Sustentam os apelantes que não foi nomeado encarregado de venda nos autos, o que “impossibilita a venda do imóvel, pois não existe ‘mandatário’ nomeado e com poderes para o efeito”.
Por forma a apreciar esta questão, há que relembrar que a presente execução deu entrada em juízo em 9/05/2007, tendo a venda por negociação particular sido determinada a 9/12/2010.
Donde, e no que se refere concretamente a esta questão, a mesma terá de ser apreciada à luz das normas processuais então em vigor, atendendo à data em que foi proferido o despacho que determinou a venda por negociação particular.
Com efeito, e não obstante o despacho recorrido ser datado de 2018 e também se referir à venda, vem esse despacho na sequência de vários actos processuais, iniciados em 2010, na diligência de venda por propostas em carta fechada, que se gorou.
Nessa data, estava em vigor o CPC anterior a 2013, aprovado pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as actualizações decorrentes das alterações relativas ao processo executivo.
Nos termos do art. 895º, nº 2 do CPC vigente à data, na falta de proponentes ou de aceitação das propostas, tem lugar a venda por negociação particular, referindo o art. 905º que, “ao determinar-se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efectuar”, sendo o agente de execução pode ser encarregado da realização da venda “por acordo de todos os credores e sem oposição do executado, ou, na falta de acordo ou havendo oposição, por determinação do juiz” (cfr. nº 2 do art. 905º).
No caso dos autos, constata-se que no dia em que foi realizada a diligência de abertura de propostas por carta fechada para venda do bem penhorado foi determinada a venda por negociação particular, tendo a Agente de Execução nomeada nos autos efectuado todas as diligências reportadas nos autos com vista a efectivar a venda, sem que se tenha existido um despacho a determinar que a mesma exerceria as funções de encarregado de venda.
Poder-se-á dizer que, por esse motivo, não existe encarregado de venda, como defendem os apelantes?
Parece-nos que não.
Na verdade, manda a lei que o juiz determine a venda por negociação particular e indique quem exerce as funções de encarregado de venda, por forma a que se possam concluir as diligências de venda.
Todavia, sendo o auto de venda omisso nessa indicação, mas tendo o Agente de Execução efectuado todas as diligências necessárias, prosseguindo com a venda, a par dos demais termos da execução, temos de concluir que as funções de encarregado de venda foram desde 2010 exercidas pelo Agente de execução nomeado nos autos.
Tal circunstância tem de levar a que se considere sanada qualquer irregularidade que existisse relativamente à sua nomeação.
Acresce que os executados estavam presentes na diligência de venda (embora sem se encontrarem representados por Mandatário), nada tendo requerido quanto a essa matéria, e ainda que o primeiro acto do seu Mandatário constituído após essa venda se destinou a refutar o valor base de venda, sem que tenha suscitado essa questão, apenas o vindo a fazer posteriormente.
Mais se dirá que a inexistência da aludida nomeação em nada inquina os actos praticados pelo Agente de Execução, porquanto estas funções de venda se inserem no âmbito das suas funções gerais previstas no CPC, o que sempre determinaria a possibilidade da sua nomeação como encarregado de venda a todo o tempo, não levando a mesma a qualquer irregularidade na venda.
Por outro lado, considerando o histórico constante do sistema Citius e a análise dos actos praticados pelo Agente de Execução não se pode concluir, como fazem os apelantes, que não tenham sido praticados actos destinados à venda ou que os mesmos não sejam do conhecimento das partes.
Donde, impõe-se concluir que a irregularidade adveniente da falta de menção à nomeação de encarregado de venda nos autos foi sanada mediante a prática dos actos de venda pelo Agente de Execução e pela arguição tardia dessa irregularidade, o que determina, nesta parte, a improcedência da apelação.

4.Do valor de venda do imóvel e da necessidade de realização de perícia para apurar esse valor:

Para os executados, o despacho recorrido viola o disposto no art. 812º, nº 3 do CPC, na medida em que afastou o valor base anteriormente fixado, devendo a venda ser precedida de avaliação pericial para averiguar o valor de mercado do imóvel.
Antes de mais, há que referir que o CPC actual entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, sendo o mesmo aplicável a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor, tal como resulta do art. 6º, nº 1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho.
Assim, estando a presente execução pendente em 1 de Setembro de 2013, a partir dessa data passou a ser-lhe aplicável o Novo CPC, pelo que são estas as regras aplicáveis ao despacho recorrido, que fixou o valor a atender para venda, datado de Dezembro de 2018.
Nos termos do art. 795º do CPC, “O pagamento pode ser feito pela entrega de dinheiro, pela adjudicação dos bens penhorados, pela consignação dos seus rendimentos ou pelo produto da respetiva venda”.
Por seu turno, o art. 811º do CPC estabelece as várias modalidades da venda, estabelecendo a venda mediante propostas em carta fechada, como a venda judicial por excelência.

A venda por negociação particular que ora nos ocupa tem consagração no art. 832º do CPC que determina que a mesma acontece:
“a)- Quando o exequente propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo executado e demais credores;
b)- Quando o executado propõe um comprador ou um preço, que é aceite pelo exequente e demais credores;
c)- Quando haja urgência na realização da venda, reconhecida pelo juiz;
d)- Quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite;
e)- Quando se frustre a venda em depósito público ou equiparado, por falta de proponentes ou não aceitação das propostas e, atenta a natureza dos bens, tal seja aconselhável;
f)- Quando se frustre a venda em leilão eletrónico por falta de proponentes;
g)- Quando o bem em causa tenha um valor inferior a 4 UC”.

No que aos autos diz respeito, foi determinada a venda por negociação particular face à ausência de propostas aquando da diligência de abertura de propostas em carta fechada.
Como já referido, entendem os apelantes que o despacho recorrido viola o disposto no art. 812º, nº 3 do CPC.

Dispõe este preceito que a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender, tendo a decisão tem como objecto a modalidade da venda e o valor base dos bens a vender, referindo-se no nº 3 que “O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a)- Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b)- Valor de mercado”.

Antes de mais, haverá que salientar que o valor base de venda em negociação particular do imóvel penhorado foi fixado em Maio de 2018, tal como decorre de 15. dos factos assentes, nos termos do qual, a 23 de Maio de 2018, a Agente de Execução comunicou aos autos a publicitação da venda por negociação particular do bem penhorado, apresentando como Valor Base: € 175.000,00; Valor de Avaliação: € 71.800,00; Valor da Venda: € 148.750,00 e data da Venda: 2018-07-09 14:00.

Verifica-se, pois, com meridiana clareza, que não se mostra violado o art. 812º, nº 3 do CPC, nem o despacho recorrido se assume como um despacho ao abrigo deste preceito, mas sim como um despacho autorizando a venda por um valor inferior ao publicitado.

Acresce que o valor de venda ao exequente foi fixado em € 74 200,00, face ao valor patrimonial do imóvel, indicado pelo Agente de Execução como sendo de € 73 790,00, pelo que sempre este valor obedeceria ao preceituado no nº 3 do art. 812º.

Refira-se ainda que tem sido pacifico na jurisprudência o entendimento segundo o qual, na ausência de propostas no âmbito da diligência de venda de imóvel penhorado por propostas em carta fechada, e sendo, em consequência, determinada a venda por negociação particular, pode esta vir a ser efectuada por valor inferior ao valor base publicitado, não estando limitada ao valor mínimo estabelecido no art. 816º, nº 2 do CPC, sem prejuízo da necessidade de se fixar um valor base, salvo se houver acordo de todos os interessados, cfr. decorre dos art. 812º, nº 3 e 832º, als. a) e b) do CPC. Neste sentido, vide Ac. TRE de 08-03-2018, relator Albertina Pedroso, proc. 7867/11.5TBSTB-B.E1.

Por outro lado, no caso de venda por negociação particular, o Agente de Execução, caso pretenda que a mesma se faça por valor inferior ao anunciado, apenas necessita de prévia autorização do tribunal na ausência de acordo de todos os interessados, tendo, neste caso, o tribunal recorrido optado por dar essa autorização.

Saliente-se que, para autorizar uma venda por valor inferior, deve o tribunal ponderar as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o tipo de imóvel, sua localização e estado de conservação, necessidade de licenciamentos camarários ou de realização de obras de grande envergadura, valor patrimonial, avaliações efectuadas, valores de mercado da zona, oscilação dos mercados e conjuntura económica, valor das propostas eventualmente apresentadas, tempo decorrido desde o início das diligências de venda e insucesso das mesmas e demais elementos relevantes no caso concreto.

Ora, no caso dos autos, da análise de todo o histórico referido nos factos assentes, e que aqui nos abstemos de reproduzir, verifica-se que a decisão do tribunal recorrido se mostra acertada, permitindo a venda do imóvel por valor superior ao seu valor patrimonial e após ter salvaguardado todas as possibilidades de obtenção de um valor mais elevado, que se revelou impossível, nomeadamente face à ausência de propostas superiores durante cerca de 8 anos.
No que diz respeito à necessidade de a decisão em causa ser precedida de uma avaliação efectuada pelo tribunal, torna-se necessário referir que esta avaliação não é imposta por lei, podendo ser efectuada sempre que o juiz assim o entenda, mormente face às divergências entre o valor patrimonial e os valores de venda de mercado da zona onde se insere o prédio a vender ou quando exista um qualquer outro motivo atendível.

Da análise dos autos extrai-se que o tribunal recorrido dispunha de todos os elementos necessários para decidir o valor de venda final do bem, não se podendo entender que a decisão tenha sido precipitada ou menos ponderada, devendo ser precedida de quaisquer outras diligências, em particular a perícia pretendida.

Ao invés, determinar a realização dessa perícia redundaria num atraso injustificável dos autos, não sendo despiciendo recordar que a fase de venda se prolonga desde Dezembro de 2010.

Consequentemente, e por se entender que não era necessária uma prévia avaliação ao imóvel antes de proferir o despacho recorrido e que este decidiu em conformidade com os elementos constantes dos autos e de acordo com as regras processuais aplicáveis, conclui-se pela improcedência também desta parte da apelação.

Concluindo, e uma vez que a decisão recorrida não merece qualquer censura, improcede a apelação.

IV.DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
*


Lisboa, 24 de Setembro de 2019


(Ana Rodrigues da Silva)
(Micaela Sousa)
(Cristina Silva Maximiano)