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AMPLIAÇÃO DO RECURSO
ADMISSIBILIDADE
CONTRATO DE TRANSPORTE
Sumário
- A admissibilidade da ampliação do recurso nos termos do nº1 do artigo 636º do CPC está reservada para os casos em que a parte vencedora tenha decaído em algum dos diversos fundamentos alegados e quer prevenir a necessidade da sua apreciação. Já se o decaimento se reportar a um pedido principal ou subsidiário que tenha sido formulado, não é através da ampliação do âmbito do recurso que o interessado poderá promover a reapreciação da decisão no segmento em que saiu vencido, mas mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado”. - Enquanto o comum dos contratos não têm efeitos em relação a terceiros (artigo 406º, nº2, do Código Civil), princípio da relatividade dos contratos traduzida pela máxima latina «res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest», já os contratos de transporte têm por regra uma estrutura triangular formada pelo carregador, transportador e destinatário, “três centros de interesses diferenciados mas complementares” (1), independentemente de se saber se é ou não um contrato a favor de terceiro.
Texto Integral
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. (…) , S.L., pede nesta ação declarativa a condenação solidária das rés (..) e (…), no pagamento da quantia de 29.261,56€, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, tendo liquidado os vencidos em 3.684,55€, com base no incumprimento do contrato de transporte terrestre internacional de mercadorias que teve por objecto a deslocação por terra de polvo, pois que a 1ª ré não procedeu à entrega da mercadoria ao destinatário indicado na declaração de expedição, o que sucedeu porque foi entretanto emitida nova declaração de expedição de tal mercadoria, da qual consta como transportadora a ré (…), declaração esta que é falsa, sendo a mercadoria descarregada em local diferente daquele indicado pela autora na declaração de expedição.
As rés contestaram por excepção e impugnação.
Em síntese, além de arguirem a prescrição do direito invocado pela demandante, alegaram que o contrato de transporte não foi estabelecido com a autora, mas com o destinatário da mercadoria, e que a autora não sofreu qualquer prejuízo pois ao entregar a mercadoria à transportadora deixou de ser proprietária da mesma, não podendo responsabilizar as rés pelo incumprimento do contrato de compra e venda.
Findos os articulados, foi realizada uma audiência prévia, no decurso da qual foi saneado o processo e proferido o despacho a que alude o artigo 596.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, após o que prosseguiram os autos para julgamento, que culminou com a prolação da sentença final, absolvendo a ré (..) do pedido da ação e condenando a ré sociedade (…) no pagamento à autora da quantia de 29.261,56€ (vinte e nove mil duzentos e sessenta e um uros e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 5%, desde 28/07/2017 até ao efectivo e integral pagamento.
II. Recorreram da sentença final a ré (...) e, subordinadamente, a autora.
Conclusões do recurso da ré (…) (recurso principal)
a) O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida a fls. (…), a qual julgou totalmente procedente a presente ação contra a 1. ª Ré X e, em consequência, condenou-a a proceder ao pagamento à Autora da quantia de Euros 29.261,56, acrescida de juros de mora à taxa de 5%, contados desde 28 de julho de 2017, até integral e efetivo pagamento; b) Em primeiro lugar, refira-se que a sentença recorrida é nula, na medida em que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre todos os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados e relativamente aos quais foi produzida prova (artigo 40.º da Petição Inicial e 9.º da contestação); c) Apesar de i) a presente ação ter como causa de pedir o incumprimento do contrato de transporte e ii) de ser facto controvertido no âmbito da presente ação que partes acordaram entre si o transporte do polvo, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre tal matéria; d) Não consta de nenhum ponto da matéria de facto a quem o referido adquirente da mercadoria à Autora solicitou a prestação dos serviços de transporte, se à 1.ª Ré ou à 2.ª Ré Transportadora ...; e) Nem da matéria de facto não provada (que apenas incide sobre a data do transporte), nem da fundamentação da sentença recorrida (que apenas se refere “à transportadora”) se consegue concluir quem o Tribunal a quo considerou ser contraparte do adquirente no contrato de transporte; f) Pretender inferir-se que, se o Tribunal a quo condenou a 1.ª Ré, tal condenação deverá decorrer do facto de o Tribunal a quo ter considerado que o adquirente do polvo contratou o transporte com a 1.ª Ré X, tal conclusão tem por base a própria condenação, o que não se revela admissível, sob pena de violação de todos os princípios que regulam o processo civil. g) Sem prejuízo do acima exposto, caso o Tribunal a quo se tivesse efectivamente pronunciado sobre a matéria alegada pelas partes, nomeadamente, a matéria alegada nos artigos 40.º da petição inicial e 9.º da contestação, tinha concluído que foi a 2.ª Ré Transportadora ... quem foi contactada pelo adquirente da mercadoria para efetuar o transporte, a qual por sua vez subcontratou a 1.ª Ré X; h) Tal factualidade está provada pelas declarações de parte do legal representante da Ré, pelo depoimento da testemunha M. F. e pelas declarações de parte da legal representante da Autora, nos termos melhor transcritos nas presentes alegações, sendo que, o Tribunal a quo expressou a sua convicção, durante o interrogatório à testemunha, no mesmo sentido; i) Em face do exposto, e uma vez que a factualidade relativa à identificação das partes contratantes do transporte é matéria essencial à decisão da causa, requer-se seja a matéria de facto aditada, mediante a alteração da alínea W) da factualidade provada, nos seguintes termos: “A realização do transporte foi solicitado pelo adquirente da mercadoria à 2.ª Ré Transportadora ..., a qual, por sua vez atribuiu o serviço à 1.ª Ré X”. j) Acresce ainda que, o Tribunal a quo deveria ainda ter tido em conta os factos instrumentais que resultaram da instrução da causa, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil; k) No caso sub judice, a legal representante da Autora, nas declarações por si prestadas e acima transcritas asseverou que o adquirente da mercadoria, M. S., com quem a Autora contratou e a quem vendeu a mercadoria, lhe confirmou ter efetivamente recebido a mercadoria, conforme aliás resulta das suas declarações acima transcritas; l) Na medida em que nos presentes autos se discute o incumprimento do contrato de transporte, a efetiva entrega da mercadoria é relevante para a decisão da causa, pelo que deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo; m) Ainda com relevância para a decisão da causa, ficou demonstrado nos autos que a mercadoria foi vendida pela Autora ao comprador M. S., “… Work”; n) Tal facto resulta provado das declarações da legal representante da Autora que confirmou ter “vendido a mercadoria à porta da fábrica” - conforme declarações acima transcritas e devidamente identificadas -, bem como dos documentos n.º 4 e 5 junto com a petição inicial; o) Em face do exposto, e uma vez que os dois factos acima descritos são muito relevantes para a decisão da causa, sempre o Tribunal a quo deveria tê-la incluído na matéria de facto provada, pelo que se requer o seu aditamento nos seguintes termos: “X) O adquirente da mercadoria, M. S., com quem a Autora contratou e a quem vendeu a mercadoria, confirmou à Autora que tinha efetivamente recebido a mercadoria e Z) A Autora vendeu a mercadoria à porta da sua fábrica, onde o adquirente da mesma a foi levantar; p) Sem prejuízo do que antecede, e mesmo que assim não se entendesse, sempre se diga que o direito da Autora está já prescrito; q) Entendeu o Tribunal a quo que “ à luz dos factos provados é manifesto que a 1.ª Ré X agiu com negligência grosseira”, vindo a concluir que o comportamento negligente da Recorrente deve ser equiparado ao dolo, por aplicação do regime do artigo 798º do Código Civil (e por essa razão, entender aplicar-se o prazo de três anos de prescrição aos caso de neglicência); r) Ora, salvo o devido respeito que o Tribunal a quo lhe merece, não se pode aceitar que sejam aplicadas as regras do instituto da responsabilidade civil à prescrição, porquanto cada um dos institutos tem regras, finalidades e naturezas jurídicas distintas que impedem qualquer equiparação ou analogia; s) As regras da prescrição e mais precisamente dos prazos que originam a sua verificação visam precisamente garantir a segurança do trafego jurídico, evitando que os cidadãos fiquem à mercê do tempo e da atuação (ou não) de terceiros, principio, aliás, consagrado constitucionalmente; t) A Convenção da CMR prevê expressamente um prazo de três anos nos casos de dolo, pelo que, não poderá admitir-se o alargamento de tal prazo também para as situações de negligência, na medida em que, a legislação nacional, não prevê tal equiparação; u) Veja-se no sentido ora defendido e expressamente sobre esta matéria, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de janeiro de 2009, proferido no âmbito do processo (disponível em www.dgsi.pt); v) Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, diga-se que, ainda assim, nunca a 1.ª Ré poderia ter sido condenada nos termos em que o foi, uma vez que, conforme resulta da matéria de facto provada, o contrato foi celebrado entre a 2.ª Ré Transportadora ... e o adquirente da mercadoria; w) A 1.ª Ré X, enquanto subcontratada, é apenas responsável perante a 2.ª Ré Transportadora ..., pelo cumprimento das obrigações de transporte, sendo que esta, por sua vez, responde perante o expedidor. x) Com efeito, bastará atentar-se quer nas normas da Convenção CMR quer no artigo 368.º do Código Comercial para se concluir que é a 2.ª Ré Transportadora ..., quem responde perante o expedidor da mercadoria, como se ela própria tivesse executado o transporte, tendo, porém, direito de regresso sobre o seu subcontratado, no caso a 1.ª Ré X, e aqui Recorrente, caso esta não venha a cumprir as suas obrigações de transporte, conforme aliás resulta do artigo 3.º da Convenção CMR; y) Aplicando-se tal regime ao caso em apreço, sempre se concluirá que a 1.ª Ré não pode ser diretamente responsável perante a Autora, terceira entidade face à relação de transporte estabelecida entre a 2.ª Ré (transportadora) e o adquirente da mercadoria (expedidor e destinatário); z) Caso, porém, assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, diga-se que, ainda assim, a presente ação improcede totalmente, porquanto, o Tribunal a quo não aplicou corretamente, nem as regras previstas na Convenção CMR relativas ao contrato de transporte, nem interpretou adequadamente a doutrina e jurisprudência que se têm debruçado sobre a relação de transporte; aa) E mesmo que se admita que o contrato de transporte foi celebrado entre a 1.ª Ré e o adquirente da mercadoria - o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio - ainda assim nunca se poderia concluir que a 1.ª Ré responde perante a Autora pelos prejuízos a esta causados, porquanto, a Autora não assumiu nem a qualidade de expedidora, nem de destinatária no contrato de transporte; bb) Dito de outra forma, tendo o Tribunal a quo considerado provado que a Autora assumiu a mera posição de carregadora da mercadoria, nunca poderia ter condenado a 1.ª Ré a responder perante a Autora, uma vez que a “posição de carregadora de mercadoria”, na dinâmica do contrato de transporte, não é suscetível de ser juridicamente tutelada; cc) Com efeito, o contrato de transporte, atenta a natureza de contrato a favor de terceiro, é suscetível de tutelar, em determinadas circunstâncias, a posição do terceiro destinatário da mercadoria, uma vez que o contrato não só não se considera efetivamente cumprido, enquanto o destinatário não receber a mercadoria, como também existe interesse do expedidor e do destinatário na respetiva entrega; dd) Contudo, é a apenas a posição do destinatário (quando não seja parte no contrato) que a doutrina e jurisprudência entendem que pode ser tutelada (e não a posição de qualquer terceiro, estranho ao contrato de transporte); ee) Pretender como pretende o Tribunal a quo, tutelar a posição de um mero carregador da mercadoria (que àquela data já nem proprietário da mesma era) é claramente ir muito para além da tutela prevista na Convenção CRM; ff) Salvo melhor opinião, o Tribunal a quo errou ao considerar que, em função da natureza tripartida do contrato de transporte, o conceito de terceiro é suscetível de englobar qualquer outra realidade, para além do expedidor e do destinatário, conclusão que não tem qualquer apoio nem na letra da lei, nem nas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais; gg) A mera expetativa do carregador de que o contrato de transporte seja cumprido nos exatos termos em que consta da declaração de expedição, não merece tutela jurídica; hh) Caso porém assim não se entenda, sempre será necessário averiguar se era a Autora (ou o adquirente da mercadoria) quem tinha direito a dispor da mesma durante a execução do contrato, e nessa medida se a 1.ª Ré incumpriu o contrato por ter entregue a mercadoria noutro local que não o indicado na declaração de expedição; ii) À luz da Convenção CMR, só o expedidor da mercadoria pode dela dispor durante a execução do contrato de transporte, pelo que qualquer instrução nomeadamente relativa à alteração do destino ou ao tempo de entrega só podia ser transmitida pelo expedidor (no caso o adquirente da mercadoria) à 1.ª Ré X, conforme aliás resulta do n.º 1 do artigo 12.º da Convenção CMR; jj) Assim, na medida em que a Autora não foi a expedidora da mercadoria, não era a Autora quem podia transmitir qualquer instrução à 1.ª Ré X, durante a execução do contrato de transporte, devendo ter previsto que o adquirente da mercadoria (e expedidor) podia, a todo o tempo, alterar os termos do transporte e, nomeadamente, substituir a declaração de expedição; kk) Após o carregamento, a Autora tinha que ter equacionado a possibilidade de perder o controlo sobre a mercadoria, bem como tinha que ter conhecimento que não tinha direito a solicitar a devolução da mercadoria, caso esta, viesse a sofrer uma qualquer vicissitude durante o transporte; ll) Assim, estando a figura do expedidor, adquirente da mercadoria e parte contratante do transporte todos reunidos na pessoa do comprador do polvo, só este (e apenas este) tinha direito de dispor da mercadoria, dar instruções durante o transporte e exigir a assunção de responsabilidade perante um qualquer incumprimento do contrato; mm) Por outro lado, conforme resulta da prova produzida ficou acordado entre as partes que a venda seria efetuada “…-work”, ou nas palavras da legal representada da Autora, “à porta da fábrica”; nn) O contrato de compra e venda tem no direito português natureza real quoad effectum, operando-se neste sentido a transmissão da propriedade, em regra, por mero efeito do contrato. No caso em apreço, dever-se-á concluir que a transferência da propriedade do bem (5000kg de polvo) se verificou no momento em que a Autora disponibilizou o polvo ao adquirente nas instalações daquela, não tendo a Autora, a partir desse momento, mais qualquer direito de reclamar a devolução da mercadoria ou exigir a sua não entrega; oo) O Tribunal a quo errou ao ter desconsiderado os termos em que foi efetuada a compra e venda, porquanto, caso tivesse atentando na prova produzida, sempre teria concluído que a Autora, não sendo a proprietária da mercadoria, nem tendo celebrado qualquer contrato de transporte, não tem qualquer legitimidade para exigir uma indemnização pelo facto de não ter recebido o preço da mercadoria; pp) Por fim, diga-se que não se verificou, ademais, qualquer incumprimento do contrato, na medida em que o próprio expedidor e destinatário da mercadoria confirmou à Autora que tinha recebido a mercadoria, conforme resulta da matéria aditada à factualidade provada; qq) Assim, e uma vez que as obrigações da Recorrente foram integralmente cumpridas perante aquele que contratou o serviço (pois este confirmou a receção da mercadoria), e sendo a Autora estranha ao contrato de transporte, não pode a Autora reclamar da Recorrente os prejuízos resultantes do facto de o adquirente da mercadoria não ter pago o respetivo preço;
Nas contra-alegações, a autora/recorrida Frigiríficos R. V. pugna pela manutenção do julgado, e nos termos do nº2 do artigo 636º do Código de Proc. Civil amplia o âmbito do recurso, pedindo a condenação da 2ª ré Transportadora ... no pagamento à autora da quantia de 29.261,56, acrescida de juros de mora à taxa de 5%, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;
No recurso subordinado, a autora pretende obter a condenação solidária das rés, terminando com as seguintes conclusões:
1. A Autora interpõe o presente recuso impugnando a matéria de facto e a matéria de direito, por entender que devem ser ambas as Rés condenadas no pagamento à Autora da quantia de 29.261,56 Euros, acrescida dos respectivos juros de mora. 2. Entende a Autora/Recorrente que o Tribunal a quo devia ter dado como provada, como se pretende, a matéria alegada nos artigos 26º e 62º da petição inicial. 3. Caso o Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre o teor da matéria alegada nos artigos 26º e 62º da petição inicial, tinha, naturalmente, decidido que ambas as Rés devem ser condenadas. 4. Os factos que demostram a responsabilidade de ambas as Rés resultam das declarações de parte do legal representante da X, Lda., F. S. e do depoimento das testemunhas arroladas pelas Rés, M. F. e M. C.. 5. O legal representante da Ré X, F. S., nas suas declarações referiu que a empresa Transportadora ... está subdividida em várias empresas, como seja a X que está afecta ao transporte de frios, sendo que a Transportadora ... é a empresa de referência, a empresa registada no mercado. 6. Como se pode verificar do CMR junto a fls. 15 dos autos, quem figura como transportadora é a Transportadora ..., facto que o legal representante da X não soube justificar. 7. Por sua vez, a testemunha M. F., referiu que trabalhou para a Transportadora ... até há cerca de cinco meses atrás e que fazia serviços de facturação, clientes e gestão, compreendendo esta última o recebimento de pedidos e solicitação de serviços, que dividia pelas várias empresas. 8. Acrescentou que foi ele quem designou o motorista M. C. para fazer o transporte em causa nos autos, o que demostra que tem toda a legitimidade para dispor dos funcionários da Ré X. 9. Isto revela que as sociedades Transportadora ... e X se encontram entre si numa relação de participação recíproca, de domínio ou de grupo. 10. Mais referiu que procedeu à emissão da factura e que elaborou o CMR de fls. 15 antes do camião arrancar. 11. Referiu que o camião que fez o transporte era da X, mas quem fez o transporte foi a Transportadora .... 12. Segundo a testemunha o facto de existir um CMR em nome da X e outra em nome da Transportadora ... prende-se com transportes sucessivos, em que podem intervir várias empresas. 13. No entanto, a matrícula do camião e do reboque coincide nas duas CMR, além de que, o motorista foi o mesmo. 14. A testemunha M. C., motorista que conduziu o veículo que fez o transporte, referiu no seu depoimento que teve uma relação profissional com a Transportadora ... e que agora está a trabalhar noutra empresa do mesmo grupo. 15. Referiu ainda quem lhe entregou o CMR de fls. 15 foi o seu chefe, M. F.. 16. No entanto, conforme resulta das declarações do mencionado M. F. este, à data dos factos, era funcionário da Transportadora .... 17. Pelo que, a serem empresas autónomas, conforme se tenta fazer crer, não faria qualquer sentido que um funcionário da Transportadora ... fosse o chefe de um funcionário da X. 18. Os depoimentos das testemunhas indicadas pelas Rés demonstram, sem margem para dúvida, que a Transportadora ... e a X trabalham no âmbito de uma grupo empresarial, do qual fazem parte, em conjunto e comunhão de esforços. 19. Além de que, conforme facilmente se depreende do depoimento das testemunhas M. F. e M. C. (um funcionário da Transportadora ... e outro da X) o CMR de fls. 15 foi emitida e utilizado por ambos, sem o conhecimento e consentimento da Autora, do qual consta qual consta que a mercadoria alegadamente sairia da empresa M. S., Lda., local onde nunca chegou, com o destino à empresa denominada Y Lda., sita em Vila Nova de Cerveira. 20. Do depoimento do legal representante da X, Lda. e das testemunhas M. F. resulta com evidência que as Rés fazem parte de um grupo empresarial, trabalhando, assim, em conjunto e comunhão de esforços. 21. Um grupo empresarial consiste em empresas que fazem parte de uma estrutura organizativa, onde existem relações recíprocas de domínio e em grupo, com serviços partilhados de vários departamentos. 22. Além de que, foram os funcionários das Rés quem emitiram e utilizaram o CMR de fls. 15 dos autos, sem o conhecimento e consentimento da Autora. 23. Pelo que, o Tribunal a quo devia ter dado como provada, como se pretende, a matéria alegada nos artigos 26º e 62º da petição inicial. 24. Sendo que, nos termos do disposto no artigo 3º da Convenção Relativa ao Contrato de Transportes Internacionais de Mercadorias por Estrada “Para a aplicação da presente Convenção, o transportador responde, como se fossem cometidos por ele próprio, pelos actos e omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorra para a execução do transporte, quando esses agentes ou essas pessoas actuem no exercício das suas funções.” 25. Por sua vez, o nº 1 do artigo 17º da Convenção Relativa ao Contrato de Transportes Internacionais de Mercadorias por Estrada, refere que “O transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora na entrega”. 26. O contrato de transporte apenas se considera cumprido com a entrega da mercadoria – contrato de resultado -, o que, neste caso, não aconteceu. 27. Acresce que, “Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos causados” – artigo 490º do Código Civil. 28. Sendo que, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 497º “Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.” 29. Por conseguinte, as Rés X e Transportadora ... devem ser ambas condenadas a pagar solidariamente à Autora os prejuízos por esta sofridos, ou seja a quantia de 29.261,56 Euros, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. 30. A douta decisão recorrida violou e viola, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 3º, 17º nº 1 da Convenção Relativa ao Contrato de Transportes Internacionais de Mercadorias por Estrada e os artigos 490º e nº 1 do 497º, ambos do Código Civil.
Na resposta, as rés concluem que i) a recorrente não beneficia do prazo adicional de 10 dias para a interposição do recurso subordinado porquanto não impugna substancialmente da matéria de facto, uma vez que os factos que pretende aditar já se encontram provados nas als D) e P); ii) que não ficou provado que entre as rés exista uma relação societária de grupo tal como é definida nos artigos 488º e ss do Código das Sociedades Comerciais e iii) não há lugar ao pagamento solidário da indemnização nos termos dos artigos 499º e 497º do CC, porque são normas relativas à responsabilidade civil extracontratual/delitual, e o que está em discussão é a responsabilidade contratual, não podendo a autora a “meio do jogo” alterar a causa de pedir.
III. Decisão de facto proferida em 1ª instância:
Factos Provados
A) A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na produção e congelação de produtos frescos, peixe, mariscos e legumes.
B) Por sua vez, a Ré X é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto, entre o mais, consiste nos transportes nacionais e internacionais de mercadorias.
C) De igual forma, a Ré Transportadora ... é uma sociedade anónima cujo objecto consiste nos transportes nacionais e internacionais rodoviários de mercadorias.
D) As referidas rés pertencem ao mesmo grupo empresarial.
E) No dia 25/05/2014, a Autora recebeu um telefonema por parte de um senhor que se denominou de M. S., o qual referiu que estava a telefonar de uma empresa Portuguesa denominada M. S., Lda., NIF …, com sede na Rua …, Zona Industrial das … São João da Madeira, questionando se a Autora vendia polvo.
F) Nesse momento, a legal representante da Autora disse ao mencionado M. S. que deveria solicitar por correio electrónico as informações que pretendesse em relação à venda do polvo, tendo-lhe facultado o respectivo correio electrónico.
G) No dia 27 de Maio de 2014, a Autora recebeu um correio electrónico subscrito por M. S. a solicitar preços relativos a determinados tamanhos de polvo, indicando no seu e-mail os dados da empresa que solicitava a encomenda do dito polvo.
H) A Autora respondeu por e-mail ao dito M. S., indicando os tamanhos e preços detalhados do polvo.
I) Em 28/05/2014, a Autora recebeu um novo correio electrónico por parte da mesma pessoa - M. S. - no qual solicitava uma encomenda de 10.000 Kg.
J) No dia 30/05/2014, a Autora respondeu ao dito M. S. tendo-lhe disponibilizado 5.000 Kg de polvo.
K) No dia 05/06/2014, compareceu nas instalações da autora um veículo (camião) de matrícula MS, com reboque …, ao serviço da empresa de transportes "X, Lda.", para recolher a quantidade do polvo encomendado, que foi nessa data colocado à disposição do transportador.
L) Nesse dia, a Autora preencheu nas suas instalações a declaração de expedição internacional de fls. 14 verso, a que corresponde o CMR nº …, em que consta como expedidora e que mencionava como destinatário/lugar de entrega a empresa denominada M. S., Lda., com sede em S. João da Madeira, Portugal, tendo tal declaração sido assinada pela legal representante da Autora e pelo condutor do camião, para ser posteriormente assinado pela empresa que receberia o polvo, ou seja, M. S., Lda..
M) A declaração referida em L) tinha como objecto o transporte de 468 caixas de polvo congelado, com o peso bruto de 5118 Kg.
N) A Autora emitiu ainda um documento com o seu nº de alvará, a identificação do destinatário da mercadoria, a matrícula do camião e respectivo reboque que procederia ao transporte, tendo o condutor do veículo pesado de mercadorias assinado o dito documento e aposto e seu número de identificação civil no mesmo.
O) A mercadoria referida em M) nunca chegou ao destinatário indicado pela autora – M. S., Lda., nem foi entregue no local indicado na CMR referida em L) e nem foi devolvida, tendo sido descarregada num local que não havia sido indicado pela Autora.
P) Sem o conhecimento e consentimento da Autora, foi emitida uma declaração de expedição pela Ré Transportadora ... da qual consta tal ré como entidade transportadora e que a mercadoria alegadamente sairia da empresa M. S., Lda., local onde nunca chegou, e com destino à empresa denominada Y, Lda., sita em Vila Nova de Cerveira.
Q) Na dita declaração de expedição foi aposta uma assinatura no local onde refere assinatura e carimbo de expedidor que não corresponde a ninguém da empresa de onde alegadamente a mercadoria havia sido expedida (M. S., Lda.), sendo uma assinatura falsa.
R) O CMR referido em L) não está assinado pela entidade que deveria receber a mercadoria - M. S., Lda..
S) A mercadoria que a Autora entregou à 1ª Ré ascende à quantia de 29.261,56 Euros.
T) Posteriormente, a legal representante da Autora enviou, por correio electrónico, ao dito M. S., e por correio postal, à empresa para onde a mercadoria se destinava, ou seja, M. S., Lda., a factura da mercadoria e o alvará.
U) A Autora entregou a mercadoria à Ré X no pressuposto de a mercadoria ser entregue na empresa "M. S., Lda." e só permitiu que a mercadoria fosse carregada com a indicação expressa no CMR que o seu destinatário seria a empresa M. S., Lda..
V) Em 17 de Junho de 2014, o legal representante da autora solicitou cópia da CMR que acompanhou a mercadoria com a assinatura do destinatário.
W) A realização do transporte foi solicitado pelo adquirente da mercadoria.
Factos Não Provados
1. No dia 3 de junho de 2014, o Senhor M. S., em representação/em nome da sociedade M. S., Lda., contactou a ré Transportadora ..., solicitando-lhe a realização de um transporte de 6 paletes de polvo congelado à temperatura de -20.º.
2. Aquando da contratação do serviço de transporte, o adquirente da mercadoria indicou ao Departamento Comercial da ré Transportadora ..., telefonicamente, que pretendia que a mercadoria fosse entregue à destinatária no dia 05/06/2014, o que a R. Transportadora ... aceitou.
3. A mercadoria transportada pela ré X foi colocada à disposição da M. S., Lda., no dia 5 de junho de 2014.
4. A declaração referida em P) foi emitida pelas rés com o objectivo de não entregarem a mercadoria no lugar convencionado.
IV. Cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso principal: i) nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre os factos alegados nos arts 40º da p.i. e 9º da contestação; ii) ampliação da matéria de facto; iii) prescrição do direito da A.; iv) determinação dos sujeitos do contrato de transporte cujos interesses devem ser tutelados à luz do regime da CMR; v) incumprimento do contrato de transporte e interesses tutelados; Objecto do recurso subordinado: i) aquisição dos factos alegados nos arts 26º e 62º da p.i.; ii) responsabilidade solidária das rés pelo crédito peticionado na ação por aplicação dos artigos 3º e 17º, nº1, da CMR e arts 490º e 497º, nº1, do Código Civil.
1. Da invocada extemporaneidade do recurso subordinado.
A ré/recorrente X alega ser extemporâneo o recurso subordinado por ter sido interposto após os 30 dias subsequentes à notificação da autora do recurso principal, e não haver lugar à aplicação do prazo adicional de 10 dias previsto no nº7 do artigo 638º do C. Proc. Civil em virtude de a matéria impugnada (a dos artigos 26º e 62º da p.i.) já se encontrar incluída no acervo provado sob as als d) e p).
Essa questão não merece provimento, porquanto a decisão de facto não abrange toda a matéria alegada no item 26º da p.i., pois apenas contempla na alínea d) que “as referidas rés pertencem ao mesmo grupo empresarial”, sendo omissa relativamente ao segmento “as rés trabalham em conjunto e comunhão de esforços”.
O nº2 do art. 662º, do CPC, autoriza a aquisição em sede recursiva de factos alegados pelas partes que não constem da decisão recorrida, e mau grado a parte que reclama essa ampliação não tenha o ónus de observar todas as formalidades da impugnação exigidas pelo artigo 640º (não está em causa propriamente um erro de julgamento), tem a conveniência e a prerrogativa de fazer a indicação dos elementos que devem ditar a ampliação, e se neles está compreendida prova gravada (como é o caso) então nenhuma razão válida obsta a que o prazo de interposição do recurso seja acrescido dos 10 dias previstos no nº7 do artigo 638º - se a pretensão da recorrente deve ser indeferida por se tratar de matéria conclusiva (tese das rés) isso é uma questão que deve ser relegada para a apreciação do mérito do recurso.
2. Ampliação do recurso requerido pela ré com base no nº1 do art. 636º.
Acautelando a procedência do recurso principal na parte em que se reclama a absolvição da demandada X com fundamento no facto de se dever considerar como provado que “a realização do transporte foi solicitada pelo adquirente da mercadoria à 2ª ré Transportadora ..., a qual, por sua vez, atribuíu o serviço à 1ª ré X”, a autora vem requer a ampliação desse recurso em conformidade com o artº 636º do CPC, pedindo a condenação da Transportadora ..., na medida em que a 1ª ré X, a ter sido subcontratada, responde tão só perante quem lhe solicitou o transporte.
A admissibilidade da ampliação do recurso nos termos do nº1 do artigo 636º do CPC está reservada para os casos em que a parte vencedora tenha decaído em algum dos diversos fundamentos alegados e quer prevenir a necessidade da sua apreciação. Como refere A. Geraldes “se acaso o tribunal ad quem reconhecer razão aos fundamentos invocados pelo recorrente, pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que também se pronuncie sobre as questões que oportunamente esgrimiu e que foram objecto de resposta favorável. Já se o decaimento se reportar a um pedido principal ou subsidiário que tenha sido formulado, não é através da ampliação do âmbito do recurso que o interessado poderá promover a reapreciação da decisão no segmento em que saiu vencido, mas mediante impugnação autónoma ou recurso subordinado” (Recursos no Novo Código de Processo Civil, ed. 2013, pág. 91).
A decisão recorrida não oferece resposta desfavorável ou favorável sobre o fundamento ora evocada pela autora/recorrida para requerer a ampliação do recurso, simplesmente porque não foi alegado. O decaimento da autora na ação circunscreve-se unicamente ao pedido de condenação solidária das demandadas, que havia sido formulado com base no facto de se tratarem de sociedades que integram o mesmo grupo de empresas (questão que é aliás é também suscitada no recurso subordinado, com base nos arts. 490º e 497º, do Código Civil, pelo que será nessa sede que deverá ser objecto de apreciação).
3. A recorrente argui a nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº1, do artigo 615º do C.P.C,por omitir pronúncia relativamente à matéria alegada nos artigos 40º da p.i. e 9º da contestação, mais concretamente sobre a indicação da sociedade a quem foi solicitado o transporte (se à X se à Transportadora ...), verificando-se que a al. W) da decisão de facto refere apenas que “a realização do transporte foi solicitada pelo adquirente da mercadoria”
Quando o juiz omite pronúncia sobre alguns dos factos alegados, isso pode traduzir uma insuficiência da matéria de facto para a decisão da causa mas não a nulidade de julgamento da alínea d) do nº1, do artigo 615º do Cód. Proc. Civil (2), pois o que verdadeiramente constituem questões que o tribunal deve resolver são “os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704).
Ademais, a ideia que verdadeiramente interessa reter é que a insuficiência da matéria de facto para a decisão de mérito é uma patologia que, a existir, deverá ser suprida segundo o regime previsto no artigo 662º, isto é, por via da aquisição dos factos em falta (oficiosamente ou mediante reclamação das partes recursivas), se considerados indispensáveis.
Do mérito da impugnação da decisão de facto.
4. Consta da alínea w) do elenco dos factos provados que “a realização do transporte foi solicitada pelo adquirente da mercadoria”, e do ponto de vista da recorrente justifica-se a ampliação dessa resposta por forma a constar que “a realização do transporte foi solicitada pelo adquirente da mercadoriaà 2ª ré Transportadora ..., a qual, por sua vez, atribuiu o serviço à 1ª ré X”.
Analisando o texto da decisão recorrida, é apodítico que a ré X só é condenada no pedido da ação por lhe ter sido reconhecida a qualidade de transportadora contratada para o transporte, pressuposto que no entanto não se mostra expresso nos factos provados (3).
Não se pode chegar à conclusão pretendida com base na circunstância de o tribunal recorrido ter considerado não provado que tenha sido a sociedade Transportadora ... a sociedade contratada, pois se uma resposta negativa não afirma qualquer facto positivo tão pouco afirma o seu contrário. Por outro lado, da factualidade provada sob as als k), L) e N) apenas resulta que a ré X realizou o transporte, e não que tenha sido a sociedade adrede contratada pelo adquirente da mercadoria.
A questão que agora importa resolver é saber se a prova produzida conduz necessariamente a essa descrita situação de non liquet, ou se, ao invés, ela permite determinar com suficiente segurança qual a sociedade contratada, valendo a pena desde já apelar aos ensinamentos de Manuel de Andrade, para quem «a prova não é a certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 190/191).
Para obterem a referida ampliação da alínea W), a ré/recorrente apela às declarações de F. S. e de M. F. (cuja razão de ciência resulta das funções que exerciam no departamento de gestão da empresa), tendo eles referido que o caso dos autos obedeceu aos procedimentos habituais, ou seja, que os serviços de transporte inicialmente solicitados pelos clientes à Transportadora ... eram depois afectados e distribuídos às empresas que com ela mantinham estreita colaboração. Não é propriamente uma versão inverosímil, mas não se alcança o exigível e necessário patamar de segurança para a considerar provada, pois não existe documento alusivo ao contrato que corrobore as declarações da legal representante da ré e o depoimento da testemunha M. F. (4) (e não é razoável admitir-se que negócios dessa natureza não sejam documentados, por razões de segurança jurídica e de transparência contabilística das empresas).
A versão que reputamos como mais provável é no sentido de que não só a ré X realizou o transporte da mercadoria de Pontevedra (Espanha) para Portugal (facto não controvertido nos articulados), como também foi a sociedade com quem o adquirente da mercadoria celebrou o contrato de transporte, isso é o que deixa transparecer o teor da declaração de expedição junta a fls. 14v, intitulada CMR nº…).
E deve-se aproveitar o ensejo para, a título de resposta explicativa, se fazer ainda constar da mesma alínea w) que as partes convencionaram Vila Nova de Cerveira como local para a entrega da mercadoria (não se apurando porém o verdadeiro destinatário), dada a concordância entre a declaração de fls. 15 e as declarações prestadas em audiência por F. S., M. F. e, em particular, pelo motorista M. C. (asseverou que em V. N. de Cerveira foi recebido por uma pessoa que pensou ser o tal M. S. – mas não sabe se é essa a sua verdadeira identidade – que pagou o preço do transporte; e que, por razões logísticas, a mercadoria acabou descarregada num armazém da empresa J. P.). Era essa a obrigação a que a ré X se encontrava vinculada perante quem havia solicitado o transporte, não obstante constar da CMR que o destino da mercadoria seria a M. S., Lda, em S. João da Madeira, tudo sugerindo que essa indicação constituiu quiçá um artifício fraudulento ab inicitio utilizado por forma a que a vendedora R. V. entregasse o polvo à transportadora.
A decisão de facto não afirma a verdadeira identidade da pessoa (singular ou colectiva) que adquiriu a mercadoria e contratou os serviços à ré X, mas merece a nossa total concordância a convicção expressa pela Sr. Juíza na motivação na parte em que diz que a identidade da M. S. Lda foi usurpada e que com ela não foi realizado qualquer negócio. Os elementos probatórios dizem apenas que um tal M. S. se fez passar e actuar como legal representante dessa sociedade.
5. Não procede a alegação da ré na parte em que sustenta que, por estar em discussão o incumprimento do contrato de transporte, a entrega da mercadoria ao adquirente M. S. é um facto instrumental que deve ser incluído no acervo provado, confirmado que está pelo representante da autora em sede de audiência de julgamento.
Se esse facto é importante para a decisão sobre o mérito da causa então não pode ser qualificado como facto instrumental (a utilidade de factos dessa natureza esgota-se na formação da convicção do juiz relativamente aos factos essenciais ou complementares), e há razões que inviabilizam a sua aquisição: primeiro: é de flagrante fragilidade a prova produzida sobre esse ponto, pois tanto o representante legal da A. como a testemunha M. C. (motorista) desconhecem a verdadeira identidade da pessoa que com eles contactou e se fez passar por representante legal da M. S., Lda; segundo: é uma matéria que extravasa o alegado pelas partes nos articulados (5); 6. No recurso subordinado, a autora/recorrida reclama a inclusão no acervo provado da matéria alegada na p.i. sob os arts 26º - “a 1º e 2ª rés pertencem ao mesmo grupo empresarial, trabalhando, assim, em conjunto e comunhão de esforços” - e 62º - “ a 1ª e 2º réus, por si, ou através dos seus funcionários ou prestadores de serviços emitiram uma segunda declaração de expedição (CMR) sem conhecimento da autora, da qual consta que a mercadoria alegadamente sairia da empresa M. S., Lda, local onde nunca chegou, com destino à empresa denominada Y Lda, sita em Vila Nova de Cerveira”.
Soçobra essa pretensão, pois a matéria do art. 62º da p.i. consta da alínea p) dos factos provados, e a do artº 26º contém apenas conceitos de direito e formulações de índole conclusiva, sendo esse articulado da demandante totalmente omisso na alegação de factualidade que tenha a virtualidade de afirmar a existência duma relação de grupo de direito a que se referem os artigos 488º e ss do Cód. Sociedades Comerciais, ou que as sociedades rés actuem como um grupo empresarial de facto (situações que segundo alguma doutrina e jurisprudência justifica a solidariedade passiva dessas sociedades).
Conforme decorre dos artigos 488º a 490º do CSC, uma relação de grupo empresarial abrange as situações em que existe domínio de uma sociedade sobre outra(s) (inicial ou superveniente), contrato de grupo paritário (art. 492º CSC) ou um contrato de subordinação (arts. 493º a 508º do CSC), referindo a propósito J. Engrácia Antunes que é uma “particular forma de organização empresarial através da qual um conjunto de sociedades juridicamente independentes são subordinadas a uma direcção económica unitária ou comum” (6)
Concluindo: Exclui-se do acervo provado a matéria da alínea D), a alínea W) passa a ter a seguinte redação: “A realização do transporte de Espanha para Portugal foi solicitada/contratada à ré X pelo adquirente da mercadoria (pessoa concretamente não identificada que se fez passar por legal representante da M. S., Lda) situando-se em Vila Nova de Cerveira o local convencionado para a entrega”; e no demais, mantém-se a decisão da 1ª instância.
6. O direito.
O litígio respeita ao transporte internacional de 5118 de pulpo congelado, de Espanha para Portugal, relativamente ao qual foi emitida a declaração de expedição a que se reporta o documento de fls. 14v, indicando a autora “Frigorífico R. V.” como expedidora, a ré “X” como transportadora e a “M. S., Lda”, como destinatária.
A autora R. V. imputou à transportadora o incumprimento do contrato alusivo a esse transporte internacional por estrada, que alegou ter sido por ambas celebrado e formalizado em 5 de junho de 2014 por via da referida declaração de expedição (intitulada CMR nº. …), incumprimento que diz decorrer da circunstância de a mercadoria não ter sido entregue ao destinatário nem devolvida à expedidora, concluindo pela responsabilidade solidária das rés pelo pagamento da quantia peticionada, por se tratarem de sociedades que integram o mesmo grupo empresarial e terem actuado em conjunto e comunhão de esforços.
Não obstante se ter provado que “a realização do transporte foi solicitada pelo adquirente da mercadoria”, uma realidade bem distinta da alegada na p.i., ainda assim a decisão recorrida condenou a ré X no pedido por entender que esta se vinculou para com a A. ao transporte da mercadoria nos termos indicados na CMR “seja em atenção à adesão da A. ao contrato de transporte inicialmente celebrado com o destinatário da mercadoria (?), seja por virtude da relação contratual de facto que entre a autora e a ré se estabeleceu na sequência da emissão/aceitação da CMR”- absolvendo a 2ª ré Transportadora ... do pedido em virtude de os factos provados não revelarem com qualquer vínculo jurídico entre essa sociedade e a autora.
A recorrente X manifesta a sua divergência em relação a essa solução jurídica, e em síntese conclui: a A. não assumiu nem a qualidade de expedidora nem de destinatária no contrato de transporte (conclusão aa/); a mera posição de carregador da mercadoria não é juridicamente tutelada na dinâmica do contrato de transporte (conclusão bb/); apenas a posição do destinatário (quando não seja parte no contrato) é tutelada, e não qualquer terceiro estranho ao contrato de transporte (conclusão dd/); só o expedidor poderia dispor da mercadoria durante a execução do contrato nos termos do nº1 do artigo 12º da CMR (conclusão ii);
A razão está do lado da recorrente, embora isso não signifique a adesão a todos os argumentos/considerações de índole factual e jurídica que aduziu nas suas alegações e conclusões de recurso.
Vejamos:
A 1ª instância convocou para a resolução do litígio as regras da Convenção assinada em Genebra em 19.05.1956 (designada por CMR), aprovada em pelo DL nº. 46235, de 18.03.1965, a nosso ver corretamente, face ao disposto no artigo 1º, nº1, segundo o qual «a presente convenção aplica-sea todos os contratos de transporte de mercadorias por estrada a título oneroso por meio de veículos, quando o lugar do carregamento da mercadoria e o lugar da entrega prevista no contrato estão situados em dois países diferentes, sendo um destes, pelo menos, país contratante e independentemente do domicílio e nacionalidade das partes».
Enquanto o comum dos contratos não têm efeitos em relação a terceiros (artigo 406º, nº2, do Código Civil), princípio da relatividade dos contratos traduzida pela máxima latina «res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest», já os contratos de transporte têm por regra uma estrutura triangular formada pelo carregador, transportador e destinatário, “três centros de interesses diferenciados mas complementares” (7), independentemente de se saber se é ou não um contrato a favor de terceiro.
Com efeito, no quadro dessa relação jurídica de estrutura sinalagmática (8), inicialmente estabelecida entre o carregador e o transportador, a pessoa a quem devem ser entregues as coisas transportadas (destinatário) passa a ser titular de um complexo de direitos e obrigações após aderir ao contrato, que segundo a doutrina o tornam “interveniente juscontratual específico do contrato” (Engrácia Antunes, Direito Dos Contratos Especiais, 2ª reimpressão da ed. de 2009, p. 739), “figura dominante do contrato de transporte” (Costeira Rocha, Obra citada, pág. 151), bastando atentar nos contratos sujeitos ao regime legal da CMR as situações em que o destinatário tem direito de disposição da mercadoria e de fazer valer contra o próprio transportador os direitos que resultam do contrato de transporte (artigos 12º e 13º).
São apenas esses os intervenientes nucleares do contrato de transporte com estatuto jurídico tutelado na CMR (expedidor/carregador, transportador e destinatário), não tendo a autora nenhuma dessas qualidades não obstante ter entregue a mercadoria e toda a colaboração prestada no âmbito do seu carregamento e expedição, pois como refere em nota de rodapé José A. Engrácia Antunes (Obra citada, p. 739) o contrato de transporte torna-se válido e perfeito com a mera assunção das obrigações recíprocas de deslocação e pagamento do frete “pelo que os actos de entrega da coisa transportada …serão já actos de execução do contrato”.
O conceito jurídico de expedidor, “rectius” carregador(são termos que se referem a uma mesma figura jurídica, dizendo Costeira da Rocha, na obra citada, p. 144, 435ª nota de rodapé, que “na prática os dois termos são utilizados em sinonímia),reporta-se à pessoa que contrata o transporte e se obriga a pagar o preço/frete, posição que é indiferente à propriedade dos bens transportados e/ou ao contrato que lhe está subjacente, sendo o seu direito de disposição da mercadoria um dos efeitos do contrato.
Ora, anunciam os factos provados que o transporte foi contratado à X pelo adquirente da mercadoria, e a validade desse contrato não é afectada pela circunstância pela circunstância de não encontrar total correspondência na declaração de expedição (quanto à indicação de um dos intervenientes principais do contrato de transporte e ao destino convencionado para a entrega da mercadoria), pois dispõe o art. 4º da CMR que “a falta, irregularidade ou perda da declaração de expedição não prejudicam nem a existência nem a validade do contrato de transporte, que continua sujeito às disposições da presente Convenção”.
Eis as razões por que consideramos que a autora R. V. não goza de qualquer direito contratual em relação ao transportador, ainda que este tivesse incumprido o contrato de transporte que havia celebrado com o adquirente de mercadorias (conclusão que nem sequer os factos provados abonam), estando os seus direitos circunscritos ao âmbito do contrato de compra e venda que lhe subjaz.
Relativamente a um mesmo transporte não podem coexistir mais que uma pessoa com direito de disposição sobre a mercadoria (trata-se de um direito que pertence unicamente a quem contrata o transporte, ou ao destinatário na situação prevista no nº3 do artigo 12º da CMR, i.e, quando o expedidor inscrever tal indicação na declaração de expedição), pois uma pluralidade de expedidores poderia levar a interesses e ordens contraditórias sobre o destinatário da mercadoria.
Note-se que segundo o entendimento da decisão recorrida o transportador estava vinculado a entregar a mercadoria à pessoa indicada na declaração da expedição- M. S., Lda, S. João da Madeira (sociedade que, porém, reconhece nada ter que ver com a aquisição ou transporte/recepção da mercadoria) contudo a obrigação que impendia sobre a mesma transportadora relativamente à pessoa que a contratou para fazer o transporte era entregar a mercadoria em Vila Nova de Cerveira.
Nos termos expostos, impõe-se que a revogação da sentença na parte em que condenou a ré X no pedido.
E necessariamente deverá improceder o recurso subordinado interposto pela autora, porquanto é manifesto que falta a verificação dos pressupostos da responsabilidade solidária imputada às rés.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação:
a) Em não tomar conhecimento do objecto da ampliação do recurso principal requerida pela autora;
b) Em julgar improcedente o recurso subordinado;
c) Em julgar procedente o recurso principal da ré, pelo que revogam a sentença, com a consequente absolvição do pedido da ré X.
d) Custas pela autora.
TRG, 12 de setembro de 2019
1. Cfr. Francisco Costeira da Rocha, in O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág.68. 2. Conforme entendimento pacificamente acolhido pela doutrina e pela jurisprudência, a omissão dos fundamentos de facto só integra uma nulidade de julgamento (a prevista na al. b), do nº1, do artigo 615º), apenas quando essa omissão é total ou substancial. 3. Segundo o artigo 154º, nº1, do Código de Processo Civil, «as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, e o normativo do artigo 607º, nº3, do C. P. Civil determine ao juiz que descrimine os factos que considera provados. Como a propósito escreve A. dos Reis, «uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos» (Comentário, II-pág. 172), «uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base» (CPC anotado, volume V, pág. 139). E como refere o acórdão do TRG de 05.01.2017 (Maria João Matos), “sendo a decisão judicial um acto formal, - amplamente regulamentado pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nela contida -, «não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso» (art. 238º, nº 1 do C.C.).Concluindo, para a interpretação de uma sentença, «não basta considerar a parte decisória, cumprindo tomar em conta a fundamentação, o contexto, os antecedentes da sentença e os demais elementos que se revelem pertinentes, sempre garantindo que o sentido apurado tem a devida tradução no texto» (Ac. do STJ, de 26.04.2012, Maria do Prazeres Beleza, Processo nº 289/10.7TBPTB.G1.S1)”. 4. As rés pretenderam juntar em audiência de julgamento prova documental relativa à identidade do cliente que solicitou o transporte e aos termos do contrato, junção que, no entanto, foi indeferida por ser considerada extemporânea (decisão que não foi objecto de impugnação). 5. Segundo o princípio do dispositivo que informa o direito processual civil, cabe às partes alegar os factos que integram ou concretizam a causa de pedir ou as excepções deduzidas, e só desses factos o tribunal pode conhecer, salvo as excepções expressamente previstas no artigo 5º, nº2, b), do CPC (faz alusão à atendibilidade de factos complementares ou concretizadores alegados nos articulados, caso resultem da discussão da causa e tenha sido dada a possibilidade às partes de se pronunciarem), ónus de alegação que não pode ser substituído por outra via. Com o princípio do dispositivo está conexionado o princípio da auto-responsabilização das partes - “a negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz” (Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976-376)- e a determinação dos factos a apreciar, pois o Juiz “deve, especialmente, abster-se de admitir como existentes factos relevantes para a decisão da causa que não constem do processo – “quod non est in actis non est in mundo”- cfr. Prof. A. dos Reis in CPC Anotado, V-95. 6. Os Grupos de Sociedades, 2ª Edição, p. 278. 7. Cfr. Francisco Costeira da Rocha, in O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág.68. 8. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª edição, pág. 280.