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INDÍCIOS SUFICIENTES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO NA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Sumário
A queixa apresentada pelo IGFEJ é tempestiva se feita no período de 6 meses a partir do qual o queixoso teve conhecimento da verificação do crime. Havendo ausência “de indiciação dos factos (não se sabe o que sucederá após a entrega da informação), pela falta de alegação de factos (não se alega, porque não se sabe o que se seguirá ou qual o plano do uso da informação) e pela aplicação do princípio in dúbio pro reu (pois que se não se sabe o que irá acontecer e existindo uma variedade de actos que se podem suceder à obtenção da informação processual do citius sendo que se podem seguir actos ilegais, legais ou nenhuns) há que concluir pela falta de indícios suficientes da prática do crime de favorecimento pessoal ainda que na forma tentada; Se apenas se prova a consulta de documentos do “citius” e não a sua alteração não há crimes de falsidade informática. Há indícios de crime de acesso ilegítimo quando, embora os arguidos não hajam desvirtuado os documentos a que acederam, não estavam autorizados a aceder os mesmos; Pese embora os factos estejam indiciados, os mesmos são subsumíveis aos crimes de corrupção activa e passiva e não de crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem. As pessoas colectivas apenas podem ser responsabilizadas se: – O crime for cometido em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou – Que o crime seja cometido por quem aja sob a autoridade das pessoas com posição de liderança em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. Se alguém não foi mandatado pelos corpos sociais para intervir em processos pendentes nos Tribunais judiciais e não estava nas suas funções laborais intervir nos mesmos não tinha uma posição de liderança.
Texto Integral
Acorda-se na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Relatório
Inconformados com a decisão de pronúncia (parcial) produzida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal no âmbito do NUIPC …/… recorreram para este Tribunal da Relação o Ministério Público e o assistente AM…, concluindo, após motivação que:
- O Ministério Público:
1. O presente recurso versa sobre a decisão de não pronúncia de:
- Arguido JS… pelo crime de violação de segredo por funcionário;
- Arguido JS… pelo crime de favorecimento pessoal;
- Arguidos JS…, PG… e Benfica SAD pelo crime de falsidade informática e acesso ilegítimo;
- Arguidos JL…, PG… e Benfica SAD pelo crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem;
- Arguido JL… pelo crime de corrupção passiva;
- Sociedade arguida Benfica SAD por todos os crimes de que vinha acusada.
2. Isto porque, globalmente, a decisão apresenta-se insuficientemente fundamentada, com omissão de pronúncia relativamente a elementos sobre os quais obrigatoriamente se tinha de pronunciar e interpretações normativas contrárias ao Direito e à Lei na sua conjugação com os indícios. Da violação de segredo por funcionário
3. Não se pode concordar com a análise processual realizada e consequente errada aplicação do direito quando a decisão de não pronúncia se funda, nesta parte, no (eventual) não exercício tempestivo do direito de queixa.
4. Não se pode analisar a tramitação processual com o conhecimento que hoje se tem, mas com aquilo que na altura era conhecido.
5. Isto porque IGFEJ apenas teve conhecimento do facto, enquanto facto que constitui a prática de um crime, quando tal lhe foi comunicado a fls. 1113, em Março de 2018.
6. No início do inquérito (e ao longo do mesmo) foi solicitado ao IGFEJ, IP, o envio de elementos que permitissem perceber a origem dos acessos e identificação do agente, nunca tendo sido transmitido que se investigava o crime de violação de segredo por funcionário (até porque não se sabia na altura), nem quem seria o agente, até porque, relativamente ao agente, não se sabia de quem se tratava.
7. O IGFEJ sabia que havia uma investigação, na qual foram solicitadas informações, mas não conhecia os contornos de forma a ter noção do crime de violação de segredo por funcionário e, assim, elaborar a participação (art.º 383º, n.º 3 do Código Penal).
8. A informação confidencial a que se reporta o tribunal a quo na sua decisão como sendo o momento do conhecimento por parte do IGFEJ, mais não é do que resposta a informação pedida em inquérito no sentido de saber quem acedeu. Ou seja, para o IGFEJ tal informação era simplesmente informação solicitada num inquérito, desfasada de contexto.
9. Só quando se consolidaram os indícios da verificação do crime de violação de segredo por funcionário, foi efectuada comunicação ao IGFEJ (fls. 1113 em 08/03/2018) e só a partir desta data passou aquela entidade a conhecer a suspeita.
10. Mas nesta parte ocorre igualmente omissão de pronúncia, uma vez que mesmo que a argumentação do tribunal a quo fosse aceite, ainda assim a decisão teria de ser outra por subsistirem crimes praticados no prazo de seis meses anterior à apresentação de queixa.
11. A decisão instrutória não analisou, como se impunha, os factos praticados neste período de 6 meses que antecedeu a queixa (queixa apresentada a 26 de Julho de 2018, pelo que, recuando 6 meses, encontramos a data de 26 de Janeiro de 2018).
12. Nesse período, sempre teriam de se ter em conta nove acessos ao sistema CITIUS para pesquisa (acesso) a quatro inquéritos, um deles (…/…) que não se encontrava já em segredo de justiça, subsistindo um crime de violação de segredo por funcionário.
13. O Tribunal a quo efectuou errada interpretação processual ao considerar que o IGFEJ tinha conhecimento de elementos suficientes para apresentar participação logo a partir de Novembro de 2017, e
14. Omitiu a existência de crime dentro do período de 6 meses que antecedeu a participação (ainda que se atendesse à sua própria interpretação, existindo clara contradição interna da decisão).
15. A interpretação do tribunal a quo violou, assim, o art.º 115.º, do Código Penal, e art. 49.º, do Código de Processo Penal, assim como o art.º 379.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma.
Do favorecimento pessoal
16. O tribunal a quo não pronunciou os arguidos pelo crime de favorecimento pessoal por entender que não estavam verificados os seus pressupostos na acusação. Sucede que a decisão instrutória não analisou efectivamente a forma tentada do crime, uma vez que, pese embora a ela faça referência, na realidade analisou a tentativa como se de uma consumação se tratasse, entrando em clara contradição ao exigir para a tentativa a verificação dos mesmos indícios e preenchimento dos mesmos pressupostos do crime consumado.
17. Há omissão de pronúncia quanto à imputação do crime na forma tentada, decorrente da errada interpretação de direito (o tribunal não analisou a tentativa, limitando-se a repetir os requisitos do crime consumado. Fez breve referência à tentativa como se de consumação se tratasse). A mera referência doutrinária ao que é a tentativa para de seguida fazer cópia do atrás (na decisão) referido quanto ao crime consumado configura errada interpretação e falta absoluta de fundamentação que conduz, neste caso, a efectiva omissão de pronúncia.
18. A acusação imputa o crime a título de tentativa, que se encontra legalmente prevista.
19. O tipo incriminador, conforme previsto na lei, exige:
(1) um agente que, total ou parcialmente, actue de forma a impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente (o legislador, mesmo para a consumação, não exigiu um resultado «total», um completo impedimento, frustração ou ilusão. Tal poderia ser só parcialmente. Para a tentativa os actos de execução também podem visar apenas um resultado parcial. Este é o resultado pelo que os actos a praticar pelo agente terão de ter a aptidão a alcançá-lo, mas, como estamos no domínio da tentativa, não o conseguiram.
(2) com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, ou seja, tentando de alguma forma desvirtuar a prova ou outro meio para atingir esse fim.
20. Na acusação por crime na forma tentada têm de constar os requisitos do agente e elemento subjectivo. Quanto aos demais apenas se poderão imputar os actos de execução.
21. Ora a acusação diz o agente (JS…) que actuou com a intenção descrita nos factos 217 a 223.
22. Os factos da acusação 1 a 14 (enquadramento), 15 a 18 (contexto da actuação), 23 a 119 (condutas efectuadas) elencam os actos de execução realizados, entre eles e designadamente:
23. JS… acedeu a processos em que era visada a Benfica SAD e pessoas com ela relacionadas (entre outros acessos sem relevo nesta parte), actuação que permitiu obter informações de inquéritos criminais em que estava a ser investigada a Benfica SAD e elementos com ela relacionados.
24. Com tais acessos obteve-se informação que depois foi transmitida à Benfica SAD através de PG…: tal resulta da prova directa e das regras da experiência e do senso comum (quem acede a inquéritos a pedido de terceiros e lhes transmite informações, será de pressupor como lógico e única razão plausível que seja para utilizar tal informação para obstar a uma condenação através, por exemplo, da dissipação de prova).
25. Nesse sentido, descreve a acusação os acessos quanto ao:
- inq. n.º …/… (factos 115 a 119) – na sequência de pedido a PG… de pessoa que ia ser constituída arguida (HG…) pedido esse que PG… transmitiu a JS… que efectuou a pesquisa;
- Inq. n.º …/… (factos 62 e 63) quando após entrega em mão a PG…, de oficio solicitando informações dirigido a «LF…, Presidente do Sport Lisboa e Benfica SAD», PG… nessa tarde, transmite a JS…, o número do inquérito a que este acede nesse mesmo dia pelas 17:30 horas;
- Inq. n.º …/…: (factos 56 a 58): após solicitação a colaboradores da Benfica SAD, por correio electrónico e no âmbito de inquérito, de informação, PG… transmitiu o número do processo a JS…, tendo este acedido ao mesmo no dia 25 de agosto de 2017
- Inq. n.º …/… (o mais relevante para esta situação) (factos 84 a 92 da acusação): investigação à SL Benfica - Futebol SAD por eventual «esquema de corrupção na arbitragem para beneficiar o Benfica», inquérito a que JA…, utilizando as credenciais que não lhe pertenciam «MP…», acedeu inúmeras vezes, dele retirando, pelo menos numa ocasião, histórico do processo contendo, designadamente, a identificação dos denunciados (PeG…, AM… e Sport Lisboa e Benfica, SAD), conclusão e remessa dos autos à Unidade Central de Lisboa- Juízo de Instrução Criminal, conclusão ao juiz …, devolução dos autos ao DIAP, conclusão à magistrada titular, informação da remessa dos autos ao OPC para investigação e respectivo prazo, crime indiciado. Tal histórico foi entregue a PG… que o guardou no seu gabinete no próprio Estádio da Luz até o mesmo ser apreendido.
26. Assim, percebemos a sequência habitualmente seguida: processo chega ao conhecimento da Benfica SAD e de PG…, este solicita a JS… que efectua as pesquisas necessárias e transmite a informação da existência do inquérito e dos dados que consegue ir obtendo.
27. Ora, esta conduta configura os actos de execução necessários ao crime de favorecimento pessoal na forma tentada.
28. A acusação contém assim todos os elementos constantes do tipo, na forma tentada, pelo que deveria ter sido outra a decisão instrutória.
29. Assim, a decisão instrutória incorreu nos vícios de omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), errada interpretação do direito e falta de fundamentação.
Da falsidade informática e acesso ilegítimo
30. O Tribunal a quo, por um lado, efectuou errada interpretação de direito ao considerar que os factos indiciados não configuravam falsidade e, por outro lado, incorreu em omissão de pronúncia quanto ao crime de acesso ilegítimo, imputado expressamente na acusação, em concurso aparente, nada dizendo quanto ao mesmo, quando se impunha que se pronunciasse.
31. Quem introduz num sistema informático dados, por exemplo, dados em que se faz passar por outra pessoa, ou criando uma realidade informática que não tem correspondência com a realidade física, pratica o crime de falsidade informática, pois dessa forma cria dados informáticos não genuínos, como aliás tem vindo a ser entendido pela jurisprudência.
32. Vamos atentar no histórico do inq. n.º … apreendido no gabinete de PG… no Estádio da Luz (fls. 43 e ss.).
33. Tal documento (físico) apresenta como sendo seu autor AP… (visível na parte inferior do documento), o que não corresponde à verdade.
34. Temos um documento físico, cuja informação está incorrecta, documento que foi gerado informaticamente.
35. Quando JS… acedeu ao sistema informático com dados de acesso de outra pessoa, dentro desse sistema, deu indicação que se tratava dessa outra pessoa e o sistema registou no sistema que era AP… ou MC… que estavam a executar as operações.
36. Tais dados informáticos são registados pelo próprio sistema, incorporando-os nas informações do próprio sistema (neste caso nos logs) e ficando para sempre essa informação (dados informáticos) no sistema como se correspondessem à realidade física.
37. Se passássemos ao formato físico os dados informáticos armazenados no sistema, o que obteríamos seria documentos como o histórico atrás citado ou as informações de logs que constam do apenso A, ou ainda as pesquisas de fls. 1597 e ss..
38. Para o tribunal a quo tal crime não ocorreu por não produzir dados e documentos não genuínos. Ora, tal só se poderá ficar a dever a uma incorrecta interpretação de direito quanto ao que é o crime de falsidade informática e a errada percepção da realidade.
39. Quem se autentica, fazendo-se passar por outra pessoa, está a introduzir dados não genuínos, iludindo o sistema informático e, dessa forma, cria documentos informáticos não genuínos.
40. O documento físico não é necessário para o cometimento da falsidade informática, mas se atentarmos aos documentos informáticos que foram impressos e que constam dos autos (fls. 43 e ss., 1597 e ss. e apenso A) são ilustrativos do que sucede virtualmente quando inserimos dados não genuínos num sistema informático.
41. E o elemento subjectivo que o tipo prevê também se retiram da acusação, em especial dos artigos 232 e ss.
42. Mas, ainda que assim não se entendesse (quanto à falsidade informática), a acusação imputa quanto aos mesmos factos, em concurso aparente, o crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6.º, da Lei do Cibercrime.
43. Na própria decisão instrutória fazem-se inúmeras referências aos acessos ilegítimos: «O que está em causa, no caso concreto, é saber se a inserção no sistema informático CITIUS e noutros sistemas informáticos do Ministério da Justiça, das credenciais de acesso – com nome de utilizador e palavra passe – pertencentes a terceiros, mas de acesso a tais sistemas, com o objectivo de consultar processos sem para tal estar autorizado. (…) Ora o acesso efectuados no sistema, nos termos agora em causa e descritos na acusação, com credenciais em nome de terceiros e sem autorização dos mesmos»).
44. A acusação coloca expressamente a falsidade informática em concurso aparente com o crime de acesso ilegítimo, descreve os acessos, quem acedeu, as datas e locais, os acessos através de credenciais de terceiros e o elemento subjectivo.
45. Ainda assim, o tribunal nada disse.
46. Devem ser os arguidos pronunciados pelo crime de falsidade informática e, caso assim não se ententa, ser declarada a omissão de pronúncia quanto ao crime de acesso ilegitimo, substituindo-se a decisão de não pronúncia por despacho de pronúncia quanto a este crime.
Oferta ou recebimento indevido de vantagem (art.º 10.º-A, da Lei n.º 50/2007, de 31 de Agosto).
47. O tribunal a quo incorreu em errada interpretação e aplicação do tipo incriminador ao não pronunciar os arguidos pelo crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, fundando a não pronúncia no entendimento que os factos descritos na acusação não integravam tal ilícito.
48. A interpretação seguida na decisão instrutória atribuiu ao crime de recebimento indevido de vantagem requisitos que os vários limites interpretativos (histórico, teleológico, sistémico, gramatical e lógico) não permitem.
49. O crime de recebimento indevido de vantagem surgiu no ordenamento jurídico através do Código Penal, com o Projecto de Lei 220/XI, no qual se referia que a censura ético-social recai sobre a solicitação ou aceitação de vantagem não devida, relevando aqui a perigosidade inerente à criação de condições que possam conduzir ao cometimento do favor, lícito ou ilícito. Deste modo, a vantagem não necessita de estar referida a uma determinada actuação funcional, mas apenas ao exercício de funções em geral.
50. Já o crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem em contexto desportivo decorre da Lei n.º 13/2017, de 02 de Maio, teve origem, entre outros, nos projectos de lei n.º 355/XIII e 365/XIII, para introduzir reforços muito relevantes no combate a estas práticas ilícitas, através da inclusão do crime de oferta ou recebimento indevidos e para melhor adequar este regime especial às alterações que haviam sido introduzidas no Código Penal.
51. No espírito do legislador esteve então a ideia de reforçar e efectivar a repressão de práticas potencialmente antidesportivas, assim como criar alguma congruência com o regime geral previsto no Código Penal e também alvo de alteração anteriormente (no que ao crime de recebimento indevido de vantagem importa).
52. O tipo penal previsto no Código Penal não se restringe “à vantagem para o exercício do serviço”, mas inclui amplamente qualquer vantagem atribuída “por causa” da titularidade da função pública do funcionário”, com o objectivo de criar o chamado “clima de simpatia” ou “permeabilidade” quando “à luz dos critérios da experiência comum, a simples dádiva”, atendendo a determinados factores, como o valor exagerado, as circunstâncias em que ocorreu e a pessoa de quem proveio, “não se mostre justificável de outro modo, assumindo, inequivocamente, o aludido significado de criar um clima de “permeabilidade” ou “simpatia” para posteriores diligências” (como citado na decisão sob recurso).
53. Sistematicamente, podemos afirmar que o crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem mostra-se previsto no Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos o qual prevê outras formas de corromper agente desportivo para além deste crime, designadamente no seu art.º 8.º - corrupção passiva.
54. O legislador teve intenção de diferenciar a corrupção da oferta ou recebimento e, por isso, contrariamente ao crime de oferta ou recebimento, a corrupção exige a ligação a um qualquer acto ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva.
55. Estão assim abrangidas realidades distintas nestes tipos incriminadores, sendo que na oferta ou recebimento a lei prevê que a aceitação ou solicitação pode ser por via indirecta, não tem de haver ligação a qualquer acto, em especial a acto ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva, e a abrangência temporal abrange condutas passadas, presentes ou futuras, pois a pretensão perante o agente desportivo pode já ter ocorrido, estar a ocorrer ou vir a ocorrer.
56. Paradoxalmente, o tribunal a quo exigiu para a oferta ou recebimento indevido de vantagem requisitos e impôs critérios que não constam do art.º 10.º-A, mas antes do art.º 8.º, violando a letra da lei, o espírito do legislador e o diploma em si, enquanto elemento sistemático.
57. A actuação tem de ser no âmbito do exercício das funções ou por causa delas, o agente que a aceita ou solicita tem que ter tido, ou de ter ou de poder vir a ter ligação a pretensão de quem oferece, ligação essa dependente do exercício dessas funções (n.º 1, d art.º 10.º-A) de agente desportivo.
58. A vantagem pode derivar directamente do exercício das funções ou pode ser por causa dessas funções (via indirecta ou mais distanciada da concreta função desempenhada). Desta forma a expressão «dependente do exercício» tem de se conjugar com «por causa da função».
59. De salientar a distinção fundamental entre função e acto, pois enquanto para a corrupção é necessária a existência de um acto do agente, tal não é elemento do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem.
60. Na oferta ou recebimento não é necessária a prova de qualquer acto, mas tão só da função e tem de haver ligação entre a função e a vantagem, mas essa ligação é só com a função ou por causa dela e não com qualquer específico acto praticado ou a praticar.
61. O tribunal a quo impõe a existência de um nexo contrário à natureza do crime, sendo, quando muito, uma exigência se estivéssemos perante corrupção desportiva.
62. JL… é observador (agente desportivo), a Benfica SAD é sociedade anónima desportiva (pessoa colectiva desportiva) e ambos fazem parte de competições desportiva, todos na área do futebol, conforme definido no artigo 2.º, do diploma, nas alíneas e), f) e g) – o que não é colocado em causa na própria decisão sob recurso.
63. Da documentação elencada na acusação, assim como aquela junta com os RAI, em especial de PG… e JL…, assim como das declarações da testemunha JF… em sede de inquérito, das declarações de JL… em instrução, tudo conjugado, resulta que este último foi árbitro de futebol profissional, foi observador de futebol profissional, incluindo de jogos do Benfica, à data dos factos era observador da vertente não profissional do futebol[1], que inclui jogos da formação e de futsal e abrangem jogos do Benfica[2], nada impedindo que JL… regresse aos jogos profissionais no futuro. SL Benfica SAD disputa competições de futebol, quer profissional masculino sénior, quer não profissional, designadamente os seus escalões jovens.
64. O Tribunal parte do princípio errado que tem de existir nexo de causalidade entre a função exercida e o acto de recebimento e para isso enfatiza as funções à data dos factos de observador de JL…, concluindo que seria necessário que o mesmo observasse jogos do Benfica e fosse essa a causa do recebimento de vantagens.
65. Tais requisitos reportam-se, no entanto, ao crime de corrupção e não ao crime que foi imputado na acusação.
66. Ainda assim sempre estaria preenchida tal conduta como se verá, mas importa igualmente realçar a nitidez da errada interpretação: o tipo incriminador não se limita às funções e pretensões actuais, podendo as mesmas ser passadas, presentes ou futuras.
67. Ora, em qualquer espaço temporal abrangido, no caso, sempre haveria ligação entre a função e as ofertas, ligação entre a área da arbitragem e as competições em que a arguida SAD participou, participa e participará (é lógico, de conhecimento comum, é referido na acusação).
68. Dos autos resulta a clara ligação entre a função de JL… e a relação com PG… e a Benfica SAD.
69. JL… foi árbitro até 2000 e após, até 2016, observador de árbitros na vertente do futebol profissional, nessas funções observou jogos da Benfica SAD, passando em 2016 a observador de futebol não profissional e, nessas funções, não deixou de poder observar jogos do Benfica, mas agora das camadas jovens, nada impedindo de voltar a ser observador do futebol profissional.
70. Ou seja, não deixou de ser observador de árbitros, de estar sempre ligado à arbitragem, agente desportivo para efeitos do diploma legal.
71. Mesmo que se aderisse à tese que fundamentou a decisão instrutória, ainda assim teríamos o nexo entre a função e as ofertas.
72. O interesse em aliciar observador (não é elemento do tipo mas ajudará a compreender a motivação e a relação com a função) era derivado das suas funções e por causa delas: o observador já tinha tido intervenção em arbitragens de jogos da Benfica SAD, poderia vir a intervir, estava em secção na qual podia observar jogos dos escalões jovens da sociedade desportiva.
73. Acresce que, «por causa das funções», JL… possuía conhecimentos profissionais, quer das pessoas, quer de decisões: veja-se as situações de HF… (desvalorizado na decisão), do acórdão do Conselho de Disciplina (que notoriamente não era público mas pouco relevou para a decisão), do árbitro JoF… (JF) – que recebeu conselhos jurídicos de elemento da Benfica SAD - , os contactos das pessoas pesquisadas na base de dados da Segurança Social, JL… avaliava jovens árbitros, conhecia-os, árbitros que no futuro, se tivessem boas avaliações, passariam a outro escalão e a arbitrar jogos profissionais, como do Benfica.
74. Tais situações não são necessárias ao preenchimento do tipo, mas ajudam a compreender o interesse na permeabilidade.
75. E saliente-se, novamente, que JL… não está acusado de corrupção desportiva, mas antes de recebimento indevido de vantagem por se pretender, por parte dos oferentes PG… e Benfica SAD, que estivesse indevidamente permeável aos interesses da sociedade.
76. Veja-se quanto à permeabilidade e simpatia funcionais criadas em JL… descritas na acusação, as ocorrências necessárias ao crime – ofertas – motivadas em particular pelas informações transmitidas (arts. 177.º a 184.º).
77. O crime em causa, de oferta ou recebimento indevido de vantagem está construído como um crime de mera actividade, mais propriamente de perigo, visando o legislador reprimir não um resultado mas uma conduta que possa vir a causar um resultado, a lesão do bem jurídico. É uma protecção antecipada pela existência de condutas que são, por si só, perigosas e podem (potencialidade não certeza) vir a atingir a verdade desportiva.
78. A vantagem e como diz Damião da Cunha, citado na decisão instrutória, «pode considerar-se indevida quando não haja justificação nenhuma, ou razoavelmente convincente, para a sua percepção» e pode decorrer das funções ou ser por causa delas (conforme impõe o art.º 10.º-A em análise).
79. Nos autos (factos descritos na acusação e suficientemente indiciados, assim como os que decorreram em sede de instrução das próprias declarações dos arguidos) temos que a relação mais próxima de PG… com JL… se iniciou num jogo no ano de 2015, na Madeira, no qual JL… era observador do árbitro que apitou um jogo da Benfica SAD.
80. A relação continuou e como resulta da prova, PG… e JL… foram trocando informações relacionadas com a arbitragem, algumas delas que ainda não eram do conhecimento público, assim como PG…, por intermédio de JL…, prestou conselhos jurídicos a árbitro da categoria na qual a Benfica SAD se encontra, entre outras informações.
81. A relação era assim uma relação directamente ligada à função de observador de arbitragem (por parte de JL…) e de elemento da estrutura directiva de um clube (por parte de PG…).
82. As ofertas ou solicitações surgem neste contexto e são ofertas ou solicitações que também estão demonstradas: ofertas de camisolas e convites e pedido de ajuda junto de instituição bancária patrocinadora do clube de futebol.
83. Não há qualquer justificação lógica nem na prova, nem na decisão instrutória (nem sequer a decisão tenta justificar as ofertas) que permitam inferir que as mesmas são devidas.
84. Estamos assim perante ofertas e solicitações indevidas e solicitadas no âmbito de relação profissional entre agente desportivo (observador de arbitragem) e elemento da estrutura directiva de clube desportivo, todos da área do futebol.
85. A decisão limita a dois parágrafos a análise crítica conjugada dos factos e do direito.
86. Diz-se na decisão que «a contrapartida que a acusação conexiona com tais actos, são os convites, bem como duas camisolas (…)». Mais refere a decisão que só importam as ofertas posteriores a 03/05/2017, posteriores à entrada em vigor do crime.
87. Reiteramos a diferença entre acto/ função e corrupção/ oferta ou recebimento indevido de vantagem.
88. A acusação não conexiona actos e convites, uns não são causa ou efeito de outros, contrariamente ao referido na decisão. O que acusação faz é descrever o contexto, a relação.
89. Há oferta de bilhetes e camisolas e solicitação de ajuda com banco. Esta é a conduta. O contexto é a função ou «por causa da função», função essa ligada à arbitragem.
90. Quanto aos factos ocorridos antes da entrada em vigor da lei, não deixam de ser relevantes, não para se imputar mais crimes, mas para o contexto da relação que não nasceu com a entrada em vigor da lei, não nasceu a 03/05/2017, mas anos antes, em especial no ano de 2015 quando JL… foi observador do árbitro que dirigiu um jogo em que o clube Benfica SAD era interveniente.
91. O crime basta-se com a solicitação (ou aceitação) de vantagem, não sendo necessária a concretização da mesma, pelo que se basta, no caso, para além das ofertas de convites e camisolas, com a mera solicitação feita por JL… a PG… para este interceder junto do banco em questão relacionada com a esposa e solicitação que não foi negada.
92. Mais alicerça-se a decisão no argumento que as conversas entre PG… e JL… não têm susceptibilidade de afectar a verdade desportiva.
93. Repetindo, o crime não o exige, as conversas são contexto para as ofertas e não actos em si. A relevância do acto seria se estivéssemos perante o crime de corrupção.
94. Estes elementos («conversas») servem para contextualizar e demonstrar o tipo de relação existente entre os arguidos. Não serve para a prova de qualquer acto de corrupção previsto no art.º 8.º, porque não é esse o crime imputado.
95. Mais refere a decisão, ainda quanto às conversas: «na segunda situação, não há indício que aquele árbitro, cuja classificação estaria em causa, tenha tido qualquer relação ou influência em jogo do SLBenfica, ou que tivesse susceptibilidade de ter numa situação futura, que o Ministério Público não indicou» (novamente frisa-se a relevância da distinção entre acto e função, a natureza de crime de perigo abstracto, a confusão entre corrupção e oferta ou recebimento patente na decisão).
96. Ainda assim diremos, rebatendo tal fundamento, que o árbitro não tinha de arbitrar jogos do Benfica para o favorecer, pois o favorecimento poderia advir do prejuízo para adversários. A argumentação não é coerente com qualquer lógica, com a percepção da realidade e da experiência comum.
97. Mas como não estamos perante corrupção em que o acto seria relevante, o erro de percepção da realidade do tribunal a quo é irrelevante (ou seria não fosse demonstrar a errada interpretação efectuada e andamos sempre à volta do acto e da função) e diga-se a acusação não tinha de indicar qualquer acto futuro pois o acto não é elemento do tipo.
98. Apesar de considerarmos que o acto não é relevante, no caso, ainda assim sempre seriam bastante relevantes as conversas desvalorizadas na decisão instrutória e mesmo na interpretação do crime feita pelo tribunal tais conversas permitiam o seu preenchimento.
99. Veja-se que a conversa sobre HF… é tão relevante que JL… disse que ia ficar atento e PG… tratou de obter dados pessoais do mesmo.
100. E a conversa sobre JF, o facto de um árbitro da primeira categoria, que arbitrou e iria arbitrar jogos do Benfica e de adversários, receber conselhos jurídicos da parte de elemento da estrutura directiva de um clube, por intermédio de elemento ligado à arbitragem (JL…), ajuda essa para o mesmo se manter na mesma categoria e continuar a arbitrar jogos da competição da qual a Benfica SAD faz parte, elemento esse que foi recebendo ofertas provenientes da Benfica SAD e fazendo solicitações a PG….
101. Criando uma relação perigosa, permeável e, no mínimo, de simpatia desajustada e indevida.
102. Quanto ao elemento subjectivo, o tribunal a quo entendeu que a acusação não contém todos os elementos do tipo subjectivo e não contém porque o tribunal, ao arrepio da lei, entende que estamos perante um dolo específico, quando a lei não o exige (veja-se fls. 124 da decisão).
103. Não pode o tribunal a quo impor elementos subjectivos que o legislador não previu, nem quis prever. O aplicador não se pode substituir ao legislador, sem justificação constitucionalmente admissível, violando o princípio da separação de poderes.
104. Quer o n.º 1, quer o n.º 2 do art.º 10.º-A, do regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva, exigem dolo genérico (art.º 14.º, do Código Penal).
105. A argumentação da decisão instrutória é incongruente com o crime imputado na acusação.
106. O crime imputado é de oferta ou recebimento indevido de vantagem, um crime de mera actividade, o resultado não será uma lesão, mas o risco de lesão (é que o tipo nem é sequer um crime de aptidão, abstracto-concreto), não se podendo confundir, como sucedeu na decisão sob recurso, o bem jurídico protegido, com os elementos próprios do tipo incriminador.
107. Incorreu assim a decisão em errada aplicação do direito, não só pela interpretação incorrecta, mas também pela violação do princípio constitucional da separação de poderes ao pretender impor num tipo incriminador, dolo específico que o legislador não quis nem previu.
Do crime de corrupção passiva imputado a JL…
108. Relativamente ao arguido JL…, discordamos da não pronúncia quanto ao crime de oferta e recebimento indevido de vantagem, como atrás referido, assim como quanto ao crime de corrupção passiva.
109. Corresponde a uma correcta avaliação o afirmado na decisão instrutória quanto à falta de ligação de alguns elementos de prova a JL…: efectivamente as testemunhas, mesmo quando o referem, não o indiciam ou não têm conhecimento directo de factos que possam ser tidos em consideração, as informações do IGFEJ não reflectem a actuação de JL…, as escutas não são, por si só e neste caso, decisivas.
110. O que a decisão omite é a prova que faz a ligação de JL….
111. Neste tipo de crimes, raramente um elemento, por si só, será suficiente para atestar a actuação criminosa, importando, pois, juntar todas as peças como se fosse um puzzle, para termos uma imagem mais nítida.
112. Em sede de instrução a prova trazida não afastou a indiciação suficiente existente quanto ao crime de corrupção passiva.
113. JL…, nas suas declarações, entrou em constantes contradições, não esclarecendo de forma coerente por que motivo pedia e recebia convites para assistir a jogos do Benfica.
114. Também a explicação das camisolas é cheia de incoerências. AS… e PG… não se conheceriam, A… só nesse dia conheceu ÓC…, Ó… e A… estavam no local, mas ainda assim as camisolas foram entregues a JL… por PG….
115. Também disse que, como observador, nunca falou com PG… (curiosamente já anteriormente, logo no início das declarações, tinha dito que ambos se aproximaram num dia em que PG… foi aos balneários e encontrou JL… que era observador desse jogo da SLBenfica SAD na Madeira).
116. Quanto ao acórdão do conselho de disciplina, depois de alguns desvios, acabou por confirmar que o acórdão ainda não estava publicado, teria sido entregue pelo árbitro JoF…, tendo PG… prestado conselhos jurídicos através de JL… para ajudar o árbitro (a ajuda só poderia ser para melhorar a classificação, para não descer de categoria e assim esse árbitro continuaria a arbitrar jogos do SLBenfica).
117. O que está em causa na vertente de corrupção passiva é o acesso a informação processual que era depois disponibilizada a PG… (e sobre que versa o despacho de pronúncia).
118. O comportamento referente ao acórdão do conselho de disciplina é demonstrativo do tipo de relação, da teia de interesses e contrapartidas recíprocas que existia entre todos os arguidos.
119. No jogo do dia 20 de Janeiro diz que não foram todos juntos ao jogo, o que é contrariado pela vigilância realizada e constante do apenso respectivo.
120. É também este arguido o elo de ligação comum entre PG…, JS… e o próprio ÓC…, pelo que podemos retirar, da normalidade da conduta humana, que todos se tenham conhecido por intermédio de JL….
121. Por outro lado, também era JL… o elemento que conhecia todas as pessoas pesquisadas na Segurança Social por JS…, como atesta a análise efectuada ao seu telemóvel, constante do apenso F, volumes 3, fls. 14.
122. As funções de JL… estão atestadas nas suas próprias declarações, mas também nos documentos de fls. 365, 2385, 2420.
123. Quanto às escutas, na sessão 6623 (JS…) numa conversa entre este e a irmã e na sequência de conversas anteriores e da ida a Lisboa do sobrinho de JS… (na qual também foi JL…) é perceptível que a conversa se reporta à resposta de PG… transmitida através de JL… a JS….
124. A conversa entre JL… e PG… sobre HF… tem relevância, contrariamente ao afirmado na decisão instrutória. Relevância tal que levou PG… a obter sentença condenatória referente a HF…, informações da base de dados da Segurança Social sobre este e sobre a sua entidade patronal (conforme auto de apreensão no gabinete de PG… constante da certidão de fls. 43 e ss..).
125. E tal informação não era do domínio público, daí PG… dizer «vou já foder… por cá fora» e J… dizer que ia estar atento (apenso F, vol. 1, fls. 3).
126. Não encontram justificação os diversos convites e camisolas disponibilizados, assim como o pedido de ajuda junto de instituição bancária, sendo elementos relevantes demonstrativos dos pedidos (solicitações) e ofertas – a que se reportam os tipos incriminadores.
127. A prova indiciária quanto a tais pedidos e ofertas decorrem das buscas realizadas na residência de JL…, assim como das conversas constantes do apenso F através de WhatsApp e da vigilância de 20 de Janeiro de 2018 (cfr. apenso de vigilância).
128. A transmissão de recado de JS… a PG… no dia 28/08/2017 de que «não há novidades processuais»[3] mostram o conhecimento e intervenção que JL… foi tendo na prática dos factos praticados por JS… quanto à corrupção passiva.
129. Condutas idênticas foram praticadas pelo próprio JL… com as informações sobre acórdão do Conselho de Disciplina (acórdão que, neste caso, iria ser remetido via JS… a PG…).
130. Ora, se o próprio adoptava nas suas funções tal conduta, atentas as mensagens trocadas é razoável concluir que não só não obstou à conduta de JS…, como lhe foi dando auxílio quando necessário.
131. Outro elemento de conexão foi a ida ao jogo de 20/01/2018, na companhia de JS… e do sobrinho deste, jogo esse em que iriam dar a conhecer o sobrinho a PG…[4], dia em que também foram entregues duas camisolas a JL… por parte de PG….
132. São igualmente relevantes os pedidos de convites que passaram pelo presidente do clube[5], o tratamento como pessoa «importante» para o Benfica[6].
133. Estes elementos indiciários permitem, quando conjugados, concluir tanto pela prática do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem por parte de JL… e PG…, como também, JL…, enquanto colega de JS…, pelos encontros que teve e intervenções que também foi tendo, colaborou efectivamente para a prática dos factos constantes do despacho de pronúncia, demonstrando a sua actuação conjunta com os demais arguidos.
134. Ora, se todos estes elementos foram ignorados na decisão instrutória, é de supor que não foram analisados nem tidos em conta, existindo completa omissão de prova indiciária relevante.
135. Incorreu, assim, a decisão instrutória em erro na apreciação da prova, falta de fundamentação e omissão de pronúncia ao ter ignorado a globalidade prova indicada na acusação, relativamente a JL….
136. Desta forma, violou o art.º 205.º, n.º 1, da CRP e arts. 97.º, n.º 5, 127.º, do CPP.
Da responsabilidade penal da pessoa colectiva
137. Na sua decisão o tribunal a quo não pronunciou a pessoa colectiva por entender que não constavam da acusação os necessários elementos para a imputação da aludida al. b), do n.º 2, do art.º 11.º do Código Penal.
138. A responsabilidade penal das pessoas colectivas, nos termos gerais, mostra-se prevista no artigo 11.º, do Código Penal.
139. Com relevo para o caso concreto, refere o citado artigo, nos seus n.ºs 1, 2, 4, 6 e 7, a natureza excepcional da responsabilidade das pessoas colectivas, só existindo nos casos especialmente previstos na lei (n.º 1).
140. As pessoas colectivas são responsáveis pelos crimes previstos em leis especiais que especificamente o prevejam (como sucede com a Lei n.º 50/2007, de 31/08), assim como pela prática de alguns crimes previstos no Código Penal, designadamente nos artigos 372.º a 376.º, quando cometidos (n.º 2) «b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem». Ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade (n.º 4).
141. O Projecto de Lei nº 239/X, um dos que esteve na origem da actual redacção do art.º 11.º, do Código Penal referia, para além do mais, que «se deve entender por factos que ocorrem por ocasião da actividade da pessoa colectiva - ou entidade equiparada -, estabelecendo que são, nomeadamente (…) os factos resultantes da violação de deveres destinados a evitar ou a diminuir os riscos típicos da sua actividade.
142. Teresa Quintela de Brito afirma que «a lei penal terá prima facie pretendido consagrar a culpa in vigilando de um dos seus líderes, como critério de imputação ao ente colectivo do facto penal cometido por um subalterno. Ou seja, a violação do dever funcional de controlar o(s) sector(es) de actividade envolvido(s) na prática do crime, por parte de um dos respectivos dirigentes, aumentando o risco de realização do facto, bastaria para o imputar à pessoa jurídica.
143. No Direito de Mera Ordenação Social (com as devidas diferenças por o Direito Penal exigir critérios de tipicidade e concretização específicos e que permitam maiores garantias para dar cumprimento ao art.º 18.º, da CRP), o Tribunal Constitucional já se tem pronunciado sobre a extensão dos comportamentos dos subordinados à responsabilidade da pessoa colectiva - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 359/01 e 45/2014;
144. Na responsabilidade penal das pessoas colectivas, estas só serão responsáveis se se provar a violação de um dever que sobre as mesmas recaía e se como resultado dessa violação um subordinado, na sua actuação funcional, cometer ilícito criminal tipificado em benefício do ente colectivo, aproveitando a ausência de regras que se impunham ao caso. Tais regras incumbem aos órgãos de liderança estabelecer. Desta forma se consegue formal e materialmente a ligação entre resultado do comportamento do subordinado e comportamento omissivo da pessoa colectiva.
145. Exige-se, assim, um comportamento ilícito e censurável da pessoa colectiva.
146. Como ensina Germano Marques da Silva, pode «mesmo suceder não ser possível determinar qual a pessoa física, titular do órgão, nomeadamente se se tratar de órgão de composição plural, que cometeu a infracção, mas ser possível determinar que no plano material ela é da responsabilidade do órgão e por ricochete ser também imputada à pessoa colectiva: a cumulação de responsabilidades tem natureza material e não processual, donde que o processo possa correr contra a pessoa colectiva, independentemente de correr também contra a pessoa ou pessoas físicas agentes do facto».
147. Ao nível do elemento subjectivo, para Jesús-Maria Silva Sánchez, quando o crime é cometido pelos subordinados o comportamento dos superiores hierárquicos por não terem exercido o "devido controlo" pode ser tanto doloso quanto negligente.
148. O art.º 11.º, n.º 4, do Código Penal, prevê que a posição de liderança não está restrita a uma pessoa, abrangendo também um órgão, como aliás o diz Germano Marques da Silva e como se compreenderá, a realidade societária não pode ser vista apenas à luz das pequenas empresas familiares dominadas por uma pessoa, mas abarca igualmente, órgãos mais complexos, como estruturas de grandes empresas nas quais as decisões dependem de órgãos colegiais.
149. A decisão instrutória, contrariamente ao imposto pelo citado n.º 4, efectuou uma interpretação não conforme com a lei, impondo requisito não previsto (o de que tinha de ser uma pessoa singular a violar o dever de vigilância).
150. A lei impõe que os factos tipificados como crime sejam praticados por pessoa singular. A extensão à pessoa colectiva e a censurabilidade desta dá-se por via da violação do dever de vigilância que incumbirá a pessoa singular ou a órgão colegial de administração.
151. Para evitar a fusão da al. b) com a al. a), não é admissível uma construção que exija que o dirigente tenha conhecimento ou intervenção dolosa no facto cometido pelo subalterno. Se tal sucedesse haveria responsabilidade individual do dirigente e da pessoa colectiva por via da al. a) do n.º 2 e não da al. b).
152. O que se exige é o domínio por parte do dirigente (órgão ou líder) da estrutura organizativa e de controlo. É esse o facto-ligação entre o crime cometido e a responsabilidade da pessoa colectiva prevista na al. b).
153. Em sede de instrução, DS… confirmou que PG… era o assessor da administração precisamente para a área que é objecto da própria SAD, o futebol. Mais confirmou que PG… estava presente na maioria das reuniões do conselho de administração, nas quais se tomavam decisões estratégicas e PG… representava a Benfica Futebol SAD em algumas reuniões externas e pertencia ao conselho directivo. Mais referiu que o dia-a-dia da sociedade é gerido por um conjunto de directores, nos quais incluiu e equiparou PG….
154. Quanto aos procedimentos internos para ofertas não institucionais DO… realçou várias vezes que «a regra é do bom senso», que «não existe uma regra», «não existe um procedimento regra», os pedidos são directamente à área comercial, «se pedirem 6 bilhetes nunca vou querer saber para que são os bilhetes», a regra é do bom senso e essa regra tem funcionado até ao momento. Tal é corroborado pelas declarações de NG… em instrução, assim como de MB… e AZ… em sede de inquérito.
155. A al. b), do n.º 2, do art.º 11.º, do CP, abrange as situações em que:
- Um subordinado da pessoa colectiva pratica factos integradores de um tipo incriminador
- A lei preveja especificamente quanto a esse crime a responsabilidade das pessoas colectivas;
- A actuação do subordinado se faça no âmbito da sua função (por conta da pessoa colectiva);
- A actuação seja no interesse (benefício) da pessoa colectiva;
- A pessoa colectiva (órgão dirigente ou pessoa singular dirigente) não adoptou medidas de controlo (as medidas possíveis ao caso) para evitar a prática dos factos.
156. Ora, todos estes elementos fazem parte da acusação.
157. Da mesma constam factos, que não são vagos nem genéricos, quer da actuação do subordinado, quer da actuação da pessoa colectiva facilitando (criando um risco acrescido e condições para a prática do crime) a actuação do subordinado pela falta de regras, assim como a identificação do superior hierárquico que mais directamente teve intervenção (ainda que, no caso, importe a conduta omissiva da pessoa colectiva representada pelo seu conselho de administração).
158. A decisão é contraditória quando afirma que «no caso concreto os crimes que estão imputados ao arguido PG… nada têm a ver com o prosseguimento do interesse e objecto de ente colectivo» e mais à frente, concordando com Germano Marques da Silva afirma que basta que o facto se «integre no quadro geral da respectiva competência» pois «de outra maneira ficaria praticamente excluída a responsabilidade das sociedades».
159. As pessoas colectivas têm um objecto social lícito (cfr. arts. 158.º-A e 280.º, 182.º, n.º 2, als. c) e d), 192.º, n.º 2, als. c) e d), do Código Civil e art.º 42.º, n.º 1, al. c), do Código das Sociedades Comerciais), praticam a sua actividade licitamente mas, no âmbito da sua existência, podem vir a praticar ilícitos.
160. Para a sociedade arguida aplica-se a mesma lei que para as demais sociedades e, por isso, o seu objecto de actividade não tem de ser criminógeno. A sociedade tem um objecto lícito, desenvolve a sua actividade licitamente e resta apenas averiguar se, em algum momento, incorreu em alguma violação da lei penal.
161. A incriminação das pessoas colectivas nos termos gerais apenas poderá ser por via da actuação dos seus órgãos de gestão, actuação essa que por sua vez pode ser a de esses órgãos não terem zelado pelo núcleo mínimo essencial de vigilância e controlo que lhes incumbe enquanto agentes sociais.
162. A sociedade arguida não diligenciou para que, no interesse da sociedade, utilizando os seus bens, os seus colaboradores e estrutura, não fossem praticados ilícitos por parte de colaboradores, neste caso, colaborador/ subordinado, especial e imediatamente ligado à administração e ao seu presidente.
163. PG…, ao actuar como actuou, fê-lo no âmbito (por causa) do objecto da sociedade – empresa de futebol, visando simultaneamente lucros e resultados desportivos.
164. Tal actuação ocorreu para mais facilmente alcançar, do seu ponto de vista, resultados em torno desse objecto social e funcional.
165. Ou seja, a actuação inseriu-se nas competências («no quadro geral das competências» nas palavras de Germano Marques da Silva citado pela decisão instrutória) do subordinado, que incluíam a actividade de assessor da administração, assegurando a assessoria do presidente do conselho de administração para a área jurídica relacionada com o futebol profissional e para as relações institucionais da sociedade, reportando directamente ao presidente e demais administração.
166. A sua actuação inscreve-se no âmbito do seu quadro funcional (entenda-se quadro funcional lícito, pois o ilícito é o desvio, a conduta paralela não prevista na função).
167. O seu quadro funcional, desde logo por servir de apoio à administração, em especial ao presidente, e representação da sociedade, engloba a plenitude do objecto social: o apoio era na área do futebol, objecto da sociedade, assim como prestava assessoria jurídica.
168. Atento este quadro funcional, os factos ilícitos praticados pelo arguido PG… inscreveram-se no seu âmbito (foram determinados por causa das suas funções) e em nome da pessoa colectiva pois foi «por ocasião da actividade colectiva (…) o faz no exercício das funções que lhe cabem dentro da instituição» (cfr. Teresa Quintela de Brito).
169. A factualidade descrita na acusação (alicerçada na prova indiciária) refere os elementos objectivos, subjectivos e os factos praticados pelos dirigentes, em particular LF…, que ao não zelar pelo dever de controlo permitiu e em algumas ocasiões autorizou as ofertas.
170. Uma sociedade que fecha propositadamente os olhos a esta situação, ofende os seus deveres para com a comunidade e incorre na violação dos deveres de vigilância e assim em responsabilidade penal.
171. Sem as autorizações e consentimentos do presidente da arguida, sem a ausência de regras, não teria sido possível ao seu subordinado praticar os factos da forma como fez.
172. As contrapartidas foram efectuadas a expensas da Benfica SAD, utilizando os trabalhadores (em especial AZ…) e toda a demais estrutura da Benfica SAD e entregues, directa ou indirectamente, por PG…, como demonstram as mensagens, escutas, correio electrónico e vigilância indicadas na acusação.
173. Algumas dessas entregas foram feitas com conhecimento do presidente e sempre com o beneplácito da oportuna ausência de regras efectivas e de vigilância da arguida SAD.
174. E a existência de mero código formal de conduta, sem concretização nem efectividade, não preenche minimamente os critérios do art.º 11.º, n.º 6, atenta a desregulação que a realidade demonstrou e foi afirmada pela própria sociedade arguida através dos seus representantes.
175. O elemento subjectivo também está plenamente descrito, quer para as pessoas singulares, quer para a colectiva.
176. Não se compreende, aliás, como na decisão instrutória se refere a exigência de dolo específico para o crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, quando tal não está previsto na lei.
177. Relativamente ao dolo, veja-se a incongruência: o dolo de PG… está suficientemente descrito e há pronúncia, o dolo da pessoa colectiva (que consta de igual forma) não está, segundo a respectiva decisão de não pronúncia.
178. Ora, pelo menos nos artigos 212 a 216, 235 a 240 da acusação, está suficientemente descrito o elemento subjectivo.
179. Dizer, como se diz na decisão, que não existe a descrição do dolo e os arguidos não se podem defender é uma afirmação que não encontra fundamento na acusação dos presentes autos.
180. A decisão instrutória (pág. 124) refere que «Assim e considerando os factos descrito ou a narração da acusação, os mesmos, no que diz respeito aos factos necessários para integrar os elementos constitutivos do ilícito são afirmações com carácter genérico, vago e meramente conclusivo e insuficientes, dos quais não é possível extrair que os arguidos agiram com a intenção, pelo modo e nas circunstâncias concretas que o art.º 367°, n° 1, do Penal, exige que se verifiquem.»
181. Só se poderão compreender tais afirmações por lapso e manifesta confusão de requisitos e conceitos (o crime em causa – favorecimento pessoal – nem está sequer imputado à pessoa colectiva e os factos indiciários dos tipos efectivamente imputados constam da acusação).
182. Não se compreende a insuficiente fundamentação da decisão instrutória, limitando-se a extensas descrições doutrinárias e a fundamentação de facto conclusiva, tornando de difícil percepção o motivo para a não pronúncia.
183. Pelo que as conclusões da decisão instrutória mostram um desvio irregular à realidade dos factos que tem de ser corrigido.
184. Incorreu a decisão em errada aplicação do Direito.
185. Ao apreciar de forma incorrecta a prova produzida, o que determinou a não pronúncia dos arguidos, assim como ao omitir decisão sobre matéria que tinha obrigatoriamente de apreciar e ao interpretar e aplicar incorrectamente normativos legais, com fundamentação insuficiente violou a douta decisão recorrida os arts.º 49.º, 97.º, n.º 5, 127.º, 379.º, do Código de Processo Penal, os artigos 11.º, 115.º, 367.º, n.º 1 e 4, 373.º, n.º 1, 374.º, n.º 1, 383.º, n.º 1 e 3, todos do Código Penal, art.º 10.º-A, da Lei n.º 50/2007, de 31/08, art.º 3.º e 6.º, da Lei do Cibercrime, assim como art.º 205.º, da CRP.
186. Encontram-se disponíveis todos os elementos que permitem ao tribunal ad quem a prolação de superior decisão que revogue a douta decisão recorrida.
Deverá em consequência o tribunal ad quem revogar a douta decisão em crise, determinando que seja proferida outra em substituição dela que pronuncie os arguidos nos precisos termos pelos quais vinham acusados, nos termos acima descritos.”
- O assistente AM…
“A. O presente recurso tem por objecto a decisão de não pronúncia da arguida Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD quanto à prática de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo art. 374.0, n.° 1, do CP, por que vinha acusada.
B. Porquanto tendo sido dada como suficientemente indiciada, como se deu, a factualidade imputada ao arguido PG… que justificou a sua pronúncia por crime de corrupção activa, não poderia também deixar de se concluir que a mesma implicaria, necessariamente, um idêntico juízo de imputação desse mesmo crime à arguida Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD, em nome e no interesse de quem o arguido PG… sempre agiu.
C. Contrariamente ao que se impunha, concluiu o Tribunal a quo que os actos de natureza criminal imputados ao arguido PG… não podem ser imputados directamente à sociedade arguida SL Benfica, SAD, alicerçando a sua falaciosa convicção em três basilares ordens de razões:
i) PG… não faz parte dos órgãos de representação da pessoa colectiva, não sendo seu representante, pelo que não assume a qualidade exigida pela al. a) n.° 2 do art. 11.° do CP;
ii) os crimes imputados ao arguido PG… nada têm que ver com o prosseguimento do interesse e objecto do ente colectivo;
iii) a forma tabelar como o dolo está alegado na acusação é insuficiente e conclusiva, não permitindo traduzir/ representar a vontade própria formada pelo ente colectivo.
D. Como ficará demonstrado, nenhuma razão assiste à tese sustentada pelo Tribunal a quo, a qual, partindo de erradas premissas, chega a uma conclusão absolutamente desacertada face aos elementos do presente caso de espécie.
E. Em primeiro lugar, porque resulta de uma restritiva e errada interpretação da norma ínsita na alínea a) do n.° 2 do artº. 11.° do CP, não pode o redutor conceito de posição de liderança sufragado pelo Tribunal a quo colher junto deste Tribunal ad quem.
F. No sistema sancionatório português — não só penal, como também contra-ordenacional — deparamos com uma multiplicidade de tipos de nexos de imputação dirigidos à regulação da questão da responsabilidade sancionatória das pessoas colectivas. Todos os vários critérios de imputação que encontram acolhimento no ordenamento penal português reconduzem-se ao designado modelo de hétero-responsabilidade (em contraposição com o modelo da auto-responsabilidade).
G. Prima facie, a responsabilidade da pessoa colectiva será de afirmar em função daquilo que, em nome dela e no seu interesse, seja feito por quem nela ocupe uma posição de liderança ou por quem aja sob a autoridade das pessoas que nela detenham uma posição de liderança.
H. Confrontado o conteúdo das normas inscritas nas alíneas a) e b) do n.° 2 do art. 11.° do CP com os postulados básicos de cada uma destas concepções (de hétero-responsabilidade e de auto-responsabilidade), é patente que o legislador português seguiu, em toda a linha, uma solução de hétero-responsabilidade. Entendimento que vem sendo sufragado igualmente pela doutrina nacional majoritária.
I. Detendo uma natureza de hétero-responsabilidade, não pode o quadro normativo que se institui no n.° 2 do art. 11.° do CP ser interpretado e aplicado fundamentalmente à luz de um pensamento de auto-responsabilidade, corno fez o Tribunal a quo.
J. O art. 11.º, n.° 2, do CP acolhe dois critérios de imputação substancialmente distintos entre si:
a alínea a) configura uma solução de identificação, mas mais aberta do que a tradicional, fruto da definição lata de pessoas com urna posição de liderança; e
a alínea b) representa um método vicarial de responsabilização da pessoa colectiva, embora bastante mais fechado do que o tradicional.
K. O denominador comum destes dois modos de imputação constantes do n.° 2 do art. 11.° do CP é a realização, em nome do ente e no interesse colectivo, de um facto consubstanciador de um ilícito criminal (tipificado no catálogo de crimes elencado na 1.' parte do n.° 2 do art. 11.° do CP) por pessoa com determinado estatuto dentro do ente colectivo.
L. No que concerne à alínea a) do n.° 2 daquele art. 11.º, se o agente do facto for alguém que assuma, no seio do ente colectivo, uma posição de liderança, e estiverem verificados os demais pressupostos do tipo de ilícito respectivo e do nexo de imputação, então, em princípio, nenhuma exigência típica adicional será requerida para responsabilizar a pessoa colectiva por tal infracção.
M. Isto, porque estarão em causa condutas de membros dos órgãos sociais da pessoa colectiva, de pessoas que por estes foram formalmente investidas de poderes de representação do ente ou ainda de pessoas que, de direito e/ou de facto, assumem, com o beneplácito dos órgãos, um domínio sobre a totalidade ou parte da operação da empresa implicada na infracção.
N. O domínio sobre a organização detido por estas pessoas, que assumem lugares de chefia na estrutura da empresa, justifica que as suas acções (ou omissões) com um relevo objectiva e subjectivamente típico à luz de uma dada norma incriminatória sejam legalmente qualificadas como ilícitos da própria pessoa colectiva em nome e no interesse de quem intervêm.
O. O facto tipicamente relevante dessas pessoas adquire assim significado típico também para a própria pessoa colectiva: é a partir do facto e da culpa daquelas pessoas singulares que se há-de construir a responsabilidade dos entes colectivos.
P. Plasmando-se no nosso Código Penal um modelo de responsabilidade derivada, ou hétero-responsabilidade, dos entes colectivos, apurada a responsabilidade da pessoa singular que naquele ocupa uma posição de liderança não poderá deixar de se concluir também pela responsabilização do próprio ente colectivo.
Q. O n.° 4 do art. 11.° do CP concretiza o conceito de posição de liderança nos seguintes termos: "Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade".
R. Este conceito de representante é polissémico: no sentido mais restritivo, trata-se do representante legal, o que é redundante do termo órgão; num sentido mais amplo designa o representante convencional, legal ou judiciário. De acordo com o entendimento majoritário, estamos aqui perante pessoas em quem a administração delegou funções de autoridade, atribuindo-lhes poderes de domínio sobre a actividade ou sector de actividade da pessoa colectiva.
S. Relevando, nesta sede, pessoas que desempenhem funções de responsabilidade dentro da organização, como por exemplo, o responsável por um sector de produção, por um estabelecimento ou por um departamento da pessoa jurídica.
T. Apontando-se, ainda, funções de liderança aos administradores, gerentes, directores, responsáveis de sectores de produção ou outros quadros com poderes de chefia na estrutura organizacional ou empresarial, vinculados por uma relação de emprego ou outra, mas que sejam externamente reconhecidos como desenvolvendo funções de liderança - neste sentido JORGE DOS REIS BRAVO, Direito Penal de Entes Colectivos, p. 199.
U. Seria, aliás, surpreendente que se procurasse restringir o conceito de posição de liderança ao ponto de quase o fazer coincidir com o de órgão ou representante legal quando a jurisprudência nacional tem, nas mais variadas sedes sancionatórias (v. g., no quadro do art. 7.°-1 do RGIT ou do art. 7.°-2 do RGCO), interpretado o conceito de órgão ou representante no sentido de abranger inclusivamente os trabalhadores das empresas - nesta direcção, o Ac. do TRP de 21-03-2013, o Ac. do TRP de 27-06-2012, o Ac. do TRP de 06-06-2012, o Ac. do TRC de 09-11-2011 e o Ac. do TRC de 29-11-2000. E com particular interesse, dada a sua referência ao art. 11.°, n.° 2, a), do CP, o Ac. do TRL de 08-03-2017 (Proc. n.° 769/14.5TAFUN.L1-3, www.dgsi.pt).
V. Para que um facto criminoso possa imputar-se a uma pessoa colectiva por via da alínea a) do n.° 2 do art. 11.° do CP será, portanto, suficiente que, à luz do efectivo modo de funcionamento do ente colectivo e das circunstâncias concretas do caso, se possa conectar a prática do facto com o desempenho pelo agente de um papel de liderança e com o exercício de um domínio da organização numa certa área da sua actividade.
W. Os factos imputados aos arguidos PG… e SL Benfica, SAD, nos pontos 9), 10), 15), 122), 124), 236), 237) e 238) da acusação pública são demonstrativos de que o arguido PG… detinha na SL Benfica, SAD uma posição de liderança (na acepção prevista na alínea a) do n.° 2 do art. 11.° do CP), e estão sólida e cabalmente sustentados nos meios de prova constantes do processo.
X. Como resulta com mediana clareza, pese embora PG… não fizesse, de facto, parte dos órgãos sociais da sociedade arguida, desempenhava, à data dos factos, inegáveis funções de responsabilidade e relevo naquele que é, precisamente, o core business da sociedade arguida: o futebol profissional.
Y. De acordo com a acusação pública e com a pronúncia, PG… estava à frente de um importante departamento da arguida SL Benfica, SAD, o departamento jurídico, estando na dependência imediata do seu Presidente do Conselho de Administração, a quem reportava directamente.
Z. Neste âmbito — leia-se enquanto director do departamento jurídico — PG… chefiava uma equipa interna, fazendo parte das suas funções a "coordenação do trabalho de todos os juristas que actuem em representação da SAD do Benfica e para assuntos relacionados com o futebol".
AA. Para além de representar a SL Benfica, SAD junto das mais variadas instituições externas relacionadas com o futebol profissional, cumpria ainda a PG… "alertar a Administração da SAD para todo e qualquer assunto que possa representar unia contingência legal para a sociedade".
BB. Funções de responsabilidade que resultam, desde logo, evidentes da própria letra (e espírito) dos contratos celebrados entre o arguido e a Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD. Reconhecendo, aliás, as partes tratar-se de um cargo que se fundamenta numa especial relação de confiança (vide contrato de trabalho em regime de comissão de serviços, celebrado a 22-01-2007, e contrato sem termo celebrado em 2009, juntos respectivamente a fls. 1415 e ss. e 1427 e ss. dos autos).
CC. A designação, formal e redutora, de Assessor Jurídico é contrariada pelas inúmeras referências feitas pelo arguido às recorrentes reuniões preparatórias e livre acesso à área técnica, evidenciando que as funções que concretamente desempenhava na SAD iam muito além da mera assessoria jurídica para assuntos relacionados com a contratação de jogadores e inscrições nas associações.
DD. Para todos os efeitos, PG… era, pois, o "homem do jurídico" e, a par com o próprio Presidente da sociedade arguida, também o "homem do futebol" — cargos com uma inerente (e evidente!) carga de responsabilidade e autoridade. Aliás, eram tais as suas atribuições que, na prática, PG… era inclusive equiparado a um Director de primeira linha.
EE. Posição assumida expressamente pelo próprio arguido quando, em declarações prestadas em sede de instrução, admite que desempenhava no Benfica "exactamente as mesmas funções" que tinha assumido, anteriormente, no Boavista Futebol Clube — Futebol, SAD, assim aludindo, de forma peremptória, ao cargo de "Director-Geral" — vide, declarações prestadas na sessão de 16-11 2018, ficheiro 20181116141808972164637, minutos 00:21:57 a 00:22:30.
FF. E que foi, igualmente, reconhecida pelos Representantes Legais da arguida ouvidos em sede de instrução — cf. depoimentos de DS… e NG…, prestados na sessão de 19-11-2018, respectivamente, ficheiro 20181119141531_97_21_64637, de minutos 01:24:50 a 01:25:27, e ficheiro 20181119160852972164637, de minutos 00:52:04 a 00:52:20.
GG. Por outro lado — ao contrário do que resulta, formalmente, das responsabilidades chave definidas na descrição de funções —PG… não se limitava, de forma alguma, a apenas secretariar as reuniões do Conselho de Administração. Sendo presença assídua nas mesmas, PG… era chamado a intervir, e instado a opinar, quando, amiúde, eram discutidos assuntos jurídicos ou relacionados com o futebol, participando com regularidade e de forma activa — veja-se novamente depoimento de NG…, ficheiro 20181119160852_97_21_64637, nomeadamente de minutos 01:07:25 a 01:08:00 e 01:08:31 a 01:09:33.
Em suma:
HH. PG… era o head management de um dos principais departamentos da sociedade arguida, prestando assessoria jurídica à Administração e reportando directamente ao Presidente da Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD, LF…. Era qualificado como director de primeira linha e nessa qualidade superentendia a área jurídica relacionada com o futebol profissional e as relações institucionais da sociedade.
II. Pela própria natureza das coisas, Director é aquele que dirige, aquele que tem a seu cargo a direcção de uma organização ou de parte dela. Mais do que um middle manager, o arguido PG… era um top manager, com gabinete na exclusiva área reservada aos administradores e salário em conformidade.
JJ. Raiando o absurdo que se possa entender que um chefe de uma linha de fabrico ocupa uma posição de liderança, mas já não o arguido PG…, apesar do cargo, das funções e das responsabilidades que tinha na arguida SL Benfica, SAD.
KK. Dúvidas não há de que os factos dados corno suficientemente indiciados na acusação pública — indiciação que saiu reforçada na fase de instrução — colocam o arguido PG… numa posição de liderança na Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD.
LL. Pressuposto da responsabilidade criminal da pessoa colectiva —fundada na actuação de quem nela ocupa uma posição de liderança — é ainda que o facto criminoso seja cometido em nome e no interesse colectivo.
MM. Admitir-se, como faz a decisão recorrida, que os actos praticados por PG… são actos pessoais equivale a negligenciar por completo a indiscutível relação de conexão entre o exercício das funções que àquele estavam adstritas e o facto criminoso.
NN. É indubitável que os actos em apreço, nomeadamente no que ao crime de corrupção diz respeito, descritos na acusação pública, cabem no âmbito do escopo funcional da pessoa colectiva Sport Lisboa e Benfica — futebol, SAD, como é indiscutível que PG… actuou, em nome e no interesse da sociedade arguida, no exercício de um poder funcional.
00. Entende-se por actos funcionais aqueles que, embora ilícitos, são praticados durante o exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício. Isto é, trata-se de actos cuja prática, em determinado contexto, revele ser um acto da sociedade —praticado por causa da sociedade.
PP. Para se considerar que o facto ilícito foi praticado no exercício das funções do agente basta, no entanto, que se integre no quadro geral das respectivas competências, porquanto de outra maneira ficaria praticamente excluída — ou pouco menos — a responsabilidade das sociedades.
QQ. Neste domínio, vale por inteiro a ideia de MAGALHÃES COLLAÇO, cit., p. 84, no sentido de que competência significa "a faculdade de praticar o acto, considerada de uma maneira geral, sem atenção aos elementos de fundo que tornem o acto ou a ordem substancialmente legal".
RR. A par da actuação em nome do ente colectivo, a lei exige ainda que os actos dos órgãos, representantes e equiparados sejam cometidos no interesse da pessoa colectiva. Devendo considerar-se que age no interesse colectivo aquele que — verificados os aludidos pressupostos formais — pratica o facto em ordem à organização, ao funcionamento, ou à realização dos fins da sociedade.
SS. A prossecução do interesse colectivo é, pois, o móbil do crime, funcionando como revelador da vontade da pessoa colectiva. Sendo o conhecimento e intenção do agente elementos chave a ter em conta para o apuramento da referida vontade.
TT. Acresce que, o interesse violado — tutelado pela norma incriminadora — não tem, necessariamente, de ser o interesse imediatamente prosseguido para a pessoa colectiva pelo agente, bastando que entre ambos exista uma relação de meio-fim: isto é, para prosseguir o interesse colectivo, o agente sacrifica o interesse tutelado pela norma.
Retornando ao caso concreto,
UU. considerados de uma forma global e articulada, os meios de prova adquiridos no inquérito e na instrução revelam à saciedade os pontos-chave da imputação do Ministério Público: Durante vários meses dos anos 2017-2018, o arguido JA… acedeu de forma sistemática a processos judiciais que envolviam a SLB SAD, pessoas ligadas ao Benfica, clubes rivais, seus dirigentes, árbitros e ex-árbitros, observadores, etc.
VV. Os acessos foram realizados pelo arguido JA… a pedido do arguido PG…, que depois era por aquele posto a par do seu conteúdo; Em troca desse "serviço de espionagem", o arguido PG… ofereceu ao arguido JA… numerosos títulos de entradas em jogos de futebol do Benfica, no Estádio da Luz e em jogos fora; como fez ainda crer ao arguido JA… que haveria uma boa chance de o sobrinho deste ser contratado para o Museu do Benfica.
WW. Tudo isto são conclusões lógicas que resultam, inelutavelmente, dos factos conhecidos demonstrados por prova directa. Premissas que resultam assentes na decisão sub judice, e que levaram, como não poderia deixar de ser, à pronúncia de ambos os arguidos, JA… e PG…, pela prática do crime de corrupção.
XX. Acontece que, tudo o que vem de se dizer demonstra também, por inferência lógica, que PG… determinou JA… à prática dos aludidos actos em nome e no interesse da Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD: afinal, que outro motivo haveria para PG… o fazer?
YY. Admitir que o arguido PG… "enviava os números porque, assim o interpretamos, não resistia à pressão" — palavra do Tribunal a quo — traduz uma visão absolutamente inverosímil à luz das regras de experiência comum e normal desenrolar dos acontecimentos.
ZZ. Tese irrealista, que se torna ainda mais absurda quando confrontada com o cabal acervo probatório junto aos autos, inclusivamente com a prova produzida em sede de instrução.
AAA. Se as informações processuais de processos judicias em curso interessavam a PG… — enquanto director jurídico da sociedade arguida —, é óbvio que mais interessavam ainda às partes neles directamente envolvidas, designadamente, a Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD.
BBB. É, pois, perfeitamente compreensível que o arguido PG… e os administradores da SL Benfica SAD se preocupassem com os muitos, e alguns deles muito graves, processos que visavam (e visam) a Sociedade arguida, e por eles se interessassem — veja-se, a este propósito, o declarado pelo Representante Legal da arguida, NG…, em depoimento prestado na sessão de 19-11-2018, ficheiro 20181119160852_97_21_64637, de minutos 00:04:34 a 00:07:16 e 00:16:30 a 00:18:13.
CCC. Interesse que advinha nem mais nem menos da sua magna importância para a vida societária da própria SL Benfica, SAD, desde logo em função do elevado risco reputacional que está associado aos processos em questão.
DDD. As informações sobre processos judiciais em curso, conseguidas através da corrupção do funcionário judicial JA…, interessavam a PG… porque a sua obtenção se fundava no interesse da colectividade no âmbito da qual exercia relevantes funções, nomeadamente, na área a que tais informações directamente importavam: a área jurídica.
EEE. PG… não solicitava ao funcionário judicial JA… acesso a processos do foro pessoal, e JA… não fazia as consultas porque o seu "bom amigo" PG… — enquanto comum cidadão, em seu nome particular — lho pedia. Fazia-o, porque PG… actuava enquanto representante da Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD, em seu nome e interesse directos.
FFF. Sintomático dessa representação eram, aliás, as contrapartidas recebidas pelo arguido JA… em troca do serviço combinado: os subornos, por vezes entregues no próprio estádio da SL Benfica, SAD, consistiam em bilhetes para jogos da SL Benfica SAD e em merchandising da SL Benfica, SAD.
GGG. Assomando-se como evidente, face ao que fica dito, que foi o interesse da SL Benfica SAD que animou toda a actuação do arguido PG….
HHH. Por último, também não assiste razão ao Tribunal a quo no juízo de que a factualidade descrita na acusação pública é insusceptível de sustentar a imputação à SL Benfica, SAD do crime de corrupção activa no plano do tipo subjectivo de ilícito.
III. No que ao crime de corrupção activa diz respeito, o que importa é saber, quanto ao dolo, se houve representação e vontade de prometer e oferecer vantagens ao arguido JA… para que este, incumprindo os seus deveres funcionais, partilhasse informações sigilosas relativas a processos judiciais, alguns deles em segredo de justiça.
JJJ. Ora, o Tribunal a quo entendeu, e bem!, que a acusação narra os factos indispensáveis a que o arguido PG… responda pela prática dolosa de um facto típico de corrupção activa.
KKK. Se assim é, não se vê como possa se entender que a acusação pública não contém a factualidade necessária a que a sua representada, no âmbito da qual ocupava uma posição de liderança, também possa responder a título de dolo.
LLL. O dolo da SL Benfica, SAD está factualmente descrito de forma suficiente, concreta e completa, além do mais, nos pontos 212), 213), 214), 224), 229), 235), 236), 238) e 244).
Em síntese:
MMM. decidindo o Tribunal a quo pela existência de indícios suficientes quanto à prática, pelo arguido PG…, de um crime de corrupção activa, tal imputação terá de valer, necessariamente, também para a pessoa colectiva em nome e representação da qual aquele actuou.
NNN. Deve levar-se à factualidade dada como suficientemente indiciada os factos constantes dos artigos 1 a 205, 208 a 216 e 220 a 244 da acusação pública.
000. Assim se concluindo, em conformidade, pela Pronúncia da arguida Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD pela prática de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo art. 374.°, n.° 1, e Il.°, n.° 2, al. a), do Código Penal.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem substituir o despacho recorrido, por outro que importe a pronúncia também da arguida Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD, pela prática de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo art. 374.°, n.° 1, e 11.°, n.° 2, alínea a), do CP.” A estes recursos vieram, uma vez admitidos os mesmos responder: - A Benfica SAD :
-Ao recurso interposto pelo Ministério Público concluindo que:
a. O percurso mental racional e lógico do Tribunal a quo entre os elementos probatórios que lhe foram oferecidos para apreciar e o resultado probatório a que chega está perfeitamente acessível e compreensível, sendo aplicável o disposto no artigo 425.º, n.º 5, do CPP.
b. Os dois recursos interpostos da decisão a quo são incompatíveis entre si e defendem que o Tribunal recorrido andou bem, por um lado, na aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º do CP (recurso ora sob resposta) e, por outro, na aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do CP (recurso do Assistente AP…).
c. O facto de os dois recursos defenderem a decisão a quo, ainda que em sentido inverso entre eles, demonstra que é a mesma que está correta, não merecendo, portanto, qualquer censura no que respeita à não pronúncia da Recorrida por todos os crimes de que vinha acusada.
d. Nas suas páginas 104 e seguintes quanto ao crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem (e, depois, nas suas páginas 156 e seguintes quanto ao crime de corrupção activa), a decisão a quo, de forma irrepreensível, clara e desenvolvida explica, uma por uma, as razões pelas quais entende não estarem verificados, in casu, os requisitos estabelecidos pelo artigo 11.º, n.º 2, do CP e, consequentemente, por que razão não pode a Benfica SAD ser pronunciada nos presentes autos.
e. No recurso alega-se de forma resumida que: (i) o Tribunal confundiu os pressupostos exigidos por cada uma das alíneas do n.º 2 do artigo 11.º do CP (de notar que era a própria Acusação que, inicialmente, incluía a menção às duas alíneas); (ii) os dirigentes da Benfica SAD e, em particular, o seu Presidente, não zelaram pelo seu dever de controlo, não tendo criado regras mínimas para impedir eventuais abusos de PG…, e, em alguns casos, autorizaram expressamente as ofertas; (iii) que a actuação de PG… foi em nome e no interesse da Benfica SAD; e (iv) estando indiciado o dolo de PG…, consequentemente, terá de estar indiciado o dolo da Benfica SAD. Não tem razão o Ministério Público.
f. Primeiro porque, ao contrário do que quis fazer crer, em Portugal, o modelo de responsabilização das pessoas colectivas é um modelo tendencialmente de heterorresponsabilidade, ao contrário do que ocorre em Espanha (regime em que, surpreendentemente, o Ministério Público sustentou as suas alegações).
g. Em Portugal, é inequívoca a determinação do legislador: as pessoas colectivas serão também responsáveis pelos actos daqueles que, não sendo líderes, estiverem sob a sua autoridade e tais actos tiverem ocorrido por violação dos deveres de vigilância ou controlo que incubam ao líder.
h. Na sua Acusação, que delimita o objecto do processo, e que foi a analisada e decidida pelo Tribunal a quo, não foram alegados factos dos quais resultasse qual o líder da Benfica SAD, quais os deveres violados e de que forma tal violação alegadamente permitiu que PG… praticasse actos passíveis de preencher determinados tipos criminais.
i. Segundo o recurso, o dever de vigilância ou controlo, no caso das sociedades anónimas, cabe ao conselho de administração e não a uma pessoa singular, que nem carece de ser identificada (nem, aliás, os membros de tal Conselho de Administração).
j. Ao defender tal solução, o Ministério Público ignora, por completo, aquilo que, de forma clara, foi implementado no regime legal português, conforme bem explicam doutrina e jurisprudência e, por exemplo, TERESA QUINTELA DE BRITO e SUSANA AIRES SOUSA nos Pareceres mencionados na presente resposta
k. O artigo 11.º, n.º 2, alínea b), do CP, interpretado e aplicado no sentido segundo o qual a responsabilização da pessoa colectiva, por actos praticados por um subordinado, dispensa a identificação concreta da pessoa singular que, exercendo poderes de liderança, sob cuja autoridade aja aquele subordinado, violou deveres de vigilância ou controlo que lhe incumbam é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, 29.º, n.ºs 1 e 4, e 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca.
l. De qualquer forma, na Acusação, nem por uma única vez, seja em termos factuais ou mesmo em termos conclusivos, se afirma que o Conselho de Administração da Benfica SAD violou os seus deveres de vigilância ou controlo e que foi essa violação que permitiu que PG… agisse nos termos em que alegadamente agiu.
m. A oferta de bilhetes e merchandising é a praxis mais comum nos clubes de futebol, incluindo a Benfica SAD, conforme resultou claro, entre o mais, dos depoimentos prestados em sede de Instrução.
n. Para que se pudesse afirmar que o líder havia omitido o dever de vigilância ou controlo respeitante aos actos praticados por PG…, o Ministério Público tinha, na sua Acusação, de apontar o erro não à (alegada) falta de vigilância dos destinatários de bilhetes, mas sim a uma eventual falta de vigilância da actuação de PG… na interacção com funcionários ou agentes desportivos.
o. Não existe qualquer elemento, nomeadamente na Acusação, que vincula tematicamente o processo e foi analisada pelo Tribunal a quo, que permita concluir que PG… agiu em nome e no interesse da Benfica SAD, pressuposto que se aplica também à alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do CP.
p. Não competia a PG…, no seio da Benfica SAD, o acompanhamento dos processos judiciais da Recorrida, que era feito pelo Administrador DS…, directamente, com os advogados externos.
q. Grande parte dos processos judiciais elencados pela Acusação nos pontos 29 a 106 não diziam respeito, nem directa, nem indirectamente, à Benfica SAD, a que acresce um conjunto de outros processos, elencados nos pontos 107 e 108 que nem com futebol se relacionavam (mesmo que tal referência genérica ao futebol chegasse para suscitar o interesse da Recorrida).
r. Da Acusação não resultava um único facto, e do Inquérito e da Instrução um único elemento probatório, que permitisse afirmar que PG… partilhou as informações alegadamente obtidas com uma qualquer outra pessoa da Benfica SAD e, desde logo, com o seu Conselho de Administração e o seu Presidente. Sendo certo que o Ministério Público não conseguiu demonstrar qualquer vantagem obtida pela Benfica SAD motivada pelo alegado acesso às informações confidenciais.
s. Como é unânime, os actos, para serem praticados em nome e no interesse da pessoa colectiva tê-lo-ão que ser praticados no âmbito de funções e com vista ao desenvolvimento dos objectivos daquela pessoa colectiva. Nada disso resultou demonstrado no caso dos presentes autos.
t. Não resulta da Acusação qualquer facto (e era de factos que o Tribunal a quo poderia retirar conclusões, e não o contrário) que permita vislumbrar tal actuação em nome e no interesse da Benfica SAD.
u. Nas palavras de SUSANA AIRES DE SOUSA: “Qual o parâmetro a usar para determinar se um ato foi realizado com intenção de beneficiar a pessoa colectiva? O parâmetro há retirar-se do objecto social e das finalidades em vista dos quais foi constituída a sociedade. É justamente por isso que, como se referiu, a realização do facto “no interesse da pessoa colectiva” não se confunde com algo que seja “do interesse da pessoa colectiva”. A obtenção de uma informação com interesse para a pessoa colectiva não significa que tal obtenção tenha sido realizada no interesse da pessoa colectiva, isto é, como forma de potenciar ilicitamente os fins societários. A conduta será em benefício da pessoa colectiva se ela se integra no objecto social e se se revela apta a facilitar ou favorecer de forma ilícita os fins sociais, sendo o agente físico animado, na sua actuação, por esse fim.”. Nada disto ficou demonstrado nos presentes autos.
v. Veja-se, aliás, que, no que respeita a JL… (que nem sequer exercia funções nas competições profissionais em que a Benfica SAD participava), os dois exemplos dados pelo Ministério Público respeitam à obtenção de informações que eram ou rapidamente seriam do domínio público…
Ainda que assim não fosse:
w. O Ministério Público afirma que “nunca puseram entraves a qualquer actividade de PG…, criando regras mínimas que impedissem abusos. Como era mais conveniente, projectaram a regra do bom senso como a melhor solução” (realce nosso do texto da página 110 do recurso).
x. É falsa a afirmação do Ministério Público, que omite a realidade.
y. PG… exercia funções que impunham uma relação de confiança, conforme resulta expresso do seu Contrato de Trabalho, que o Ministério Público omitiu.
z. Em tal Contrato, PG… obrigou-se perante a ora Benfica SAD a: “tanto no âmbito das suas funções, como fora delas, e dado o elevado grau de responsabilidade que ocupa e a eventual e previsível associação do seu nome à Primeira Outorgante, pautar o seu comportamento de acordo com normas de boa conduta e urbanidade, por forma, a que de modo algum, através de comportamentos seus, resulte afectado, junto de terceiros, o bom nome e imagem da Primeira Outorgante e/ou das sociedades do Grupo Benfica”.
aa. Trata-se de uma regra expressa e concreta, estabelecida entre duas pessoas concretas.
bb. A relação de confiança que existia (e tinha de existir) entre a Benfica SAD e o seu assessor jurídico para as matérias do futebol profissional, os especiais conhecimentos da lei e dos comportamentos legalmente censuráveis que PG… não poderia deixar de ter, e, especialmente, o facto de as entregas de bilhetes e merchandising em causa não ultrapassarem o que se pode considerar como normal e costumeiro num clube de futebol, evidenciam que não se pode imputar à Benfica SAD, seja através de quem for, e muito menos do seu Presidente, a violação de qualquer dever de vigilância ou controlo, e, especialmente, uma violação que tenha originado (ou facilitado) o comportamento que o Ministério Público imputa a PG….
cc. PG… estava, também ele, sujeito ao Código de Conduta da Benfica SAD, que lhe foi remetido via e-mail, na sua primeira versão, em 05.12.2012, e na sua versão actual (que entrou em vigor em 01.01.2018) em 15.12.2017.
dd. Na primeira versão do Código de Conduta, no ponto 5.3.2 (que tinha como epígrafe “Integridade”) — que se manteve quando da versão actual —, determinava-se que: “Os colaboradores e membros dos órgãos sociais das empresas do Grupo não podem aceitar ou propor a terceiros ofertas, pagamentos ou outros benefícios que possam criar nos seus interlocutores expectativas de favorecimento nas suas relações com a empresa.” (realce e sublinhado nossos) — conforme documentos n.os 4 a 7, juntos com o Requerimento para Abertura da Instrução.
ee. Ou seja, PG… estava expressamente proibido pela Benfica SAD de praticar os actos que, na tese do Ministério Público, terá praticado.
ff. O Código de Conduta da Benfica SAD inclui ainda um conjunto de outras regras e obrigações relativas ao respeito pela concorrência (ponto 5.1.4, com a abstenção de práticas que a falseiem), ao relacionamento com as autoridades públicas (ponto 5.1.5) e à necessidade de cumprimento da legislação em vigor e de actuação com transparência e no respeito pelos valores do Grupo Benfica nas relações com o exterior (ponto 5.2.5).
gg. Tudo regras, ordens e instruções expressas transmitidas a PG…, que a elas estava adstrito. E ordens que PG… confirmou conhecer e a elas estar adstrito! (depoimento prestado em sede de Instrução em 16.11.2018, a perguntas do Ministério Público).
hh. A Benfica SAD, de facto, não delimitou um número limite de bilhetes a oferecer por cada colaborar em cada jogo, mas, naturalmente, tal não significa que esse limite não exista. Existe. É o do bom senso. Não sendo demais reforçar que a ideia de bom senso que foi aflorada na Instrução, e que o Ministério Público deturpa, se refere, apenas e só, como aliás não podia deixar de ser, à oferta de bilhetes e merchandising, nada tem que ver, nem poderia, com a sua eventual utilização para quaisquer fins, muito menos, fins de natureza alegadamente ilícita.
ii. Não resulta dos autos qualquer elemento probatório que demonstre que algum líder da Benfica SAD alguma vez tenha dado um “OK” à utilização de bilhetes e produtos de merchandising para fins ilícitos, ou, aliás, para quaisquer outros, sendo que o Ministério Público quer confundir “OK” a dar bilhetes com “OK” (que não existe) sobre contexto, finalidades, intencionalidade, etc. desse oferecimento.
jj. Como não resulta dos autos qualquer elemento probatório que permita afirmar que a Benfica SAD tinha razões para desconfiar da conduta de PG…, nomeadamente atendendo a putativas informações privilegiadas a que o mesmo tivesse acesso (e que nunca, a existirem, foram com aquela partilhadas).
kk. Como bem referem FIGUEIREDO DIAS e SUSANA AIRES DE SOUSA, existindo este tipo de regras e ordens concretas e expressas, a alegada actuação de PG… sempre teria sido contra as mesmas, não podendo, em consequência, e nos termos do artigo 11.º, n.º 6, do CP, ser a Benfica SAD responsabilizada.
ll. O artigo 11.º, n.º 2, alínea b), quando interpretado e aplicado no sentido de que a pessoa colectiva só demonstra o cumprimento dos seus deveres de vigilância ou controlo sobre os comportamentos adoptados por subordinados caso previamente adopte programas de cumprimento, independentemente da concreta conduta adoptada pelos que, na sua estrutura, são líderes, é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, 29.º, n.os 1 e 4, e 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca.
mm. Está excluída a responsabilidade da Benfica SAD pelos actos alegadamente praticados por PG… (quer por não estarem preenchidos todos os requisitos do artigo 11.º, n.º 2, alínea b), do CP, quer atento o disposto no artigo 11.º, n.º 6, do mesmo Código), tendo andado bem a decisão a quo ao não pronunciar a ora Recorrida pelos crimes que lhe vinham imputados.
Finalmente,
nn. Afirma o Ministério Público, na página 114 do seu recurso, que não percebe como é que estando o elemento subjectivo descrito para PG…, não o está também para a Benfica SAD.
oo. O Ministério Público parece não ter apreendido que a verificação do elemento subjectivo teria que ocorrer não apenas quanto à actuação de PG…, mas, no caso da Benfica SAD, quanto à pessoa do líder que, alegadamente, teria violado os deveres de vigilância ou controlo aptos a permitir tal actuação ao subordinado.
pp. Na sua Acusação, o Ministério Público não concretizava, quanto a cada um dos 30 (trinta) crimes que imputava à Benfica SAD, os factos que sustentavam o elemento subjectivo de cada um deles.
qq. O Ministério Público cometeu o pecado fatal de decalcar da actuação que imputa a PG… o elemento subjectivo da ora Recorrida, eximindo-se de alegar e demonstrar a vontade da Benfica SAD.
rr. Como bem explicam GERMANO MARQUES DA SILVA e TERESA QUINTELA DE BRITO, o elemento subjectivo das pessoas colectivas é sempre autonomamente construído, não se retirando, sem mais, da actuação das pessoas singulares.
ss. Uma leitura dos pontos da Acusação em que tentativamente se procurava sustentar o elemento subjectivo permite, facilmente, compreender que o Ministério Público, naquela fase, incluía PG… no leque de pessoas apta a preencher os pressupostos da alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º do CP.
tt. Ora, como bem assume o Ministério Público em sede de recurso, PG… não ocupava uma posição de liderança na Benfica SAD. Sucede, porém, que inexistem na Acusação quaisquer factos que permitisse concluir que a Benfica SAD, mormente através da conduta de um dos seus líderes, havia dolosamente violado os deveres de vigilância ou controlo que seriam aptos a evitar os actos imputados a PG….
uu. Aliás, na Acusação não existia, quanto ao elemento subjectivo imputado à Benfica SAD, qualquer facto concreto. Como bem refere o Tribunal a quo, o Ministério Público bastou-se com afirmações genéricas e conclusivas sem qualquer sustento.
vv. Também por este motivo falece qualquer tentativa de responsabilizar a Benfica SAD no âmbito dos presentes autos, seja quanto aos crimes que foram (efectivamente) objecto de recurso pelo Ministério Público, seja, também, quanto ao crime de corrupção activa por que vinha acusada (e que, no recurso do Ministério Público, não é verdadeiramente abordada).
ww. Na versão dos factos apresentada agora, na fase de recurso, a falsidade informática já não consiste apenas na utilização não autorizada de credenciais de terceiros – a putativa introdução de dados informáticos –, como sucedia na Acusação, mas também nos (novos) factos de esses dados terem alegadamente produzido (i) logs e (ii) ficheiros não genuínos que incluiriam o nome dos titulares das credenciais.
xx. Ora, mesmo que a introdução destes factos permitisse preencher o tipo de crime da falsidade informática, ou qualquer outro – o que manifestamente não sucede –, sempre se encontraria a mesma vedada por força do regime da alteração substancial de factos previsto no artigo 303.º do CPP, pelo que deverão os mesmos ser desconsiderados na decisão a tomar.
yy. Aliás, a interpretação do disposto no artigo 303.º, n.ºs 1 e/ou 3, do CPP no sentido em que não se encontra sujeito ao regime da alteração dos factos e, em particular, da alteração substancial dos factos, o aditamento de novos factos em sede de recurso, por parte do Ministério Público, quando deles dependa o preenchimento integral do tipo objectivo de um crime imputado na acusação, é inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido, da estrutura acusatória do processo e do direito a um processo justo e equitativo, previstos nos artigos 32.º, n.os 1 e 5, e 20.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca.
zz. Em todo o caso, independentemente da versão dos factos que se analise, a verdade é que não se encontram preenchidos os tipos objectivo e subjectivo do crime de falsidade informática.
aaa. Em primeiro lugar, para que haja uma introdução de dados informáticos tipicamente relevante no contexto do crime de falsidade informática é necessário que essa introdução seja, em última análise, apta e orientada a um acto de falsificação – note-se, a este respeito, que o crime de falsidade informática é, como a doutrina e a jurisprudência unanimemente reconhecem, um crime que adapta ao ambiente digital o crime da falsificação de documento, p. e p. no artigo 256.º do CP.
bbb. A introdução de credenciais de acesso no Citius ou em qualquer outra plataforma não é um problema de falsidade, mas sim, e no limite, um problema de acesso, tal como seria, por exemplo, se o agente acedesse ao smartphone de terceiro com recurso a PIN de desbloqueio indevidamente obtido.
ccc. Para haver introdução de dados tipicamente relevante, é necessário que haja manipulação de dados informáticos apta a produzir dados ou documentos não genuínos, o que manifestamente não sucede.
ddd. Quanto ao segundo elemento do tipo, entende o Ministério Público – apenas agora, em sede de recurso, já que se absteve de referi-lo na Acusação – que a actuação de JA… produziu dados informáticos não genuínos, na medida em que gerou registos de acesso à área reservada do titular das credenciais indevidamente utilizadas (os logs), bem como deu lugar a impressões desses documentos que poderiam conter o nome do titular das credenciais.
eee. O Ministério Público não tem razão, essencialmente por três razões.
fff. Em primeiro lugar, porque esses dados sempre seriam genuínos, independentemente da legitimidade do agente para aceder ao sistema informático, já que seriam dados informáticos não adulterados e resultantes do normal funcionamento do sistema.
ggg. Apenas assim não sucederia se os ficheiros tivessem sido adulterados de modo a demonstrar que aquelas credenciais foram utilizadas num dia e hora em que não o foram ou a partir de um IP diferente, i.e., se o utilizador tivesse adulterado o registo da informação – diferentemente do caso de o utilizador ter procurado ocultar o seu IP verdadeiro mediante a utilização de um intermediário, pois que o registo do IP do intermediário sempre seria, também ela, genuína, na medida em que não fora manipulada.
hhh. Em segundo lugar, considerar a informação produzida automaticamente pelo acesso não autorizado como um output de informação tipicamente relevante no quadro do crime de falsidade informática esvaziaria de conteúdo o crime de acesso ilegítimo previsto no artigo 6.º, n.os 1, 3 e 5, da Lei do Cibercrime.
iii. Em terceiro lugar, e acima de tudo, os dados informáticos a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime têm de poder ser “utilizados para finalidades juridicamente relevantes” como se fossem verdadeiros o que convoca a necessidade de o agente poder controlá-los, manipulá-los, e opô-los a terceiros com intuito enganador – novamente, nada que tenha sido alegado ou sequer indiciado pelo Ministério Público em qualquer uma das versões dos factos que apresentou.
jjj. Por outro lado, para o cabal preenchimento do tipo subjectivo do crime, seria necessário demonstrar também a verificação dos seguintes elementos subjectivos especiais: (i) a actuação com intenção de “provocar engano nas relações jurídicas”; e (ii) a intenção de que os dados e documentos digitais falsificados “sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes” como se fossem verdadeiros.
kkk. Ora, a intenção de provocar engano nas relações jurídicas pressupõe, desde logo, a existência de uma relação jurídica entre enganador e enganado, o que não sucede no caso em apreço, bem como que a falsificação seja previamente orientada no sentido de ludibriar terceiros em contexto de interacção ou de mera apresentação dos dados não genuínos.
lll. Por seu turno, a intenção de que os dados ou documentos forjados sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se fossem genuínos exige que os documentos revistam aptidão para fazer prova ou demonstrar factos de onde possam resultar consequências jurídicas, designadamente em matéria probatória, bem como que os documentos ou dados informáticos sejam oponíveis a terceiros que com eles possam ser ludibriados.
mmm. Ora, na versão dos factos apresentada em recurso, nem resulta sequer que o Arguido tivesse conhecimento de que a sua conduta geraria os ditos logs ou outros registos com o suposto conteúdo falso – portanto, não existem sequer factos que permitam dar por verificado o elemento cognitivo do dolo (genérico) de falsificação –, quanto mais dos elementos subjectivos especiais exigidos pelo artigo 3.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime.
nnn. A conclusão é, portanto, apenas uma: ainda que toda a factualidade constante da Acusação fosse verdadeira e ainda que todos os factos indevidamente aportados em sede de recurso também o fossem — o que, pelo menos quanto à Benfica SAD, manifestamente não sucede — não existiria fundamento algum para imputar qualquer crime de falsidade informática aos Arguidos.
Por outro lado, quanto ao crime de acesso ilegítimo:
ooo. Ao contrário daquilo que o Ministério Público quis fazer crer no seu recurso, o juiz de instrução não se encontra nem limitado nem obrigado a seguir os passos constantes da acusação trilhados pelo Ministério Público.
ppp. Ao juiz de instrução é legalmente reconhecida plena liberdade para, dentro do objecto do processo, decidir sobre a suficiência de indícios, sem estrita vinculação aos factos e à ordem das questões constantes da acusação.
qqq. No caso sub iudice, a decisão recorrida espelha rigoroso e pleno cumprimento dos parâmetros legalmente definidos, evidenciando um juízo de prognose perceptível sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios, conhecendo, todas as questões cujo conhecimento é legalmente imposto.
rrr. Analisando a acusação do Ministério Público, o Tribunal a quo julgou (fundamentadamente) que por aqueles factos era mais provável que, em julgamento, à Recorrida não viesse a ser aplicada uma pena ou medida de segurança, fosse por que tipo de ilícito penal fosse.
sss. No que à invocada – mas não verificada – omissão de pronúncia diz respeito, importa notar que toda a fundamentação apresentada na decisão recorrida demonstra à saciedade o porquê de não se poderem afirmar suficientemente indiciados tanto o crime de falsidade informática, como o crime de acesso ilegítimo.
ttt. Não houve qualquer omissão da decisão recorrida, tendo sido apreciadas todas as questões a que o Tribunal a quo estava legalmente vinculado a conhecer e que, de facto e de Direito, podia realmente conhecer e decidir.
Noutra vertente,
uuu. A omissão de pronúncia suscitada pelo Ministério Público em recurso é legalmente inadmissível e extemporânea.
vvv. Não estando a omissão de pronúncia em sede de decisão instrutória de não pronúncia legalmente prevista como causa autónoma de nulidade, a ser causa de invalidade do ato processual, sê-lo-ia apenas e só enquanto irregularidade, conforme de forma expressa resulta do disposto no artigo 118.º, n.os 1 e 2, do CPP, assim como tem sido afirmado de forma maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores.
www. Não tendo o Ministério Público suscitado a invocada omissão de pronúncia, quer no decurso da leitura da decisão instrutória de não pronúncia, quer nos três dias que lhe sucederam, reservando para o recurso sob resposta a oportunidade de o fazer, impõe-se decidir que a mesma é extemporânea, em obediência ao artigo 123.º, n.º 1, do CPP.
Ainda que assim não fosse,
xxx. A alegada oferta da vantagem patrimonial determinante da prática do ato corruptivo imputado a JA… terá sido finalisticamente orientada à realização de um ato contrário aos deveres do cargo do agente, neste caso materializado na prática de actos que simultaneamente se subsumem ao tipo criminal de acesso ilegítimo.
yyy. Uma conclusão preliminar se impõe, portanto, nesta fase: estamos perante um mesmo facto que sustenta a imputação de dois tipos de crimes diversos, a corrupção activa e o acesso ilegítimo.
zzz. Apesar de o crime de corrupção se consumar, enquanto facto tipicamente perfeito, no momento da oferta da vantagem indevida, a prática do acto contrário aos deveres do cargo constitui ainda a verificação de um verdadeiro resultado não compreendido no tipo, mas ainda abarcado pelo seu desvalor.
aaaa. Ora, sempre que haja uma pluralidade de incriminações abstractamente aplicáveis ao caso, o intérprete deverá basear-se, não no momento da consumação formal do crime, mas sim no momento da respectiva consumação material para aferir qual dessas normas deverá ceder por forma a evitar a dupla punição pelo mesmo facto.
bbbb. E sendo os crimes de acesso ilegítimo, em rigor, a prática dos actos contrários aos deveres do cargo que consubstancia(m) a consumação material do crime de corrupção activa, deverão considerar-se os mesmos consumidos por este.
cccc. Solução semelhante sempre se imporia mesmo que se considerasse irrelevante para resolução do concurso de normas a distinção entre consumação formal e material, já que, mesmo se a prática do acto contrário aos deveres do cargo não relevasse para a consumação material do crime, a verdade é que a circunstância de se tratar de um ato umbilicalmente ligado ao ilícito originário e dele indissociável, contemplado pelo legislador na própria incriminação, sempre imporia a conclusão de que se trataria de um facto posterior co-punido.
dddd. Deste modo, é forçoso concluir que, no caso concreto, estamos perante uma relação de consumpção entre os vários crimes de acesso ilegítimo e o crime de corrupção activa, sendo este último o tipo-de-ilícito preponderante.
eeee. Assim, impõe-se a conclusão de que, mesmo de acordo com a narração factual da acusação (que se repudia veementemente no que concerne à Benfica SAD), todos os crimes informáticos imputados aos Arguidos se encontram consumidos pela prática do crime de corrupção que lhes é igualmente imputado e que, pelo menos quanto à Benfica SAD, não tem sequer suporte factual mínimo que permita a sua procedência.
ffff. A norma resultante dos artigos 6.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime, e 374.º, n.º 1, do CP, quanto interpretados e aplicados no sentido de admitir a punição em concurso efectivo dos crimes de corrupção activa e de acesso ilegítimo, quando a prática deste crime corresponde simultaneamente ao ato contrário aos deveres do cargo a que se refere aquela norma, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 2.º e 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
Subsidiariamente, quanto à suposta confidencialidade dos dados acedidos:
gggg. O Ministério Público, criticando a decisão instrutória por não ter suprido as deficiências da Acusação, imputa aos Arguidos, a par das condutas típicas do crime matricial de acesso ilegítimo, previsto no artigo 6.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime, o preenchimento dos elementos agravantes da alínea a) do n.º 4 do mesmo artigo, ou seja, a circunstância de “[a]través do acesso, o agente t[er] tomado conhecimento de segredo comercial ou industrial ou de dados confidenciais, protegidos por lei”.
hhhh. A Benfica SAD desconhece em absoluto se houve, ou não, acesso ilegítimo a informação contida em qualquer sistema informático e qual o propósito desse acesso. Contudo, da informação constante da Acusação resulta evidente que, mesmo que tenha havido, não poderá fazer-se a imputação de todos os ilícitos na sua modalidade agravada a qualquer Arguido.
iiii. Desde logo porque, dos 28 processos alegadamente acedidos, apenas 5 se encontravam em segredo de justiça, sendo os restantes públicos e em certos casos já arquivados, pelo que o acesso aos mesmos, ainda que tivesse sido ilegítimo, nunca poderia ter permitido que o agente tivesse tomado conhecimento de informação confidencial ou sigilosa.
jjjj. Assim, e em suma, na eventualidade, que apenas por dever de patrocínio se concebe, de se repristinar a imputação de quaisquer factos ilícitos à Benfica SAD, apesar da evidente ausência de supedâneo factual que o permita, deverá reduzir-se o número de ilícitos de natureza agravada que lhe são imputados para um limite nunca superior a 5.
kkkk. Quanto aos supostos crimes de acesso ilegítimo simples, p. e p. no artigo 6.º, n.º 1, da Lei do Cibercrime, (i) tendo o IGFEJ sido notificado pelo Ministério Público, por via de Ofício com a Ref.ª … (a fls. 73 e 74 dos autos) de que estava em curso uma investigação pela prática de crimes de acesso ilegítimo, solicitando-lhe colaboração na identificação dos seus Autores, e (ii) tendo aquela entidade respondido através de ofício do Vogal do seu Conselho Diretivo (com a Ref.ª S-IGFEJ/2017/…/…), datado de 15.11.2017, com a identificação dos presumíveis autores, deverá considerar-se esta a data relevante para os efeitos do disposto no artigo 115.º, n.º 1, do CP, pelo que a queixa apresentada em 13.07.2018 é intempestiva e, por conseguinte, deverá julgar-se extinto o procedimento criminal.
llll. Os recursos são remédios jurídicos destinados à correcção de vícios (em sentido lato) das decisões, não se destinando, como pretende o Ministério Público, a permitir uma repetição do julgamento antes realizado.
mmmm. A prolação de um despacho de pronúncia dependeria de se terem recolhido, até encerramento da Instrução, os indícios suficientes da verificação dos pressupostos de que depende a aplicação à Recorrida de uma pena (ou de uma medida de segurança), o que não sucedeu.
nnnn. Afirma-se, correctamente, na decisão recorrida: “só pode cometer o crime aquele que tenha, pela função, cargo ou posição que ocupa, capacidade de influenciar e afectar a verdade desportiva” (página 87).
oooo. Igualmente correta é a afirmação: “as ofertas a um agente desportivo, que tenham em vista a prática de um acto que não viole os deveres a que se encontra obrigado, à partida serão tipicamente irrelevantes. Para ocorrer a violação do bem jurídico tem que haver uma transacção fraudulenta, caso se esteja (…) no âmbito da corrupção ou uma vantagem devida ou indevida, que afecte a verdade desportiva, que tenha capacidade de ingerência na actividade desportiva, de falsear ou adulterar um resultado desportivo” (página 87 da decisão recorrida).
pppp. É exigível um acto potencialmente pretendido por quem faz a oferta, ou um acto potencialmente oferecido por parte daquele que solicita a oferta, ou seja, um quadro geral de intencionalidade perante um objectivo, a menos que se presuma a irracionalidade do ser humano.
qqqq. Só assim, por lógico ser, se poderá fazer os juízos de adequação dos nexos que a lógica e que toda a doutrina exige só assim, por lógico ser, para aferir do preenchimento do tipo; nexos esses que estranhamente o Ministério Público vem afirmar que inexistem neste tipo, em interpretação inconstitucional por ser manifestação de um tipo penal assente no proibir por proibir.
rrrr. Sendo igualmente correta a decisão quando se afirma: “Não é todo e qualquer mercadejar ou vantagem que é relevante do ponto de vista criminal” (página 87 da decisão recorrida).
ssss. O artigo 10.º-A, n.º 2, da Lei n.º 50/2007, de 31.08, interpretado e aplicado no sentido de que, para o preenchimento do tipo criminal de oferta ou recebimento indevido de vantagem, se prescinde que a oferta ou promessa seja efectuada num quadro geral de intencionalidade perante um objectivo é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, 29.º, n.os 1 e 4, e 30.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca.
tttt. O tipo constante do artigo 10.º-A, n.º 2, introduzido pela Lei n.º 13/2017, que se imputou à Benfica SAD só abrange factos cometidos após 03.05.2017, termos em que não pode pretender o Ministério Público aplicar o tipo a factos que longamente descreveu na Acusação e que eram prévios a tal data, ou socorre-se deste para dar relevância a factualidade posterior e que não logrou indicar corresponder à prática de crime, tudo ao arrepio do artigo 1.º do CP e do artigo 29.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
uuuu. Ao invocar o artigo 372.º do CP, o Ministério Público esquece ser necessário afirmar, alegando factos, o contexto de uma retribuição de actos futuros ou passados, ainda que indeterminados e a necessidade do funcionário ter efectivamente determinadas competências ou poderes de facto inerentes à sua qualidade que sejam relevantes para que a oferta de vantagem seja logicamente compreensível no quadro típico.
vvvv. Apenas se poderá compreender tal norma considerando que as vantagens que aí se referem, quando o valor exagerado das mesmas, as circunstâncias em que ocorreram e a pessoa de quem provieram não permitam considerar terem as mesmas outro objectivo que não o de criar um “clima de simpatia” ou “permeabilidade”.
wwww. Nada disso se encontra alegado ou indiciado nos autos pois nenhuma evidência foi carreada para os autos de que qualquer vantagem foi oferecida ao agente desportivo, em razão de estar investido no exercício de funções desportivas, antes pelo contrário.
xxxx. Não há confusão alguma do Tribunal a quo entre o artigo 8.º e o artigo 10.º-A pelo facto de se ler correctamente este último, pois que impossível seria que o espírito legislativo fosse o de criar um tipo de responsabilização objectiva e “intemporal” (no sentido de desconsideração do tempo para efeitos típicos)… e isso é que tem sido esquecido pelo Ministério Público desde o início destes autos.
yyyy. Ao invés do afirmado pelo Ministério Público, o tipo do artigo 10.º-A não dispensa a análise de nexos pois, para a doutrina, há um nexo longínquo que cabe sempre aferir: o nexo entre a solicitação do comportamento e o recebimento (ou pelo menos o oferecimento) da vantagem; podendo ainda haver um nexo mais concreto, entre as vantagens solicitadas ou oferecidas e os indeterminados atos passados ou futuros.
zzzz. O que o Ministério Público manifesta não entender é que esta corrupção sem demonstração do ato concreto pretendido não é uma corrupção com oferecimento ou pedido e sem mais nada a montante, nem a jusante!
aaaaa. O que o Ministério Público defende é que pode haver um crime, e um crime grave como é qualquer crime corruptivo, pelo simples facto de existir um oferecimento ou solicitação (ou mesmo recebimento) de vantagem sempre que o mesmo formal e materialmente ocorre a alguém com determinado passado funcional, ou com a mera possibilidade hipotética de futuro funcional.
bbbbb. Se assim fosse, violado estaria o princípio da confiança, violado estaria o princípio da precisão típica, e inconstitucional seria o tipo.
ccccc. Nenhuma doutrina respalda o alegado pelo Ministério Público quando pretende que o crime imputado à ora Recorrida, o do artigo 10.º-A, n.º 2, o seja na modalidade de dádiva de vantagem.
ddddd. A questão, verdadeiramente, não é a de saber como se classifica o tipo penal do artigo 10.º-A, n.º 2, mas a de constatar que inexiste nos autos evidência, como bem decidiu a decisão recorrida, de qualquer acção típica adequada ou apta a colocar em perigo sequer o bem jurídico tutelado, quanto mais para o considerar ofendido…
eeeee. Inexistindo evidência, ainda, que um terceiro tivesse intencionado criar qualquer situação de permeabilidade ou de ter ficado em causa a objetividade decisional do agente.
fffff. Tudo o que na listagem dos pontos 174 a 184 da Acusação consta poderia ser, como se indiciou ser, não uma simpatia funcional / permeabilidade mas antes simpatia pessoal;
ggggg. A factualidade subsumível ao crime pelo qual a Recorrida foi acusada restringe-se aos referidos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 12, 19, 20, 21, 22, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183 e 184 da Acusação, desde logo se concluindo que tal Acusação não continha sequer factualidade suficiente que autorizasse a subsunção da conduta ao crime previsto no artigo 10.º-A, n.º 2, da Lei n.º 50/2007, de 31.08.
hhhhh. Termos em que sempre inexistiu qualquer probabilidade de em julgamento vir à Recorrida a ser aplicada qualquer pena, com a consequência de que bem andou o Tribunal a quo ao não pronunciar a Recorrida.
iiiii. Mesmo porque os contactos havidos entre outros Arguidos não partiram da iniciativa da Recorrida, sendo os mesmos bem reveladores da relação pessoal entre esses terceiros.
jjjjj. O artigo 10.º-A da Lei n.º 50/2007, de 31.08, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2017, de 02.05, quando interpretado no sentido de poder ser aplicado a actos praticados antes da sua entrada em vigor, redunda em norma materialmente inconstitucional por violação do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 4, 32.º, n.ºs 1 e 5, todos da Constituição, o que desde já se argui.
Por outro lado,
kkkkk. Nos termos do artigo 10.º-A, n.º 3, da Lei n.º 50/2007, de 31.08, uma conduta é atípica quando em causa não estiver uma “vantagem indevida”, nomeadamente, por a oferta em causa ser “socialmente adequada ou conforme aos usos e costumes” vigentes.
lllll. As condutas compreendidas na assinalada adequação social, ao serem admitidas ou, por vezes, impostas pelo sentimento geral de justiça subjacente à consciência axiológica comunitária, encontram-se excluídas da previsão de oferta ou recebimento indevido de vantagem, uma vez que não configuram ferimento ou ofensa do bem jurídico protegido pela norma incriminadora (in casu: a lealdade, a verdade e a correção nas competições desportivas).
mmmmm. O que realmente importa, neste contexto, é a demonstração de que o recebimento ou a solicitação de determinada vantagem não têm uma qualquer outra justificação que não seja (para os presentes efeitos) o mercadejar com o cargo de agente desportivo.
nnnnn. Cabe à praxis judiciária articular as conclusões que, a esta luz, retire da conjugação de vários critérios, como sejam, desde logo e entre o mais, o valor da coisa, as circunstâncias / o contexto em que a vantagem foi recebida, a concreta situação e as características de quem a ofereceu ou mesmo a temporalidade.
ooooo. A adequação social de determinadas ofertas, para além do assento consuetudinário que lhe está subjacente, vem, como tal, sendo globalmente reconhecida, designadamente em Portugal, por via da sua previsão em códigos de conduta, no domínio da actividade pública e privada.
pppp. Exemplos disso mesmo são: (i) o “Código de Conduta do Governo”, aprovado por Resolução do Conselho de Ministro n.º 53/2016, de 21.09 –onde se prevê que só a aceitação de bens de valor superior a € 150,00 seria susceptível de poder implicar um condicionamento da imparcialidade e da integridade no exercício de funções; (ii) o Despacho n.º 12284/2014, de 30.09, do Secretário de Estado da Saúde, publicado em Diário da República a 06.10 do mesmo ano – onde se determinou que ofertas dos laboratórios a médicos, farmacêuticos e outros profissionais do sector até ao valor de € 60,00 estavam dispensadas de comunicação ao Infarmed, por serem insuficientemente valiosas para poder condicionar a prática profissional; e, bem assim, (iii) os regulamentos que as mais variadas empresas têm vindo a desenvolver, no âmbito das suas práticas de compliance – onde comummente se prevê a possibilidade de recebimento / dádiva de ofertas, estabelecendo-se valores-limite para o efeito.
qqqqq. Em particular quanto ao “mundo do futebol”, a oferta de bilhetes / convites para assistir a jogos, a oferta de cartão para acesso ao parque de estacionamento e a oferta de artigos de merchandising (nomeadamente, camisolas) é uma prática habitual que tem como destinatários individualidades, mas também (na falta de melhor expressão) cidadãos comuns, sendo esta uma realidade transversal a todos os clubes, dos maiores aos mais pequenos e dos nacionais aos estrangeiros.
rrrrr. Trata-se de uma realidade espelhada na regulamentação internacional e nacional do futebol – concretamente, no Código de Ética da FIFA (Edição 2018) [artigo 20.º, nas UEFA Disciplinary Regulations (Edição 2012) [artigos 11.º e 23.º], nas Directives governing UEFA match officers (Edição 2012) [artigos 4.º e 14.º], nas General Terms and Conditions for Referees officiating at UEFA matches (Edição 2014) [artigo 6.º], no Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol [artigos 59.º, 122.º e 146.º] e no Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal [artigos 62.º e 62.º-A] –, onde se prevê o recebimento / dádiva de ofertas e onde nem sempre se estabelecem limites quantitativos para tais ofertas (mais concretamente: apenas se estabelece o limite de 1,5 unidades de conta / € 153, nos regulamentos nacionais, e apenas desde o primeiro dia da época desportiva 2017/2018, e o limite de € 300,00, nos regulamentos da UEFA).
sssss. Traduzindo a mesma normalidade de actuação, o UEFA Ethics and Disciplinary Inspector, em 21.11.2016, proferiu a decisão de não abertura do processo disciplinar (opening proceedings) no denominado caso dos “Vouchers — Eusébio Kit”, relacionado com a oferta de uma réplica da camisola do Eusébio, de 2 a 4 vouchers para refeiçoar no Museu da Cerveja e de um bilhete para o Museu Cosme Damião, a árbitros, a delegados ao jogo, a representantes do clube adversário e a outras entidades, decisão que veio a ser confirmada por posterior decisão da Control, Ethics and Disciplinary Board, de 07.12.2017, a qual foi, por seu turno, confirmada por decisão do UEFA Appeals Body, de 05.06.2018.
ttttt. Ainda comprovando a assinalada prática, normalizada e transversal, de oferta de bilhetes / convites e artigos de mershandising, no “mundo do futebol”, em geral, a testemunha JM… (em sede de Instrução) (dia 26.11.2018, com início às 14h29m49s e fim às 15h12m22s, ficheiro 20181126142523_9721_64637, a partir de 09m00s, a partir de 10m46sm, a partir de 16m28s, a partir 18m29, a partir de 32m46s e a partir de 42m57s), a testemunha AnS… (em sede de Instrução) (dia 26.11.2018, com início às 15h12m33s e fim às 15h40m55s, ficheiro 20181126142523_9721_64637, a partir de 52m00s, 52m42s, a partir de 54m53s), a testemunha MiB… (em sede de Instrução) (dia 16.11.2018, com início às 17h18m16s e fim às 17h31m43s, ficheiro 20181116160226_9721_64637, a partir de 01h18m47, a partir de 01h20m32s, a partir de 01h22m36s, a partir de 01h24m41s e a partir de 01h21m17s), a testemunha CJ… (em sede de Instrução) (dia 16.11.2018, com início às 17h40m19s e fim às 17h47m40s, ficheiro 20181116160226_9721_64637, a partir de 01h41m04s, a partir de 01h41m14s, a partir de 01h42m35s e a partir de 01h44m14s) e a Assistente Liga Portuguesa de Futebol Profissional, na pessoa de PP… (em sede de Instrução) (dia 20.11.2018, com início às 14h30m19s e fim às 15h04m29s, ficheiro 20181120142529_9721_64637, e.g., a partir de 9m24s, a partir de 13m14s , a partir de 16m53s, a partir de 24m19s, a partir de 34m53s, s partir de 35m42s, a partir de 36m02s e a partir de 36m46s).
uuuuu. Feita uma análise global de todos os dados recolhidos, conclui-se que, de uma perspectiva quantitativa, todas as ofertas em apreço — convites / bilhetes, acesso a parque e produtos de merchandising — têm valor diminuto, não tendo ultrapassado as baias oferecidas pelos Regulamentos do futebol, acima referidos.
vvvvv. Mesmo que assim não fosse — isto é, mesmo que os valores em causa fossem superiores aos valores concretos indicados em tais Regulamentos —, certo é que, para o direito penal (que não meramente disciplinar), o critério do valor é apenas um dos muitos critérios que se tem que ter em consideração na presente análise, não sendo, em bom rigor, aquele que é determinante.
wwwww. Assim, terá necessariamente que se chamar à colação tudo quanto se disse em relação à normalidade, ao costume, ao hábito, na Benfica SAD — como em qualquer outro clube de futebol nacional ou estrangeiro! — de oferecer bilhetes/convites e produtos de merchandising, para as mais diversas pessoas, onde se incluem, como não poderia deixar de ser, pessoas amigas de colaboradores da Benfica SAD.
xxxxx. Em suma e pelas razões expressas em sede de alegações de recurso, as ofertas que se considera terem sido atribuídas por PG… a JL… são socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes da sociedade portuguesa, em geral, mas também (e sobretudo) ao meio sócio-económico em que se inseriram, maxime: “o mundo do futebol”.
yyyyy. Termos em que, se, por mera hipótese de raciocínio, se admitisse que a actuação de PG…, de alguma forma, responsabiliza a pessoa colectiva Benfica SAD e, por conseguinte, esta pudesse ser penalmente responsabilizada pela prática do crime de recebimento indevido de vantagem de que vinha acusada, mas em relação ao qual não foi pronunciada, certo sempre seria que as ofertas que se dizem ter sido feitas a JL… sempre integrariam uma conduta conforme aos usos e costumes, estando por via da sua adequação social afastada a possibilidade da sua punição (artigo 10.º-A, n.º 3, da Lei n.º 50/2007, de 31.08).
zzzzz. Raciocínio, aliás, que se aplica ipsis verbis para as alegadas ofertas passíveis de consubstanciar o crime de corrupção activa de que a Recorrida vinha acusada (e sobre o qual, verdadeiramente, o Ministério Público nada diz no seu recurso) e que, naturalmente, estão também abrangidas pela adequação social e, dessa forma, não são aptas a preencher o tipo criminal em causa.
Meramente à cautela,
aaaaaa. Ainda que fosse, e não é, procedente o recurso, nunca se poderia acolher a pretensão do Ministério Público no sentido de que a Recorrida poderá a vir ser confrontada com uma pronúncia e subsequente condenação na sanção acessória a que se refere o artigo 4.º da Lei n.º 5/2007, de 31.08, uma vez que o mesmo comporta a precisão de três diferentes sanções acessórias (em três distintas alíneas, para mais com sucessivas alterações ao longo do tempo) e o Ministério Público não especificou – em sede Acusação – qual entende ser aplicável.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser julgado inteiramente improcedente, confirmando-se, na íntegra, o despacho de não pronúncia proferido pelo tribunal a quo na parte em que não pronuncia a Benfica Sad por todos os crimes por que vinha acusada.
- em resposta ao assistente P…
a. O percurso mental racional e lógico do Tribunal a quo entre os elementos probatórios que lhe foram oferecidos para apreciar e o resultado probatório a que chega está perfeitamente acessível e compreensível, sendo aplicável o disposto no artigo 425.º, n.º 5, do CPP.
b. Os dois recursos interpostos da decisão a quo são incompatíveis entre si e defendem que o Tribunal recorrido andou bem, por um lado, na aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º do CP (recurso do Ministério Público) e, por outro, na aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 11.º do CP (recurso ora sob resposta).
c. O facto de os dois recursos defenderem a decisão a quo, ainda que em sentido inverso entre eles, demonstra que é a mesma que está correta, não merecendo, portanto, qualquer censura no que respeita à não pronúncia da Recorrida por todos os crimes de que vinha acusada.
d. O Assistente AP…, nos presentes autos, não aderiu à Acusação do Ministério Público, nem apresentou acusação pelos mesmos ou outros factos. Nunca o Assistente AP… manifestou no processo qualquer vontade ou interesse em perseguir criminalmente a ora Recorrida.
e. Aliás, não deixa de ser sintomático que o Assistente só recorra contra a Recorrida e pelo crime de corrupção activa, abdicando, expressamente, dos demais crimes, nomeadamente daqueles em que se afirmava ofendido, i.e., os crimes informáticos.
f. Tal como decorre manifestamente da doutrina e jurisprudência maioritárias, o Assistente AP… não tem, nos termos do artigo 401.º do CPP, legitimidade ou interesse em agir, pelo que o seu recurso não é admissível. Veja-se, a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.02.2001, relatado por Simas Santos.
g. Mais: o Assistente limitou-se a deduzir pedido de indemnização civil baseado exclusivamente nos crimes informáticos, o que também não o legitima a recorrer na parte criminal, como decidiu, e bem, este Tribunal ad quem por acórdão de 21.5.2013.
h. Finalmente, importa notar que o recurso do Assistente AP… é contrário à posição do Ministério Público que, para além de ser o titular da acção penal, foi, dos dois, o único que deduziu Acusação.
i. O mesmo é dizer que, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Ministério Público, que não concorda com o Assistente AP…, e que está vinculado ao princípio da legalidade, teria de pugnar pela não condenação da Benfica SAD, se o julgamento fosse nos moldes em que o Assistente propugna no seu recurso.
j. Pelo exposto, deve o recurso do Assistente AP… ser rejeitado, sem mais.
k. Nas suas páginas 104 e seguintes quanto ao crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e, depois, nas suas páginas 156 e seguintes quanto ao crime de corrupção activa (que está em causa no recurso sob resposta), a decisão a quo, de forma irrepreensível, clara e desenvolvida explica, uma por uma, as razões pelas quais entende não estarem verificados, in casu, os requisitos estabelecidos pelo artigo 11.º, n.º 2, do CP e, consequentemente, por que razão não pode a Benfica SAD ser pronunciada nos presentes autos.
l. No recurso alega-se de forma resumida que a decisão a quo erra: (i) ao não considerar que PG… assume uma posição de liderança na Benfica SAD; (ii) ao não considerar que os actos que lhe são imputados pela acusação foram praticados em nome e no interesse da Benfica SAD; e (iii) ao considerar que não estão verificados os pressupostos do preenchimento do elemento subjectivo da Benfica SAD quanto ao crime de corrupção activa. Não tem razão o Assistente AP….
m. Se é evidente que PG… não exercia cargos em órgãos nem era representante da Benfica SAD, também é claro que inexistiam ainda quaisquer factos ou elementos probatórios (desde logo, porque não corresponde à verdade) que permitissem concluir que o mesmo tinha autoridade para controlar a actividade da ora Recorrida (pressuposto exigido pelo legislador no n.º 4 do artigo 11.º do CP e por toda a doutrina e jurisprudência para se afirmar uma posição de liderança).
n. Aliás, por esse motivo, nem na Acusação se afirmava que PG… exercia funções de liderança na Benfica SAD, nem o Ministério Público pugna por tal conclusão no recurso que apresentou.
o. Lidos e relidos os pontos da Acusação que procuravam contextualizar a posição de PG… na estrutura da Benfica SAD, a conclusão óbvia a retirar era (e é) a de que este ocupava um cargo que, embora relevante, se cingia ao apoio jurídico (e gestão desse apoio), na área específica do futebol profissional, à Administração da Benfica SAD e, em especial, ao seu Presidente, a quem estava vinculado e a quem teria sempre de responder.
p. É isso, para além do mais, que decorre dos Contratos de Trabalho que celebrou com a Benfica SAD e da Descrição da Função que lhe estava acometida.
q. Provavelmente por esse motivo, o Assistente AP… procura, ao longo do seu recurso, transformar o que consta dos documentos, ignorando toda a prova produzida, seja os depoimentos dos Administradores da Benfica SAD, seja daqueles que com a Recorrida se cruzaram profissionalmente.
r. A título de mero exemplo, o próprio organigrama da estrutura da Benfica SAD, junto aos autos durante o Inquérito e indicado no ponto 62 do recurso do Assistente, permite concluir que a área jurídica não é mais do que uma área de suporte, em termos similares à da comunicação. Sendo certo que, pacificamente, ninguém dirá (nem mesmo o Assistente teria tal desplante) que o responsável pela área de comunicação assume uma posição de liderança na estrutura da Benfica SAD.
s. Mais, só certamente por lapso é que o Recorrente afirma que os factos 9, 10, 15, 122, 124, 236, 237 e 238 da Acusação foram julgados indiciariamente provados pelo Tribunal a quo, pelo menos na parte que respeita à Benfica SAD. É que o Tribunal a quo expressamente decide na página 187 que: “Factos Não Indiciados: As referências feitas à Sport Lisboa e Benfica — Futebol, SAD, nos artigos 1 a 205, 208 a 216, 220 a 244 (referências feitas directamente ou por inerência, em função da imputação do crime de corrupção activa de que vinha acusada e sustentado em tais factos). Na acusação serão tidos como não escritos, os artigos 220 e 244 da acusação, em relação à arguida ora mencionada, os quais no entanto se mantêm na peça processual, a fim de não alterar a consequência dos artigos e exclusivamente para este fim”.
t. Como bem refere SUSANA AIRES DE SOUSA, na página 32 do Parecer junto com a resposta apresentada ao recurso do Ministério Público: “No contexto das competências e funções que lhe estavam atribuídas enquanto assessor do órgão de administração para a área jurídica, o arguido PG… não desempenhava funções de gestão, ou poderes de direcção capazes de expressar a vontade colectiva; mas sim funções de assessoria, insuficientes para dar como preenchido o conceito normativo de posição de liderança. Em uma palavra, PG… não representava ou administrava, de direito ou de facto, a Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD. Não basta ao preenchimento de um tal conceito, invocar o desempenho de funções próximas à administração, sob pena de confundir cargos de confiança ou de assessoria com liderança exercida – essa sim – pelo administrador ou por quem tenha funções equivalentes. Um entendimento que atribua ao arguido PG… o estatuto de liderança da arguida Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD corresponde a uma amplitude conceptual não querida pelo legislador em 2007, em total divergência com o significado que deve ser atribuído ao conceito de posição de liderança.” — realce e sublinhado nossos.
u. Andou, pois, bem a decisão a quo na análise que fez da posição, descrita na Acusação, de PG… no seio da Benfica SAD e, consequentemente, bem andou ao determinar que a mesma não permitia preencher os pressupostos da alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º do CP, o que, certamente, este Tribunal ad quem confirmará.
v. De outro passo, não existe qualquer elemento, nomeadamente na Acusação, que vincula tematicamente o processo e foi analisada pelo Tribunal a quo, que permita concluir que PG… agiu em nome e no interesse da Benfica SAD.
w. Não competia a PG…, no seio da Benfica SAD, o acompanhamento dos processos judiciais da Recorrida, que era feito pelo Administrador DS…, directamente, com os advogados externos.
x. Grande parte dos processos judiciais elencados pela Acusação nos pontos 29 a 106 não diziam respeito, nem directa, nem indirectamente, à Benfica SAD, a que acresce um conjunto de outros processos, elencados nos pontos 107 e 108 que nem com futebol se relacionavam (mesmo que tal referência genérica ao futebol chegasse para suscitar o interesse da Recorrida).
y. Da Acusação não resultava um único facto, e do Inquérito e da Instrução um único elemento probatório, que permitisse afirmar que PG… partilhou as informações alegadamente obtidas com uma qualquer outra pessoa da Benfica SAD e, desde logo, com o seu Conselho de Administração e o seu Presidente. Sendo certo que o Ministério Público não conseguiu demonstrar (nem, em sede de recurso, o Assistente) qualquer vantagem obtida pela Benfica SAD motivada pelo alegado acesso às informações confidenciais.
z. Como é unânime, os actos, para serem praticados em nome e no interesse da pessoa colectiva, terão que ser praticados no âmbito de funções e com vista ao desenvolvimento dos objectivos daquela pessoa colectiva. Nada disso resultou demonstrado no caso dos presentes autos.
aa. Não resulta da Acusação qualquer facto (e era de factos que o Tribunal a quo poderia retirar conclusões, e não o contrário) que permita vislumbrar tal actuação em nome e no interesse da Benfica SAD.
bb. Nas palavras de SUSANA AIRES DE SOUSA: “Qual o parâmetro a usar para determinar se um acto foi realizado com intenção de beneficiar a pessoa colectiva? O parâmetro há retirar-se do objecto social e das finalidades em vista dos quais foi constituída a sociedade. É justamente por isso que, como se referiu, a realização do facto “no interesse da pessoa colectiva” não se confunde com algo que seja “do interesse da pessoa colectiva”. A obtenção de uma informação com interesse para a pessoa colectiva não significa que tal obtenção tenha sido realizada no interesse da pessoa colectiva, isto é, como forma de potenciar ilicitamente os fins societários. A conduta será em benefício da pessoa colectiva se ela se integra no objecto social e se se revela apta a facilitar ou favorecer de forma ilícita os fins sociais, sendo o agente físico animado, na sua actuação, por esse fim.”. Nada disto ficou demonstrado nos presentes autos.
Ainda que assim não fosse:
cc. Afirma o Assistente AP…, na página 39 do seu recurso, que não entende como é que estando o elemento subjectivo descrito para PG…, não o está também para a Benfica SAD.
dd. Também o Assistente AP… parece não ter apreendido que a verificação do elemento subjectivo teria que ocorrer não apenas quanto à actuação de PG…, mas também quanto à Benfica SAD, enquanto pessoa jurídica autónoma.
ee. Na sua Acusação, o Ministério Público não concretizava, quanto a cada um dos 30 (trinta) crimes que imputava à Benfica SAD, os factos que sustentavam o elemento subjectivo de cada um deles.
ff. O Ministério Público (e, agora, também o Assistente AP…) cometeu o pecado fatal de decalcar da actuação que imputa a PG… o elemento subjectivo da ora Recorrida, eximindo-se de alegar e demonstrar a vontade da Benfica SAD.
gg. Como bem explicam GERMANO MARQUES DA SILVA e TERESA QUINTELA DE BRITO, o elemento subjectivo das pessoas colectivas é sempre autonomamente construído, não se retirando, sem mais, da actuação das pessoas singulares.
hh. Uma leitura dos pontos da Acusação em que tentativamente se procurava sustentar o elemento subjectivo permite, facilmente, compreender que não existia, quanto ao elemento subjectivo imputado à Benfica SAD, qualquer facto concreto. Como bem refere o Tribunal a quo, o Ministério Público bastou-se com afirmações genéricas e conclusivas sem qualquer sustento.
ii. Também por este motivo falece qualquer tentativa de responsabilizar a Benfica SAD no âmbito dos presentes autos, seja quanto ao crime que foi (efectivamente) objecto de recurso pelo Assistente AP…, seja, também, quanto aos demais crimes que lhe vinham imputados.
Ainda que assim também não se entendesse:
jj. PG… exercia funções que impunham uma relação de confiança, conforme resulta expresso do seu Contrato de Trabalho.
kk. Em tal Contrato, PG… obrigou-se perante a Benfica SAD a: “tanto no âmbito das suas funções, como fora delas, e dado o elevado grau de responsabilidade que ocupa e a eventual e previsível associação do seu nome à Primeira Outorgante, pautar o seu comportamento de acordo com normas de boa conduta e urbanidade, por forma, a que de modo algum, através de comportamentos seus, resulte afectado, junto de terceiros, o bom nome e imagem da Primeira Outorgante e/ou das sociedades do Grupo Benfica”.
ll. Trata-se de uma regra expressa e concreta, estabelecida entre duas pessoas concretas.
mm. PG… estava, também ele, sujeito ao Código de Conduta da Benfica SAD, que lhe foi remetido via e-mail, na sua primeira versão, em 05.12.2012, e na sua versão actual (que entrou em vigor em 01.01.2018) em 15.12.2017.
nn. Na primeira versão do Código de Conduta, no ponto 5.3.2 (que tinha como epígrafe “Integridade”) — que se manteve quando da versão actual —, determinava-se que: “Os colaboradores e membros dos órgãos sociais das empresas do Grupo não podem aceitar ou propor a terceiros ofertas, pagamentos ou outros benefícios que possam criar nos seus interlocutores expectativas de favorecimento nas suas relações com a empresa.” (realce e sublinhado nossos) — conforme documentos n.ºs 4 a 7, juntos com o Requerimento para Abertura da Instrução.
oo. Ou seja, PG… estava expressamente proibido pela Benfica SAD de praticar os actos que, na tese do Ministério Público e, em sede de recurso, do Assistente AP…, terá praticado.
pp. O Código de Conduta da Benfica SAD inclui ainda um conjunto de outras regras e obrigações relativas ao respeito pela concorrência (ponto 5.1.4, com a abstenção de práticas que a falseiem), ao relacionamento com as autoridades públicas (ponto 5.1.5) e à necessidade de cumprimento da legislação em vigor e de actuação com transparência e no respeito pelos valores do Grupo Benfica nas relações com o exterior (ponto 5.2.5).
qq. Tudo regras, ordens e instruções expressas transmitidas a PG…, que a elas estava adstrito. E ordens que PG… confirmou conhecer e a elas estar adstrito! (depoimento prestado em sede de Instrução em 16.11.2018, a perguntas do Ministério Público).
rr. A Benfica SAD, de facto, não delimitou um número limite de bilhetes a oferecer por cada colaborador em cada jogo, mas, naturalmente, tal não significa que esse limite não exista. Existe. É o do bom senso. Não sendo demais reforçar que a ideia de bom senso que foi aflorada na Instrução se refere, apenas e só, como aliás não podia deixar de ser, à oferta de bilhetes e merchandising, nada tem que ver, nem poderia, com a sua eventual utilização para quaisquer fins, muito menos, fins de natureza alegadamente ilícita.
ss. Não resulta dos autos qualquer elemento probatório que demonstre que algum líder da Benfica SAD alguma vez tenha dado um “OK” à utilização de bilhetes e produtos de merchandising para fins ilícitos, ou, aliás, para quaisquer outros, sendo que não se pode confundir “OK” a dar bilhetes com “OK” (que não existe) sobre contexto, finalidades, intencionalidade, etc. desse oferecimento.
tt. Como não resulta dos autos qualquer elemento probatório que permita afirmar que a Benfica SAD tinha razões para desconfiar da conduta de PG…, nomeadamente atendendo a putativas informações privilegiadas a que o mesmo tivesse acesso (e que nunca, a existirem, foram com aquela partilhadas).
uu. Como bem referem FIGUEIREDO DIAS e SUSANA AIRES DE SOUSA, existindo este tipo de regras e ordens concretas e expressas, a alegada actuação de PG… sempre teria sido contra as mesmas, não podendo, em consequência, e nos termos do artigo 11.º, n.º 6, do CP, ser a Benfica SAD responsabilizada.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o recurso interposto pelo assistente AP… ser rejeitado por falta de cumprimento dos pressupostos estabelecidos no artigo 401.º, do CPP, ou, caso assim não se entenda, ser julgado inteiramente improcedente, confirmando-se, na íntegra, o despacho de não pronúncia proferido pelo tribunal a quo na parte em que não pronuncia a Benfica SAD por todos os crimes por que vinha acusada.”
Respondeu ainda o arguido PG… ao recurso interposto pelo Ministério Público concluindo que “Suscita-se a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 310.°, n.°1, 399.° e 413.°, n.°1, todos do Código de Processo Penal, por violação do direito ao processo equitativo, das garantias de defesa e em particular do direito ao recurso, constantes dos arts. 20.°, n.° 4 e 5 e 32.°, n.° 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretadas no sentido de se considerar o arguido impossibilitado de infirmar a decisão instrutória de pronúncia em sede de resposta a recurso de decisão de não pronúncia interposto por um 'outro sujeito processual, designadamente o Ministério Público, quando o referido' recurso afecta o arguido pronunciado e a resposta ao mesmo implica a sindicância directa da decisão de pronúncia, desde logo porque não há razões de celeridade ou de economia processual que se sobreponham às razões de justiça e ao mérito, ou não, da prossecução penal.
Termos em que deve o recurso interposto pelo Ministério Público ser considerado integralmente improcedente, mantendo-se a decisão de não pronúncia recorrida na íntegra, assim se lhe fazendo a costumada ¬e nesta fase processual, possível JUSTIÇA!”
Respondeu ainda o mesmo arguido ao recurso interposto pelo assistente Perdigão concluindo que:
1. O arguido, ora recorrido, não cometeu qualquer crime de corrupção. Não só não cometeu tal crime, como a prova recolhida no inquérito e instrução ou o comprova ou não o desmente. E no que diz respeito à pronúncia de PG…, a decisão recorrida violou, de forma manifesta, o disposto nos arts. 374.°, n.°1, 371.°, n.°1 e 26.° do Código Penal (doravante CP); 44.° n.°s 1 e 2, als. b) e c) e 47.°, n.°s 1 e 2 als. a) e b) da Lei 67/ 98 de 26 de outubro e arts. 308.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP).
2. Como dispõe o art. 310.° n.° 1 do CPP "a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do art. 283.° (...) é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias e incidentais, e determina a remessa imediata dos autos para o julgamento".
3. Todavia, também dispõe o art. 423.°, n.° 1 do CPP que "os sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso podem responder no prazo de 30 dias contados da notificação referida no.° 6 do art. 411.°". Ora, podendo os sujeitos processuais afectados responder, resulta evidente que o podem fazer (especialmente) quanto à parte que os afecta.
4. Até porque a reversão da pronúncia do arguido em resultado da interposição de recurso, ou da apresentação de resposta a recurso interposto pelo Ministério Público ou pelo Assistente não está expressamente prevista no art. 310.° do CPP, ou em qualquer outra disposição relevante do mesmo Código, mas aplica-se por força da norma que prevê que um recurso de um dos co-arguidos aproveita aos restantes (artigo 403° n° 3 do CPP) assim como uma instrução aberta por um dos co-arguidos aproveita também aos restantes (artigo 307° n° 4 do CPP).
5. Na prática, para responder ao recurso interposto pelo recorrente, resta ao arguido PG… a apresentação de um "recurso em forma de resposta" e em coerência, suscita-se a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 310.°, n.°1, 399.° e 413.°, n.°1, todos do Código de Processo Penal, por violação do direito ao processo equitativo, das garantias de defesa e em particular do direito ao recurso, constantes dos arts. 20.°, n.° 4 e 5 e 32.°, n.° 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, quando interpretadas no sentido de se considerar o arguido impossibilitado de infirmar a decisão instrutória de pronúncia em sede de resposta a recurso de decisão de não pronúncia interposto por um co-arguido, quando o referido recurso afecta o arguido pronunciado e a resposta ao mesmo implica a sindicância directa da decisão de pronúncia, desde logo porque não há razões de celeridade ou de economia processual que se sobreponham às razões de justiça e ao mérito, ou não, da prossecução penal. Prosseguindo,
6. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não se pode concordar que se tenha indiciado de forma minimamente suficiente, nem durante a fase de inquérito, nem durante a fase de instrução, o preenchimento dos elementos do tipo criminal de corrupção quanto ao arguido PG… (bem como dos outros crimes pelos quais foi o arguido PG… pronunciado). E caindo a base, de nada serve procurar fazer crescer o topo. Razão pela qual deve improceder o recurso a que ora se responde.
7. O recurso a que ora se responde limita-se, quanto à concreta conduta de PG…, a repetir o que no despacho de acusação é referido, ignorando olimpicamente as incongruências daí resultantes e as lacunas da decisão instrutória.
8. Na verdade, o que se indiciou, em particular quanto ao crime de corrupção, é puramente genérico e conclusivo, tal como são as afirmações do recorrente. Permanece por esclarecer onde está nos autos a prova, ainda que meramente indiciária, de que:
— PG… contratou junto de JA… o "serviço" de aceder a quaisquer processos judiciais?
— PG… fez quaisquer pedidos, deu quaisquer instruções ou indicações a JA… e que estas solicitações tenham determinado qualquer conduta deste último?
— PG… era por JA… posto a par do conteúdo de qualquer processo judicial?
- As ofertas de convites realizadas por PG… eram moeda de troca, ou contrapartida por "serviços de espionagem"?
— PG… fez crer a JA… que haveria uma "boa chance" de o sobrinho deste ser contratado para o Museu do Benfica?
9. Não se fez prova de nenhuma destas imputações que vem o recurso a que se responde dar por adquiridas, de nenhum elemento concreto que permita, com segurança mínima, responder afirmativamente a qualquer destas questões.
10. Por esta razão não pode o recorrido aceitar o referido no ponto 142) do recurso a que se responde, concretamente que tais juízos conclusivos e genéricas sejam corretas premissas assentes da decisão instrutória, que levaram, "como não poderia deixar de ser", à pronúncia de PG… pelo crime de corrupção.
11. E muito menos se pode afirmar o que se afirma no ponto 164) do recurso, isto é, que "foi o interesse da SL Benfica, SAD que animou toda a actuação do arguido PG…". Porque aquilo que o recorrente caracteriza como "toda a actuação" se cinge a conduta plenamente inserida nos hábitos socialmente adequados do meio, mas também porque tal conduta consistiu em ofertas realizadas pelo recorrido a título pessoal, no âmbito de uma relação de amizade.
12. O que invalida, em absoluto, que deva, como defende o recorrente, "levar-se à (actualidade dada como suficientemente indiciada os factos constantes dos artigos 1 a 205, 208 a 216 e 220 a 244 da acusação pública" (p. 40 do recurso a que ora se responde).
13. No que diz respeito à imputação objectiva do crime de corrupção, o requerente não deu ou prometeu dar nada de relevo a "funcionário" (no sentido do art. 386.° do CP), o que deu não configura qualquer vantagem para a prática de um acto/omissão contrários aos deveres de tal cargo, não havia qualquer acordo ou plano ilícito, não constituiu qualquer contrapartida, mas sim algo que se insere plenamente nos usos e costumes adequados socialmente, o que, no limite, exclui a ilicitude da sua conduta.
14. E também quanto à imputação subjectiva, não se provou minimamente (inversamente, continua através do recurso a que se responde a extrapolar livremente) o preenchimento do elemento intelectual e do elemento volitivo (assim como do elemento emocional, ou do elemento subjectivo especial - conexão do comportamento do agente activo /prática de acto ou omissão pelo agente passivo).
15. Ao Tribunal a quo bastou remeter para uma listagem genérica do tipo de prova produzido até então, sem especificar ou discutir a mesma de forma minimamente aprofundada, o que em si mesmo constitui uma violação do disposto no art. 97.°, n.° 5 e 308.° do CPP (veja-se, por referência análoga, o disposto no art. 374.°, n.° 2 do CPP, quanto à sentença), bem como dos arts. 205.°, n.°1 e 32.°, n.°1 da CRP, visto não se terem enumerado rigorosamente os factos provados e não provados, ter-se realizado uma exposição totalmente incompleta dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão e não se ter indicado ou procedido ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
16. Ora, nesta base manifestamente insuficiente e generalista, embarca o recorrente numa repetição de diferentes imputações constantes do despacho de acusação (por exemplo a questão da alegada e completamente infundada promessa de emprego de PG… ao sobrinho de JA…) sobre as quais o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou em concreto.
17. A decisão instrutória de pronúncia, quanto ao arguido PG… e ao crime corrupção, serviu no recurso a que ora se responde como uma espécie de "cheque em branco" para juízos categóricos mas não comprovados de pretensa culpabilidade.
18. Quanto à alegada promessa ou oferta de vantagem, valora o despacho de acusação e o recurso a que se responde (ao abrigo da aridez da decisão instrutória acerca de qual(is) desta(s) imputações foi valorizada como preenchedora do elemento do tipo): a oferta de convites para jogos do SL Benfica, a oferta de camisolas e de um blusão do mesmo clube para JA…, e a alegada promessa de emprego no museu do clube para o sobrinho deste.
19. Ficou amplamente demonstrado no inquérito e na instrução (por prova testemunhal) que o recorrido podia requerer, de forma autónoma e dentro do bom senso, convites para as suas relações pessoais de amizade, como foi este o caso, e como foram outros.
20. Também resultou provado que o recorrido podia, também no âmbito de relações de amizade e dentro da razoabilidade também, ceder acesso ao parque de estacionamento do estádio e a zonas de restauração reservadas, como também não era incomum.
21. Também se provou que o recorrido apenas ofereceu a JA… (e JL…) convites, isto é, acessos ao Estádio sem um valor económico atribuído e cuja venda é, aliás, proibida.
22. E mesmo quanto ao parque de estacionamento, não existe um valor económico associado ao uso dos lugares de estacionamento não vendidos e cedidos.
23. O recorrido também logrou provar que as camisolas oferecidas a JA… não são passíveis de avaliação económica tout court, uma vez que os jogadores do clube e os quadros com determinada posição na hierarquia (entre os quais este se inclui) podem dispor de um número razoável das mesmas, o que é prática habitual e costumeira (como, aliás, todas as testemunhas do meio futebolístico ouvidas durante a instrução referiram).
24. Ficou inequivocamente provado nos autos que as camisolas dos jogadores S… e Sv… (vide respectivos depoimentos em sede de inquérito) encontradas na posse de JA… foram por estes jogadores oferecidas, sem que PG…, ou alguém a seu pedido, tenha feito qualquer diligência nesse sentido.
25. Já quanto ao blusão em causa, o recorrido provou que o pagou do próprio bolso (cfr. Doc. 4 junto com o RAI) para o oferecer ao filho de JA…, como prenda de Natal. O que não constitui qualquer oferta ilícita. Portanto, tais itens não "pertenciam" ou "foram facturados" à sociedade arguida, como erradamente se refere no recurso a que se responde.
26. Estas dádivas, que o recorrente apelida, de forma não substanciada e provada, de "contrapartida" e "moeda de troca", como o recorrido amplamente referiu e provou documentalmente no seu RAI e as testemunhas do meio futebolístico ouvidas em instrução - secundaram e reforçaram, nada têm de excepcional, enquadram-se plenamente na adequação social.
27. Resulta cristalino da legislação, da jurisprudência, da doutrina e dos usos e costumes, que as ofertas de convites para assistir a um jogo de futebol ou de camisolas de um clube de futebol (e estas foram-no até ofertas de jogadores e não do recorrido) não configuram qualquer conduta ilegal, ilícita, censurável e muito menos criminosa.
28. Tal adequação social é excludente da ilicitude, por aplicação da denominada "teoria da adequação social", tradicional e pacificamente aceite pela jurisprudência e doutrina portuguesas. Não entender isto é não entender o Direito Penal como última ratio do sistema.
29. Quanto à referência que permanece no recurso a que se responde acerca de uma alegada promessa de emprego do recorrido ao sobrinho de JA…, o recorrido reafirma que tal promessa nunca ocorreu.
30. O que sucedeu foi que JA… deu, livre e voluntariamente, ao recorrido um curriculum do seu sobrinho que sonhava trabalhar no Museu do Benfica, não tendo o recorrido prometido dar qualquer seguimento ao processo, nem o tendo feito.
31. Entregar a amigos ou conhecidos, receber de amigos ou de conhecidos (e até de desconhecidos!) currículos de familiares ou conhecidos para determinada posição laboral, não deixa de ser comum no trato social. Não houve, portanto, sequer acto preparatório quanto mais acto de execução criminosa.
32. Quanto à alegada determinação por parte de PG… da prática, por parte de JA…, de actos contrários aos deveres do cargo inexiste nos autos prova das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que PG… tenha solicitado a JS… (ou a JL…) a prática de quaisquer actos ilícitos, designadamente os acessos ao sistema Citius ou às bases de dados da segurança social. Tal não existe nem poderia existir, porque nunca ocorreu.
33. Existem nos autos indícios concretos de uma relação entre PG… e JS… (assim como destes com JL…). Tal é apenas natural, uma vez que se tratam de relações de amizade, de proximidade pessoal, e não de relações enquadráveis como conluio criminoso visando lesar bens jurídicos merecedores de tutela penal.
34. O recorrente, no recurso interposto, faz eco de uma imputação injusta, intangível, genérica e conclusiva. E quando releva aspectos concretos (envio de NUIPCS e outra informação administrativa que não é de conhecimento reservado) sublinha factos inócuos, revestindo, de forma conclusiva, os mesmos de índole criminosa. Fá-lo sem indícios, muito menos com a suficiência exigida para uma pronúncia, em respeito pelo disposto no art. 283.°, n.°2 do CPP ex vi art. 308.°, n.°2 do mesmo diploma.
35. O recurso a que se responde remete, genericamente, o preenchimento dos elementos do tipo para a decisão instrutória e esta, por sua vez, remete, também de forma genérica e não especificada ou discutida, para a indiciação constante da acusação. Esta circunstância de imputação circular em cascata inviabiliza, em absoluto, a defesa do arguido PG… e a sindicância da tese acusatória, esvaziando a fase de instrução de efeito prático útil imediato, quanto ao crime de corrupção.
36. Quanto à identificação dos NUIPC que o Tribunal a quo percepcionou, erradamente, como "pressão", a decisão instrutória sobrevalorizou as imagens (fls. 16, Apenso F, Vol. 7 e fls. 20, Apenso F, Vol. 7) apreendidas no telefone de JA…, alegadamente correspondentes a "fotos temporárias" supostamente tiradas (por quem?) a um ecrã (qual?) onde se lê "Proc …/…" e "Proc …/… DIAP Porto … Seção".
37. O que nesta imagens remete para o recorrido, é o facto de o seu nome constar como alegado emissor de uma mensagem, que o requerente não se recorda minimamente de ter enviado e que não foi registada informaticamente ou apreendida e que, pior, não evidencia qualquer solicitação a JA… de pesquisa de tais processos. Inexiste nos autos registo informático de tais mensagens e não consta do texto da imagem qualquer solicitação (apenas um NUIPC). Solicitação que, aliás, pela lógica, não faria o menor sentido, porquanto nos processos em causa não estavam sequer em segredo de justiça!
38. O recorrido referiu, nas declarações que prestou durante a instrução que poderia ter enviado tais duas mensagens a JA… (o que é diferente de assumir que as enviou de facto). Mas a tê-las enviado, tê-lo-ia feito, seguramente, em resposta a perguntas genéricas deste sobre processos relacionados com o Benfica na comunicação social. Nunca no sentido inverso como defende a acusação, isto é, pedindo PG… pesquisas sobre aqueles processos.
39. Portanto, não é verdade e não existe prova (porque tal não ocorreu) de:
Pedido de acesso a estes processos por parte de PG…;
Acessos ilegítimo a estes processos em resposta a tal pedido;
Concreto conteúdo destes processos alegadamente observado ilegitimamente
(vazio que se repete em relação a todos ou quase todos os acessos alegadamente ilegítimos referidos na acusação);
Modo, momento ou lugar de qualquer solicitação ou transmissão de um qualquer conteúdo desse processo ao recorrido (vazio que se repete em relação a todos os processos referidos na acusação).
40. A decisão de pronúncia é, portanto, verdadeiramente incompreensível, o que enfraquece, de forma irreparável, o recurso a que se responde. Esta conclusão é ainda mais evidente quando se constata que fica por aqui a valorização da prova realizada pelo Tribunal a quo na decisão instrutória, no que ao crime de corrupção diz respeito.
41. Quanto aos restantes indícios constantes da acusação: nunca o recorrido solicitou qualquer acesso a JA…, razão pela qual este, a ter acedido ilegitimamente a qualquer processo, não o poderá ter feito como contrapartida de qualquer oferta ou promessa do recorrido. Até porque, como já vimos, as ofertas foram realizadas a título pessoal, a sua adequação social é excludente da ilicitude e as alegadas promessas, essas não ocorreram.
42. Em suma, factos cometidos pelo recorrido que preencham os elementos objectivos do tipo criminal de corrupção não ocorreram. Essa é a razão pela qual não se fez prova dos mesmos nos autos, apesar de muito, e bem, se ter procurado.
43. Quanto à imputação subjectiva, o entendimento de que se encontram preenchidos os elementos subjectivos do tipo baseia-se na alegada existência de um "acordo comum" entre os arguidos para aceder a informação secreta e utilizar a mesma em benefício da sociedade recorrida, do qual não se fez prova alguma, quanto mais suficiente.
44. Não existiu qualquer plano conjunto, qualquer solicitação do recorrido, qualquer recebimento a pedido ou qualquer utilização devida ou indevida, de qualquer informação sujeita a segredo, confidencial ou proibida, muito menos como contrapartida de qualquer oferta ou promessa. E não tendo isto existido, nem tendo isto sido provado, qualquer imputação subjectiva - leia-se a título de dolo genérico e dolo especial, incluindo o elemento intelectual e o elemento volitivo, pelo menos - não se encontra minimamente indiciada, quanto mais indiciada de forma suficiente.
45. Portanto, não estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo, ao contrário do que, de forma generalista, entendeu a decisão de pronúncia, em violação do disposto no art. 308.°, n.° 1 do CPP.
46. Quanto ao enquadramento profissional de PG… na sociedade recorrida refere-se que este era à data dos factos trabalhador da Sport Lisboa e Benfica SAD, tendo para tal celebrado um contrato de trabalho a 20 de novembro de 2009.
47. Sendo simplesmente assessor jurídico da Sport Lisboa e Benfica SAD, tendo por responsabilidade a assessoria jurídica do Conselho de Administração em matérias relativas ao futebol profissional, não tendo sido, portanto, evidentemente, Administrador da SAD ou membro de qualquer dos seus Órgãos sociais representativos, nem tendo assumido, no âmbito das suas funções profissionais, qualquer responsabilidade no contencioso não desportivo da sociedade, em qualquer foro e, muito menos, qualquer posição de liderança.
48. Por estas razões deve o recurso a que ora se responde ser considerado improcedente, porque se baseia numa decisão instrutória que, sem apreciar e fundamentar de forma coerente e crítica a prova recolhida, julgou, em relação ao recorrido PG…, erradamente, ao arrepio das regras da experiência e da razoabilidade, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de corrupção.
Termos em que deve o recurso interposto ser considerado integralmente improcedente, revertendo-se a decisão de pronúncia do arguido PG… pela prática do crime de corrupção activa, assim se fazendo a costumada ¬e nesta fase processual, possível - JUSTIÇA!”
Respondeu ainda o arguido JA… ao recurso interposto pelo MP concluindo da seguinte forma:
1. Conforme exposto nas páginas 1 a 8 desta resposta ao recurso, bem como dos documentos e páginas do inquérito a que aí se alude, é evidente, pelo menos, desde Outubro de 2017 que o IGFEJ sabia da existência das suspeitas concretas em causa nos autos e nada fez do ponto de vista da sua denúncia/queixa.
2. Não obstante esta inércia do IGFEJ, é o facto de o MP, mesmo sabendo que não disponha de legitimidade para a investigação e acção penal pelo crime de violação de segredo, ter persistido na sua investigação, não se coibindo de o mencionar, expressamente, na lista de crimes indiciados a quando da delegação do presente inquérito na PJ.
3. Vir agora, em sede de recurso, alegar que não se sabia quem era o autor/suspeito, não faz qualquer sentido, até porque, no caso concreto, ninguém melhor que o IGFEJ estava em condições de o identificar, como, de resto, o fez.
4. Ainda que assim não fosse, tal seria, de todo irrelevante, pois, a queixa poderia ter sido apresentada nos autos contra incertos, o que não sucedeu atempadamente, o que, a MMª Juiz declarou e bem, com as consequências legais.
5. Não assiste razão ao MP nesta questão, inexistindo qualquer violação dos art.°s 115° e 49° do CP, verificando-se a extemporaneidade da queixa apresentada pelo IGFEJ.
6. No que à, alegada, omissão de pronúncia pelo facto de subsistirem crimes nos seis meses anteriores à queixa, crê o arguido não assistir razão ao MP, na medida, em que, a questão se coloca do ponto de vista da legitimidade para a acção penal, isto é, sem a apresentação de queixa, não poderia o MP investigar, o que, abusivamente, fez, não qualquer sentido a questão invocada pelo MP na página 7 do seu recurso.
7. Igualmente cremos que não assistir razão ao MP no que ao crime de favorecimento pessoal respeita, não se verificando os vícios de omissão de pronúncia, nem errada interpretação do direito e/ou falta de fundamentação, tudo conforme exposto nas páginas 8 a 16 da nossa resposta.
8, A não pronúncia do arguido tem por base, uma falha objectiva na acusação pública, falha essa que o MP insiste em não reconhecer, mas que a Douta decisão judicial bem espelha: ausência de narração de factos que consubstanciem a prática do crime.
9. Percorrendo a acusação pública, designadamente nos pontos a que, no recurso, o MP se refere nas páginas 16 a 19, aquilo que resulta, globalmente, são considerandos genéricos, evasivos, bem como, repetidos juízos conclusivos, completamente inócuos e irrelevantes do ponto de vista penal,
10. Do recurso apresentado pelo MP resulta, que este pretendia que o MM JIC corrigisse a acusação pública e lhe acrescentasse os factos que ela própria não narrou, o que não faz qualquer sentido, desde logo, desde logo porque não é essa a função do Juiz depois porque tal não constituiu uma obrigação legal, i.é, não é obrigatório por lei que o Juiz se substitua ao MP na narração dos factos concretos, com base nos quais pretende uma condenação.
11. Além disso estando o MP interessado em que o Juiz corrigisse a sua própria acusação e nela se acrescentassem factos teria que o ter requerido e sendo tal indeferido, teria, forçosamente, que arguir a nulidade ou a irregularidade até ao encerramento do debate instrutório — cfr. 120°, n.° 3, al. c), 123°, n.° 1 do CPP). Não o tendo feito, fica sanado o vício processual.
12. É a acusação que fixa o objecto do processo, traçando os limites dentro dos quais se há-de desenvolver a actividade investigatória e cognitória do tribunal. Trata-se de uma decorrência do princípio do acusatório que, nos termos do disposto no art.° 32°, n.° 5 da CRP, estrutura o processo penal. A acusação deverá conter a narração de todos os factos que fundamental a aplicação ao arguido da pena — cfr. Art.° 283°, n.° 3, al, b) do CPP.
13. A verdade é que, no caso concreto, não se encontram, ao contrário do que defende o MP em sede de recurso, na acusação a narração dos concretos actos que consubstanciem acções de «impedir, frustrar ou iludir a actividade probatória e/ou preventiva de autoridade pública em processo criminal movido contra pessoa concreta», nem a forma consumada — como, ab initio, defendia — nem na forma tentada, como agora, no recurso, pretende.
14. Sem prescindir do que se vem expondo, sempre se diga que, o favorecimento, na fase de perseguição criminal, pressupõe que a pessoa favorecida tenha cometido um "crime", ou seja, um facto ilícito típico culposo e punível, coisa que, in casu, nem sequer se encontra indiciado, na medida em que, nos inquéritos citados, mormente, no proc. …/…, não existe acusação proferida contra ninguém, isto não obstante os quase dois anos que a investigação leva. E mais: aquele que o MP entende ser o favorecido (SLB), nem sequer, foi nesse processo, constituído arguido, o que é, claramente demonstrativo da «fraqueza» dos indícios,
15. De igual forma, inexiste razão ao MP no que ao crime de falsidade informática respeita, e isso mesmo resulta do elemento literal da norma, que traduz a necessidade da "intenção de provocar engano nas relações jurídicas", isto é, para que se preencha o crime de falsidade informática é necessário que a agente tenha, por via de qualquer uma das seguintes acções: introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, a intenção de, com a sua conduta, provocar engano nas relações jurídicas.
16. Não se verificando essa intenção ou não resultando a mesma dos factos narrados na acusação pública, como é o caso, não existirá o crime,
17. Percorrendo a acusação, é óbvio que resulta, nem em concreto é imputado ao arguido que este introduziu, modificou, apagou ou suprimiu qualquer dado informático, com a intenção de enganar qualquer terceiro e muito menos, produziu qualquer documento não genuíno, i.é, não, resultou da sua acção, qualquer documento adulterado.
18. Do ponto de vista objectivo, o crime de falsidade informática previsto n.° 1 do artigo 3° da Lei n° 109/2009, de 15 de Setembro, é integrado, pela introdução, modificação, apagamento ou supressão de dados informáticos ou por qualquer outra forma de interferência num tratamento informático de dados, de que resulte a produção de dados ou documentos não genuínos, consumando-se o crime apenas com a produção deste resultado. (sublinhado e negrito nosso)
19. O MP confunde falsidade informática que, conforme exposto, não existe, com usurpação da identidade virtual ou ciberidentidade, nos termos que melhor se alegam nas páginas 20 a 23 desta resposta, que aqui se dão por reproduzidas.
20. Sucede que a usurpação da ciberidentidade tout court não é, em Portugal, um ilícito criminal autónomo, não sendo, do ponto de vista penal, punível.
21. No caso concreto nos autos, aquilo com que se «fica» é, precisamente e no limite — isto sem prescindir do arguido o negar expressamente — um caso de usurpação de ciberidentidade: alguém que entra num determinado sistema informático (com uma determinada palavra passe ou por qualquer outra forma que se desconhece e os autos não explicam), mas que depois, não faz do ponto de vista do sistema, absolutamente nada, isto é, não introduz, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos, ou seja, não praticou o crime da falsidade informática.
22. Ao contrário do que defende o MP no seu recurso, entende o arguido que não se verifica vício da omissão de pronúncia quanto ao crime de acesso ilegítimo, reproduzindo-se, aqui e agora, tudo o alegado na nossa resposta quanto à falsidade informática, que, humildemente, explanamos nas páginas 16 a 23 desta peça processual, bem como o alegado de 14 a 16 quanto à ausência de narração factos concretos, que, in casu, também se verifica.
23. No mais e quanto ao recurso interposto pelo MP, com o qual, em nada se concorda, de justiça será dizer que, nada há, do ponto de vista da decisão instrutória nada a apontar, estando a mesma devidamente fundamentada, espelhando uma correcta decisão jurídica
Termos em que deve o recurso apresentado pelo Ministério Público ser, julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, fazendo, assim, V. Exªs acostumada JUSTIÇA.
Respondeu ainda ao recurso interposto pelo MP o arguido JM… concluindo que:
1º- O despacho de pronúncia não merece qualquer reparo no que ao arguido JL… diz respeito;
2º- Os convites, que não têm valor comercial, foram oferecidos ao arguido pelo Dr. PG… e pelo Ó…, por força das relações de amizade que os une, conforme ficou devidamente explicado em sede de instrução;
3º- Os convites fazem parte do mundo do futebol e são usuais, consensuais, adequados, e essa prática é socialmente aceite.
4º- Ainda assim, o J…, como observador, tem direito a pedir convites para assistir a jogos em qualquer estádio nacional, é um direito inerente às funções que exerce;
5º - Os acórdãos em questão são públicos;
6º- As camisolas não foram dadas ao J…. Uma foi para o A… e outra para o Ó…;
7º - O MP descontextualizou conversas, não transcreveu as conversas da forma correcta como aconteceram, e interpretou factos e relações normais como criminosas;
8º - O que fez com particular evidência ao não transcrever a frase "MANDA DIZER QUE NÃO HÁ NOVIDADES PROCESSUAIS": sendo que o J… não tinha, e não tem, conhecimento ou ideia do teor da conversa em causa, que, aliás, nem sequer lhe dizia respeito;
9º - Os convites, ainda que se entendesse que não eram oferecidos por força da amizade que une os arguidos, são denominados como "ofertas de cortesia", e os órgãos competentes do futebol já se pronunciaram sobre essa matéria (no caso dos vouchers), dizendo que tais ofertas devem ser entendidas como "hospitalidade" e que é prática comum os clubes oferecerem este tipo de recordações num limite entre 200/300 euros;
10º - Estas ofertas de cortesia correspondem a uma praxe social desportiva de carácter generalizado e indiferenciado, e que estão devidamente legalizadas no sistema de justiça desportiva portuguesa;
11º - No crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, só existe penalização dos actos que se encontrem dentro da esfera dos poderes do cargo que o agente ocupa e que são susceptíveis de preencher o tipo de crime.
12º - Não basta uma ligação acidental ou indirecta, exige-se que o nexo de ligação tem de ser passível de ser considerado por um bonus pater famílias;
13º - Ora, o J… é observador da FPF, e, por isso, não tem qualquer competência no que diz respeito ao futebol profissional
14º - Na formação não há observadores de árbitros (nem sequer o Sport Lisboa e Benfica tinha equipa de futebol feminino antes de 2018);
15º -Não estão preenchidos quaisquer dos requisitos do tipo subjectivo dos crimes pelos quais o MP recorreu, quer no respeita ao seu elemento intelectual, quer ao seu elemento volitivo representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo e vontade dirigida à realização desses elementos, a que acresce o elemento emocional, que também não existe, a consciência da ilicitude;
16º - A intervenção do MP deve ser mínima e proporcional, e a ofensa dos direitos dos cidadãos não se justifica quando a carga ofensiva da sociedade for abaixo do que se justifica para a sua actuação;
17º - Estão excluídas da intervenção do MP as condutas que em determinado contexto são socialmente toleradas e praticadas pela sociedade, mesmo que pudessem justificar uma qualquer espécie de critica á luz de padrões que, noutros planos, também orientam a vida em comunidade;
18º - E tal facto consta do Projecto Lei nº 220/XI, apresentado pelo Partido Socialista - "Do âmbito da norma ficam naturalmente excluídas as ofertas socialmente adequadas á luz da experiência comum, no respeito pelos usos e costumes inerentes à vida social, cabendo á doutrina e á jurisprudência consolidar, nesta matéria, o conceito de adequação social";
19º - Se as instituições que regem o futebol consideram a prática de oferta de convites como de cortesia, o MP, por força da conclusão 16ª, não devia ter tido qualquer intervenção;
20º - Em relação ao crime de corrupção, em particular, exige-se a ligação a um qualquer acto ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva. Esse acto não existe, e nem sequer foi alegado pelo MP.
21º - E no que diz respeito ao requisito da contrapartida? Nada de nada;
22º - A prova produzida pelo J… no que concerne ao empréstimo colocado em causa pelo MP, é cabal, não só por via documental, como por via testemunhal por parte dos dois funcionários do banco;
23º - O MP, no mínimo, violou de forma clara e evidente o princípio do in dúbio pro reu.
Nestes termos, deverá o Tribunal ad quem manter a decisão instrutória no que diz respeito ao arguido JL…, assim se fazendo, novamente, JUSTIÇA,
Veio ainda aderir ao recurso interposto pelo Ministério Público o assistente Sporting Clube de Portugal.
A Srª Juiza sustentou doutamente o decidido.
Subidos os autos a este Tribunal o Srº Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.
Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.
* II – Do mérito dos recursos
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artº 412º nº 1 do Código do Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Pretendem os recorrentes ver apreciadas as seguintes questões:
- Pelo Ministério Público
i. extinção direito de queixa no que respeita ao crime de violação de segredo por funcionário quanto aos arguidos JS… (e por arrastamento de co-autoria aos arguidos JL… e PG…)
ii. pronúncia do arguido JS… pelo crime de favorecimento pessoal;
iii. não pronúncia pela prática de crime de falsidade informática;
iv. não pronúncia pela prática do crime de acesso ilegítimo (em concurso aparente com o anterior);
v. não pronúncia pela prática do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem;
vi. não pronúncia do arguido JL… pela prática de um crime de corrupção passiva;
vii. não pronuncia da Benfica SAD enquanto pessoa colectiva por violação do dever de vigilância;
- Pelo assistente P…:
i. conhecimento da responsabilidade criminal da Benfica SAD por o arguido PG… assumir posição de liderança e agir o interesse colectivo.
Pelo arguido PG…
i. conhecimento da possibilidade do arguido PG… apresentar uma peça de resposta quando foi pronunciado como na acusação;
ii. caso seja admissível a peça nos termos em que foi formulada, conhecimento da verificação de indiciação suficiente da prática dos crimes pelos quais foi pronunciado;
Como é sabido, e resulta do disposto nos artº 368º e 369º ex-vi artº 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Seguidamente das que a este respeitem, começando pelas atinentes à matéria de facto, e, dentro destas, pela impugnação alargada, se tiver sido suscitada e depois dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do Código do Processo Penal.
Por fim, das questões relativas à matéria de Direito.
Será, pois, de acordo com estas regras de precedência lógica que serão apreciadas as questões suscitadas pelos recorrentes.
Contudo, iremos conhecer, depois de decididas as questões prévias, a questão da responsabilidade penal da Benfica SAD pois que esta questão precede a imputação individual dos crimes.
Do conhecimento da possibilidade do arguido PG… apresentar uma peça de resposta quando foi pronunciado como na acusação.
Dispõe o artº 310º nº 1 do C.P.P. que “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.”
No caso concreto, e no que tange ao arguido PG…, uma vez proferida a decisão instrutória este não se apresentou a dela recorrer. O que o arguido fez, ao invés, foi, na sequência da notificação que lhe foi feita de que o Ministério Público e o assistente P… haviam recorrido, vir, sob a capa de uma resposta, alegar o que entende errado na decisão instrutória pugnando pela sua não pronúncia.
O raciocínio do arguido é o seguinte: o Ministério Público e o assistente P… recorreram (aquele entre outros) do facto da sociedade Benfica SAD não haver sido pronunciada. Para que tal pronúncia ocorra há que “retomar” o inicialmente alegado na acusação (de que o arguido agiu em conluio, seja de que forma for, com a sociedade).
Assim sendo, para se conhecer da posição do MP e do assistente ter-se-á de conhecer da posição do arguido PG… e tal acontecendo é legítimo que este se pronuncie.
Ora, com o devido respeito, tal posição não encontra respaldo na letra da lei e até conferiria, a ser aceite, ao arguido a possibilidade de se apresentar perante este Tribunal sem que os demais afectados com a sua posição pudessem responder (na verdade respondeu a um recurso alegando matéria que extravasa o seu âmbito sem que o MP ou o assistente possam responder).
Vejamos, pois …
Parece não merecer qualquer contestação que se o Ministério Público apenas tivesse acusado com toda a factualidade que consta da acusação apenas o arguido e que o JIC tivesse pronunciado qua tale, o arguido não poderia recorrer. Outrossim, não poderia (como o fez) responder pela singela razão que o recurso não existiria.
Assim, se o arguido, acusado individualmente não poderia recorrer da decisão de pronúncia nos precisos termos da acusação segue-se que não é pelo facto de existirem outros co-arguidos que o arguido poderá, agora, responder a um recurso que não lhe diz respeito e do mesmo fazer um recurso tout court.
E tanto basta para que se diga que são legalmente inadmissíveis as “respostas” do arguido PG… não sendo as mesmas de conhecer.
Ainda sobre esta questão dir-se-á o seguinte: o arguido parece esquecer que foi pronunciado nos precisos termos da acusação. Na versão que ficou plasmada na decisão instrutória, o arguido agiu no interesse da Benfica SAD e tal justifica a sua conduta. O que na decisão instrutória se considerou é que, por via da forma como se mostra construído o artº 11º do Código Penal, a Benfica SAD não pode ser criminalmente punida.
No entanto, a factualidade constante da acusação não foi alterada e é por esta razão que o arguido não pode, nem recorrer, nem responder, pois que ninguém se insurgiu contra o que contra si foi arribado.
Nestes termos não se conhece das questões suscitadas nas respostas do arguido PG….
Da possibilidade do assistente P… poder recorrer da decisão instrutória
A questão vem suscitada como questão prévia pela Benfica SAD sendo que esta sustenta que não tendo o assistente aderido à acusação do Ministério Público não pode agora vir, em sede de recurso atacar a decisão instrutória.
Contudo, a solução da questão mostra-se resolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça o qual, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 09.02.2011, publicado em DR n.º 50/2011, Série I de 2011-03-11 decidiu que “Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público”
E tanto basta para reconhecer ao assistente P… o direito de recorrer.
É que, ao contrário do sustentado pela recorrida este Acórdão não se “a aferir a legitimidade do assistente para recorrer com base nos fundamentos indicados no momento do requerimento para a sua constituição.”
Está perfeitamente assente no acórdão referido que “O facto de o assistente, após a aquisição dessa qualidade, não haver tomado qualquer posição expressa até à decisão instrutória ou até à sentença final, apresentando-se apenas a recorrer de uma dessas decisões, não significa, pois, que até aí se tenha alheado do modo como o processo foi sendo conduzido nem, portanto, que o acto de interposição de recurso esteja em contradição com a sua anterior actuação. Significa tão-só que, até ao momento da decisão, concordou totalmente com o desempenho processual do Ministério Público, não vendo razões para, em qualquer momento, agir em sua substituição ou complementar a sua actividade.”
Assim, o acórdão tomou posição expressa sobre questão em tudo idêntica à suscitada pela recorrida pelo que é de aplicar a jurisprudência fixada pelo nosso mais Alto Tribunal e não sustentar a posição da recorrida.
Da extinção direito de queixa no que respeita ao crime de violação de segredo por funcionário
A propósito desta questão verteu-se na decisão instrutória:
«De acordo com o disposto no art° 115°, n° 1, do C.Penal, “…o direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores (…) Diz, por sua vez, o n° 3, que “…o não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa (…)”. Estamos perante um prazo de caducidade, sendo que o período de tempo a considerar para a sua contagem, é o que medeia entre o momento em que o ofendido toma conhecimento do facto e o momento da formalização da queixa. Quanto ao momento em que o ofendido toma conhecimento do facto, considera-se aquele em que o ofendido toma conhecimento do autor ou da pessoa presumivelmente culpada pelo facto, não exigindo a lei uma identificação rigorosa (Neste sentido Figueiredo Dias,” As consequências jurídicas do crime”, ed. 1993, pag. 674). Por outro lado, a queixa “consiste em dar-se conhecimento do facto para que seja promovido o processo, é um acto pessoal que deve ser praticado pelo titular…não necessitando de ser dirigido contra pessoa determinada…” (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, CP. Anotado, 2ª ed. pag. 800). Atento os crimes em causa e a qualificação jurídica concretamente imputada aos arguidos, apenas o crime de violação de segredo por funcionário, imputado aos arguidos JS…, JL… e PG…, em co-autoria, p. e p. pelo art.° 383.°, n.º 1, 386.°, n.º 1, als. a) e b), 26.º e 28.°, do Código Penal (inquéritos e processos sem segredo de justiça) está dependente de queixa para o exercido da acção penal. No caso concreto, a fls. 118 e segs., em 15/11/2017, o IGFEJ, por ofício remetido pelo Vogal do Conselho Directivo, CC…, remeteu para os autos um relatório confidencial, com indicação sobre os sistemas envolvidos no acesso ao citius, identificadores dos objectos no domínio Trib e Justiça, eventos por datas, com o nome do arguido JS… e de JR…, em relação ocorreu arquivamento dos autos. Na sequência do Despacho do Ministério Público, de fls. 113 (deve ler-se 1113), de 8/3/2018, remetido para o referido Vogal do Conselho Directivo, o IGFEJ veio apresentar queixa a fls. 2378, em 13/07/2018. De acordo com o disposto no art° 49°, n° 1, do CP.Penal, “…quando o procedimento criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essa pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo. Tendo o IGFEJ tomado conhecimento dos factos e dos seus presumíveis autores em 15/11/2017, em 15/05/2018 extinguiu-se o direito de queixa em relação aos crimes de crime de violação de segredo por funcionário – em co-autoria com JL… e PG…, p. e p. pelo art.° 383.°. n.º 1, 386.°, n.º 1, als. a) e b). 26.° e 28.°, do Código Penal (inquéritos e processos sem segredo de justiça), prazo este que, como dissemos, é de caducidade. Assim e atento o disposto no art° 127°, do Código Penal, julgo extinto o procedimento criminal instaurado contra o(a) arguido(s) JS…, JL… e PG…, em relação aos crimes de crime de violação de segredo por funcionário – imputados ao arguidos JS…, JL… e PG… , p. e p. pelo art.° 383.°, n.º 1, 386.°, n.º 1, als. a) e b), 26.° e 28.°, do Código Penal».
O Tribunal a quo, como resulta do excerto supra, considerou que o IGFEJ (detentor do direito de queixa) tomou conhecimento dos factos em questão em 15.11.2017. Esta data corresponde àquela em que o IGFEJ remeteu um relatório confidencial ao MP sobre os acessos suspeitos aos domínios Trib e Justica.
Ora, com o devido respeito, não podemos concordar com o Tribunal a quo na análise que fez dos factos.
Na verdade, por ofício de fls. 113 o Ministério Público solicitou ao IGFEJ um conjunto de elementos dos quais não era possível só por si descortinar quais os crimes em causa, quais os lesados ou quais os agentes.
O IGFEJ, mediante a solicitação do MP e depois de seriar os elementos, poderia até descortinar que algo se passava pois que passou a saber que um funcionário de um tribunal acedia a processos de outros ou que magistrados acediam a processos que aparentemente não lhes diziam respeito. Nada mais.
Acompanhamos assim o MP quando este refere que “Entre outras diligências, foi solicitado ao IGFEJ, IP, o envio de elementos que permitissem perceber a origem dos acessos e identificação do agente de tais acessos. Nunca foi transmitido que se investigava o crime de violação de segredo por funcionário (até porque não se sabia na altura), nem quem seria o agente, até porque, relativamente ao agente não se sabia de quem se tratava.
(…)
Em suma, o IGFEJ sabia que havia um processo pendente, no âmbito do qual foram solicitadas várias informações, mas não conhecia mais elementos. Daí também não lhe ser possível elaborar a participação a que se refere o art.º 383º, n.º 3 do Código Penal.
A informação confidencial a que se reporta a decisão instrutória é a resposta à informação pedida em inquérito no sentido de saber quem acedeu. Ou seja, para o IGFEJ tal informação era simplesmente informação solicitada num inquérito, desfasada de contexto.
Por relevante, não deve ser esquecido (e está espelhado na tramitação processual) que, quando se formou a suspeita que o acesso aos processos era efectuado a partir do interior da estrutura do IGFEJ, para o sucesso da investigação era primordial que, pelo menos até que fosse perceptível quem seria o autor dos acessos, esta investigação fosse conhecida apenas pelas pessoas estritamente necessárias.
Assim, não foi dado conhecimento da investigação ao Conselho Directivo do IGFEJ no seu todo, entidade que deveria deliberar, mas apenas a um interlocutor. E mesmo relativamente a este interlocutor, não foram referidos os concretos contornos do caso, para que não fosse do conhecimento do IGFEJ as exactas circunstâncias em investigação.
Acresce que, dada a miríade de crimes que foram investigados e a conexão entre eles, não era possível segmentar a investigação por crimes, pelo que, através do processo de recolha de prova relativamente a uns crimes, foram sendo carreados para os autos, elementos que permitiram que se fossem definindo os contornos de outros.
Quando se consolidaram minimamente os indícios da verificação do crime de violação de segredo por funcionário, foi comunicada ao IGFEJ a pendência dos autos e a existência de indícios que impendiam sobre o oficial de justiça JA…. Essa comunicação aconteceu por altura da detenção do arguido JA… e a sua sujeição a 1º Interrogatório judicial de arguido detido. O arguido foi sujeito a 1º interrogatório no dia 07/03/2018.
Por despacho de 08.03.2018 (fls. 1113), foi determinado que se notificasse o IGFEJ, além do mais, para, querendo, efectuar participação criminal relativamente aos factos pelos quais o arguido havia sido sujeito a 1º interrogatório judicial. O despacho foi cumprido nesse mesmo dia através do ofício cotado a fls. 1114, entregue em mão.
A partir dessa comunicação, o IGFEJ dispunha do prazo de seis meses para efectuar a participação a que se refere o art.º 383º, n.º 3, do Código Penal.
(…)
O IGFEJ, através de requerimento entrado em 26.07.2018 fez chegar aos autos a participação criminal.”
Assim a queixa apresentada foi tempestiva.
Não se discute nos autos a existência de indícios quanto à comissão dos crimes em causa (possivelmente porque se conheceu da questão prévia).
Seja como for, analisados os autos não descortinamos que exista qualquer insuficiência de indícios no que tange à comissão pelos arguidos JS… (e PG… e JL… em co-autoria) de crime de violação de segredo por funcionário, sendo que tal suficiência resulta da análise dos acessos levados a cabo, da ausência de justificação para tais acessos e da qualidade do agente não podendo o arguido desconhecer que ao agir da forma como o fez causa prejuízo ao interesse público, mormente ao interesse da boa aplicação da Justiça.
Assim, determinar-se-á a pronúncia destes arguidos por estes factos.
Da responsabilidade penal da Benfica SAD
Nesta matéria uma primeira nota.
Como é sabido, a regra é a de que só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. E, se bem que, actualmente, cada vez seja menos verdadeiro o brocardo latino societas delinquere non potest, certo é que a responsabilidade criminal das pessoas colectivas continua a ser excepcional, apenas admissível nos casos expressamente previstos na lei.
E é assim que, nos termos do disposto no artº 11º nº 1 do C. Penal, "salvo disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal".
A responsabilidade penal da pessoa colectiva depende, prima facie, das condutas individuais de quem, de acordo com o artº 11º do Código Penal, age imbuído de um estatuto que implique a responsabilização societária ou num quadro em que existe uma falha de vigilância ou controle por parte da pessoa colectiva.
Assim, nesta decisão ou se apurava a existência de indícios suficientes da prática das condutas individuais e depois se via se as mesmas eram transponíveis para a sociedade ou se apurava quem, na comissão dos factos, poderia representar a sociedade e se preenchia os requisitos legais para tal.
Conheceremos da possibilidade imputar a comissão de crimes à Benfica SAD partindo do pressuposto que os crimes, individualmente considerados e como estão descritos na acusação, ocorreram.
Mais tarde nesta decisão conhecer-se-á da verificação de indícios da comissão dos crimes cometidos pelas pessoas singulares (sendo que a imputação à sociedade está já esclarecida).
Uma segunda nota vai para o conhecimento desta questão.
Quer Ministério Público, quer o assistente P…, recorrem da não pronuncia da Benfica SAD pelo que conheceremos da questão uma única vez abordando-a na íntegra e, indistintamente, conhecendo dos argumentos de ambos os recorrentes.
Vamos colocar em termos simples a questão da responsabilidade penal do Benfica Futebol SAD e isto porque a decisão aqui proferida, conquanto técnica, visa essencialmente a pessoa dos arguidos e dos ofendidos os quais (excepção feita ao MP – recorrente – e ao arguido PG…) não são técnicos de Direito e também porque «a questão desperta o maior interesse no universo de adeptos do Sport Lisboa e Benfica e de outras associações».
Por via de regra, como referido, só a pessoa singular – aquela que é capaz de acção e compreensão em razão do seu ser – pode ser passível de culpa.
Em termos criminais e em alguns casos específicos a Lei prevê a responsabilização das pessoas colectivas.
As pessoas colectivas são responsabilizadas nos termos do artº 11º do Código Penal.
Este preceito dispõe nos seus nºs 1, 2 e 4 que “1 - Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal. 2 - As pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de pessoas colectivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos: a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. (…) 4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
Assim, sendo temos que, atento os crimes em causa nestes autos, a Benfica SAD pode, em abstractos ser responsabilizada.
Para ser responsabilizada por via da al. a) do artº 11º do Código Penal, contudo, é necessário que:
1 – O crime seja cometido em seu nome e no interesse colectivo (da Benfica SAD).
Neste particular temos que ver.
Os factos foram materialmente cometidos pelo arguido PG…. Foi este quem, indiciariamente, solicitou aos demais co-arguidos que, em violação dos seus deveres, lhe fornecessem informações que ou não conseguiria ou não conseguiria no momento em que as obteve.
Como é óbvio e decorre do fluir das coisas, o co-arguido L… não se moveu porque o co-arguido G… lhe pediu em seu nome. Não … a percepção que o L… tem é que está a agir para o Benfica, afinal “ o melhor clube do mundo”. Não é porque PG…, indivíduo singular, lhe pede que ele age. Ele age porque PG… trabalha para o Benfica e que o que pede é para o Benfica. O que é, aliás, lógico pois é o Benfica e não o PG… quem, em última análise, beneficia das informações (algo que o próprio L… não pode deixar de compreender).
Como refere o assistente Sporting Clube de Portugal Futebol SAD “(…) uma actuação em nome e no interesse da pessoa colectiva não é aquela que se insira na prossecução do objecto social da mesma mas sim aquela que se revista de uma motivação e finalidade que, no quadro em que surge, não encontra explicação senão em razão do cargo e da qualidade institucional em que o agente se encontra investido. Ou seja, actos pessoais, e que serão imputáveis a quem os pratica, são estritamente aqueles que se encontram ligados à esfera da pessoa, que são insusceptíveis de se repercutir sobre o ente colectivo, que se encontram desprovidos de qualquer conteúdo ou utilidade relevante para o mesmo. Que são, ao fim e ao cabo motivados por razões que só dizem respeito à esfera estrita de quem actua e que perseguem finalidades que apenas a si aproveitam, sem produzir ou serem susceptíveis de produzir quaisquer efeitos benéficos sobre a actividade desenvolvida pelo ente colectivo.”
Ora, a Benfica SAD era quem era visada na maioria dos processos que o arguido PG… pedia que lhe transmitissem informações em troca de recompensas possuindo a Benfica SAD (e não o arguido PG… individualmente) um interesse que lhe é específico, além de dizerem respeito a matéria relacionadas com a área do futebol e da Justiça desportiva.
Assim, é seguro dizer que, de acordo com as regras da experiência, o crime é cometido em nome do Benfica SAD e no interesse da Benfica SAD. (Note-se que esta afirmação não arrasta consigo a afirmação de que a Benfica SAD quis ou conformou-se com a conduta do arguido PG…; apenas significa que o crime foi cometido em nome e no interesse da Benfica SAD).
2 – Por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança
Não restarão dúvidas a ninguém minimamente informado que os legais representantes de uma sociedade ou os seus gerentes (caso existam ante a estrutura societária) ou membros do conselho de administração têm uma posição de liderança decorrendo tal da posição que assumem no interior da sociedade.
São eles, afinal, quem move a sociedade, quem define os seus desígnios.
O arguido PG… não era membro dos corpos sociais da arguida Benfica SAD.
O arguido PG… era, como demonstram os autos, o assessor jurídico da Benfica SAD reportando directamente ao Conselho de Administração tendo a categoria de Director.
As suas funções estão delineadas no seu contrato de trabalho mas talvez, aproveitando as palavras do arguido em instrução, dizer que ele era o “Homem do Futebol” (cfr. ficheiro citius media studio 20181116141808_9721_64637.wma) será o mais correcto. Independentemente do que lhe é apontado na acusação o arguido reconhece que ele era o “Homem do Futebol” e das suas palavras resulta que era ele quem negociava com agentes e jogadores as suas idas e vindas para o clube ou as suas idas e saídas. O próprio arguido reconhece que na dinâmica do clube (SAD) ele, por vezes, dava a cara pelo clube (SAD), negociava e acertava posições em nome da Benfica SAD e que por vezes se apresentava perante o Conselho de Administração para que este ratificasse os negócios que celebrara ele em nome da SAD. Esta é a própria admissão do arguido.
Assim, em “negócios do futebol”, rectius, na aquisição e venda de jogadores, nas relações da Benfica SAD com as instituições do futebol profissional, designadamente a Liga de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol e, em menor medida, com a UEFA e a FIFA e respectivas instituições parajudiciais (sendo que aqui o arguido especificou que a dada altura passavam a ser os advogados da SAD quem a representava) era o arguido o rosto da Benfica SAD.
Não nos podem restar dúvidas, pois, que o arguido representava a SAD, bem como a representava quando o mesmo ia a reuniões com órgãos desportivos (cfr. as declarações do próprio arguido in ficheiro citius media studio 20181116160226_9721_64637.wma, 20’22” e segs.) e que nessa representação, quer no dia a dia como o “homem do Futebol”, quer quando expressamente mandatado para ir a reuniões onde era discutidas questões regulamentares (palavras do arguido quando ouvido em declarações em fase instrutória), ele tinha uma posição de liderança.
Essa posição de liderança seria percepcionada por todos aqueles com quem o arguido interagia pois que, com toda a certeza, viam a Benfica SAD agir de acordo com o decidido pelo arguido.
O arguido era a face do Benfica na área das suas funções. Dentro daquilo que é a normalidade da vida à qual o recorrente Ministério Público apela amiúde, se a questão fosse a venda de camisolas do Benfica não seria o arguido PG… percepcionado como o rosto do Benfica pois que a venda de camisolas não era a sua área de acção.
Ora, a Lei, designadamente o artº 11º do Código Penal, é clara ao não exigir que a posição de liderança seja por ligação formal aos corpos sociais da pessoa colectiva. Tal decorre, desde logo, do nº 5 do preceito ao incluir as associações de facto no rol das pessoas “colectivas” criminalmente responsáveis.
Se uma associação de facto pode ser criminalmente responsabilizada e nestas não existe qualquer vinculação formal dos membros à pessoa, segue-se que em organizações estruturadas o vínculo societário do agente não é requisito para a responsabilização da pessoa colectiva.
A Lei exige uma posição de liderança do agente mas não existe o domínio total da sociedade. Quando o arguido vincula a Benfica SAD em negócios de venda de jogadores, tendo liberdade negocial para o fazer, o arguido G… exerce o controlo sobre a Benfica SAD.
Dir-se-á então: mas uma coisa são negócios de compra e venda de jogadores e outra bem diferente é a procura e obtenção de informação privilegiada sobre o andamento de processos judiciais.
Assim, o que é nosso entendimento (divergindo aqui, quer do recorrente Ministério Público, quer da recorrida Benfica SAD) é que o arguido PG…, porque não pertencente a um corpo social, apenas assumia uma posição de liderança no âmbito e no desempenho das funções que lhe foram cometidas- o futebol profissional, designadamente a compra e venda de jogadores, negociação dos termos dos seus contratos e, até um certo limite, questões referentes às relações da Benfica SAD com FPF e a Liga de Clubes.
Dito de outra forma: se os actos cometidos o forem numa área em que era suposto o mesmo actuar (v.g. na aquisição e venda de passes de jogadores) então o arguido tinha uma posição de liderança.
O arguido já não tem uma posição de liderança se os actos em causa e que ele cometa estejam fora do escopo das suas funções.
É verdade que, como sustenta e bem o Ministério Público, não se pode exigir que o acto delitual para ser imputado a entes colectivos tenha de ser praticado em ordem ao desenvolvimento da sua actividade da sociedade como configurado no seu objecto social. É que, em tais circunstâncias, ao não existir nenhum objecto social em que se inclua a prática de crimes então não nunca haverá responsabilidade penal das pessoas colectivas (ut. Resposta do SCP a fls. 852).
No entanto, aqui não se cura propriamente desse ponto. A questão que se coloca é a de se saber se o empregado que actue fora do âmbito da sua área funcional (entendendo-se por tal o conjunto de funções que lhe foram acometidas) assume uma posição de liderança para efeitos do artº 11º do Código Penal.
Entendemos, que não.
Se um qualquer funcionário de uma qualquer multinacional está obrigado a desempenhar as suas funções na área, v.g., da química e se nesta área tem carta branca para actuar então tem uma posição de liderança se actua na área da química. Se o mesmo funcionário da mesma sociedade decide, sem ordem ou anuência, actua na área financeira da mesma multinacional então esta actuação não é uma actuação que o coloque numa posição de liderança.
Em síntese:
- os membros dos corpos sociais têm sempre uma posição de liderança para efeitos do artº 11º do Código Penal;
- os funcionários da sociedade podem ter uma posição de liderança se:
a) actuarem na área funcional para a qual foram contratados;
b) estejam capacitados pela sociedade para em seu nome actuarem seja porque o cargo lhes confere uma autorização genérica para vincularem a sociedade, seja porque tenham sido individualmente incumbidos de uma tarefa.
Ora, no caso concreto, os factos em causa – a obtenção de informação privilegiada de molde a melhor preparar a forma como a SAD actua em Tribunal – não fazia parte do núcleo duro das funções do arguido. O arguido, como o próprio refere e não é contestado por nenhum elemento dos autos, nunca teve como função acompanhar, conhecer ou interferir nos processos que em Tribunal poderiam afectar a Benfica SAD. Esta função era e foi dada ao escritório de advogados que a Benfica SAD contratara.
Embora tivesse o título de assessor jurídico o que o arguido fazia era contratar jogadores de futebol, vender os seus passes e tratar de quaisquer questões com a Liga de Clubes, a Federação Portuguesa de Futebol e, em menor escala, com a UEFA.
Nestes termos, entendemos que, para efeitos dos factos em causa nestes autos, o arguido não tinha uma posição de liderança nos termos do artº 11º nº 2 al. a) do Código Penal.
3- A posição do Benfica SAD
Aqui chegados poderíamos então, à primeira vista dizer que mais não restaria que não pronunciar a Benfica SAD.
Mas mesmo que assim não fosse sempre a não pronuncia se imporia por diferente razão.
A responsabilização penal das pessoas colectivas pressupõe que as próprias pessoas colectivas ajam com dolo próprio.
Não basta, para efeitos de responsabilidade penal da sociedade, que a pessoa singular que aja o faça típica, dolosa e culposamente. É necessário que a sociedade, de motu propriu, o faça.
Dito de outra forma: A Benfica SAD não pode ser responsabilizada criminalmente se não se determinar que estava a par, quis e pretendeu, por acção ou omissão, as condutas do arguido G….
Se o arguido G… decidiu solicitar informações de processos de forma ilícita, não basta provar que o fez enquanto assessor jurídico do Benfica e com posição de liderança (que já vimos não tinha). É preciso que a Benfica SAD tenha querido que assim seja.
A acção do agente tem de ser conivente com a sociedade para que esta seja responsabilizada.
Obviamente que a Benfica SAD demarca-se da conduta do arguido. Alega que nada fez e em nada contribuiu para o resultado se é que o mesmo se verificou.
O arguido G…, quando ouvido, negou peremptoriamente que alguma vez tivesse recebido qualquer ordem para obter a informação que obteve ou presentear os co-arguidos a fim de receber informação privilegiada (o arguido refere que as ofertas que fez foram num contexto de amizade).
Sejamos, contudo, práticos.
Era a Benfica SAD quem beneficiaria, em última análise, da informação e dos préstimos dos demais co-arguidos. O arguido G… só age porque tal era do interesse da Benfica SAD. Se não fosse do interesse da Benfica SAD, sua empregadora, porque é que uma pessoa que estava bem na vida, tinha um bom emprego (ganhava 5242,41 € líquidos mensais – fls. 1420 dos autos principais) e era respeitado iria por tudo isso em causa sujeitando-se a uma condenação ?
São questões legítimas e poderiam até sustentar um raciocínio do tipo “só faz sentido o arguido G… agir da forma que o fez porque era do interesse da Benfica SAD donde, pela normalidade da vida, foi a Benfica SAD quem pediu as informações e desde sempre soube do sucedido ou, pelo menos, alheou-se da forma como a informação seria obtida.”
Acontece que este raciocínio é um raciocínio de trás para a frente no sentido em que se procura com ele o responsável a partir do resultado.
Ora, este raciocínio é um raciocínio tipicamente policial. Ao polícia interessa apanhar o criminoso. No inquérito em causa a polícia soube o resultado: os acessos e daí partiu para encontrar o culpado. Sempre foi assumido, identificado que foi o “C…” (primeiras referências a PG…), que este agiu em nome do Benfica e não mais se curou em determinar se a instituição estava a par do sucedido e se deu, de alguma forma, a sua anuência à conduta do arguido G….
Dir-se-á mesmo que se procurou apurar as condutas individuais esquecendo o todo que depois se pretendeu ilustrar na acusação. Na acusação refere-se um esquema que parte da Benfica SAD para que esta beneficie de informações privilegiadas e assim possa agir melhor perante eventuais adversidades. No inquérito investigaram-se condutas individuais sem as mesmas serem contextualizadas. E tudo com prejuízo da Justiça que apenas pretende ver clarificadas as situações e punidos eventuais criminosos e dos próprios intervenientes, incluindo a Benfica SAD que assim terá de suportar o pesado labéu da suspeita.
Sempre foi assumido que as acções do arguido G… poderiam ser transpostas, sem mais, para a esfera jurídica da Benfica SAD e assim se prosseguiu sem mais. Exemplo desta posição é o relatório intercalar da PJ que a fls. 626 dos autos refere “Em 08-06-2017, foi instaurado um inquérito pelo Ministério Público, (NUIPC: …/…), por suspeitas da prática de crimes de corrupção activa (actividade desportiva), pelos intervenientes Sport Lisboa e Benfica, PG… e AM…, que ficou conhecido no seio da opinião pública como o "caso dos emails". O caso tornou-se público através da partilha, nos meios de comunicação social, de um acervo considerável de emails, pertencentes a responsáveis do Sport Lisboa e Benfica, e que indiciavam toda uma rede de influências daquele clube, junto de Instituições Públicas e Privadas, para daí retirar vantagens desportivas.
O desenvolvimento daquela investigação «motivou» a necessidade de obtenção de informação privilegiada, junto do sistema judicial, por parte do Sport Lisboa e Benfica, para dessa forma, como já se referiu, poder construir a sua defesa; conseguir antecipar a realização de diligências investigatórias e evitar o efeito surpresa das mesmas; ocultar, manipular e/ou destruir elementos probatórios, etc, etc.” (sublinhado nosso).
Ou seja, sempre se assumiu, a PJ assumiu, que o Sport Lisboa e Benfica, assim quis agir. Contudo, toda a investigação (no que agora releva) seguiu a conduta do arguido PG….
Era ao MP a quem competia transformar o apuramento dos factos num quadro indiciário estável de molde a produzir uma peça sustentada e sustentável em julgamento (se fosse de acusar claro está).
Ao invés e nesta parte temos um assessor jurídico que reporta ao Conselho de Administração (mais especificamente porque ele o disse ao Presidente e a dois administradores) e não se sabe o que reporta.
O arguido G… e os Administradores têm gabinetes no mesmo corredor e não se juntam comunicações, não há e-mails, não há escritos, não se faz prova do tipo de relação existente … nada. Tudo parece que o arguido G… não tem qualquer relação com o Presidente da SAD. Naquela casa parecia ser tudo estanque. Ninguém se conhecia, ninguém falava … nada
E obviamente que isto não faz sentido.
Acontece que as acusações e pronúncias têm de estar sustentadas em provas (ainda que indiciárias) e não em “parece que”, “suponhamos” ou é da “experiência comum” pois que tal não nos leva a nenhuma verdade processualmente satisfatória.
A “verdade processual que se busca em processo penal não se confunde com a verdade ontológica. A verdade processual é o resultado probatório processualmente válido, isto é, a convicção de que certa alegação singular de facto é justificavelmente aceitável como pressuposto da decisão, por ter sido obtida por meios processualmente válidos. A verdade processual não é absoluta ou ontológica, mas uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida. As autoridades judiciárias, mormente o juiz, não dispõem de um poder ilimitado de produção de prova. O thema probandí vai sendo delimitado em cada fase processual e limitados são também os meios de prova admissíveis no processo, os métodos para a sua obtenção e o momento e forma da sua produção: a verdade obtida com tais limitações nos métodos e meios há-de ser por isso também apenas a verdade histórico-prática, uma determinação humanamente objectiva de uma realidade humana” (Ac. S.T.J. de 03.10.2002 in C.J. (S.T.J.) tº 3, 2002)
É da experiência e bom senso que o arguido G… se relacionasse com o Conselho de Administração. Agora como, em que medida, em que grau e com que tipo de autonomia agia eram tudo provas que importava ter coligido para depois se dizer (ou não) que a Benfica SAD anuiu ou pediu ao arguido G… que agisse da forma como indiciariamente o fez ou então (posição sustentada pelo MP) que o Conselho de Administração foi relapso na instauração de mecanismos que prevenissem o resultado.
E isto porque as “regras da experiência” ou as inferências da lógica social não cobrem todas as situações e prestam-se a diversas interpretações.
Retomando a ideia de que o arguido só poderia ter agido assim porque a Benfica SAD tinha nisso interesse pois que de outra forma nada teria feito poder-se-ia contrapor outra explicação a qual encaixaria perfeitamente nos factos apurados e que é esta: “o arguido G… queria tanto ficar bem perante os patrões, mostrar tanto serviço que, à revelia destes, armou todo este esquema de ligações de forma a fazer um brilharete”. Esta explicação alternativa encaixa nos factos e o simples facto de existir como explicação plausível e que se adapta aos factos apurados permite, mais do que não seja, suscitar a dúvida sobre a construção apresentada pelo Ministério Público na acusação. E in dúbio …. pro reu.
Em suma analisado todo o inquérito (e a instrução) não encontramos no mesmo nada que nos diga que a Benfica SAD sabia das acções do arguido P… (se tinha de saber é questão a abordar infra).
Ora, como salienta a Prof.Teresa Brito Quintela no parecer junto aos autos a fls. 1084 “o dolo da pessoa colectiva alicerça-se nos conhecimentos detidos pelas pessoas singulares com posição de liderança que (comprovadamente) intervieram na prática do facto colectivo nos termos do art. 11.°/2, als. a) ou b) do CP.
Mas não só: na afirmação do dolo colectivo releva ainda o conhecimento comprovadamente acumulado, ao tempo do delito, por vias formais e/ou informais de comunicação, ao nível do sector em que o facto ocorreu e, ainda, da direcção da pessoa jurídica, tendo em conta a sua concreta estrutura organizativa-operativa. Ou seja: o dolo colectivo é, sempre, um dolo "agregado" ou "sistémico".
Ao lado do elemento cognitivo, o dolo (da pessoa singular ou colectiva) comporta um elemento volitivo, sob a forma de decisão pela realização típica (arts. 13.° e 14.°, do CP).
A afirmação dos elementos intelectual e volitivo do dolo deve sempre escorar-se em "um circunstancialismo objectivo dotado de idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo]s]" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 643/2009). Circunstancialismo esse que deve ser clara e precisamente invocado e narrado na Acusação, objecto de prova na instrução e no julgamento, e considerado na decisão final.
O que não foi feito na acusação.
Nesta encontra-se uma série de presunções, sob a forma de afirmações genéricas e conclusivas, de todo não fundamentadas em factos claramente demonstrativos do dolo da Benfica SAD, ou, sequer, do conhecimento, dos crimes alegadamente cometidos pelo Arguido PG…, por parte do Conselho de Administração e do seu Presidente, aos quais aquele reportava directamente.”
Como também se refere no dito parecer (fls. 1067 e segs.) “o recurso a juízos de inferência ou às regras da experiência comum, enquanto meios de prova/demonstração do dolo, não se confunde nem substitui à própria factualidade que sustenta a afirmação dos elementos (intelectual e volitivo) do dolo, pois esta tem de ser sempre objecto de prova directa. De contrário, o dolo converter-se-á em "mera interpretação social [de] atos", pura "regra de atribuição de sentido", simples "leitura segundo um código de conduta exterior ao agente, assim se negando a "identidade prévia do comportamento do agente (MARIA FERNANDA PALMA), ao qual, porém, será dirigida a censura de culpa jurídico-penal.
No caso sub judicio, teria de comprovar-se, autónoma e separadamente, o dolo da Benfica SAD quanto a todos os crimes que lhe eram imputados na Acusação.
Essa prova deveria alicerçar-se em factos precisos, identificados e narrados na Acusação, que desde logo evidenciassem o conhecimento dos crimes alegadamente cometidos pelo Arguido PG…, por parte da pessoa com posição de liderança face a ele dentro da estrutura organizatíva-operativa da Benfica SAD.
Mas, para que a Benfica SAD não viesse a ser responsabilizada por uma eventual falha individual dessa pessoa com posição de liderança, seria ainda necessário que a Acusação identificasse e narrasse factos precisos, reveladores do conhecimento, dos crimes alegadamente perpetrados por PG…, por parte do Conselho de Administração da Benfica SAD, ao qual este directamente reportava.
Por último, para demonstrar o elemento volitivo do dolo no plano da pessoa jurídica, a Acusação deveria identificar e narrar factos precisos quanto ao concreto contexto colectivo-objectivo da Benfica SAD em que ocorreram os factos a esta imputados e aos motivos/razões da prática de cada um deles, em ordem a averiguar se, à luz desses motivos/razões, se poderia afirmar, em termos de linguagem social da intencional idade e das suas formas, que a Benfica SAD se decidiu/optou pela realização de cada um deles, ainda que como consequência secundária da sua conduta.
Nada disto foi feito na Acusação; bem pelo contrário. O que nela se encontra é uma série de presunções, sob a forma de afirmações genéricas e conclusivas, de todo não fundamentadas em factos claramente demonstrativos do dolo da Benfica SAD, ou, sequer, do conhecimento, dos crimes alegadamente cometidos pelo Arguido PG…, por parte do Conselho de Administração e do seu Presidente, aos quais aquele reportava directamente (…)”
E tanto justifica, embora por razões não inteiramente coincidentes com as apresentadas pela recorrida a não imputação da responsabilidade pela al. a) do nº 2 do artº 11º do Código Penal.
Para ser responsabilizada a Benfica SAD por via da al. b) do artº 11º do Código Penal (posição defendida em sede de recurso pelo MP), contudo, é necessário que:
1 – o crime seja um do catálogo: que é como referido;
2 – Que o crime seja cometido por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.
É nosso entendimento que esta al. b) é subsidiária da alínea anterior e que cometido o crime por via daquela não pode haver incriminação por via desta e isto porque o que se impõe aqui é tenha existido um lapso nos deveres de controle e vigilância por parte do beneficiário da acção (a Benfica SAD).
Vejamos, pois.
Assim, assente que o arguido não tem uma posição de liderança age sob a autoridade das pessoas que a têm. O arguido age, pois, sob a autoridade do Conselho de Administração a quem reporta.
Não obstante o arguido PG… cria a sua “rede” de informações.
A lei não define propriamente quais os mecanismos de supervisão e controle devem estar colocados de molde a obstar à conduta do agente singular (neste caso o arguido PG…).
No entanto vejamos, pois, de que instrumentos se valeu o arguido. Segundo a acusação o mesmo utilizou convites (que incluem bilhetes), acesso ao Lisboa Lounge com pulseiras (que em termos simples é um restaurante no estádio reservado a convidados considerados importantes e clientes com camarotes ou lugares vip), acesso a lugares de parque e merchandising do clube, promessa de emprego a familiares de co-arguido e ajuda na obtenção de crédito.
Ouvido o arguido G… (ficheiro citius media studio 20181116160226_9721_64637.wma, 01’18” e segs.) este admitiu como provável que numa época ofertasse 300 convites ou 30 convites/jogo, referindo mesmo que tinha perfeita autonomia para pedir convites não existindo limites para os pedir. O arguido G… admite que não necessitava de prestar contas a quem que fosse pois que a obtenção dos mesmos e a sua oferta fazia parte das suas funções na medida em que estas ofertas, depreende-se, eram cortesias para com aqueles que consigo, arguido, negociavam (sendo que ele representava a Benfica SAD). De igual sorte o arguido refere que tem acesso a merchandising (designadamente camisolas e casacos) e que o pode ofertar pelas mesmas razões. No entanto, não restam dúvidas que as ofertas, mesmo na versão do arguido, não foram realizadas como parte das suas funções mas, segundo o próprio, por razões de amizade
Este acesso a produtos da marca Benfica e a convites foi confirmado por JoM…, ouvido a fls. 1409 estando a gravação junta em CD neste apenso a fls. 184 e que é Director Comercial e de Marketing do Sport Lisboa e Benfica. A testemunha referiu que tudo o que não “é jogadores de futebol” é ele que trata na Benfica SAD pelo que tem conhecimento dos pedidos e ofertas feitas.
Referiu que o PG… é responsável por todos os contratos da área de futebol e na SAD.
Esclareceu que o pedido é feito internamente e a área de logística fornece não tendo o Presidente do Clube de autorizar o pedido se feito por um director de primeira linha como era o arguido G…. Se e quando existisse alguma “irregularidade” a responsabilidade era chamada a ele mas que nos últimos 10 anos nunca foi chamado (presume-se pelo Conselho de Direcção ou pelo CEO do grupo) para explicar o que quer que fosse em termos de ofertas.
Esclareceu e foi inequívoco que o arguido PG… fazia os pedidos de merchandising directamente ao departamento da testemunha, mais propriamente ao armazém.
Esclareceu ainda que quando o arguido G… solicitava camisolas elas eram facturadas pelo SLB à Benfica SAD. Quando as compras forem feitas a título pessoal o merchandising é pago, embora com desconto dando como exemplo as facturas do apenso de busca equipa 9.
Referiu que quanto a bilhetes o procedimento é o mesmo. Se o bilhete é institucional não é pago, se for a título pessoal o bilhete é pago.
Esta testemunha refere que não é estranho o arguido G… até Março de 2018 e nessa época que corria ter solicitado 318 bilhetes pois foram mais de 10 jogos, o que significa mais de 30 bilhetes por jogos.
Refere que quando o pedido é feito a nível institucional o director que o pede não está obrigado a dizer para quem é o bilhete.
Referiu-se ainda às pulseiras “LL” como sendo produtos, em principio, produtos de empresa já que permitem um consumo de comida sem pagar (é a empresa que suporta o custo do serviço e não o indivíduo que o utiliza; só excepcionalmente um particular adquire o serviço).
Ora, no que respeita a estas ofertas que o arguido G… podia dispor sem grande controlo, o Ministério Público refere que a Benfica SAD não acautelou forma eficaz a probabilidade de, com as mesmas, o arguido cometer o crime indiciado e não criou mecanismos que prevenissem a sua comissão.
A questão colocamos é que mecanismos seriam de criar ?
Aqui, diga-se, a acusação (que nesta parte até imputa a comissão do delito por via das duas alíneas do nº 2 do artº 11º do Código Penal) não refere quais os mecanismos que deveriam ser implementados nem refere onde é que, na opinião do acusador, está a falha no sistema de vigilância que existia e como e porquê é que a Administração da SAD deveria ter actuado.
É que se existe um dever de vigilância e controle ter-se-á de dizer qual é e onde falhou. No fundo, onde é que a Benfica SAD deveria ter actuado e não actuou. Nada foi dito.
Não basta, quanto a nós, dizer que existe o dever. Seria necessário dizer qual a falha no sistema instalado e como a colmatar. Por exemplo dizer que não foram estabelecidos meios de controlar a ligação entre o convite e o seu destinatário por forma a se saber quais os negócios que estavam por detrás de cada oferta e que esta era a forma de assegurar que ninguém usaria estes convites como forma de corromper terceiros. Isto não foi dito ou alegado e não foi também alvo de investigação.
Assim, e mais uma vez, a carestia factual da acusação apresenta-se e é colmatada, mais uma vez, com uma série de frases feitas e pré-conceitos ao nível subjectivo que não encontram suporte na factualidade apurada.
Diga-se, pois, que visto todo o processado a única hipotética falha que existe será a de não ser obrigatório ao director que solicita o bilhete ou o merchandising que informe qual o fim a que se destina (e esta hipótese é alvitrada neste Tribunal Superior) mas mesmo que assim fosse a diminuta quantidade de bens e bilhetes envolvidos não determinaria uma acção por parte do Conselho de Administração e seria funcionalmente impraticável e criador de emperros burocráticos o estar a justificar todos os pedidos de bilhetes e, por fim, sempre se dirá que se pode dar um fim diverso ao que se pede.
Nestes termos e embora por razões não totalmente coincidentes com as avançadas na decisão instrutória, entende-se não pronunciar a Benfica SAD assim confirmando a decisão proferida.
Ante o ora decidido quanto à Benfica SAD mostra-se prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade suscitadas já que estas pressupunham a possibilidade de responsabilidade penal da Benfica SAD.
Do crime de favorecimento pessoal.
O tribunal a quo não pronunciou o arguido pelo crime de favorecimento pessoal por entender que não estavam verificados os seus pressupostos na acusação.
Dispõe o artº 367º do Código Penal que: “1 - Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 2 - Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com a intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada. 3 - A pena a que o agente venha a ser condenado, nos termos dos números anteriores, não pode ser superior à prevista na lei para o facto cometido pela pessoa em benefício da qual se actuou. 4 - A tentativa é punível. 5 - Não é punível: a) O agente que, com o facto, procurar ao mesmo tempo evitar que contra si seja aplicada ou executada pena ou medida de segurança; b) O cônjuge, os adoptantes ou adoptados, os parentes ou afins até ao 2.º grau ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que viva em situação análoga à dos cônjuges com aquela em benefício da qual se actuou.”
Sobre a verificação indiciária deste crime considerou o Tribunal a quo:
“(…) o crime de favorecimento pessoal trata-se de um crime de resultado, mostra-se necessário que a ajuda do agente impeça, frustre ou iluda actividade probatória ou preventiva de autoridade competente, agindo aquele com a intenção ou com a consciência de evitar que outra pessoa que cometeu um crime seja submetida a pena ou medida de segurança, assim impedindo a realização da pretensão da justiça penal.
Só haverá a consumação do crime de favorecimento pessoal quando, por causa da ajuda prestada: a imposição da pena ou da medida de segurança não tenham lugar; a sanção criminal seja aplicada, mas sendo-o em medida ou espécie menos grave da que seria correcta; tiver havido lugar à aplicação de sanção criminal, mas de modo extemporâneo, por ter ocorrido um sensível atraso na investigação ou na aplicação daquela sanção.
Pelo que, no entendimento do Tribunal, teriam que estar descritos na acusação os factos correspondentes à actuação dos arguidos JL… e JS…, e pelos quais se pudesse extrair e concluir pela verificação dos elementos do tipo criminal em causa e que os arguidos em causa agiram com intenção ou com consciência de evitar que:
- outra pessoa que cometeu um crime (que a acusação não identifica quem é);
- seja submetida a pena ou medida de segurança;
- e que, por causa da ajuda dos arguidos, ajuda que não está identificada qual foi em concreto (para além dos descritos acessos);
- a imposição de uma pena ou medida de segurança não têm lugar;
- a sanção criminar é aplicada, mas é-o em medida ou espécie menos grave da que seria correcta;
- ou houve lugar à aplicação de sanção criminal, mas de modo extemporâneo, por ter ocorrido um sensível atraso na investigação ou na aplicação daquela sanção;
Assim e considerando os factos descritos ou a narração da acusação, os mesmos, no que diz respeito aos factos necessários para integrar os elementos constitutivos do ilícito são afirmações com carácter genérico, vago e meramente conclusiva e insuficientes, dos quais não é possível extrair que os arguidos agiram com a intenção, pelo modo e nas circunstâncias concretas que o artº 367º, nº 1, do Penal, exige que se verifiquem.
Não é referido ou descrito, em algum momento da acusação, processo, acção, ou pessoa, em relação aos quais pudéssemos reportar a verificação da acção típica prevista no ilícito.
Mas dizer por tal decorrer da prova que tivesse sido feita dos factos descritos na acusação - porque a isso obriga, como acima dissemos, quer o artº 283º, nº 3, do C.P.Penal, quer o artº 308º e 309º, do C.P.Penal -, não podendo tal decorrer, hipoteticamente, de um qualquer senso comum ou de uma qualquer “regra da experiência”, pois tal não afasta a necessidade da alegação dos factos na acusação.
Mesmo em relação à actuação descrita nos artigos 84 a 92, da acusação, os factos relativos ao inquérito nº …/…, tais factos não têm, no nosso entendimento, a virtualidade de, desacompanhados de quaisquer outros factos que pudesse concorrer para a corroboração da prática de actos de execução do crime em análise – daqueles que temos vindo a referir, como os que podem preencher a acção típica prevista pela norma incriminatória – suprir a ausência de fundamentação.
A fls. 43 foi junto aos autos certidão do processo nº …/…, de onde consta, o auto de busca e apreensão datado de 19/10/2017, efectuado a PC…, nas instalações do Sport Lisboa e Benfica, e documentos apreendidos, entre os quais se encontram fotocópias de documentos relacionados e com a natureza dos identificados na informação de fls. 2 (cfr. fls. 43 a 63).
Tal documento foi admitido pelo arguido PG…, como tendo-o recebido do arguido JS…, conforme declarações que prestou perante o Tribunal.
Não há qualquer indício da utilização que o arguido tenha dado a esse documento, sendo que dos autos e nomeadamente da documentação existente relativa a este processo, não resulta qualquer acção que tenha sido levado a cabo por alguém e que se pudesse imputar ao arguido JL… e ao arguido JS…, de interferência na tramitação do processo.
E que, em função das características que tal actuação tivesse, pudesse integrar alguma das acções prevista no ilícito penal em causa.
Em consequência do que antecede e da inexistência da narração na acusação, no entendimento do Tribunal, dos factos bastantes que descrevam a participação de cada um dos arguidos agora em causa nos factos objecto do processo, quanto à sua necessária actuação individual, de forma a ser susceptível de lhes imputar os factos em autoria, co-autoria ou cumplicidade, resulta que, inevitavelmente, os factos relativos ao elemento subjectivo do crime em causa são conclusivos e imprecisos.
Isto porque a prova do dolo - a conclusão a que o tribunal chega quanto à intenção do arguido, que esteve subjacente à prática dos factos -, decorre da prova dos factos que narrem a actuação concreta, a participação concreta dos arguidos e dos factos que traduzam a actuação típica prevista pela norma incriminatória.
E é face a esses factos, tendo em atenção as regras da experiência comum, os padrões de percepção das coisas e o modo como uma pessoa comum age, que o Tribunal conclui pela prova do dolo.
Tal não será, no entanto, necessário, se ocorrer uma confissão ou admissão dos factos pelo arguido ou pelos arguidos, o que não foi o caso.
Ora não estando narrados os factos que traduzam a actuação, pelos arguidos, da actuação típica prevista pela norma incriminatória, a forma tabelar como o dolo está alegado é, no caso concreto, para o Tribunal, meramente conclusiva.
Mas o Ministério Público fez a imputação do ilícito, fazendo também referência ao nº 4, do artº 367º, do Penal, que refere a punibilidade da tentativa – embora referindo igualmente o artº 26º, mas também a co-autoria -, o que poderia fazer configurar a possibilidade de estarmos perante a prática do ilícito na forma tentada.
(…)
os actos de execução praticados, que integram o elemento objectivo da tentativa, devem integrar-se num comportamento que o agente decidiu levar a cabo, comportamento esse que, globalmente considerado, é crime. Mas a ocorrência de tal crime pode bastar-se com a simples aceitação de um resultado criminoso, sem que esse resultado tenha sido o móbil, no sentido de causa final da acção. “Crime que decidiu cometer” significa pois, tão só, comportamento que o agente decidiu levar a cabo, comportamento esse que é crime. Se é crime porque aí o dolo se configura como directo, necessário, ou eventual, não interessa (…)” ( cfr. Ac. STJ, 2/04/2009, in www.dgsi.pt ).
Assim, mesmo no caso da tentativa continua aplicável, pensamos, o acima dito, quanto à ausência da descrição dos factos e actos suficientes, que pudessem preencher os elementos objectivo e subjectivo do ilícito.
Acresce – e em complemento do já acima dito, quanto ao processo nº …/… -, da prova recolhida nos autos, nomeadamente das buscas realizadas aos arguidos ou de qualquer outro elemento, não existe qualquer indício de destruição ou ocultação de documentos por parte dos arguidos JS… e JL…, que pudessem de alguma forma preencher do ponto de vista factual os actos de execução do crime agora em causa.
E quanto a um acto de um processo no citius, que o arguido JL… confirmou nas declarações perante o Tribunal, ter pedido ao arguido JS… para eliminar, tinha a ver com um processo de interdição que o arguido JL…, como funcionário judicial, tramitava, de um acto que teria sido incorrectamente tramitado, não havendo indícios de que esteja relacionado com qualquer acto de acesso, da natureza dos descritos na acusação.
Pelo que, em relação aos factos existentes na acusação, sempre teríamos de concluir pela falta de indícios quanto ao crime em causa.
Há que decidir, então, face a todo o que antecede, se a acusação cumpriu, nesta parte, a exigência de indicação precisa dos factos imputados ao arguido, exigência esta que, como já anteriormente dissemos, não é mais do que a emanação do princípio do acusatório consagrado no art.º 32º, nº 5, da CRPortuguesa.
Como igualmente acentuámos, a acusação é a condição e o limite do julgamento, e é através dela que o arguido conhece a real dimensão dos factos que lhe são imputados.
Fazendo uma leitura dos factos acima referidos, considera-se que a acusação, quanto a estes arguidos e quanto ao crime agora em causa, fez uma imputação factual, genérica e imprecisa, na medida em que não concretizou quais os actos que o arguido JS… e JL… praticou e que pudessem traduzir a acção típica prevista no artº 367º, do Penal.
Como acima dissemos, quais os factos correspondentes à actuação dos arguidos JL… e JS…, e pelos quais se pudesse extrair e concluir pela verificação dos elementos do tipo criminal em causa e que os arguidos em causa agiram com intenção ou com consciência de evitar que :
- outra pessoa que cometeu um crime (que a acusação não identifica quem é);
- seja submetida a pena ou medida de segurança;
- e que, por causa da ajuda dos arguidos, ajuda que não está identificada qual foi em concreto (para além dos descritos acessos);
- a imposição de uma pena ou medida de segurança não têm lugar;
- a sanção criminar é aplicada, mas é-o em medida ou espécie menos grave da que seria correcta;
- ou houve lugar à aplicação de sanção criminal, mas de modo extemporâneo, por ter ocorrido um sensível atraso na investigação ou na aplicação daquela sanção;
Assim e perante imputações vagas e meramente conclusivas, os arguidos em causa não poderão refutar concretamente factos que não conhecem e o tribunal não pode, em consequência, formar, nesta parte, uma convicção concreta sobre o objecto do processo.
(…)
Assim sendo, os factos genéricos e conclusivos, nos termos que em concreto se revelam quanto a este ilícito, não podem sustentar uma acusação.
(…)
Deste modo, os factos descritos na acusação, quanto aos arguidos e ilícito em causa, a provarem-se em sede de audiência de julgamento, nunca poderiam conduzir ao preenchimento dos elementos objectivos do crime de favorecimento pessoal que lhes foi imputado na acusação, o que faz com que aquela peça tenha, nesta parte, que ser considerada como violadora do disposto nos artigos 283º, número 3, al. b), do Código de Processo Penal e artº 32º, números 1 e 5, da CRPortuguesa.
(…)
Pelo que a imputação da factualidade reflectida na acusação, quanto a estes arguidos e quanto ao crime agora em causa, inviabiliza a aceitação dessas afirmações para efeitos penais, o que nos leva a concluir - para além da falta de indícios, nos termos acima enunciados -, pela não pronúncia do arguido JA… e JM…, quanto ao crime de favorecimento pessoal que lhes está imputado, em co-autoria, nos termos p. e p. pelo artº 367º, nº 1 e 4 e 26º, do Penal.”
A estas considerações o Ministério Público contrapôs que “ (…) a decisão instrutória não analisou efectivamente a forma tentada do crime, uma vez que, pese embora a ela faça referência, na realidade analisou a tentativa como se de uma consumação se tratasse, entrando em clara contradição ao exigir para a tentativa a verificação dos mesmos indícios e preenchimento dos mesmos pressupostos do crime consumado.”
Desde já adiantaremos que não assiste razão ao recorrente.
Posto de parte a comissão do crime na forma consumada, o Tribunal a quo está correcto na sua decisão de não pronúncia, embora por razões ligeiramente diferentes daquelas aduzidas.
Não há dúvida que o crime é de resultado: o resultado é a comissão de actos que levem a que pessoa indiciada não seja acusada/pronunciada ou condenada ou que, sendo-o, o seja em medida inferior àquela que de outra forma seria ou então que a acção cause significativo atraso na produção de decisão.
Se assim é então o crime tentado é cometido quando, ou agente cometer actos ou omissões forem idóneos a produzir o resultado típico ou que segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas a) e b) do artº 22º do Código Penal (sendo que, no caso concreto, porque inaplicável será de afastar a situação da alínea a) do artº 22º do Código Penal).
Ora para que a tentativa se consumasse com base na al. b) do artº 22º do Código Penal teria a acusação de explicitar que o acesso e a obtenção da informação por via do acesso ao citius levaria à produção do resultado típico. Ou seja, haveria que alegar que o simples aceder e obter dos documentos era idóneo à produção do resultado típico. Tal não foi alegado nem sequer se vislumbra no conjunto indiciário em apreço.
Resta então indagar da aplicação da al. c) do mencionado artº 22º do Código Penal.
Nesta situação ter-se-ia de considerar que a obtenção dos documentos (por via do acesso ao citius) levaria, de acordo com as regras da experiência, ou a preencher um dos elementos do tipo ou a produzir o resultado típico
Ora, da narração fáctica constante da acusação resulta que o arguido JS… faz a pesquisa que lhe é pedida pelo PG… e lhe comunica o resultado.
Desta comunicação nada mais resulta. Não existe provada qualquer conduta por parte do arguido PG… que permita concluir que o mesmo iria fazer algo com a informação que recebera.
Tem razão o MP quando refere que “ Assim, percebemos a sequência habitualmente seguida: processo chega ao conhecimento da Benfica SAD e de PG…, este solicita a JS… que efectua as pesquisas necessárias e transmite a informação da existência do inquérito e dos dados que consegue ir obtendo.” Mas a verdade é que para além deste ponto nada temos.
Para se dizer que o agente irá levar a cabo condutas tendentes ao resultado típico ou ao preenchimento de um dos elementos do tipo constitui algo semelhante a um acto de Fé, a um acreditar que assim pode ser.
E na verdade, na posse dos elementos que solicitou das pesquisas, por antecipação é possível conceber uma miríade de condutas, entre as quais uma interferência nos processos. Excluindo a questão da interdição (em que não há notoriamente crime por se tratar da execução de um acto funcional do agente), o arguido PG… poderia (com ou sem o conluio da Benfica SAD) ir interferir nos processos com vista à obtenção de uma pena mitigada, uma não pronuncia ou um arquivamento.
Em tese poderia ter feito isso tudo ou … nada ter feito.
Não se sabe nem a prova recolhida permite considerar que assim iria acontecer, nem o tipo de informação obtida permite pensar que só assim poderia ser.
Assim, o que temos é que uma variedade de factos poderiam ter lugar mas nada ocorreu.
Até no inquérito n.º …/… (que o MP considera o mais relevante para esta situação) o arguido PG… teve amplo tempo para fazer algo de molde a que a Benfica SAD não fosse beliscada (sendo certo que ali se investigava um «esquema de corrupção na arbitragem para beneficiar o Benfica») e nada fez.
Ora, podemos até pensar, como o faz o MP, que se nada se pretende fazer então porque solicitar a funcionários judiciais que acedam indevidamente a processos ? A verdade é que a resposta a tal questão não é, como o MP faz crer, una. Tal pedido pode ser feita por várias razões. Poderá ser para influenciar futuramente os resultados dos processos, poderá ser para sabendo o que se passa ocultar provas ou poderá ser apenas para se saber antecipadamente o que está a acontecer de molde a, antecipadamente, orquestrar uma defesa. A verdade é que não se sabe porque é que o arguido PG… recebeu a informação e nada fez com ela sendo certo que a obtenção da mesma não é causal a qualquer conduta e que a inércia de acção não permite concluir pelo passo seguinte.
Assim, é pela ausência de indiciação dos factos (não se sabe o que sucederá após a entrega da informação ao arguido PG…), pela falta de alegação de factos (não se alega, porque não se sabe o que se seguirá ou qual o plano do uso da informação) e pela aplicação do princípio in dúbio pro reu (pois que se não se sabe o que irá acontecer e existindo uma variedade de actos que se podem suceder à obtenção da informação processual do citius sendo que se podem seguir actos ilegais, legais ou nenhuns) que há que concluir pela falta de indícios suficientes da prática do crime de favorecimento pessoal ainda que na forma tentada. Da falsidade informática
Sustenta o recorrente Ministério Público que “O Tribunal a quo, por um lado, efectuou errada interpretação de direito ao considerar que os factos indiciados não configuravam falsidade e, por outro lado, incorreu em omissão de pronúncia quanto ao crime de acesso ilegítimo, imputado expressamente na acusação, em concurso aparente, nada dizendo quanto ao mesmo, quando se impunha que se pronunciasse. Quem introduz num sistema informático dados, por exemplo, dados em que se faz passar por outra pessoa, ou criando uma realidade informática que não tem correspondência com a realidade física, pratica o crime de falsidade informática, pois dessa forma cria dados informáticos não genuínos, como aliás tem vindo a ser entendido pela jurisprudência (conclusões 30 e 31 do recurso).
Todos sabemos que ao aceder a um sistema este autentica a entrada do utilizador na sua rede mediante a utilização de um conjunto de dados de identificação, aquilo que se designa por um "username" ou "nome de utilizador" e por uma "password" ou "palavra-chave" ou ainda, "senha de acesso". A utilização conjunta destes elementos de identificação são por isso conhecidos como "log in" e em português, umas vezes no sentido de "códigos de acesso" e outras no de "entrada em rede". Essa autenticação processa-se de modo electrónico num POP, do inglês "point of presence”.
O recorrente sustenta, na sua peça recursal, que os “logs” criados são falsos já que neles consta a identificação de quem não acedeu ao sistema.
Não tem razão … melhor tem razão na questão dos “logs” mas daqui não resulta a comissão de um crime de falsidade informática.
A questão dos “logs”, ou melhor, da sua criação é questão absolutamente nova e nunca alegada na acusação e tal seria suficiente para que o recurso, nesta parte, claudicasse.
Mas vamos até aceitar que os “logs” fazem parte do documento (o que é duvidoso pois que farão parte do processo como um todo sinalizando quem acedeu ao processo). Mesmo fazendo parte do documento o facto deste ter sido acedido por quem não estava autorizado a fazê-lo não se traduz na comissão de um crime de falsidade informática, senão vejamos, o interesse protegido pela norma é a segurança e a fiabilidade de documentos ou outros instrumentos que podem servir de meio probatório e como tal ter consequências nas relações jurídicas.
Assim, o interesse não difere do interesse protegido pelo crime de falsificação no Código Penal, apenas se alargando o quadro desses mesmos interesses.
Como elementos objectivos deste tipo de crime temos:
- o meio ou actividades realizadas para executar o facto ilícito, ou seja, introduzir modificar, pagar, suprimir ou, de acordo com a cláusula geral, de por qualquer forma, interferir num tratamento informático de dados. Por outras palavras, a acção consiste em modificar dados já armazenados ou armazenar novos com o mesmo fim ou utilizá-los nas referidas condições, sendo necessário que a visualização desses dados seja equiparável à existência de um documento não autêntico ou falsificado, ou seja, introduzir, modificar, apagar, suprimir ou, por qualquer outra forma - cláusula geral - interferir num tratamento de dados informático; o objecto da acção são esses mesmos dados ou programas informáticos
- o objecto sobre que incide a acção - dados ou programas informáticos
- necessidade de os dados ou programas serem susceptíveis de servirem como meio de prova
Como elemento subjectivo temos o dolo nos termos gerais a que acresce um dolo específico que caracteriza-se pelo fim de enganar nas relações jurídicas
Em conclusão: o legislador substituiu os elementos do tipo em que fracassavam os tipos tradicionais por outros elementos típicos equivalentes, adaptando-os às notas específicas da criminalidade informática.
Denota-se assim que o texto vem positivar o que face à moderna tecnologia possibilitada pelos computadores já se verificava, ou seja "quando os dados ou programas sejam susceptíveis de servirem como meio de prova, de tal modo que a sua visualização produza os mesmos efeitos de um documento falsificado".
O tipo legal visa equiparar a falsificação de dados que tenham força probatória à falsificação de documentos no sentido tradicional.
O artigo faz referência às mesmas manipulações de dados e programas informáticos que para a fraude informática contendo unia cláusula geral: "quem, ..,. por qualquer outra forma, interferir num tratamento informático de dados". A disposição em causa aplica-se igualmente aos casos em que os dados manipulados não são transpostos para um texto impresso, mas são directamente empregues para outros tratamentos informáticos, como pode acontecer, p. ex. em transacções bancárias, ou em pagamentos. Enfim, as considerações subjectivas, o elemento intencional, correspondem às que se aplicam à falsificação de documentos tout court.
A tentativa não é punível e o crime é público (ou seja, não depende de apresentação de queixa ou acusação particular bastando-se com a mera denúncia ou conhecimento dos factos por parte do Ministério Público).
Conforme já se disse este tipo traduz-se num alargamento ou ampliação da noção tradicional de documento, tal qual vem definido no Código Penal, de modo tal que se faz uma equiparação da falsificação de dados que contenha força probatória à falsificação de documentos no sentido clássico do termo, punida no art. 256º do Código Penal.
Deste modo para que se verifique a prática deste crime sempre é necessária a produção de uma alteração nos dados ou programas informáticos susceptíveis de servirem como meio de prova, tendo assim os mesmos dados ou programas de possuir as características essenciais que se exigem aos documentos probatórios tais como:
a) consubstanciar uma declaração;
b) reconhecer-se, ou ser reconhecível, o seu autor;
c) ter uma função de perpetuação da declaração inserida no documento;
d) ter aptidão para constituir meio de prova no âmbito do tráfico jurídico;
Deste modo as acções levadas a cabo neste tipo acabam por se traduzir na introdução de dados ou programas falsos, na modificação de dados ou programas existentes, em apagar ou suprimir dados ou programas existentes ou por qualquer outro meio interferir no tratamento informático de dados.
Os factos relativos a este ilícito encontram-se descritos nos artigos 1 a 12, 14 a 17, 23 a 108, 110 a 120, 189 a 191 e quanto ao dolo, artigos 230 a 234, pelo que resulta subjacente, à qualificação jurídica feita pelo Ministério Público de tais factos, considerar que ao utilizar as credenciais de acesso de outros utilizadores, sem a respectiva autorização, para acesso e consultas no sistema, o arguido JS… deu informação ao sistema informático de que dispunha de permissão de acesso, quando tal não correspondia à realidade.
Ora, em momento algum se diz que o arguido agente foi para além do uso não permitido das credenciais de terceiras pessoas e que com as mesmas fez diversas consultas dos sistema.
Ora, o cerne da acção típica não é a mera consulta de documentos. É a sua alteração ou inutilização. Na falsidade informática pretende-se, como na falsificação, alterar ou negar aquilo que o documento original transmite. Ora, no nosso caso o agente nada disso fez.
É verdade que que quem consultar o documento depois do agente o ter visto verá que quem o viu pela última vez foi a pessoa de cujas credenciais o agente do facto se apropriou indevidamente.
Acontece que, como refere o recorrido, o abuso da ciberidentidade não é, de per se, crime. Este abuso terá de ser associada a outra conduta para ser criminalmente relevante.
Da mesma forma a alteração dos “logs” só será relevante se o próprio “log” for, à partida, prova e haja sido alterado assim sendo, ele próprio, desvirtuado. É que a Lei é clara ao exigir que o agente interfira num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem. Ora, os “logs” a que o Ministério Público faz referência são documentos produzidos automaticamente com o acesso e o agente nunca quis que os mesmos fossem considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se genuínos fossem.
Assim, estando assente que não existiram alterações nos documentos e que os logs são documentalmente irrelevantes ou sendo-os nunca existiu qualquer intenção da sua utilização nas relações jurídicas, segue-se que o tipo não está preenchido. Do acesso ilegítimo (e das burlas informáticas referidas na acusação)
O Ministério Público, ainda nesta senda, assaca à decisão instrutória uma omissão de pronúncia por entender que o Tribunal não se pronunciou sobre a verificação do crime de acesso ilegítimo que se encontra em concurso aparente com o crime de falsidade informática.
Refere o Ministério Público que “A acusação coloca expressamente a falsidade informática em concurso aparente com o crime de acesso ilegítimo, descreve os acessos, quem acedeu, as datas e locais, os acessos através de credenciais de terceiros e o elemento subjectivo. Ainda assim, o tribunal nada disse. Devem … ser declarada a omissão de pronúncia quanto ao crime de acesso ilegítimo, substituindo-se a decisão de não pronúncia por despacho de pronúncia quanto a este crime.”
Vista a decisão instrutória e não obstante na mesma se referir a existência de acessos ilegítimos, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a verificação ou não, após a conclusão pelo não preenchimento do crime de falsidade informática, pela subsistência de indícios suficientes da prática do crime de acesso ilegítimo.
O art.º 6º da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009, de 15.09) refere-se ao crime de acesso ilegítimo.
Dispõe o preceito que “1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem ilegitimamente produzir, vender, distribuir ou por qualquer outra forma disseminar ou introduzir num ou mais sistemas informáticos dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um código ou outros dados informáticos destinados a produzir as acções não autorizadas descritas no número anterior.
3 - A pena é de prisão até 3 anos ou multa se o acesso for conseguido através de violação de regras de segurança.
4 - A pena é de prisão de 1 a 5 anos quando:
a) Através do acesso, o agente tiver tomado conhecimento de segredo comercial ou industrial ou de dados confidenciais, protegidos por lei; ou
b) O benefício ou vantagem patrimonial obtidos forem de valor consideravelmente elevado.
5 - A tentativa é punível, salvo nos casos previstos no n.º 2.
6 - Nos casos previstos nos n.ºs 1, 3 e 5 o procedimento penal depende de queixa.”
O bem jurídico protegido pela norma é segurança do sistema informático ou aquilo a que se tem chamado a inviolabilidade do domicílio informático.
A infracção tem por fim impedir qualquer penetração nos sistemas ou redes informáticas, ou seja equivale a uma protecção antecipada e indirecta contra riscos de danos e até da espionagem informática.
Em resumo o tipo incriminador tem por finalidade reprimir qualquer penetração abusiva em sistemas ou redes informáticas. É o chamado furtum usus dado que o agente beneficia pelo facto de estar dentro do sistema ou rede informática, uma vez que basta que a vantagem seja tão só a própria utilização do sistema informático, havendo quem considere isto uma forma especial de furto de serviços.
Como elementos típicos temos assim:
- não estar autorizado
- a acção consiste em aceder, de qualquer modo, a um sistema ou rede informáticos.
Assim é um crime de execução não vinculada, dado que o agente pode aceder ao sistema ou rede informáticos mediante qualquer forma, ou seja, e a titulo de exemplo, mediante ou não o uso de password
Como elementos subjectivos temos o dolo nos termos gerais.
Este tipo é complementar da sabotagem informática, dado que se traduz numa protecção antecipada e indirecta da mesma, existindo entre as condutas um concurso aparente, para além de que acaba por ser um tipo residual dentro da própria lei, dado que para a prática de qualquer das condutas incriminadas pela mesma lei, acaba sempre por haver necessidade de acesso a um sistema ou rede informática.
Por ser um crime residual nele se incluem condutas como o “hacking”, o “cracking” ou o “phreaking”.
Dito isto temos que entre a falsidade informática que, no fundo, é o desvirtuar da mensagem do ficheiro, e o acesso ilegítimo existe um concurso aparente pois que este é o primeiro passo daquela. Para se falsificar um registo informático (seja sob que forma for) é necessário aceder ao mesmo.
Ora, foi aqui que a decisão instrutória claudicou pois que analisou (e bem) a questão da falsidade informática mas ao decidir-se pela não pronúncia, não cuidou de analisar se o mero acesso a tais ficheiros da forma como foi feito constituía, por si só, crime.
Convém esclarecer que em rigor não existe uma omissão de pronúncia qua tale mas sim um erro na qualificação jurídica.
Na verdade, o Tribunal a quo debruçou-se sobre a questão que se lhe colocava e que era a da falsidade informática mas não a decidiu de forma correcta pois que deveria ter equacionado se, em razão do não preenchimento de um tipo, existiam ainda elementos de facto que levariam ao preenchimento de um outro tipo.
No fundo, o que se pedia ao Tribunal a quo não era que analisasse se existiam indícios suficientes da prática de um crime mas sim se existiam indícios suficientes de que determinados factos haviam ocorrido e se os mesmos eram susceptíveis de indiciar a prática de um qualquer crime.
Porque assim é, é que não existe uma omissão de pronúncia susceptível de gerar a nulidade da decisão.
A decisão instrutória analisou a factualidade constante do libelo. Não a negou, antes a afirmou confirmando que os acessos existiram.
Sabemos quais foram e quem efectuou os acessos, sabemos ainda que tais acessos não eram autorizados e, com excepção do referente ao processo de interdição, quem os fez não tinha autorização para os fazer. De acordo com o constante da acusação (e que não foi infirmado na fase instrutória) os acessos foram combinados entre os arguidos singulares (a questão da pessoa colectiva será analisada infra e logo se verá se é de incluir a mesma nesta conduta criminosa) e os resultados entre eles transmitidos.
Assim sendo, dúvidas não podem restar que os arguidos JS… e PG… terão de ser pronunciados pela comissão de vinte e oito crimes de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6.º, n.º 4, al. a), da Lei do Cibercrime.
Já os arguidos não têm de ser pronunciados pela comissão do crime de burla informática 221º, n.º 1 do Código Penal (um outro crime que vinha no libelo, que o Tribunal a quo não curou e ao qual o Ministério Público não se referiu)
Na verdade, “Pela amplitude da descrição, o tipo do art. 221.º, n.º 1, do CP parece constituir um mais relativamente ao modelo de protecção contra o acesso ilegítimo a um sistema ou rede informática previsto no art. 7.º da Lei 109/91, de 17-08 (Lei da Criminalidade Informática).
A dimensão típica remete, pois, para a realização de actos e operações específicas de intromissão e interferência em programas ou utilização de dados nos quais está presente e aos quais está subjacente algum modo de engano, de fraude ou de artifício que tenham a finalidade de obter enriquecimento ilegítimo e através do qual se realiza esta específica intenção, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial.
Assim, há-de estar sempre presente um erro directo com finalidade determinada, um engano ou um artifício sobre dados ou aplicações informáticas – interferência no resultado ou estruturação incorrecta de programa, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou qualquer intervenção não autorizada de processamento.
Daí o nomen (“burla informática”) introduzido com a Reforma de 1995, em adaptação da fonte da disposição, a Computerbetrug do art. 263a do Strafgesetzbuch alemão, novo tipo penal, surgido em 1986, que prescinde, no entanto, do engano e do correlativo erro em relação a uma pessoa.
Na interpretação conjugada e também no primeiro módulo da interpretação de uma disposição penal (na identificação dos elementos do tipo, na descrição chegada à letra, por respeito para com os princípios da tipicidade e da legalidade), os nomina têm relevância pelas referências conceptuais na unidade do sistema para que apontam ou que pressupõem. Por isso, a burla informática, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afectação directa em relação a uma pessoa (como na burla – art. 217.º do CP), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados.
As condutas típicas referidas no art. 221.º, n.º 1, do CP constituem, assim, na apreensão intrínseca e na projecção externa, modos de descrição de modelos formatados de prevenção da integridade dos sistemas contra interferências, erros determinados ou abusos de utilização que se aproximem da fraude ou engano, contrários ao sentimento de segurança e fiabilidade dos sistemas.
O bem jurídico protegido é essencialmente o património: o crime de burla informática configura um crime contra o património, por comparação e delimitação relativamente aos bens jurídicos protegidos em outras incriminações, referidas à tutela de valores de natureza patrimonial ou de protecção da própria funcionalidade dos sistemas informáticos (cf. José de Faria Costa e Helena Moniz, Algumas reflexões sobre a criminalidade informática em Portugal, in BFDUC, Vol. LXXIII, 1997, págs. 323-324, e A. M. Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pág. 328 e ss.). A inserção sistemática constitui, neste aspecto, um elemento relevante para a definição e delimitação do bem jurídico protegido. (in Ac. S.T.J. de 05.11.2008, proc. 08P2817, acessível em www.dgsi.pt ).
Ora, no caso que nos ocupa, apenas se apura que foram feitos acessos e não que se haja alterado os ficheiros (e daí a não pronuncia pela falsidade) ou que se haja manipulado os ficheiros acedidos de molde a que os mesmos transmitam uma versão factual diferente da realidade.
Daí a não pronúncia por estes crimes
Do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem
Continuando a conhecer dos fundamentos do recurso do Ministério Público segue-se a questão da indiciação da prática do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem.
Dispõe o artº 10º-A da Lei 50/2007 de 31 de Agosto que 1 - O agente desportivo que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, por interposta pessoa, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, directa ou indirectamente, no exercício das suas funções ou por causa delas, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, de agente que perante ele tenha tido, tenha ou possa vir a ter pretensão dependente do exercício dessas suas funções, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. 2 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a agente desportivo, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias. 3 - Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.”
O recorrente Ministério Público sustenta, neste particular que os arguidos JL…o, PG… (e Benfica SAD) cometeram este crime porque, em síntese, o tipo penal previsto no Código Penal não se restringe “à vantagem para o exercício do serviço”, mas inclui amplamente qualquer vantagem atribuída “por causa” da titularidade da função pública do funcionário”, com o objectivo de criar o chamado “clima de simpatia” ou “permeabilidade” quando “à luz dos critérios da experiência comum, a simples dádiva”, atendendo a determinados factores, como o valor exagerado, as circunstâncias em que ocorreu e a pessoa de quem proveio, “não se mostre justificável de outro modo, assumindo, inequivocamente, o aludido significado de criar um clima de “permeabilidade” ou “simpatia” para posteriores diligências” (como citado na decisão sob recurso), sendo que na oferta ou recebimento a lei prevê que a aceitação ou solicitação pode ser por via indirecta, não tem de haver ligação a qualquer acto, em especial a acto ou omissão destinados a alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva, e a abrangência temporal abrange condutas passadas, presentes ou futuras, pois a pretensão perante o agente desportivo pode já ter ocorrido, estar a ocorrer ou vir a ocorrer.
Paradoxalmente, diz o Ministério Público, o tribunal a quo exigiu para a oferta ou recebimento indevido de vantagem requisitos e impôs critérios que não constam do art.º 10.º-A, mas antes do art.º 8.º, violando a letra da lei, o espírito do legislador e o diploma em si, enquanto elemento sistemático.
O Ministério Público sustenta ainda que na oferta ou recebimento não é necessária a prova de qualquer acto, mas tão só da função e tem de haver ligação entre a função e a vantagem, mas essa ligação é só com a função ou por causa dela e não com qualquer específico acto praticado ou a praticar. O tribunal a quo impõe a existência de um nexo contrário à natureza do crime, sendo, quando muito, uma exigência se estivéssemos perante corrupção desportiva.
Em suma o que o Ministério Público sustenta é que na corrupção existe uma relação entre a oferta e o acto e no crime de oferta ou recebimento é necessária apenas a prova da função do agente e a relação entre a oferta e tal recebimento.
O Tribunal a quo sustentou a sua posição considerando que “Para o preenchimento do tipo é preciso que a vantagem tenha sido “solicitada” ou “aceite” pelo funcionário - previsão do n.º1- (mas não exigindo a sua consumação que tenha sido recebida) e, do lado activo, “oferecida” ou “prometida” a funcionário - previsão do nº 2-, no exercício das suas funções ou por causa delas.
A vantagem solicitada e aceite pode verificar-se no exercício das funções públicas ou, quando não se verifique neste espaço temporal, ocorre sempre por causa e consequência delas.
(…) na previsão do nº 1, o crime encontra-se consumado quando o funcionário manifeste a intenção de receber a vantagem que não lhe seja devida pelo exercício das suas funções, tendo o destinatário que conhecer a vontade do funcionário (isto porque está em causa o bem jurídico da autonomia funcional do Estado).
A actuação típica descrita na norma incriminatória visa a punição destes actos de solicitação, aceitação, promessa ou oferta de vantagem, que se mostrem susceptíveis de criar um “clima de permeabilidade” ou “simpatia” a favor das pretensões do agente (…)
Vemos, assim, que no nº 1, diz o legislador, quanto à conduta típica, que se verifica na situação em que o agente desportivo:
- por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação;
- solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, directa ou indirectamente, no exercício das suas funções ou por causa delas;
- sem que lhe seja devida;
- vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa;
- de agente que perante ele tenha tido, tenha ou possa vir a ter pretensão dependente do exercício dessas suas funções;
- é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
Impõe, para o crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem, previsto no nº1, a exigência correspondente à anterior redacção do (actual) artº 372º, do Penal, exigindo assim que seja feita a conexão do “suborno” com determinado acto ou omissão do agente desportivo, com qualquer pretensão.
O que tem consequências ao nível da alegação dos factos na acusação, quer quanto aos factos integrantes do elemento objectivo, quer quanto ao elemento subjectivo.”
É neste particular que, com o devido respeito, se discorda do decidido em primeira instância.
A decisão instrutória centrou a sua atenção, neste particular, na questão de direito para concluir que, uma vez que o tipo refere que a promessa deve provir “de agente que perante ele tenha tido, tenha ou possa vir a ter pretensão dependente do exercício dessas suas funções”, seja feita a conexão do “suborno” com determinado acto ou omissão do agente desportivo, com qualquer pretensão.
Ora, uma coisa nada tem a ver com a outra. O que o tipo exige é uma especial qualidade daquele que faz a promessa. Exige-se que quem promete seja um “agente que perante ele tenha tido, tenha ou possa vir a ter pretensão dependente do exercício dessas suas funções”. Não se exige, ao contrário do alegado na decisão recorrida que haja uma “(…) conexão do “suborno” com determinado acto ou omissão do agente desportivo, com qualquer pretensão”
Assim, e nesta parte a razão assiste ao Ministério Público.
A acusação refere que:
(…) 6) JL… foi ainda observador de árbitros da Liga Portuguesa de Futebol Profissional nas épocas 2010/2011, 2014/2015 e 2015/2016, e da Federação Portuguesa de Futebol desde a época desportiva 2003/2004 até à época 2017/2018, tendo sido árbitro profissional de futebol até ao ano de 2000 .
(…)
8) PC… é trabalhador da Sport Lisboa e Benfica Futebol SAD, por contrato de trabalho, em regime de comissão de serviços, celebrado em 22 de Janeiro de 2007 e mantido por contrato de trabalho sem termo celebrado a 20 de Novembro de 2009.
9) PC… presta a actividade de assessor da administração, assegurando a assessoria do presidente do conselho de administração para a área jurídica relacionada com o futebol profissional e para as relações institucionais da sociedade, reportando directamente ao presidente e demais administração . Habitualmente utiliza o n.º de telemóvel ….
10) PC…, na estrutura do Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, ocupa posição equiparada a director, reportando directamente ao presidente do clube, LF….
11) Desempenhou a função de secretário do conselho de administração da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD por deliberação de 31/10/2008 até, pelo menos, 31/07/2009.
(…)
19) PG… foi oferecendo, pelo menos, nas épocas desportivas de 2016/2017 e 2017/2018 e até 3 de Março de 2018, convites e produtos de merchandising, a JL…, de forma a criar condições de permeabilidade por parte do observador de arbitragem JL…, tendo em vista decisões favoráveis, conhecimento privilegiado de informações desportivas e de pessoas e contactos ligados à arbitragem.
(…)
22) Por forma a melhor esconder os pedidos e recompensas, por vezes, os contactos de JS… com PG… eram realizados através de ÓC… ou JL…, conhecidos de todos, ou por intermédio de aplicações informáticas cujas mensagens se eliminam automaticamente.
(…)
177) No dia 4 de Agosto de 2017, pelas 10:24 horas, JL… informou PG… que tinham sido publicadas as listas de observadores de árbitros e que tinham saído 3 do futebol profissional e «mandaram para cima» JR… do Algarve, assim como que tinha saído da lista HF… de Lisboa, que iria trabalhar para o Sporting Clube de Portugal.
178) Sabendo assim da ida de HF… para o Sporting, PG… afirma «vou já foder… por cá fora», pretendendo revelar publicamente a informação antecipada por JL….
179) Ao que L… responde para ter calma «eu estou atento …. E não me esqueço».
180) No dia 18 de Agosto de 2017, pelas 12:17 horas, JL… informa PG… que tinha boas notícias mas que não podiam ser já reveladas: «o mandatário do JF foi notificado da procedência do recurso… depois envio-te o acórdão», reportando-se a classificações de árbitros .
181) Ainda nesse dia, PG… pede a JL… para enviar o acórdão através do arguido JA….
182) No dia 28 de Agosto de 2017, pelas 11:33 horas JL… enviou mensagem a PG… solicitando ajuda para «falar com alguém dos bancos hoje» para auxílio no desbloqueio de empréstimo no NOVO Banco relacionado com conta caucionada da esposa .
183) Para o jogo do dia 20 de Janeiro de 2018, PG… entregou pelo menos 3 convites a JL… para assistir ao jogo de futebol, tendo JL… convidado, por sua vez, PR…, antigo árbitro, e o filho deste, pois queria que P… «falasse com um amigo» durante o jogo.
184) PG… entregou, ainda, a JL…, pelo menos:
a) Um bilhete para o jogo de futebol S.L. Benfica Futebol, SAD / Estoril Praia – Futebol, SAD, para o piso 1, que decorreu no dia 29/04/2017, oferecido pelo Gabinete Jurídico do S.L. Benfica Futebol, SAD, no valor aproximado de €40 a €60.
b) Dois bilhetes para o jogo de futebol S.L. Benfica Futebol, SAD / Vitória S.C. Futebol, SAD, para o piso 1, que decorreu no dia 13/05/2017, oferecidos pelo Gabinete Jurídico do S.L. Benfica Futebol, SAD, no valor aproximado de €75 a €90;
c) Quatro convites para o piso 1, com estacionamento, para o Jogo Benfica - Estoril Praia, realizado no dia 5 de Abril de 2017, para a Taça de Portugal, os quais foram solicitados por correio electrónico de 05/04/2017, pelas 10:12 horas para a colaboradora AZ…, com conhecimento ao presidente do clube, LF… , o qual concordou pelas 11:27 horas;
d) Convites com estacionamento (para o veículo com matrícula …-IR-…) para JL…, pessoa considerada «importante», para o jogo da Liga NOS, Benfica- Rio Ave, realizado a 03/02/2018 ;
e) Jogo Benfica contra Chaves, de 20/01/2018, na companhia de JS… e atrás referido;
f) Jogo Benfica contra Marítimo, de 03/03/2018, na companhia de JS… e atrás referido ;
g) Duas camisolas do SL Benfica entregues no dia 20 de Janeiro de 2018, no parque de estacionamento reservado do Estádio da Luz.
(…)
210) JL… pretendeu, ainda, utilizar as suas funções de observador de arbitragem, que vinha exercendo junto da Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol, para obter proveitos para si, que sabia que não podia receber e a que não tinha direito, sabendo que, assim, violava os seus deveres funcionais.
211) Ainda assim, aceitou as ofertas, cedendo informações, e pedindo ele próprio favores, o que quis e conseguiu.
212) PG… e a Benfica Futebol SAD bem conheciam as funções públicas exercidas pelos funcionários e bem sabiam que estes, com as condutas descritas, que os beneficiaram, violavam os seus deveres funcionais e legais.
213) Bem sabiam PG… e a Benfica Futebol SAD que não podiam actuar daquela forma e que as ofertas que entregavam aos funcionários e observador de arbitragem, e que estes recebiam, eram contrárias às regras do funcionamento transparente dos serviços e aos deveres funcionais inerentes aos cargos e que o faziam no âmbito dessas funções.
214) Fizeram-no de forma a condicioná-los e, assim, a obterem informações reservadas a que não tinham direito, não se coibindo de actuar daquela forma, o que quiseram e conseguiram para benefício dos próprios.
215) PG… e a Benfica Futebol SAD bem conheciam as funções de observador de árbitros de JL…, pretendendo, através da ofertas de bens e vantagens, criar com o mesmo uma relação de proximidade e de favor para a obtenção de benefício inerente às funções ligadas à arbitragem, designadamente informações antecipadas e privilegiadas, contactos ou informações pessoais.
216) A actuação de PG… e da Benfica SAD pretendeu criar, junto de JL…, um canal de acesso interno a informações da arbitragem, não se coibindo de, para tal, oferecer bilhetes, convites e outros produtos e vantagens ao observador de arbitragem.
Excluindo a questão da responsabilidade criminal da Benfica SAD (já tratada supra) temos que a factualidade necessária à imputação do crime em questão mostra-se vertida na acusação.
A decisão instrutória não questionou a indiciação suficiente dos factos tomando-a por boa. Apenas não pronunciou em razão de questões de Direito e como vimos, nesta parte, a decisão proferida não se mostra correcta.
Assim, impõe-se a pronuncia por estes facto se … e apenas se … os mesmos forem criminalmente punidos.
É que a decisão instrutória refere que “No entanto, quanto às ofertas ou informações, que podem consubstanciar a vantagem indevida, como acima referimos a norma incriminadora constante do artº 10-A, à luz do qual os arguidos estão acusados, foi aditado à Lei nº 50/2007, de 31/08, pela Lei nº 13/2017, de 2/05, a qual entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, o dia 3/05/2017 (DR nº 84/2017, Serie I, de 2/05/2017).
Assim e por força do artº 1º, nº1, do Penal, apenas estão criminalizados os factos praticados a partir da sua entrada em vigor, o dia 3/05/2017, pelo que o comportamento que pode estar em causa, é aquele que tenha decorrido desde essa data.”.
A razão assiste à decisão recorrida.
Acontece que o que é descrito na acusação é um clima permanente. Aquele tal clima de permeabilidade que o Tribunal a quo menciona.
Assiste pois razão recorrente quando refere que “Quanto aos factos ocorridos antes da entrada em vigor da lei, não deixam de ser relevantes, não para se imputar mais crimes, mas para o contexto da relação que não nasceu com a entrada em vigor da lei, não nasceu a 03/05/2017, mas anos antes, em especial no ano de 2015 quando JL… foi observador do árbitro que dirigiu um jogo em que o clube Benfica SAD era interveniente. O crime basta-se com a solicitação (ou aceitação) de vantagem, não sendo necessária a concretização da mesma, pelo que se basta, no caso, para além das ofertas de convites e camisolas, com a mera solicitação feita por JL… a PG… para este interceder junto do banco em questão relacionada com a esposa e solicitação que não foi negada.”
E assim, finalmente, a decisão instrutória debruça-se sobre factos (embora parcamente) e refere que. “Como resulta dos documentos de prova da acusação ( as informações da liga de futebol, constantes a fls. 2385 e asa da FPF de fls. 2407 a 2549), o arguido JL… é observador de árbitros, conforme consta no artigo 6) da acusação.
Tem a qualidade de “agente desportivo” mas, como vimos, para os efeitos da criminalização tal não basta, porque o artigo diz que a solicitação ou a aceitação, para ter relevância criminal, tem que ocorrer no exercício das suas funções ou por causa delas e diz, que tem que ser feita a conexão do “suborno” com determinado acto ou omissão do agente desportivo, com qualquer pretensão.”
Já vimos que a Lei não diz que tem de existir conexão entre o “suborno” e um acto concreto. Tem de existir conexão entre a função e o “suborno” de modo a que este crie um clima de permeabilidade do agente.
Na decisão instrutória fez-se constar que “Afigura-se-me que a prova existente não traduz forte indiciação que leve a concluir nesse sentido, da maior probabilidade da condenação do que a absolvição”. Acontece que a Lei não exige, no artº 308º do C.P.P. que a indiciação seja “forte” mas sim “suficiente”.
Entendemos que assim não é, pois que a indiciação é suficiente para pronunciar (como melhor explicitaremos infra). O que entendemos, outrossim, é que os factos aqui em causa e que o Ministério Público pretende ver subsumidos à comissão do crime de recebimento indevido de vantagem estão consumidos pela comissão do crime de corrupção.
Assim, como sua dizer-se, reservemos, por ora, a indiciação dos factos que subjazem a este crime e analisemos o de corrupção.
Do crime de corrupção
O Ministério Público refere que “corresponde a uma correcta avaliação o afirmado na decisão instrutória quanto à falta de ligação de alguns elementos de prova a JL…: efectivamente as testemunhas, mesmo quando o referem, não o indiciam ou não têm conhecimento directo de factos que possam ser tidos em consideração, as informações do IGFEJ não reflectem a actuação de JL…, as escutas não são, por si só e neste caso, decisivas.”
Contudo, segundo o MP, “o que a decisão omite é a prova que faz a ligação de JL….” e imputa à decisão instrutória o vício da omissão de pronúncia.
Estamos, pois, num universo factual.
Ora, desde logo se diga que não existe qualquer omissão de pronúncia da parte do Tribunal a quo. Este debruçou-se sobre as questões que tinha de decidir e uma delas era a possibilidade de existirem indícios de haver o arguido JL… cometido o crime de corrupção passiva.
O Tribunal fê-lo, aparentemente, não a contento do Ministério Público mas daqui não resulta uma omissão de pronúncia, nem tão pouco esta resulta por o Tribunal não haver mencionado expressamente todos os meios de prova existentes. Da leitura da decisão instrutória resulta que o Tribunal considerou todas as provas demonstrando conhecimento dos autos.
Ao Tribunal exige-se que analise todas as provas mas que, dentro destas, faça uma seriação das que julgue relevantes justificando a sua opção, o que foi feito.
Outrossim, não se consegue descortinar onde está a falta de fundamentação: é que uma coisa é fundamentar como se entende e outra bem diferente é não fundamentar. O fundamentar de acordo com o entendimento de quem julga, ainda que em desacordo com o Ministério Público é a função do julgador. É a ele, e não ao Ministério Publico, que cabe decidir e o julgador não decide mal ou insuficientemente só porque discorda, fundamentadamente, da posição de um interveniente processual, seja ele quem for.
Dito isto, o recorrente refere que não foram considerados factos- em síntese aqueles que já foram tidos em conta na indiciação do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem – e conclui, na conclusão 133ª, que “Estes elementos indiciários permitem, quando conjugados, concluir tanto pela prática do crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem por parte de JL… e PG…, como também, JL…, enquanto colega de JS…, pelos encontros que teve e intervenções que também foi tendo, colaborou efectivamente para a prática dos factos constantes do despacho de pronúncia, demonstrando a sua actuação conjunta com os demais arguidos.” (sublinhado nosso).
Ora, já supra dissemos, porque entendíamos que se mostrava indiciada a prática pelos arguidos JL… e PG… de factos que subjazem à comissão de um crime de recebimento indevido de vantagem.
Tal decorre essencialmente do facto de ter sido criado, por parte de PG…, um clima de permeabilidade, que possibilitava o recebimento por parte de JL…, de vantagens indevidas. Acontece que, como referido no artº 16º da acusação, PG… actuou sobre este clima.
A corrupção passiva imputada ao arguido JL… é um passo à frente da comissão deste crime. Aqui o que se assaca ao arguido é que este tivesse aceite vantagens indevidas para a prática de um acto ou omissão contrários aos deveres do cargo.
Ou seja, exige-se o nexo entre o acto indevido e a vantagem ao contrário do que sucede no crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem.
Às actuações de JL… refere-se a acusação nos seus pontos 16, 19, 139, 140, 148 a 150, 161, 167, 168, 169, 171, 177 a 184 e 210 e 211.
Logo no ponto 16 se refere que “JS… e JL…, com a promessa de tratamento privilegiado junto do Benfica, designadamente para assistência a jogos em condições favoráveis, aceitaram proceder como solicitado,” ou seja, aceitaram aceder a processos pendentes e transmitir informações relativas a esses processos, designadamente inquéritos que corriam no DIAP de Lisboa e Porto, ou outros processos a que conseguissem acesso dispersos por diversos tribunais a PG….
Da leitura deste artigo da acusação resulta a afirmação do nexo embora este artigo não se refira a actos materiais concretos mas sim ao âmbito do acordo, necessariamente subjectivo.
Da prova resulta que, sem prejuízo de muito apreciarem o desempenho da equipa e futebol do Benfica, a actuação dos arguidos L… e S…, tem como contrapartida os bilhetes, as camisolas, o tratamentos vip, as promessas de emprego do sobrinho e a promessa de auxílio no banco.
Entre as condutas p. e p. no artº 372º do Código Penal e as p. e p. pelo artº 373º do mesmo diploma existe uma relação de especialidade. Na verdade, as condutas previstas no artº 373º assumem uma gravidade maior pois que nelas o agente aceita praticar um acto ou omissão contrária aos seus deveres a troco de recompensa enquanto no recebimento indevido de vantagem o agente limita-se a solicitar ou aceitar uma vantagem patrimonial não devida sem que tenha de fazer o que quer que seja.
Ora, no caso destes autos, os actos praticados pelo arguido JL… (e JS…) são bem mais graves do que a simples criação ou instalação de um clima de permeabilidade que propicie a prática ou omissão de actos contrários aos deveres do cargo.
Ambos os arguidos, enquanto funcionários de Justiça e o JL… enquanto agente desportivo deram um passo em frente e contra o recebimento de vantagem praticaram actos contrários aos deveres do cargo, donde indiciariamente cometeram os crimes pelos quais vinham acusados.
E é aqui que voltamos ao crime do artº 372º do Código Penal (anteriormente reservado) para se fazer aponte com o artº 10º-A da Lei 50/2007 de 31 de Agosto que tem o mesmo escopo que este mas na vertente desportiva.
Os factos considerados para a imputação por um ou outro dos preceitos são, como o recorrente refere, exactamente os mesmos e estão indiciados. Acontece que os crimes (o do artº 10º-A da Lei 50/2007 de 31 de Agosto e o do artº 373º do Código Penal) protegem o mesmo bem jurídico (sendo que o primeiro se centra no aspecto desportivo) pelo que entre ambos existe uma relação de concurso. Esta relação é de especialidade pois que aquele é uma antecipação da tutela penal deste sendo que prevalece o último por melhor defender o bem jurídico e abranger as condutas típicas do primeiro.
Assim sendo, embora por razões diferentes das constantes do despacho de pronúncia, impõe-se a não pronúncia pela prática do crime p. e p. pelo artº 10º-A da Lei 50/2007 de 31 de Agosto (quer quanto ao arguido JL…, quer quanto ao arguido PG…).
Voltemos, pois, à análise da indiciação do crime de corrupção.
A decisão instrutória refere, embora por referência ao crime do artº 10º-A da Lei 50/2007 de 31 de Agosto, que não existem indícios suficientes da prática do crime. Como a factualidade de ambos os crimes é necessário analisar a questão.
O conceito de suficiência dos indícios é utilizado, na acusação e na pronúncia, exactamente com o mesmo significado. Os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento. Para o processo penal, a existência de suficiência de indícios significa que os indícios são suficientes para submeter alguém a julgamento.
A distinção entre fase preparatória e fase de julgamento envolve uma outra, que nela está pressuposta: a distinção entre juízo de certeza e juízo de probabilidade. Para o final da fase de julgamento está reservado o juízo de certeza. Ele visa alcançar a prova dos factos alegados em juízo. No final da fase preparatória o juízo a formular é de probabilidade de futura condenação.
Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; e isso acontece quando a condenação for provável.
A qualificação de razoável parece implicar uma ideia de moderação, de mediania. A expressão possibilidade razoável aparenta significar mais do que uma possibilidade mínima, mas porventura não exigirá uma possibilidade especialmente forte ou qualificada.
Entre os defensores desta abordagem (teoria da probabilidade predominante) está fortemente enraizada a ideia de que o juízo indiciário a formular no final do inquérito ou da instrução é mais fraco, menos exigente, que o formulado na decisão final tomada após o julgamento. O juízo indiciário, de mera probabilidade, não exigiria a força nem a solidez da valoração da prova em julgamento. Bastar-lhe-ia uma possibilidade razoável. Para alcançar um juízo de certeza, o grau de convencimento subjectivo do julgador seria mais exigente, até porque os elementos à sua disposição para o atingir seriam mais completos.
Está assim pressuposta no raciocínio anterior a convicção de que o grau de exigência do juízo indiciário que está presente ao longo do processo penal vai, em regra, crescendo à medida que este vai progredindo. Pode começar com uma mera possibilidade, ainda que diminuta, na qual se enquadra o conceito de suspeito; vai evoluindo ao longo do inquérito, à medida que vão sendo recolhidas as provas; passa pela constituição de arguido; no momento da acusação e da pronúncia já deve traduzir uma maior probabilidade de condenação do que de absolvição; e vai consolidando-se, num crescendo de exigência, até culminar com o juízo de certeza formulado na sentença final.
Neste sentido, a fase preparatória do processo penal funcionaria como uma triagem de situações que justificariam julgamento. Assemelhar-se-ia, fazendo uma comparação com o processo civil, a um juízo de verosimilhança, ou de prova sumária ou simples justificação, o qual seria suficiente para decretar uma providência cautelar, por exemplo, mas já não para a decisão de mérito na acção principal respectiva.
Contudo, esta concepção teórica esbarra, como muitas vezes acontece, no muro da realidade estrutural do processo penal.
Efectivamente, o critério normativo afirmado no juízo de suficiência dos indícios deve corresponder à realidade estrutural do processo penal.
Ora, como é sabido, a acusação só é deduzida depois de encerrado o inquérito; e este só é encerrado depois de esgotadas as diligências e recolhidas todas as provas que possam fundamentar a acusação. Assim, no momento do encerramento do inquérito já se encontram recolhidas todas as provas da acusação. O actual CPP não prevê, ao contrário do anterior, a dedução de uma acusação provisória, que possa ser completada através da instrução. Aliás, o Ministério Público nem pode requerer a abertura da instrução, o que reforça a natureza definitiva da sua acusação.
Isto significa que os meios de prova que fundamentam a acusação, e que nela são obrigatoriamente discriminados, não serão, salvo casos excepcionais, reforçados até à audiência de julgamento. A tendência natural será, pelo contrário, no sentido do enfraquecimento dessas provas, já que irão ser submetidas ao crivo do contraditório e atacadas com o efectivo exercício do direito de defesa, até aí substancialmente afectado.
Assim, o momento do encerramento do inquérito é o momento do processo em que os indícios da prática do crime se revelarão, em princípio, mais fortes. A partir desse momento, e salvo casos excepcionais, eles não se fortalecerão; a sua intensidade, pelo contrário, tenderá a enfraquecer.
Este raciocínio mostra que não faz sentido exigir para a condenação após a audiência de julgamento uma prova indiciária mais forte do que a exigida no momento da acusação ou da pronúncia. Se a prova indiciária não atinge, no momento da acusação ou da pronúncia, a força necessária para formar uma convicção de condenação, não vale a pena o processo prosseguir, pois essa convicção não vai certamente ser alcançada. Mesmo olhando apenas para os interesses da eficácia da repressão da criminalidade, é preferível nesses casos o inquérito ser arquivado, aguardando produção de melhor prova, e consequentemente reaberto se ela aparecer, do que avançar para o julgamento, correndo sérios riscos de ser proferida sentença absolutória definitiva.
Assim, o que deve ser indagado é se os factos constantes da acusação estão:
a) indiciariamente demonstrados: o que não mereceu contestação;
b) se está demonstrado o nexo entre os actos contrários aos deveres
o cargo e as vantagens recebidas.
Esta questão é de sobremaneira importante pois que os arguidos negam a prática dos factos e o arguido PG… apresenta, inclusivamente, uma versão alternativa (a qual diga-se não merece a nossa aceitação já que não se compreende como é que alguém oferta amigos e este lhe entregam informações e documentos privilegiadas)
Saber se o Ministério Público irá conseguir provar o que consta da acusação ainda que perante a versão da defesa, é matéria para ser apurada e decidida em julgamento após produção da prova quando o contraditório funcionar em pleno e quando a defesa esgrimir os seus argumentos sejam eles quais forem. Para já e com o que existe entendemos que a indiciação é suficiente para que a factualidade seja levada a julgamento pois que se mantiver incólume haverá lugar a condenação.
Assim, haverá que pronunciar, pela prática deste crime os arguidos JL…, JS… (na vertente passiva) e PG… (na vertente activa).
Ante tudo o exposto e para que se compreenda perfeitamente o alcance do decidido determinar-se-á especificamente qual o alcance da pronúncia.
* Dispositivo
Nestes e termos e com os fundamentos supra, acorda-se nesta 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em revogar parcialmente o despacho recorrido e determinar que o Tribunal a quo profira despacho de pronúncia nos seguintes termos:
Para julgamento em processo comum e perante Tribunal Colectivo pronuncia-se:
I. JA…, filho de APS… e de MI…, nascido a …/…/1966, natural da República …, casado, oficial de justiça, residente na Avenida …, n.º …, Bouças, Fafe – TIR fls. 797
II. JM…, filho de JC… e de MP…, nascido a …-…-1965, natural de Fafe, casado, escrivão, residente na Rua …, … - ….º Esq., Fafe – TIR fls. 835
III. PC…, filho de LL… e de MA…, nascido a …/…/1969, natural de Angola, casado, assessor jurídico/ advogado, residente na Rua …, Casa …, Póvoa de Santarém – TIR fls. 847
Porquanto, indiciam os autos que:
ENQUADRAMENTO
1) O IGFEJ – Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP, é o organismo do Ministério da Justiça responsável, para além do mais, pela gestão dos recursos informáticos, entre eles o programa CITIUS, estando sediado no Campus da Justiça, em Lisboa.
2) O CITIUS é o programa informático gerido pelo IGFEJ através do qual são tramitados, entre outros, os inquéritos criminais e processos judiciais.
3) JA… é oficial de justiça (escrivão-adjunto), com os n.ºs mecanográficos SI… (IGFEJ) e FJ… (DGAJ), que prestou comissão de serviço no IGFEJ com funções de apoio informático aos tribunais, designadamente de Guimarães e Fafe, desde 01/09/2010 até 6 de Março de 2018.
4) JA… utiliza habitualmente o n.º de telemóvel …, sendo ainda utilizador do n.º ….
5) JM… é oficial de justiça, com o n.º de mecanográfico FJ…, colocado no Tribunal de Guimarães desde 09/02/2015.
6) JM… foi ainda observador de árbitros da Liga Portuguesa de Futebol Profissional nas épocas 2010/2011, 2014/2015 e 2015/2016, e da Federação Portuguesa de Futebol desde a época desportiva 2003/2004 até à época 2017/2018, tendo sido árbitro profissional de futebol até ao ano de 2000.
7) JL… habitualmente utiliza o n.º de telemóvel ….
8) PC… é trabalhador da Sport Lisboa e Benfica Futebol SAD, por contrato de trabalho, em regime de comissão de serviços, celebrado em 22 de Janeiro de 2007 e mantido por contrato de trabalho sem termo celebrado a 20 de Novembro de 2009.
9) PC… presta a actividade de assessor da administração, assegurando a assessoria do presidente do conselho de administração para a área jurídica relacionada com o futebol profissional e para as relações institucionais da sociedade, reportando directamente ao presidente e demais administração. Habitualmente utiliza o n.º de telemóvel ….
10) PC…, na estrutura do Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, ocupa posição equiparada a director, reportando directamente ao presidente do clube, LF….
11) Desempenhou a função de secretário do conselho de administração da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD por deliberação de 31/10/2008 até, pelo menos, 31/07/2009.
12) Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, NIPC 504882066, é uma sociedade anónima desportiva, com sede na Avenida Eusébio da Silva Ferreira, Estádio do Sport Lisboa e Benfica, Lisboa, que tem por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento, ou desenvolvimento, de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada na modalidade de futebol, sendo presidente do conselho de administração, à data dos factos, LF….
13) ÓM… é agente / “empresário” de futebol, amigo comum de PG…, JL… e JS…[7] e utiliza habitualmente o n.º de telemóvel ….
14) JM… é oficial de justiça aposentado desde 01/09/2014, familiar de JS…, tendo como última colocação o Tribunal de Fafe.
DO ACORDO CONJUNTO
15) Em data não apurada, mas pelo menos desde Março de 2017, PG… solicitou aos funcionários de justiça JS… e JL… que acedessem a processos pendentes e lhe transmitissem informações relativas a esses processos, designadamente inquéritos que corriam no DIAP de Lisboa e Porto, ou outros processos a que conseguissem acesso dispersos por diversos tribunais.
16) JS… e JL…, com a promessa de tratamento privilegiado junto do Benfica, designadamente para assistência a jogos em condições favoráveis, aceitaram proceder como solicitado.
17) Tais processos incidiam sobre investigações na área do futebol, ou a pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos que se encontravam em curso e em segredo de justiça em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica - Futebol SAD, ou os seus elementos, e processos relativos a clubes adversários e seus administradores, ou colaboradores.
18) Uma vez na posse de tais informações, pretendia PG… antecipar diligências processuais em que seria visada a Benfica SAD e seus membros, ou obter informações sobre adversários, ou ainda informações antecipadas de decisões judiciais.
19) PG… foi oferecendo, pelo menos, nas épocas desportivas de 2016/2017 e 2017/2018 e até 3 de Março de 2018, convites e produtos de merchandising, a JL…, de forma a criar condições de permeabilidade por parte do observador de arbitragem JL…, tendo em vista decisões favoráveis, conhecimento privilegiado de informações desportivas e de pessoas e contactos ligados à arbitragem,.
20) Como recompensa, os funcionários e o observador de arbitragem receberam de PG… convites e bilhetes para assistirem gratuitamente a jogos de futebol no Estádio da Luz, em Lisboa, designadamente no Piso 1, designado por «anel VIP», incluindo acesso a lounge com comida e bebida e parqueamento automóvel.
21) Os funcionários e observador de arbitragem receberam, ainda, produtos de merchandising, como camisolas e casacos da equipa de futebol e, ainda, promessa de contrato de trabalho no Museu Cosme Damião, pertencente ao Benfica, para um sobrinho de JS…, assim como tratamento privilegiado no Estádio da Luz, designadamente acesso a espaços reservados para contacto com os jogadores da equipa principal de futebol profissional masculino.
22) Por forma a melhor esconder os pedidos e recompensas, por vezes, os contactos de JS… com PG… eram realizados através de ÓC… ou JL…, conhecidos de todos, ou por intermédio de aplicações informáticas cujas mensagens se eliminam automaticamente.
*
DOS ACESSOS AO SISTEMA CITIUS
23) No exercício das suas funções de apoio informático aos tribunais, JS… tinha acesso a computadores de todos os funcionários e magistrados da área de Guimarães e Fafe
24) Assim como, era dotado de especiais habilitações em virtude da função de atribuição de credenciais de acesso aos sistemas informáticos do Ministério da Justiça.
25) Assim, na execução do plano delineado entre todos os arguidos, e aproveitando-se das funções que exercia de apoio informático aos tribunais, JS… acedeu às credenciais de acesso ao sistema CITIUS (username e password) dos seguintes utilizadores:
a) MC…, funcionária do Tribunal de Fafe;
b) FM…, funcionária do Tribunal de Fafe; e
c) AP…, Procuradora da República com o utilizador MP…, magistrada com acesso a processos distribuídos na ….ª secção do DIAP de Lisboa, assim como a processos da área cível e laboral do distrito judicial de Lisboa.
26) Em especial, é à ….ª secção do DIAP de Lisboa que estão distribuídos os inquéritos referentes à investigação de crimes de corrupção, incluindo no fenómeno desportivo.
27) Para melhor esconder o seu rasto informático, para além de utilizar credenciais de terceiros (MC…, FG… e AP…) para acesso ao CITIUS, JS… utilizou computadores instalados quer no Tribunal de Guimarães, quer no Tribunal de Fafe para realizar os acessos, fazendo login nesses computadores com credenciais do próprio ou de funcionário de justiça já aposentado, JMR…, com o n.º mecanográfico FJ….
28) Permitindo-lhe, assim, aceder aos computadores como se de JR… se tratasse, mas sem o conhecimento ou consentimento do mesmo.
Assim:
29) Após se registar no computador, com credenciais próprias, ou de JR…, o arguido JS…, sem o conhecimento ou consentimento da magistrada AP…, inseriu, nas ocasiões abaixo indicadas, no CITIUS as credenciais desta magistrada, como se da mesma se tratasse, para aceder aos seguintes processos:
a) …/…
b) …/…
c) …/…
d) …/…
e) …/…
f) …/…
g) .../...
h) .../...
i) .../...
j) .../...
k) .../...
l) .../...
m) .../...
n) .../...
o) .../...
p) .../...
q) .../...
r) .../...
s) .../...
t) .../...
u) .../...
v) .../...
w) .../...
x) .../...
y) .../...
z) .../...
30) O arguido JS… acedeu ainda, através de credenciais da funcionária FG…, sem o conhecimento ou consentimento desta e como se da mesma se tratasse, ao inquérito n.º …/…, da …ª secção do DIAP do Porto.
31) E ainda, sem o conhecimento ou consentimento da funcionária MC…, inseriu no CITIUS as credenciais desta, como se da mesma se tratasse, para aceder, pelo menos, ao processo n.º …/…, para efectuar pesquisas de dados pessoais na base de dados da Segurança Social.
***
- Do Inq. n.º …/…
32) Neste inquérito investigou-se a eventual prática de crime de corrupção (na actividade desportiva), sendo um dos denunciados o Sport Lisboa e Benfica Futebol SAD.
33) Este inquérito esteve em segredo de justiça decretado em 25 de Novembro de 2010 e validado a 26 de Novembro de 2010, tendo sido arquivado por despacho datado de 23/09/2016.
34) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, Procuradora da República, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, nas seguintes datas e horas:
(Quadro removido)
35) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
36) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
- Do Processo n.º …/…
37) Esta acção executiva para pagamento de quantia certa – dívidas de salários, diferenças salariais e indemnizações – correu termos no Juízo do Trabalho de Lisboa, sendo exequente PM… e executado Os Belenenses – Sociedade Desportiva de Futebol, SAD.
38) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste processo, nas seguintes datas e horas, que depois transmitiu a PG…:
(Quadro removido)
- Do Processo n.º …/…
39) Esta acção de processo comum corre termos no juízo central cível de Lisboa, sendo autor o Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD e réu MS…, VS… e a Sociedade Vicra Desportiva
40) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste processo, nas seguintes datas e horas e transmitiu depois a informação recolhida a PG…:
(Quadro removido)
- Do Inq. n.º …/…
41) Este inquérito teve origem em denúncia apresentada pela Doyen Sports Investments Limited contra desconhecidos, tendo sido posteriormente incorporadas as queixas apresentadas por NF… e queixa apresentada por Sporting Clube de Portugal, Futebol SAD.
42) Os autos estiveram sujeitos a segredo de justiça entre 14/10/2015 e 14/03/2017.
43) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, nas seguintes datas e horas, a partir do Tribunal de Guimarães, e transmitiu depois a informação recolhida a PG…:
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
44)O inq. n.º …/… iniciou-se com denúncia da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD contra incertos por acesso ao sistema informático do clube, designadamente ao correio electrónico, com posterior divulgação pública.
45) Tal inquérito encontra-se em segredo de justiça desde 20/06/2017.
46) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, nas seguintes datas e horas:
(Quadro removido)
47) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
48) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu ao arguido PG….
- Do Inq. n.º …/…
49) Este inquérito iniciou-se a 21/10/2015, na sequência de denúncia da Federação Portuguesa de Futebol após «entrevista concedida pelo Exmo. Senhor. BM…, Presidente do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, ao programa Prolongamento do canal de televisão TVI24, no passado dia 5 de Outubro».
50) Neste inquérito foi determinado o segredo de justiça a 23/05/2016.
51) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, passou a controlar a tramitação do inquérito e acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste Inq. n.º …/… nas seguintes datas e horas:
(Quadro removido)
52) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
53) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
- Inq. n.º …/…
54) Neste inquérito investigaram-se eventuais crimes cometidos em departamento do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
55) Os autos estiveram sujeitos a segredo de justiça desde 15/09/2016, prorrogado por 3 meses por despacho de 21/06/2017 e, novamente, prorrogado por despacho de 21/09/2017.
56) No âmbito deste inquérito, no dia 2 de Novembro de 2016 foi remetido pela investigação, via correio electrónico, para os endereços …@slbenfica.pt e …@slbenfica.pt, pedido de informação sobre aquisição de bilhetes do SL Benfica para dois jogos, tendo sido objecto de resposta no dia 3 de Novembro de 2016, por parte de RP…, director da Direcção de Prevenção, Segurança e Organização de Jogos do Sport Lisboa e Benfica.
57) Em data não apurada, aproveitando-se do apoio de que dispunha por parte de JS…, PG…. transmitiu o número do processo àquele, para obter informações sobre o mesmo, que pudessem interessar-lhe
58) No dia 25 de agosto de 2017, a partir do Tribunal de Fafe, como solicitado, o arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…., acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, transmitindo a informação recolhida a PG…:
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
59) Neste inquérito investigaram-se factos susceptíveis de configurar crime de corrupção passiva praticado por funcionários do Centro Distrital de Lisboa da Segurança Social.
60) Este inquérito esteve sujeito a segredo de justiça entre 30/06/2016 e até 12/01/2018.
61) No âmbito desse inquérito e na sequência de informações bancárias que davam conta da existência de créditos em conta titulada pelo Sport Lisboa e Benfica, foi solicitada informação contabilística.
62) Assim, a 19 de Abril de 2017, cerca das 14:30 horas, foi entregue em mão por inspector-chefe da PJ ofício a PG…, dirigido a «LF…, Presidente do Sport Lisboa e Benfica SAD».
63) Logo nessa tarde, PG… transmitiu, a JS…., o número do inquérito para este aceder ao mesmo e obter informações, o que este fez iniciando os acessos pelas 17:30 horas do mesmo dia, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, nas seguintes datas e horas:
(Quadro removido)
64) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
65) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
- Inq. n.º …/…
66) Neste inquérito investiga-se a eventual prática de crime de recebimento indevido de vantagem entregue pela empresa Galp Energia, SA, a titulares de cargos políticos ou altos cargos públicos, no âmbito do Campeonato da Europa de Futebol «Euro2016».
67) O inquérito esteve sujeito a segredo de justiça entre 08/08/2016 e 08/06/2017.
68) O arguido JS…, no âmbito do plano estabelecido, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, nas seguintes datas e horas:
(Quadro removido)
69) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
70) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
- Processo n.º …/…
71) Esta acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum foi intentada por MM… contra FL…, jogador profissional de futebol do Sport Lisboa e Benfica, e o Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD.
72) A pedido de PG…, JS… consultou o processo no dia 31 de agosto de 2017, transmitindo posteriormente a PG… a informação recolhida, utilizando as credenciais de acesso ao CITIUS do utilizador MP…, de AP…:
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
73) Neste inquérito foi denunciante o Instituto Português do Desporto e Juventude, IP e investigaram-se factos susceptíveis de configurar a prática de crime de acesso ilegítimo através do qual desconhecidos acederam a computador daquela instituição e colocaram no ecrã inicial pastas relacionadas com as «claques do Benfica».
74) O inquérito não esteve sujeito a segredo de justiça.
75) Por se inserir na estratégia delineada e poder conter informações relevantes para o SL Benfica, o arguido JS… efectuou as seguintes pesquisas a partir do Tribunal de Guimarães, utilizando as credenciais de acesso ao CITIUS do utilizador MP…, de AP…:
(Quadro removido)
76) Transmitindo as informações recebidas a PG….
- Processo n.º …/…
77) Este processo administrativo serviu de acompanhamento à acção especial de simples apreciação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho que correu termos no Juízo do Trabalho do Barreiro, com o n.º …/…, sendo autor o Ministério Público, em representação de trabalhadora, e ré o Sport Lisboa e Benfica.
78) Por se inserir na estratégia delineada e poder conter informações relevantes para o SL Benfica, o arguido JS… efectuou as seguintes pesquisas, utilizando as credenciais de acesso ao CITIUS do utilizador MP…, de AP…:
(Quadro removido)
79) Obtendo informações que depois transmitiu a PG….
- Inq. n.º …/…
80) Este inquérito teve origem em certidão extraída de outro inquérito e iniciou-se a 5 de Junho de 2017, investigando-se a prática de crime de corrupção activa em competição desportiva, p. e p. pelo art.º 9.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2007, de 31/08, no âmbito de manipulação de jogos de futebol da Liga Ledman Pro (II Liga).
81) Este inquérito não esteve sujeito a segredo de justiça.
82) Por se inserir na estratégia delineada e poder conter informações relevantes para o SL Benfica, por se tratar de matéria desportiva, o arguido JS… efectuou as seguintes pesquisas a partir do Tribunal de Guimarães, utilizando as credenciais de acesso ao sistema CITIUS do utilizador MP…, de AP…:
(Quadro removido)
83) Informações que obteve e depois transmitiu a PG…..
- Inq. n.º …/…
84) O Inq. n.º …/… iniciou-se a 08/06/2017, na sequência de denúncia anónima em que era visada a SL Benfica - Futebol SAD por eventual «esquema de corrupção na arbitragem para beneficiar o Benfica».
85) O inquérito encontra-se sujeito a segredo de justiça desde 12/06/2017.
86) JA…, utilizando as credenciais que não lhe pertenciam «MP…», credenciais de AP…, iniciou um controlo da tramitação do processo e, para isso, acedeu ao sistema CITIUS e ao Inquérito n.º …/…, pelo menos, nas seguintes datas e horas:
(Quadro removido)
87) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
88) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
89) No dia 15 de Junho de 2017, pelas 10:37 horas, como atrás referido, JA… acedeu e extraiu do CITIUS histórico do inquérito n.º …/….
90) Tal histórico continha, designadamente, o número do processo, data de autuação, magistrada titular e oficial de justiça encarregue do cumprimento, identificação dos denunciados (PG…, AM… e Sport Lisboa e Benfica, SAD), conclusão e remessa dos autos à Unidade Central de Lisboa- Juízo de Instrução Criminal, conclusão ao juiz …, devolução dos autos ao DIAP, conclusão à magistrada titular, informação da remessa dos autos ao OPC para investigação e respectivo prazo, classificação do processo como confidencial, fenómeno criminoso indiciado (corrupção na actividade desportiva) e origem da denúncia (DCIAP).
91) Em data e por meio não concretamente apurados, mas entre 15/06/2017 e 19/10/2017, JA… entregou a PG… a impressão do histórico atrás referida.
92) No dia 19 de Outubro de 2017, PG… tinha no seu gabinete, sito no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, Av. Eusébio da Silva Ferreira, impressão do histórico do processo n.º …/…, atrás referida.
- Inq. n.º …/…
93) O Inq. n.º …/.. foi incorporado no Inq. n.º …/… a 14/08/2017 (atrás referido).
94) Tal inquérito (…/…) foi iniciado a 11/08/2017, após denúncia da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD contra FJC… e Avenida dos Aliados – Sociedade de Comunicação, SA, por divulgação de correspondência electrónica de elementos da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD.
95) Sabendo da queixa apresentada pela Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, PG… transmitiu tal informação a JS… para, como delineado, obter informações do inquérito.
96) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, desde o seu início, nas seguintes datas:
(Quadro removido)
97) O que fez a partir dos tribunais de Guimarães (IP’s iniciados em …) e Fafe (IP’s iniciados em …),
98) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
- Inq. n.º …/…
99) Este inquérito surge com denúncia anónima contra «BC…, presidente do Sporting», estando em segredo de justiça desde 31/01/2018.
100) O arguido JA…, utilizando as credenciais de acesso MP…, acedeu ao sistema CITIUS e obteve informação da tramitação deste inquérito, a partir do Tribunal de Fafe, nos dias:
(Quadro removido)
101) Obtendo informações constantes do inquérito que depois transmitiu a PG….
- Inq. n.º …/…
102) Este inquérito iniciou-se a 09/01/2018 e neste investigou-se a «suspeita de que a disponibilização/ recebimento pelo Sr. Ministro MaC… de bilhetes para o jogo entre Sport Lisboa e Benfica e Futebol Clube do Porto foi a contrapartida por algum tipo de influência na concessão de isenção de IMI a imóveis detidos pela sociedade dos filhos de LF…, Presidente do Sport Lisboa e Benfica», designadamente TV….
103) Este inquérito esteve sujeito a segredo de justiça por despacho do Ministério Público de 09/01/2018 e da Mma. JIC de 11/01/2018 e foi arquivado por despacho de 01/02/2018.
104) No dia 26/02/2018, cerca das 20:28 horas, PG… solicitou a JS… a obtenção de informações relativamente a tal inquérito indicando «Processo …/… IMI de um prédio de TV…».
105) O que JS… acedeu e pesquisou no dia 3 de Março de 2018, pelas 10:40 horas, a partir do Tribunal de Fafe, utilizando as credenciais de acesso MP…, de AP…:
(Quadro removido)
106) Transmitindo a informação obtida a PG….
*
Outros acessos:
107) Para rastrear os inquéritos de forma a saber quais os que continham informações pretendidas por PG…, e dessa forma obter o respectivo NUIPC e demais elementos, JS… consultou vários inquéritos, distribuídos na ….ª secção do DIAP de Lisboa, entre eles alguns sem relação com a área do futebol, utilizando as credenciais de acesso MP…, pertencentes à Procuradora da República AP….
108) O que sucedeu, designadamente, nos seguintes inquéritos e datas:
- Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
- Inq. n.º .../...
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
- Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
Inq. n.º …/…
(Quadro removido)
Inq n.º …/…
(Quadro removido)
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OUTROS PEDIDOS E ACESSOS
109) No dia 13-11-2017, pelas 12:33 horas, JS…, via WhatsApp, intitulando-se de «amigo 66», através do n.º …, perguntou a PG… se já tinha visto a informação que lhe tinha enviado, tendo PG… referido «interessante. Depois de estudar bem Cheguei à conclusão que falta algo depois falamos».
110) O Inq. n.º …/… correu termos no DIAP de Lisboa tendo-se iniciado por denúncia de VíS… contra LF…, presidente da arguida SL Benfica Futebol SAD, por declarações deste relativas a ocorrência no jogo Aves/ Benfica, de 22/10/2017.
111) No dia 05/01/2018, a titular do inquérito determinou a constituição como arguido de LF…, por despacho notificado a 08/01/2018 e recebido a 9/01/2018.
112) Pelo menos no dia 15 de Janeiro de 2018, JA… guardava informação referente ao Inq. n.º …/… no seu computador.
113) No dia 21 de Fevereiro de 2018, pelas 12:51 horas, via Snapchat, programa de mensagens temporárias que se eliminam automaticamente, PG… solicitou a pesquisa do Proc. n.º …/… a JS….
114) O Inq. n.º …/… iniciou-se a 2 de Fevereiro de 2018, por denúncia apresentada por Sport Lisboa e Benfica Futebol SAD contra NS…, Sporting Clube de Portugal, Sporting Clube de Portugal – Futebol SAD, Sporting – Comunicação e Plataformas, SA, na sequência de declarações efectuadas por NS… em programa da Sporting TV.
115) No dia 21 de Fevereiro de 2018, pelas 15:33 horas, HG…, após receber notificação para constituição de arguido no Proc. n.º …/…, remeteu, via WhatsApp, mensagem a PG… a solicitar ajuda, mensagem por este lida pelas 15:55 horas desse dia.
116) No dia 1 de Março de 2018, pelas 12:43 horas, via Snapchat, PG… solicitou a pesquisa do Proc. n.º …/… a JS…, com indicação «DIAP Porto … Seção».
117) No dia 3 de Março de 2018, pelas 11:11 horas, (Sábado), o arguido JS…, introduzindo no sistema CITIUS as credenciais da funcionária FG…, sem que esta o tivesse autorizado a tal, acedeu ao referido Inq. n.º …/….
118) JA… obteve a informação, através dessa consulta, que tinha sido expedida carta precatória para o DIAP da Amadora, a qual teve o n.º …/…, assim como a informação que HE… havia sido notificado para interrogatório, no DIAP da Amadora, no dia 07/03/2018.
119) Tal inquérito não esteve sujeito a segredo de justiça e iniciou-se por queixa entrada a 28 de Julho de 2017, apresentada por BB…, jornalista, contra HE…, autor, entre outras, da página do Facebook «HG… e Benfica» por afirmações por este efectuadas na referida página.
120) Em data não apurada PG… transmitiu ainda a JA… a necessidade de pesquisa de processos relativos a CB…, empresário de jogadores de futebol.
*
121) Em data não apurada, mas entre 8 de Junho de 2016 e 6 de Março de 2018, PG… solicitou e obteve, de pessoa não identificada, cópia por impressão do CITIUS, da acusação e da sentença referentes ao processo nº …/…, sendo arguido nesse processo HJ…, trabalhador do Sporting Clube de Portugal e antigo árbitro, pessoa em relação à qual também pediu informações constantes da base de dados da Segurança Social, infra descritas.
*
DOS BILHETES/ CONVITES E PRODUTOS
Procedimento e condições:
122) PG… integra a estrutura do SL Benfica Futebol SAD como assessor do conselho de administração, sendo considerado internamente como «director de primeira linha», responsável pelo departamento jurídico para as questões do futebol profissional masculino sénior, reportando directamente ao presidente do conselho de administração.
123) Foi ainda secretário do conselho de administração no período atrás identificado.
124) Os directores de «primeira linha» do SL Benfica estão tacitamente autorizados a pedir produtos do clube que se destinem a ser entregues em benefício da SAD, sem que seja necessária qualquer autorização do presidente.
125) Os directores pedem directamente ao armazém do clube os produtos que pretendem, que são depois facturados à SL Benfica Futebol SAD.
126) Para a obtenção de bilhetes/ convites para assistência a jogo de futebol, os directores podem pedir bilhetes, para fins institucionais de interesse do clube.
127) Não é necessária justificação verbal, ou escrita, quer para cedência de convites, quer para a cedência de produtos aos directores.
128) Não existem regras instituídas na SL Benfica Futebol SAD, quer quanto aos procedimentos a adoptar, quer quanto a eventual controlo de produtos e convites cedidos aos directores ou por estes pedidos para entrega a terceiros.
129) Não é registado o destinatário final dos convites e produtos, quem vai usufruir deles, apenas se registando a que director, ou departamento são entregues.
130) Só há regras definidas quanto à cedência de bilhetes para os jogos da final da Taça de Portugal.
131) O convite para assistência a jogos de futebol sénior masculino profissional normalmente não inclui parque de estacionamento, o qual é uma excepção, só utilizado para fins institucionais de relevo.
132) A pulseira LL (Lisboa Lounge) permite o acesso exclusivo a um lounge onde são servidas refeições quentes e bebidas.
133) O piso 1 do estádio da Luz tem cadeiras estofadas, melhor visibilidade e é menos massificado, sendo o piso globalmente mais caro e foi designado, pela UEFA, como «anel VIP».
134) O preço de cada bilhete (sem parque) para jogos de futebol profissional no Piso 1 do Estádio da Luz varia entre 30,00€ e 60,00€.
135) O preço da pulseira LL é de 30,00€ por jogo.
136) O parque de estacionamento não é vendido jogo a jogo, mas apenas à época, e tem o valor anual de 550,00 €.
Entregas:
137) PG… entregou a JS… artigos de vestuário da marca SL Benfica, nomeadamente:
a) - Um blusão em algodão, estilo vintage tamanho S, no valor aproximado de 59,99€;
b) - Uma camisola vermelha com inscrição de patrocínio Radler no valor aproximado de 76,46€;
c) - Uma camisola nº 7 do jogador S…, autografada no valor aproximado de 89,95€;
d) - Uma camisola branca de jogo com o nº 1 do jogador Sv… no valor aproximado de 32,51€.
138) Para tais entregas PG… foi fazendo accionar os procedimentos e estrutura do clube e respectivos recursos humanos.
139) Sempre que o Sport Lisboa e Benfica jogou em casa, no estádio da Luz, Lisboa, nas últimas jornadas da época 2016/2017 e em todos os jogos da época desportiva 2017/2018 (até 06/03/2018), PG… disponibilizou a JS… e JL…, pelo menos 4 (quatro) bilhetes/ convites, com parque incluído e lounge para os jogos em casa, no Estádio da Luz, o mesmo sucedendo, por vezes, nos jogos fora de casa, designadamente quando se realizaram em zona mais próxima da morada do arguido JS….
140) No caso dos jogos fora do estádio da Luz, PG… entregou a JA… e JL… convites pertencentes ao Benfica, disponibilizados a este pelos clubes adversários.
141) Os bens disponibilizados pertenciam ao clube Sport Lisboa e Benfica e foram depois facturados à arguida Sport Lisboa e Benfica Futebol SAD, ou pertenciam à própria SAD, conforme se tratasse de produtos de merchandising, ou convites (bilhetes incluindo parque de estacionamento e lounge de refeições e bebidas).
142) Assim ocorreu, entre outros, nos seguintes jogos, nos quais JA… recebeu pelo menos 4 (quatro) bilhetes por jogo para assistir aos mesmos:
a) Jogo Benfica contra Estoril Praia da época 2016/2017, para a Liga Nos, realizado a 29 de Abril de 2017;
b) Jogo Benfica contra Vitória Sport Clube (Guimarães) da época 2016/2017, para a Liga NOS, realizado a 13 de Maio de 2017;
c) Jogo Sport Lisboa e Benfica e o Clube de Futebol os Belenenses, para a Liga NOS, realizado a 19 de Agosto de 2017;
d) Jogo Benfica contra CSKA de Moscovo, realizado a 12 de Setembro de 2017, para a Liga dos Campeões;
e) Jogo Aves contra Benfica, de 22 de Outubro de 2017, para a Liga NOS;
f) Jogo Benfica contra Estoril Praia, realizado a 9 de Dezembro de 2017, da Liga NOS;
g) Jogo Rio Ave (Vila do Conde) contra Benfica de 13 de Dezembro de 2017 (Quarta-feira), para a Taça de Portugal – tendo os bilhetes sido entregues através de ÓC…;
h) Jogo Benfica contra Portimonense, de 20 de Dezembro de 2017 (Quarta-feira), para a Taça da Liga (CTT);
i) Jogo Benfica contra Sporting, realizado dia 3 de Janeiro de 2018, para a Liga NOS;
j) Jogo Moreirense contra Benfica de 7 de Janeiro de 2018 para a Liga NOS;
k) Jogo Braga contra Benfica a 13 de Janeiro de 2018 para a Liga NOS tendo os bilhetes sido entregues pelo próprio PG… na casa de JA…;
l) Jogo Benfica contra Chaves, de 20 de Janeiro de 2018, para a Liga NOS;
m) Jogo Paços de Ferreira contra Benfica, para a Liga NOS, realizado a 24/02/2018;
n) Jogo Benfica contra Club Sport Marítimo, para a Liga NOS, realizado a 3 de Março de 2018.
143) Ao jogo Benfica contra Vitória Sport Clube (Guimarães) de 13 de Maio de 2017, com os convites entregues por PG…, JA… levou consigo os seus dois filhos, assim como o seu amigo MA… (utilizador do n.º de telemóvel …) e o filho deste, R….
144) JA… e o filho mais novo ficaram no piso 1, com pulseiras de acesso ao lounge e parque de estacionamento, enquanto MA…, R… e J…, filho mais velho de JA…, assistiram no piso 3.
145) No jogo realizado no dia 19 de Agosto de 2017, entre o Sport Lisboa e Benfica e o Clube de Futebol os Belenenses, para a Liga NOS, PG… entregou 5 bilhetes a JA….
146) Para tal, no dia 17 de agosto de 2017, PG… solicitou a AZ…, trabalhadora do Benfica, cinco bilhetes para o piso 1 do Estádio da Luz, com parque incluído.
147) Após, no dia seguinte, PG… deu indicações a PF…, também trabalhador do Benfica, para levantar os bilhetes e os deixar na Porta 18, em nome de JA… «Fafe».
148) Ainda no dia 18 de agosto de 2017, PG… solicitou, a JL… informações sobre um acórdão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol relativo a classificações de árbitros, assim como o seu envio no dia seguinte por intermédio de JA….
149) Efectivamente, no dia 19 de Agosto de 2017 JA… foi assistir ao jogo entre o Sport Lisboa e Benfica e o Clube de Futebol os Belenenses, com os bilhetes cedidos por PG….
150) No dia 28 de Agosto de 2017, pelas 11:33 horas JL… informou PG… que JS…, que se encontrava ao seu lado «manda dizer que não há novidades processuais».
151) Nesse dia, JS… já havia consultado os inquéritos com os n.ºs …/… pelas 09:41 horas, …/… e …/… para obter informações da tramitação dos inquéritos para transmitir a PG….
152) Ao jogo Benfica contra CSKA de Moscovo, realizado a 12 de Setembro de 2017, JA… entregou dois dos convites que havia recebido ao seu amigo DM… (utilizador do n.º de telemóvel …) e ao filho deste.
153) Para o jogo Aves contra Benfica, de 22 de Outubro de 2017, PG… entregou, a JA…, convites para este assistir ao jogo, tendo por seu turno o arguido J… entregue dois dos bilhetes ao seu amigo DM… e ao filho deste;
154) No final desse jogo, PG… diligenciou para que Sv…, jogador profissional de futebol do Benfica, entregasse, a um dos filhos de JA… uma camisola, o que sucedeu.
155) Para o jogo Rio Ave contra Benfica de 13 de Dezembro de 2017 para a Taça de Portugal, os bilhetes foram entregues através de ÓC…, tendo ainda assistido ao jogo, com um dos convites oferecidos a JA…, o seu amigo DM….
156) Para o jogo Benfica contra Portimonense, de 20 de Dezembro de 2017, os convites incluíam parque e pulseiras LL e foram solicitados por PG… a AZ…, no dia 18/12/2017, pelas 11:56 horas, o que aquela colaboradora diligenciou junto da assistente da direcção de marketing, CS…, que por sua vez os entregou a PF…, assessor de PG….
157) Nesse jogo Benfica contra Portimonense, de 20 de Dezembro de 2017, JS… encontrou-se com ÓC… e PC… tendo este entregue a JA… uma «prendinha», designadamente um casaco do Benfica.
158) Já anteriormente, em data não apurada, PG… tinha entregue uma camisola do Benfica a JA…, que este entregou ao seu filho J….
159) Para o jogo Braga contra Benfica, realizado a 13 de Janeiro de 2018, para a Liga NOS, os bilhetes foram entregues pelo próprio PG… na casa de JA…, tendo assistido ao jogo, também com os bilhetes entregues por PG…, o sobrinho do primeiro, FN….
160) No Jogo Benfica contra GD Chaves, realizado a 20 de Janeiro de 2018, PG… entregou a JS… cinco bilhetes.
161) No decurso deste jogo os arguidos JS…, JL… e PG… delinearam, ainda, a eventual contratação do sobrinho de JS…, FN…, licenciado em turismo, para o museu Cosme Damião, do Benfica.
162) A esse jogo foi também o próprio FN…, levando consigo um curriculum querendo PG… falar directamente com ele, o que foi intermediado por ÓC….
163) Já em data anterior PG… comunicou que tinha entregue os dados de FN… no Departamento de Recursos Humanos do Benfica.
164) Ao jogo, utilizando os bilhetes cedidos por PG…, assistiram os referidos JS… e FN… e ainda a irmã do primeiro, ZS…, convidada pelo próprio PG… por a considerar «castiça», JL… e ÓC…, assim como JA… (filho de JS…) e R… (RO…, filho de MA…, amigo de JA…), todos nos lugares 1 a 8 da bancada Red Power, piso 1.
165) Nesse dia e durante o jogo (intervalo) JA… e PG…, junto da bancada presidencial, acertaram pormenores e combinaram encontrar-se novamente no final do jogo.
166) Pelas 20:27 horas, na zona presidencial do estádio, PG…, JS…, ZS… e FN… conversaram sobre a contratação deste último e pelas 20:49 horas dirigiram-se ao parque de estacionamento, tendo JS…, ZS… e FN… saído do estádio.
167) Pelas 21:04 horas, no parque de estacionamento do estádio, PG… encontrou-se com ÓC… e JL…, tendo entregue a este camisolas do Benfica.
168) Em data não apurada, mas perto do dia 22 de Janeiro de 2018, PG… transmitiu a JL… informação sobre a contratação de FN…, para, por sua vez, JL… a transmitir a JS…, o que fez.
169) Nesse mesmo dia JA… eliminou dados informáticos, a pedido de JL….
170) Para o jogo Paços de Ferreira – Benfica para a Liga NOS realizado a 24/02/2018, PG… entregou, a JS…, quatro convites, informação que transmitiu a ÓC…, no dia 20/02/2018, pelas 22:51 horas, solicitando-lhe que, no encontro que iria ter com JS…, este trouxesse «resposta».
171) No dia 3 de Março de 2018, o arguido JS… assistiu, juntamente com JL… e ÓC…, com convites oferecidos por PG…, ao jogo SLB – Club Sport Marítimo, para a Liga NOS.
172) Após esse jogo, por meio não determinado, PG… permitiu a JS… o acesso a zona reservada do Estádio da Luz, junto aos lugares de estacionamento dos jogadores de futebol da equipa principal, para que o segundo pudesse contactar directamente com os jogadores,
173) O que JS… fez, tirando fotografias com os jogadores da equipa principal de futebol, S…, J…, D…, E… e L…, que depois publicou no seu perfil de Facebook.
174) No dia seguinte, 04/03/2018, pelas 00:33 horas PG… pediu a ÓC… para JS… «resguardar se e não exibir muitas fotos e camisolas do Slb (…) Senão podem desconfiar…. Para não postar».
175) Logo de seguida, na madrugada de 04/03/2018, pelas 00:35 horas, ÓC… diz a JA… que não deveria «postar as fotos no face amigo», «para as pessoas não ficarem com ideias», «é melhor prevenir».
176) E pelas 11:00 horas Ó… diz a JA… «só disse isso, para evitar desconfianças... Entendes?».
*
JL…
Para além do atrás referido na actuação conjunta com JA…:
177) No dia 4 de agosto de 2017, pelas 10:24 horas, JL… informou PG… que tinham sido publicadas as listas de observadores de árbitros e que tinham saído 3 do futebol profissional e «mandaram para cima» JR… do Algarve, assim como que tinha saído da lista HF… de Lisboa, que iria trabalhar para o Sporting Clube de Portugal.
178) Sabendo assim da ida de HF… para o Sporting, PG… afirma «vou já foder… por cá fora», pretendendo revelar publicamente a informação antecipada por JL….
179) Ao que L… responde para ter calma «eu estou atento …. E não me esqueço».
180) No dia 18 de agosto de 2017, pelas 12:17 horas, JL… informa PG… que tinha boas notícias mas que não podiam ser já reveladas: «o mandatário do JF foi notificado da procedência do recurso… depois envio-te o acórdão», reportando-se a classificações de árbitros.
181) Ainda nesse dia, PG… pede a JL… para enviar o acórdão através do arguido JA….
182) No dia 28 de agosto de 2017, pelas 11:33 horas JL… enviou mensagem a PG… solicitando ajuda para «falar com alguém dos bancos hoje» para auxílio no desbloqueio de empréstimo no NOVO Banco relacionado com conta caucionada da esposa.
183) Para o jogo do dia 20 de Janeiro de 2018, PG… entregou pelo menos 3 convites a JL… para assistir ao jogo de futebol, tendo JL… convidado, por sua vez, PR…, antigo árbitro, e o filho deste, pois queria que P… «falasse com um amigo» durante o jogo.
184) PG… entregou, ainda, a JL…, pelo menos:
a) Um bilhete para o jogo de futebol S.L. Benfica Futebol, SAD / Estoril Praia – Futebol, SAD, para o piso 1, que decorreu no dia 29/04/2017, oferecido pelo Gabinete Jurídico do S.L. Benfica Futebol, SAD, no valor aproximado de €40 a €60.
b) Dois bilhetes para o jogo de futebol S.L. Benfica Futebol, SAD / Vitória S.C. Futebol, SAD, para o piso 1, que decorreu no dia 13/05/2017, oferecidos pelo Gabinete Jurídico do S.L. Benfica Futebol, SAD, no valor aproximado de €75 a €90;
c) Quatro convites para o piso 1, com estacionamento, para o Jogo Benfica - Estoril Praia, realizado no dia 5 de Abril de 2017, para a Taça de Portugal, os quais foram solicitados por correio electrónico de 05/04/2017, pelas 10:12 horas para a colaboradora AZ…, com conhecimento ao presidente do clube, LF…, o qual tomou conhecimento do pedido pelas 11:27 horas;
d) Convites com estacionamento (para o veículo com matrícula …-IR-…) para JL…, pessoa considerada «importante», para o jogo da Liga NOS, Benfica- Rio Ave, realizado a 03/02/2018;
e) Jogo Benfica contra Chaves, de 20/01/2018, na companhia de JS… e atrás referido;
f) Jogo Benfica contra Marítimo, de 03/03/2018, na companhia de JS… e atrás referido;
g) Duas camisolas do SL Benfica entregues no dia 20 de Janeiro de 2018, no parque de estacionamento reservado do Estádio da Luz.
DOS ACESSOS À BASE DE DADOS DA SEGURANÇA SOCIAL
185) Em data não determinada, mas entre 1 de Novembro de 2017 e 6 de Março de 2018, PG… solicitou, a pessoa não identificada, a pesquisa nas bases de dados da Segurança Social de elementos referentes a dois colaboradores do Sporting Clube de Portugal e das entidades patronais.
186) Assim, nesse período, PG… recebeu os resultados das pesquisas efectuadas na base de dados da Segurança Social, incluindo o nome completo, números de identificação de contribuinte e da segurança social, data de nascimento, morada, entidades patronais, data de início de funções, última remuneração ou valor da pensão, referentes a HJ…, Sporting Clube de Portugal, LF… e da entidade patronal deste, a sociedade Amadora Inovation E.M. Unipessoal, Lda.
187) Foi através de JL…, como atrás referido, que PG… obteve a informação que HF… havia ingressado no Sporting, deixando a arbitragem, como atrás descrito.
188) Quanto a HF…, PG… obteve igualmente impressões de processo no qual foi interveniente, como atrás descrito, informações (pesquisas na base de dados e cópias de despachos) que PG… compilou e guardou numa pasta no seu gabinete no Estádio da Luz.
189) No dia 5 de Dezembro de 2017, a pedido de PG…, JS… obteve dados inscritos na base de dados da Segurança Social relativos a pessoas com ligações à arbitragem de futebol.
190) Para melhor esconder a origem das pesquisas, no dia 5 de Dezembro de 2017, pelas 10:22 horas, o arguido JS… acedeu ao sistema CITIUS com as credenciais da funcionária do Tribunal de Fafe, MC… e entrou no processo com o n.º …/… que ali corria termos e efectuou pesquisas referentes a:
a) – BF…;
b) – AM…;
c) – BC…;
d) – CM…;
e) – AM…;
f) – SM…;
g) – MN…;
h) – TR…; e
i) – JMF….
191) Assim obtendo informações pessoais daqueles, como o nome completo, números de identificação de contribuinte e da segurança social, data de nascimento, morada, entidades patronais, data de início de funções, última remuneração ou valor da pensão.
192) BF… foi árbitro de futebol durante cerca de 24 anos, pertencendo à Associação de Futebol do Porto, tendo surgido como interveniente no processo denominado «apito dourado» pela existência de uma escuta que o relacionava com o Futebol Clube do Porto e colaborando actualmente num grupo fechado no Facebook («polvo inteligente») comentando arbitragens.
193) AM… foi árbitro assistente até ao ano de 2005 e desde 15 de agosto de 2017 é analista de arbitragem no Porto Canal, em vários programas.
194) BC… foi árbitro assistente até 2016, altura em que iniciou funções como vogal da secção profissional do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, trabalhando directamente com os actuais árbitros profissionais, quer no auxílio ao treino, quer na análise interna das arbitragens.
195) CM… foi árbitro de futebol até 1993, membro do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol do Porto entre 1994 e 1997, presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol do Porto entre, aproximadamente, 1998 a 2011, retomando estas funções de presidente em Novembro de 2016. Foi arguido no processo denominado «apito dourado».
196) No programa «Chama Imensa» da Benfica TV, de 20 de Novembro de 2017, surge como pessoa com ligações ao Futebol Clube do Porto.
197) AM… foi árbitro entre, aproximadamente, 1981 e 1994 pertencendo à Associação de Futebol do Porto, observador de arbitragens da Liga Portuguesa de Futebol Profissional até 2012 e presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol do Porto até 04/10/2016.
198) No programa «Chama Imensa» da Benfica TV, de 20 de Novembro de 2017, surge como pessoa com ligações ao Futebol Clube do Porto.
199) SM… foi árbitro entre, aproximadamente, 1984 e 2008, tendo sido interveniente no denominado processo «apito dourado», primeiro como arguido e, no julgamento, como testemunha. Escreve num grupo do Facebook «árbitros e ex-árbitros de futebol».
200) No programa «Chama Imensa» da Benfica TV, de 20 de Novembro de 2017, surge como pessoa com ligações ao Futebol Clube do Porto.
201) MN… foi árbitro entre aproximadamente 1990 e 2001, após foi observador da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e entre 2005 e 2009, vice-presidente da APAF (Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol) e desde 2011 é presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Braga. Foi testemunha no processo conhecido por «apito dourado».
202) TR… foi árbitro aproximadamente entre 1997 e 2013 e após observador de jogos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, tendo sido interveniente no processo conhecido por «apito dourado», primeiro como arguido e, no julgamento, como testemunha.
203) Na época 2017/2018 observou o jogo dos oitavos de final da Taça de Portugal entre o Rio Ave Futebol Clube e o Sport Lisboa e Benfica, disputado dia 13 de Dezembro de 2017, com o resultado de 3-2 (vitória do Rio Ave).
204) JMF… Nunes foi presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Castelo Branco aproximadamente entre 2003 e 2011 e, desde Dezembro de 2011, é vogal da secção não profissional do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, que inclui o Campeonato de Portugal, assim como as camadas jovens de futebol e o futsal.
205) Sensivelmente em Abril de 2017, PG…, pessoa afecta ao Sport Lisboa e Benfica, fez referência à nomeação de um árbitro efectuada por JN…, num programa de comentários de futebol no canal TVI24.
DOS COMPUTADORES DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (MJ)
206) Desde data não determinada, mas pelo menos no dia 6 de Março de 2018, JS… tinha na sua posse, guardados na sua residência:
a. Um computador portátil da marca Dell, com bateria e n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 140,00€
b. Um computador portátil da marca Dell, sem bateria e sem disco rígido com n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 50,00€
c. Um computador portátil da marca Dell, com bateria, sem disco rígido e n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 50,00€;
d. Um computador portátil da marca Dell, com bateria, sem disco rígido e n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 50,00€
e. Um computador portátil da marca Dell, sem bateria e sem disco rígido e n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 40,00€;
f. Um computador desktop da marca Dell, funcional e em utilização, n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 100,00€;
g. Um computador da marca Dell, com a referência DPN:…, pertencente à DGAJ e com o valor de 175,00€;
h. Uma impressora da marca Samsung, modelo Pro Xpress M 3870FW, com o n.º de série … pertencente à DGAJ e com o valor de 350,00€;
i. Um monitor da marca HP, funcional e em utilização, com o n.º de série … pertencente à DGAJ e com o valor de 50,00€;
j. Um monitor da marca HP funcional e em utilização, com o n.º de série … pertencente à DGAJ e com o valor de 50,00€;
k. Um teclado da marca HP funcional e em utilização, com o n.º de série …, pertencente à DGAJ e com o valor de 5,00€;
l. Um computador HP PROdesk 600 G1 Base Model Tower PC, pertencente ao IGFEJ, no valor de 140,00;
207) Todos estes equipamentos e acessórios informáticos pertencem ao Ministério da Justiça, através da DGAJ e IGFEJ, não podendo ser mantidos, ou utilizados, pelo arguido na sua residência para fins particulares.
***
208) Com estas condutas, os arguidos JS… e JL… agiram em concertação de esforços e vontades, fazendo uso das suas funções de funcionários judiciais, que exerciam nos tribunais, para obter proveitos (recompensas) que lhes não eram devidos, sabendo que assim violavam os deveres legais e funcionais a que estavam adstritos, o que quiseram e conseguiram.
209) Actos que, por essa razão, lhes estavam vedados, colocando a razão de ser de funções públicas ao serviço de propósitos pessoais, ilícitos, preterindo os seus deveres para benefício de terceiros e de si próprios, o que fizeram a troco de recebimentos de vantagens atrás descritas.
210) JL… pretendeu, ainda, utilizar as suas funções de observador de arbitragem, que vinha exercendo junto da Federação Portuguesa de Futebol e Liga Portuguesa de Futebol, para obter proveitos para si, que sabia que não podia receber e a que não tinha direito, sabendo que, assim, violava os seus deveres funcionais.
211) Ainda assim, aceitou as ofertas, cedendo informações, e pedindo ele próprio favores, o que quis e conseguiu.
212) PG… bem conhecia as funções públicas exercidas pelos funcionários e bem sabia que estes, com as condutas descritas, que o beneficiavam, violavam os seus deveres funcionais e legais.
213) Bem sabia PG… que não podia actuar daquela forma e que as ofertas que entregava aos funcionários e observador de arbitragem, e que estes recebiam, eram contrárias às regras do funcionamento transparente dos serviços e aos deveres funcionais inerentes aos cargos e que o faziam no âmbito dessas funções.
214) Fê-lo de forma a condicioná-los e, assim, a obter informações reservadas a que não tinha direito, não se coibindo de actuar daquela forma, o que quis e conseguiu para benefício próprio ou de terceiros.
215) PG… bem conhecia as funções de observador de árbitros de JL…, pretendendo, através da ofertas de bens e vantagens, criar com o mesmo uma relação de proximidade e de favor para a obtenção de benefício inerente às funções ligadas à arbitragem, designadamente informações antecipadas e privilegiadas, contactos ou informações pessoais.
216) A actuação de PG… pretendeu criar, junto de JL…, um canal de acesso interno a informações da arbitragem, não se coibindo de, para tal, oferecer bilhetes, convites e outros produtos e vantagens ao observador de arbitragem.
*
217) Mais sabiam JS… e JL… que, com os seus actos, não só acediam como facultavam e permitiam o acesso indevido a informação confidencial de investigações criminais e que iludiam a investigação ao terem conhecimento antecipado de diligências e actos processuais que comunicavam a PG….
218) Tudo para favorecerem PG… e, indirectamente, o S.L. Benfica nas investigações em curso, permitindo, se necessário, a dissipação antecipada de elementos de prova.
219) Agiram com o propósito de evitar que o clube e PG… fossem acusados, julgados e condenados numa pena.
*
220) Os arguidos sabiam que alguns dos inquéritos atrás referidos estavam a coberto de segredo de justiça, com as implicações de confidencialidade de tal estatuto, encontrando-se a investigação em curso.
221) Quiseram aceder e divulgar, como divulgaram, informações do andamento das investigações, designadamente actos e diligências processuais, querendo ultrapassar o segredo de justiça que vigorava e indiferentes aos efeitos que causaria aos interesses da investigação, mormente a dissipação de prova por parte dos visados, o que aliás até pretendiam.
*
222) JS…, JL… e PG… bem sabiam que a informação que os primeiros transmitiam a PG… de processos pendentes, ainda que não estivessem em segredo de justiça, não podia ser divulgada, especialmente aos visados, mas ainda assim transmitiram as informações a PG….
223) Tudo para o beneficiarem com informações reservadas, ou antecipadas, de processos e diligências que visavam a Benfica SAD ou seus elementos, ou clubes e elementos de clubes adversários, assim permitindo acesso a informação a que não tinham direito.
*
224) JS…, JL… e PG… bem sabiam que não podiam aceder a elementos referentes a pessoas singulares, confidenciais, como o nome, morada, data de nascimento, remuneração, morada, contacto e outros elementos pessoais.
225) Fizeram-no com o propósito de obter dados dessas pessoas para posteriormente os poderem utilizar se tal lhes fosse conveniente, designadamente para prejuízo público dos visados pelo acesso aos seus dados pessoais.
226) O que os funcionários fizeram também para obter recompensas de PG….
227) Mais sabiam que não podiam transmitir e aceder aos dados atrás descritos, pois não tinham qualquer justificação legal ou funcional, nem autorização dos titulares dos dados, o que fizeram no âmbito das suas atribuições de funcionários judiciais, que lhes permitia o acesso às informações.
228) Quiseram aceder e divulgar, como divulgaram, informações privadas e confidenciais para daí obterem vantagens.
229) Tudo em concertação com PG…, que bem conhecia as funções públicas exercidas por JS… e JL….
*
230) Todos os arguidos, na execução do plano delineado conjuntamente, ao inserirem, através de JS…, nos sistemas informáticos do Ministério da Justiça, entre os quais o sistema CITIUS, credenciais de magistrada, funcionárias e funcionário aposentado, dados que não podiam utilizar, sabiam que dessa forma actuavam sem autorização e contra a vontade dos titulares das credenciais, do gestor do sistema informático e contra as regras de utilização do próprio sistema.
231) Tudo em detrimento do serviço público prosseguido pelas autoridades judiciárias, atingindo assim os deveres e obrigações decorrentes das funções de natureza pública e estatuto profissional dos funcionários.
232) Ao inserirem no sistema informático tais credenciais de terceiros, os arguidos, através de JS…, transmitiram ao sistema informação (permissão de acesso) sem correspondência com a realidade, pretendendo que tais dados passassem por verdadeiros, bem sabendo, no entanto, que não o eram, o que quiseram e conseguiram.
233) Tinham perfeito conhecimento que, com aquelas condutas, resultava prejuízo para a integridade e fiabilidade dos sistemas de informação e dos dados informáticos e que não podiam introduzir no sistema informático dados que não correspondessem à verdade, no âmbito da sua actividade funcional, não se coibindo, ainda assim, de actuar da forma descrita.
234) Tudo em concertação com PG…, que bem conhecia as funções públicas exercidas por JS… e JL….
*
235) Actuação deliberada, delineada e executada por PG…, assessor directo do presidente da SAD, a quem reportava, desempenhando função de relevo na sociedade, sendo integrado na estrutura da mesma como director.
236) Todos os benefícios entregues aos funcionários e observador foram-no a custo da Benfica SAD, que os suportou, fazendo uso da sua própria estrutura e colaboradores.
*
237) Ao transportar para a sua residência e colocar em uso, para fins particulares, os equipamentos informáticos atrás descritos, o arguido JS… fez seus tais equipamentos, bem sabendo que pertenciam ao Estado (Ministério da Justiça).
238) O arguido atoou com o propósito, concretizado, de fazer seus e usar em proveito próprio equipamentos de valor superior a €102,00, que bem sabia não lhe pertencerem, os quais sabia afectos à actividade pública, e cujo acesso apenas lhe era possibilitado em razão das funções que desempenhava ao serviço do Ministério da Justiça, o que quis e conseguiu.
239) O arguido sabia que, dessa forma, actuava sem autorização e contra a vontade do MJ, em detrimento do serviço público prosseguido por esta entidade, atingindo assim os deveres e obrigações decorrentes das suas funções de natureza pública e estatuto profissional.
*
240) Em tudo, agiram os arguidos de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Pelo exposto:
I. Incorre o arguido JS…, em concurso real, na prática de:
- Um crime de corrupção passiva, em co-autoria com JL…, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. a) e b), 26.º, do Código Penal, e na pena acessória prevista no art.º 66.º, n.º 1, als. a), b) e c), do Código Penal;
- Seis crimes de violação do segredo de justiça, em co-autoria com PG… e JL…, p. e p. pelo art.º 371.º, n.º 1 e 26.º, do Código Penal (Inquéritos …/…, …/…, …/…, …/…, …/… e …/…);
- Vinte e um crimes de violação de segredo por funcionário, em co-autoria com JL… e PG…, p. e p. pelo art.º 383.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, als. a) e b), 26.º e 28.º, do Código Penal (inquéritos e processos sem segredo de justiça);
- Nove crimes de acesso indevido, em co-autoria com JL… e PG…, p. e p. pelo art.º 44.º, n.º 1 e 2, al. b) e c), da Lei n.º 67/98, de 26/10, e 26.º do Código Penal.
- Nove crimes de violação do dever de sigilo, em co-autoria com JL… e PG…, p. e p. pelo art.º 47.º, n.º 1 e 2, als. a) e b), da Lei n.º 67/98, de 26/10 e 26.º do Código Penal.
- Vinte e oito crimes de acesso ilegítimo, em co-autoria com JL… e PG…, p. e p. pelo art.º 6.º, n.º 4, al. a), da Lei do Cibercrime
- Um crime de peculato, p. e p. pelo art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal;
- Pena acessória (art.º 66.º, do Código Penal):
A gravidade dos factos imputados aos funcionários, o modo como foram cometidos no exercício das funções e a perspectiva do exercício de funções públicas, evidencia que os arguidos não têm condições para voltar a exercer funções de interesse público, não sendo detentores a necessária confiança e probidade para tal desempenho.
II. Incorre o arguido JL…, em concurso real, na prática de:
- Um crime de corrupção passiva, em co-autoria com JS…, p. e p. pelo art.º 373.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, al. a) e b), 26.º, do Código Penal, e na pena acessória prevista no art.º 66.º, n.º 1, als. a), b) e c), do Código Penal;
- Um crime de favorecimento pessoal, em co-autoria com JS…, p. e p. pelo art.º 367.º, n.º 1 e 4 e 26.º, do Código Penal;
- Seis crimes de violação do segredo de justiça, em co-autoria com PG… e JS…, p. e p. pelo art.º 371.º, n.º 1 e 26.º, do Código Penal (Inquéritos …/…, …/…, …/…, …/…, …/.. e …/…);
- Vinte e um crimes de violação de segredo por funcionário, em co-autoria com JS… e PG…, p. e p. pelo art.º 383.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, als. a) e b), 26.º e 28.º, do Código Penal (inquéritos e processos sem segredo de justiça);
- Nove crimes de acesso indevido, em co-autoria com JS… e PG…, p. e p. pelo art.º 44.º, n.º 1 e 2, al. b) e c), da Lei n.º 67/98, de 26/10 e 26.º do Código Penal.
- Nove crimes de violação do dever de sigilo, em coautoria com JS… e PG…, p. e p. pelo art.º 47.º, n.º 1 e 2, als. a) e b), da Lei n.º 67/98, de 26/10 e 26.º do Código Penal.
- Pena acessória (art.º 66.º, do Código Penal):
A gravidade dos factos imputados aos funcionários, o modo como foram cometidos no exercício das funções e a perspectiva do exercício de funções públicas, evidencia que os arguidos não têm condições para voltar a exercer funções de interesse público, não sendo detentores a necessária confiança e probidade para tal desempenho.
III. Incorre o arguido PG…, em concurso real, na prática de:
- Um crime de corrupção activa, p. e p. pelo art.º 374.º, n.º 1, do Código Penal;
- Seis crimes de violação do segredo de justiça, em co-autoria com JS… e JL…, p. e p. pelo art.º 371.º, n.º 1 e 26.º, do Código Penal (Inquéritos …/…, …/…, …/…, …/…, …/… e …/…);
- Vinte e um crimes de violação de segredo por funcionário, em co-autoria com JL… e JS…, p. e p. pelo art.º 383.º, n.º 1, 386.º, n.º 1, als. a) e b), 26.º e 28.º, do Código Penal (inquéritos e processos sem segredo de justiça);
- Nove crimes de acesso indevido, em co-autoria com JL… e JS…, p. e p. pelo art.º 44.º, n.º 1 e 2, al. b) e c), da Lei n.º 67/98, de 26/10 e 26.º do Código Penal.
- Dois crimes de acesso indevido, p. e p. pelo art.º 44.º, n.º 1 e 2, al. b) e c), da Lei n.º 67/98, de 26/10 (HF… e LF…).
- Nove crimes de violação do dever de sigilo, em co-autoria com JL… e JS…, p. e p. pelo art.º 47.º, n.º 1 e 2, als. a) e b), da Lei n.º 67/98, de 26/10 e 26.º do Código Penal.
- Dois crimes de violação do dever de sigilo, p. e p. pelo art.º 47.º, n.º 1 e 2, als. a) e b), da Lei n.º 67/98, de 26/10 (HF… e LF…).
.
PROVA: a dos autos, designadamente:
Pericial:
Perícia informática do apenso F, vol. 18
Testemunhal: Factos relativos à utilização de credenciais de acesso, sua titularidade, e acessos ocorridos e âmbito funcional das testemunhas e relações com arguidos:
1) AP…, id. fls. 745
2) JMR…, id. fls. 2085
3) MC…, id. fls. 1475, 1484, 1549
4) FM… id fls. 2576 e 2598
Factos relativos ao funcionamento dos sistemas informáticos do MJ e contexto funcional dos arguidos JS e JL:
5) VM…, id. fls. 1461, 1470, 1518;
6) EJ…, id. fls. 1483, 1484, 1557
Factos relativos aos computadores do MJ em casa de JS
7) JP…, inspector da PJ, id. fls. 1932;
Factos relativos a conhecimento dado a PG… da existência de inquéritos concretos (…/… e …/…):
8) JAG…, coordenador da PJ, id. fls. 1678;
9) HE…, id. fls. 2523
Factos relativos à relação de JS com os demais arguidos, convites e assistência a jogos, fotografias com jogadores, relações pessoais e produtos de merchandising:
10) DM…, id. fls. 1657, 1667, 1720;
11) DJ…, id. fls. 1659, 1667, 1722
12) JAM…, id. fls. 1660, 1667 e 1724
13) MA…, id. fls. 1661, 1667, 1726, 2105, 2016, 2304
14) FN…, id. fls. 1656, 1667, 1716
15) PM…, id. fls. 2083
Factos relativos aos procedimentos da estrutura da arguida SLB SAD, mensagens trocadas com PG…, pedidos e entregas de bilhetes (com lounge e estacionamento) e produtos do SLB e sua faturação:
16) OM…, id. fls.1389
17) JM…, id. fls. 1400 e 1409
18) AMS..., id. fls. 1406, 1409
19) JoM…, id. fls. 1408, 1409
20) TD…, id. fls. 1582, 1585
21) NM…, id. fls. 1583, 1585
22) RP…, id. fls. 2138, 2140
23) PA…, id. fls. 1402, 1409
24) PAA…, id. fls. 1404, 1409
Factos relativos aos acessos a dados pessoais constantes da base de dados da Segurança Social – pessoas visadas:
25) HJ…, fls. 1454;
26) LF…, id. fls. 1469;
27) BF…, id. fls. 1788, 1827 e 1842;
28) AM…, id. fls. 1789, 1827 e 1845;
29) BC…, id. fls. 1790, 1827 e 1847;
30) CM…, id. fls. 1791, 1827 e 1849;
31) AM…, id. fls. 1792 , 1827 e 1852;
32) SM…, id. fls. 1793, 1827 e 1854;
33) MN…, id fls. 1794, 1827,
34) TR…, id. fls. 1795, 1827;
35) JM…, id. fls. 1826, 1827
Documental:
- Informação de serviço de fls. 2 e ss.
- Denúncia IGFEJ de fls. 2379
- Certidão de auto de busca e apreensão e documento (histórico do CITIUS) apreendido no âmbito do Inq. n.º …/… – fls. 43 a 63;
- Certidão de pesquisa informática efectuada no âmbito do Inq. n.º …/… de fls. 337 e ss.
- Informações do IGFEJ relativas a acessos a inquéritos de fls. 65 e ss., 133 e ss., 471 e ss., 552 e 553, 1169 e 1208, 1262, 1300, 1671, 2349;
- Informação da DGAJ de funcionários de fls. 101 e 365
- Nota biográfica de JMR… de fls. 102
- Nota biográfica de JA… de fls. 103;
- Nota biográfica de JL… de fls. 366
- Informação do IGFEJ relativa a JA… de fls. 146 e 1260, 1382
- Nota biográfica de JM… de fls. 365 e ss.;
- Certidão permanente de Berci, Lda. de fls. 250
- Informação Vodafone titularidade n.º Berci, Lda. de fls. 430
- Informação de titularidade de n.º da Joveoptica, Lda. de fls. 1195
- Certidão permanente Joveoptica de fls. 1196
- Informação titularidade n.º DM… de fls. 1199
- Informação titularidade n.º MC… de fls. 1266
- Crimes da competência da ….ª secção do DIAP de Lisboa de fls. 669;
- Informação CITIUS dos magistrados com acesso aos inquéritos da ….ª secção do DIAP de Lisboa de fls. 671;
- Certidão do Inq. n.º …/… – segredo de justiça – fls. 749 e ss.
- Certidão do Inq. n.º …/… – segredo de justiça – fls. 752 e ss.
- Certidão do Inq. n.º …/… de fls. 773 e ss.
- Certidão do Inq. n.º …/… de fls. 777 e ss.
- Certidão do Inq. n.º …/… – segredo de justiça – de fls. 781 e ss.
- Informação do CITIUS / intervenientes dos inq. n.ºs …/… e …/… fls. 791 e 792
- Informações extraídas do site https://www.slbenfica.pt/ referentes às caraterísticas do Estádio da Luz, preço dos bilhetes por referência ao jogo SLB vs CSM, organograma da Benfica SAD constante da página 11 do relatório sobre o governo da sociedade 2016/17 e informação relativa ao jogo ocorrido no dia 19 de agosto de 2017 – de fls. 659 e ss.;
- Notícias relativas a incidentes no jogo Aves/ Benfica de fls. 401 e 402
- Informação de registo automóvel de fls. 327
- Informação do registo civil de FN…, ZS… e JA… de fls. 398 e ss.
- Certidões de nascimento de JPS…, JA… de fls. 1776 e ss.
- Informação extraída em fontes abertas da internet relativa a ÓC… e True Soccer de fls. 404 a 406, 506 e ss., 560 a 567;
- Informação de observadores de árbitros de Braga/ JL… de fls. 568 e ss.
- Informação preço bilhetes de fls. 881
- Impressões com valores de vestuário – fls. 996;
- Certidão permanente SLB (clube) fls. 1178
- Certidão permanente SLB – Futebol SAD de fls. 1183
- Contratos de trabalho em regime de comissão de serviços entre SLB e PG… de fls. 1415 e ss.
- Impressões de pesquisas efectuadas no proc. …/… de fls. 1566 e ss.
- Informações de fontes abertas na internet relativamente às pessoas pesquisadas no proc. …/… de fls. 1597 e ss.
- Diário de bordo de fls. 1677;
- Fotografias de fls. 1739 e ss.
- Certidão processo …/… de fls. 1990
- Informações em fontes abertas relativas ao programa Chama Imensa de fls. 2002 a 2004
- DVD com cópia do programa Chama Imensa da BTV de fls. 2142
- Informações da Liga de Futebol Profissional (datas de jogos e informações de JL…) de fls. 2385;
- Informações da Federação Portuguesa de Futebol (datas de jogos e informações de JL…) de fls. 2407 e 2549 e ss.
- Informação da DGAJ relativa a equipamentos de fls. 2438;
- Informação do IGFEJ relativa a equipamentos de fls. 2693;
- Auto de exame e avaliação de equipamentos com valor comercial de fls. 2616;
- Informação de operadora telefónica relativamente ao n.º … (JS…) de fls. 2443;
- Registo automóvel veículo …-IR-… de fls. 2444;
- Impressão de mensagem e contacto WhatsApp de PG… a HG… de fls. 2521 e 2522;
- Informações da realização (data) do jogo Benfica / CSKA de Moscovo de fls. 2695 e 2696;
- Informações referentes a CB… de fls. 2800
Apensos:
Listagem de acessos a inquéritos e através do utilizador MP… – apenso A, designadamente fls. 39 a 62
Processos acedidos (certidões e cópias de elementos dos processos) – apenso B (3 volumes)
Relatórios de vigilância – apenso E, fls. 12 e ss.
Autos de busca e apreensão e respectivos documentos e objectos apreendidos aos visados:
JA… – equipa 1 e equipa 8;
JL… – equipa 3;
PC… - residência – equipa 4;
PC… – gabinete/ posto de trabalho – equipa 9;
FN… – equipa 6;
Tribunal de Guimarães – equipa 7;
Sport Lisboa e Benfica – equipa 9;
Intercepções telefónicas e facturação detalhada:
Facturação detalhada de fls. 334, 370 e 371, 430-A
Apensos de transcrição das sessões relevantes e respectivos suportes técnicos:
Todas as sessões constantes do apenso alvo … – JA…
Todas as sessões constantes do apenso alvo … – PG…
Sessão18445 constante do apenso alvo … – JL…
Correspondência e comunicações electrónicas e dados informáticos:
Autos de exame e conteúdos dos equipamentos – apenso F, designadamente volumes:
Vol. 1, 10, 13, 14, 15 – PG…;
Vols. 2, 3, 4, 11, 17 – JL…
Vols. 5, 6, 7, 8, 18 – JS…
CD contendo comunicações entre PG… e ÓC… constante do apenso de buscas equipa 9.”
Custas que se fixam em 5 (cinco) U.C. pelo assistente P… por haver decaído em recurso interposto.
Notifique.
Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pela Srª Juíza Adjunta.
Lisboa e Tribunal da Relação, 11 de Setembro de 2019
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira
-Relator -
Maria Teresa Féria de Almeida
-1ª Adjunta -
[1] (Cfr. informação da Liga e da FPF de fls. 2385 e ss., 2407 e 2549 e ss) [2] (Testemunha JF…, ao minuto 4:30 refere que a secção não profissional abrange todos os jogos de formação e de futsal, 1.ª e 2ª divisão; e a minutos 11:15 refere que num programa de televisão, provavelmente da TVI24, o comentador ligado ao Benfica PG… comentou uma nomeação de jogo do Benfica de escalões jovens de formação) [3] (apenso F, vol. 1 e sessão 18445 de JL…) [4] (apenso de vigilância e sessões de JS… 5750, 5883, 6418) [5] (fls. 2411 e apenso F, vol. 15, fls. 1 e 3) [6] (fls. 2 e 34v do apenso F, vol. 13) [7] Relatórios de vigilância, apensos informáticos (F) e intercepções