I. A presunção da notificação postal, prevista no art. 249.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é uma presunção juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário.
II. Face a essa presunção, compete ao interessado, intervindo no processo, alegar e provar a situação de exclusão da presunção que lhe possibilita a prática válida do ato.
III. A alegação tem de ser concretizada logo que o interessado intervém no processo, para o juiz poder ajuizar, desde logo, da tempestividade da pretensão jurídica.
IV. A dilação estabelecida no art. 245.º do Código de Processo Civil aplica-se, em exclusivo, à citação.
I – RELATÓRIO
Por decisão singular, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente a apelação interposta pelos Executados AA e BB e em que é Exequente a Caixa CC, S.A.
A Apelante, notificada por carta registada de 10 de maio de 2018, reclamou para a Conferência, nos termos de fls. 33 a 46, em 1 de junho de 2018.
Por despacho da Relatora, foi indeferida a reclamação, por extemporânea.
A Apelante, vindo a alegar que apenas recebera a notificação no dia 23 de maio de 2018, por motivos de saúde, requereu que, ilidida a presunção da notificação postal, a anterior reclamação para a Conferência fosse admitida, por ter sido apresentada em tempo, conforme requerimento de fls. 59 e 60.
Por despacho da Relatora, esse requerimento foi indeferido, nos termos de fls. 71 e 72.
A Apelante reclamou desse despacho para a Conferência, tendo sido proferido o acórdão de 15 de janeiro de 2019, que indeferiu o requerimento de fls. 59 e 60, considerando extemporânea a reclamação para a Conferência da decisão singular, que julgara improcedente as apelações.
Não se conformando, a Apelante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:
a) Resulta claramente que a notificação enviada apenas foi rececionada em 23 de maio de 2018, conforme consta do documento assinado pelos correios.
b) O requerimento, apresentado em 1 de junho de 2018, foi no prazo legal de dez dias, conforme dispõe o art. 149.º, n.º 1, do CPC.
c) A incapacidade por motivos de saúde, só possibilitou o levantamento do registo em 23 de maio de 2018.
d) Assim, a presunção do n.º 1 do art. 249.º do CPC foi ilidida.
e) Não existe na lei indicação do momento em que o notificado deve apresentar o requerimento a ilidir a presunção.
f) Por outro lado, a notificação foi assinada por pessoa diversa, beneficiando da dilação de cinco dias, nos termos do art. 245.º do CPC.
g) Com o acréscimo de mais três dias, ao abrigo do art. 139.º, n.º 5, do CPC, o prazo para a reclamação para a conferência seria até 1 de junho de 2018.
h) A reclamação foi indeferida indevidamente.
Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido.
Não foi apresentada contra-alegação.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, está essencialmente em discussão o momento em que deve ser alegado o afastamento da presunção da notificação postal.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual, importa então conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas suas conclusões, nomeadamente do momento em que deve ser alegado o afastamento da presunção da notificação postal.
Antes, porém, interessa esclarecer que o recurso é admissível, por contradição do acórdão recorrido com outro da Relação, no domínio da mesma legislação (identificada como regime normativo) e sobre a mesma questão fundamental de direito, entendendo-se, para tal efeito, como alegação, a junção de cópia do acórdão da Relação – artigos 854.º e 629.º, n.º 2, alínea d), ambos do Código de Processo Civil (CPC).
O acórdão recorrido, seguindo o entendimento de que o interessado no afastamento da presunção da notificação postal deve fazer a prova ou alegar a sua impossibilidade no momento da prática do ato, indeferiu, por efeito da sua preclusão, o requerimento para a conferência.
A Recorrente, porém, fundamentando-se em jurisprudência contrária da Relação, advoga posição contrária, especificando que fora, efetivamente, notificada em 23 de maio de 2018 e que, por isso, em 1 de junho de 2018, estava em tempo de reclamar para a Conferência da decisão da Relatora de 7 de maio de 2018.
Identificada a principal questão jurídica emergente dos autos, que posição tomar, sendo certo que a jurisprudência tem vindo a divergir?
Nos processos judiciais pendentes, a notificação da secretaria às partes e aos mandatários constituídos obedece a certas formalidades, nomeadamente às especificadas nos artigos 247.º e seguintes do CPC.
Tratando-se de parte que não constitua mandatário, a notificação é feita por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita ao terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (art. 249.º, n.º 1, do CPC)
Estabelece-se, nesta norma, uma presunção da notificação, nomeadamente no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando o não seja.
Trata-se, pois, de uma presunção legal juris tantum, que pode ser ilidida mediante prova em contrário, conforme dispõe o art. 350.º, n.º 2, do Código Civil.
Assim, para efeitos do afastamento da presunção, o interessado deve efetuar a prova de que não foi notificado ou foi notificado em data posterior, por motivo não imputável a si.
A alegação, por outro lado, deve ser apresentada logo que o interessado intervenha em ato processual.
A Recorrente é parte, advogando em causa própria.
Por carta registada de 10 de maio de 2018, a Recorrente foi notificada da decisão (singular) da Relatora, que julgou improcedente a apelação interposta, designadamente pela Recorrente, tendo vindo a reclamar para a Conferência, no dia 1 de junho de 2018, sem qualquer alegação para o afastamento da presunção da notificação postal.
Por efeito da presunção consagrada no n.º 1 do art. 249.º do CPC, a Recorrente foi notificada no dia 14 de maio de 2018, começando no dia 15 a correr o prazo de dez dias para a reclamação para a conferência.
Indeferida a reclamação para a conferência, por extemporânea, a Recorrente veio, então, requerer que se considerasse ilidida a presunção da notificação postal, pois apenas fora notificada em 23 de maio de 2018, por motivos de saúde, e fosse admitida a reclamação para a Conferência, pretensão que foi indeferida por decisão da Relatora e confirmada, depois, pelo acórdão recorrido.
A presunção da notificação postal, prevista no art. 249.º, n.º 1, do CPC, pode ser ilidida por prova em contrário.
Neste âmbito, poderá aceitar-se que a Recorrente apenas recebeu a notificação no dia 23 de maio de 2018, face ao documento de fls. 61.
Todavia, a Recorrente, ao reclamar para a conferência no dia 1 de junho de 2018, tinha de alegar e provar a exclusão da presunção da notificação postal, por motivo não imputável a si, o que não sucedeu, pois, só depois do indeferimento da reclamação, por extemporânea, veio alegar o afastamento da presunção, pois, por motivos de saúde, apenas fora notificada no dia 23 de maio de 2018, e juntar o documento de fls. 61.
A Recorrente, ao poder ter recebido a notificação, mesmo nessa data, não podia ignorar, por sua vez, agindo com a diligência exigível, a data do registo, correspondente a 10 de maio de 2018 (fls. 25) e que, por isso, sem mais, o prazo não podia começar a correr a partir do dia 24 de maio de 2018.
Na verdade, face à presunção legal, compete ao interessado, intervindo no processo, alegar e provar a situação de exclusão da presunção que lhe possibilita a prática válida do ato.
Essa alegação tem de ser concretizada logo que o interessado intervém no processo, para o juiz, como lhe compete, poder ajuizar, desde logo, da tempestividade da pretensão jurídica. De outro modo, tal não era possível, podendo perturbar ainda a marcha normal do processo, com os inconvenientes daí decorrentes, o que seria inaceitável.
Podendo ser a situação excludente da presunção da notificação postal apenas do conhecimento do interessado, justifica-se, igualmente, que a sua alegação e prova decorra nos mesmos termos da alegação e prova do justo impedimento (art. 140.º do CPC).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, aliás, tem seguido no sentido referido, designadamente os acórdãos de 14 de março de 2019 (602/15.0T8AGH.L1.S1), 18 de outubro de 2012 (36044/06.5YYLSB-A.L1.S1) e 21 de fevereiro de 2006 (05B4290), os dois últimos acessíveis em www.dgsi.pt.
Deste modo, porque não alegada em tempo, não se pode atender à alegação da exclusão da presunção da notificação postal, formalizada no requerimento de 10 de julho de 2018 (fls. 59/60).
Por outro lado, a Recorrente alude também ao benefício da dilação de cinco dias, prevista no art. 245.º do CPC, por, conforme alega, a notificação ter sido assinada por pessoa diversa, o que lhe permitia, ao abrigo do art. 139.º, n.º 5, do CPC, praticar o ato até ao dia 1 de junho de 2018.
Independentemente do mais que se poderia aduzir, para concluir pela improcedência do argumento, basta afirmar que tal dilação aplica-se, em exclusivo, à citação.
Nos autos, como se viu, está em causa uma notificação e não uma citação, não sendo aplicável a dilação consagrada no art. 245.º do CPC.
Nesta conformidade, porque não alegada, em tempo oportuno, a exclusão da presunção da notificação postal, prevista no art. 249.º, n.º 1, do CPC, conclui-se que foi extemporânea a reclamação para a conferência apresentada em 1 de junho de 2018, tal como se decidiu no acórdão recorrido, negando-se a revista.
2.3. A Recorrente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
2) Condenar a Recorrente (Executada) no pagamento das custas.
Lisboa, 19 de junho de 2019
Olindo dos Santos Geraldes (Relator))
Maria do Rosário Morgado
Oliveira Abreu