ACÇÃO EXECUTIVA
INSOLVÊNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
CUSTAS
Sumário


I - Estando em causa execução para pagamento de quantia certa, na pendência da qual ocorreu a declaração de insolvência do executado e o subsequente encerramento do processo de insolvência nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, considerando que o artigo 88.º do CIRE impede o prosseguimento da execução, impondo a respetiva extinção, verifica-se que a pretensão da exequente, ainda que fundada aquando da propositura da ação, deixou de o ser, por imposição legal, no decurso da execução, dada a ocorrência de factos que impõem a extinção do processo;
II - Tratando-se de ação judicial tendente à satisfação coerciva de obrigações pecuniárias, na pendência da qual ocorreu a declaração de insolvência do executado, sendo certo que a insolvência não era previsível à data da propositura da execução, mostram-se preenchidos os elementos integradores da alínea e) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC;
III - Se a pretensão da exequente, ainda que fundada no momento em que foi intentada a execução, deixou de o ser por circunstâncias supervenientes não imputáveis a qualquer das partes, deverão as custas ser repartidas entre exequente e executado (respetiva massa insolvente), em partes iguais, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do CPC.

Texto Integral



Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Na presente execução para pagamento de quantia certa, que BB - Instituição Financeira de Crédito, S.A. move contra CC - Transportes, Lda. e DD, por sentença de 18-01-2019, foi declarada extinta, por impossibilidade superveniente da lide, a instância relativamente ao executado DD, nos termos seguintes:
Pese embora tal informação se encontre omissa da informação que antecede, compulsados os autos principais constata-se que o processo de insolvência, no âmbito do qual a(o/os) executada(o/os) DD foi(ram) declarada(o/os) insolvente(s), foi encerrado com fundamento no disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea a) do CIRE.
Assim, nos termos do artigo 88.º, n.º 3 do CIRE, e artigos 849.º, n.º 1, alínea f) e 277.º, alínea e) do NCPC, declara-se extinta, por impossibilidade superveniente da lide, a presente execução em relação ao executado DD, prosseguindo os autos apenas contra EE.
Custas em partes iguais, na proporção de metade, nos termos do artigo 536.º, n.º 1, e n.º 2, alínea e) do NCPC.
Valor: 5.329,13€ (cfr. artigo 297.º, n.º 1 do NCPC).
Registe e notifique.
Inconformada, a exequente interpôs recurso da condenação em custas constante da sentença, pugnando para que esta parte da decisão seja revogada e substituída por outra que impute a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais exclusivamente à massa insolvente do executado, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1) A exequente, ora recorrente, propôs acção executiva, em 27/11/2012, entre outros, contra o executado João Domingos Duque Martins.
2) Sucede que, a 06/03/2015, o executado deu entrada de uma acção judicial, por via da qual requereu que fosse declarada a sua insolvência.
3) A 24/03/2015 foi proferida sentença que declarou a insolvência do executado, no âmbito do processo judicial n.º 323/15.4T8PTG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Local Cível de Portalegre, Juiz 1.
4) Em conformidade, com data de conclusão de 26/05/2015, o Tribunal a quo profere nos presentes autos, o douto despacho com o seguinte teor:
“…Constatando-se, mediante análise da cópia da sentença junta aos autos, já transitada em julgado conforme é do meu conhecimento funcional, que o (a) executado (a) António Domingos Almeida da Conceição foi declarado (a) insolvente por sentença já transitada em julgado, decide-se suspender nessa parte a presente execução, de acordo com o disposto no artigo 88º, n.º 1 do CIRE, prosseguindo os autos apenas quanto à outra executada.
Notifique, Sendo o Sr. (a) Solicitador (a) de Execução para em dez dias informar se foi efectuado algum acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente relativamente a esse executado nos termos e para os efeitos compreendidos nos artigos 85º, n.º 2 e 88º, n.º 2, ambos do CIRE.”
5) Posteriormente, a 17/06/2015, o Tribunal a quo proferiu nos presentes autos, o despacho com o seguinte teor:
“…Verificando-se um lapso na identificação do executado insolvente, importa corrigir o mesmo, o que se determina nos termos do artigo 249º do Código Civil, passando a ler-se João Domingos Duque Martins no lugar do nome constante do 1º parágrafo do despacho em apreço.”
6) Com data de conclusão de 18/01/2019, foi proferida sentença nos presentes autos, com o seguinte teor:
“Pese embora tal informação se encontre omissa da informação que antecede, compulsados os autos principais contata-se que o processo de insolvência, no âmbito do qual a (o/os) executada (o/os) João Domingos Duque Martins foi(ram) declarada (o/os) insolvente (s), foi encerrado com fundamento no disposto no artigo 230º, n.º 1, alínea a) do CIRE.
Assim, nos termos do artigo 88º, n.º 3 do CIRE, e artigos 849º, n.º 1, alínea f) e 277º, alínea e) do NCPC, declara-se extinta, por impossibilidade superveniente da lide, a presente execução em relação ao executado DD, prosseguindo os autos apenas contra EE.
Custas em partes iguais, na proporção de metade, nos termos do artigo 536º, n.º 1, e n.º 2, alínea e) do NCPC.
Valor: 5.329,13€ (cfr. artigo 297º, n.º 1 do NCPC).
Registe e notifique.”
7) Salvo o devido respeito, a interpretação de tal norma legislativa, carece de ser clarificada,
8) Uma vez que, a parte final da alínea e) do n.º 2 do artigo 536º do CPC, acarreta uma excepção, através da conjugação subordinativa condicional, desde que.
9) Pois, a questão principal e determinante para a aplicação do referido dispositivo legal – e que aqui se coloca - prende-se com o facto de saber se, à data da propositura da acção, era ou não previsível à exequente, a referida insolvência!
10) O que, in caso, considerando que a declaração de insolvência surgiu praticamente dois anos e pouco após ter sido intentada a acção executiva,
11) A ora recorrente, não tinha forma alguma de prever a situação de insolvência do executado,
12) Até porque, evidentemente, não é do interesse da recorrente, ora exequente, acarretar com mais custos processuais, sem vislumbrar o efeito útil pretendido, isto é, o ressarcimento integral dos valores peticionados.
13) Não sendo por isso, de todo, previsível à exequente a referida insolvência.
14) Pelo que, a excepção prevista na parte final da alínea e), do n.º 2, do artigo 536.º do CPC, reconduz para a aplicação do disposto no n.º 3 do referido artigo 536.º do CPC, ao estabelecer que:
Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.” (sublinhado e negrito nosso)
15) Aliás, conforme resulta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 1398/10.8TBMTJ.L1-2, datado de 18/04/2013:
“(…) Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, responsabilizando a massa insolvente pelas inerentes custas processuais.”
16) Profere ainda o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 0355/15, datado de 17/06/2015, que:
“(…) E, nestas circunstâncias as custas terão de ser imputadas ao Executado (réu), nos termos do disposto do artigo 536° n° 3 do CPC em resultado de lhe ser imputável a inutilidade verificada nos presentes autos (em virtude de ter sido a sua declaração de falência que determinou a avocação do processo de execução fiscal e a reclamação do crédito da Fazenda Pública no processo de falência).” (sublinhado e negrito nosso) – Vide em www.dgsi.pt.
17) O mesmo entendimento decorre do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 501/10. 2TVLSB.S1, datado de 15/03/2012:
(…) Termos em que se julga extinta por impossibilidade superveniente da lide.
Custas pela massa insolvente.”
18) Face a todo o exposto, e conforme é entendimento jurisprudencial, julga a ora recorrente que a norma a aplicar ao caso, será o disposto no n.º 3 do artigo 536.º, ao invés do n.º 1 do referido artigo 536.º do CPC.
19) Devendo as custas processuais dos autos de execução ser imputadas à massa insolvente do executado, atento que foi esta que deu origem à inutilidade superveniente da lide.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da responsabilidade quanto a custas.

2. Fundamentos
2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação da questão suscitada na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda os seguintes elementos constantes dos autos:
a) a presente execução foi intentada a 27-11-2012;
b) a 06-03-2015, o executado DD intentou ação judicial através da qual se apresentou à insolvência, processo que correu termos sob o n.º 323/15.4T8PTG no Juízo Local Cível de Portalegre do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre;
c) por sentença proferida no processo identificado em c), transitada em julgado a 17-12-2018, foi declarada a insolvência do executado DD.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posta em causa na apelação a condenação em custas constante da sentença de 18-01-2019, na qual, com fundamento na declaração de insolvência do executado DD e no subsequente encerramento do processo de insolvência nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), foi declarada extinta a execução por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto no artigo 88.º, n.º 3, do CIRE, e nos artigos 849.º, n.º 1, al. f), e 277.º, al. e), do Código de Processo Civil (CPC), tendo-se procedido à repartição das custas em partes iguais, nos termos seguintes: Custas em partes iguais, na proporção de metade, nos termos do artigo 536.º, n.º 1, e n.º 2, alínea e) do NCPC.
Discordando da condenação em custas constante da sentença, defende a apelante dever a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais ser imputada exclusivamente à massa insolvente do executado, sustentando que a declaração de insolvência não era previsível à data em que intentou a ação executiva, o que entende afastar a aplicação dos n.ºs 1 e 2, al. e), do artigo 536.º, sendo de aplicar o n.º 3 do preceito, do qual decorre a responsabilidade da massa insolvente quanto a custas, por ter o executado dado causa à inutilidade superveniente da lide.
Não vem questionada na apelação a extinção da execução por impossibilidade superveniente da lide, com fundamento na declaração de insolvência do executado DD e no subsequente encerramento do processo de insolvência nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, circunstâncias que ocorreram na pendência da execução, estando apenas em causa a responsabilidade quanto a custas, discordando a apelante da interpretação do artigo 536.º do CPC tida em conta pela 1.ª instância.
Sob a epígrafe Repartição das custas, dispõe o artigo 536.º do CPC o seguinte:
1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas.
Este preceito regula a responsabilidade quanto a custas em dois tipos de casos, a saber: i) nas situações em que a demanda de autor ou requerente ou a oposição de réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas, mas deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, caso em que prevê o n.º 1 a repartição das custas entre aqueles em partes iguais; ii) nos demais casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, relativamente aos quais prevê o n.º 3 que a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
O n.º 2 do preceito, por seu turno, estatui que se considera ter ocorrido uma alteração das circunstâncias não imputável às partes nas situações que elenca nas suas cinco alíneas, designadamente na prevista na alínea e): quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.[1]
Em anotação ao citado artigo 536.º, afirma Salvador da Costa (As Custas Processuais, 6.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 39) o seguinte: “Prevê o n.º 2 o circunstancialismo de facto e de direito constante das suas cinco alíneas, e estatui, em termos de presunção “iure et de iure”, dever considerar-se ter ocorrido alteração das circunstâncias não imputável às partes. A lei optou pelo elenco dos casos de alteração das circunstâncias não imputáveis às partes, substituindo o que poderia e deveria ser tarefa do intérprete, inserindo uma causa redutora da necessária dinâmica interpretativa”. Acrescenta o autor (ob. cit., p. 41-42) o seguinte: “Prevê a alínea e) a ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e à declaração de insolvência do réu ou do executado e a não previsibilidade para o autor, à data da propositura da ação, dessa declaração que veio a ocorrer, e estatui verificar-se efeito similar ao supracitado. Assim, um dos pressupostos do funcionamento deste normativo é a pendência de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias, de tipo declarativo ou executivo, e a declaração de insolvência do réu ou do executado. O outro pressuposto de tal funcionamento é a não previsibilidade da declaração de insolvência do réu ou do executado na data da instauração da ação declarativa ou da ação executiva. O disposto neste normativo também é aplicável ao exequente que, aquando da instauração da execução, não podia prever a insolvência do executado que, declarada que seja, obsta à instauração de execução tendente à penhora de bens da massa insolvente (art. 88.º, n.º 1, do CIRE)”.
Verifica-se, assim, que as alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 536.º tipificam várias situações de presuntiva alteração das circunstâncias não imputável às partes. Como tal, tratando-se de presunções iure et de iure da não imputabilidade às partes da alteração das circunstâncias ali descritas, não é de admitir a produção de prova em sentido contrário, conforme decorre do estatuído no artigo 350.º, n.º 2, in fine, do Código Civil (CC).
Está em causa, no caso presente, uma execução para pagamento de quantia certa, na pendência da qual ocorreu a declaração de insolvência do executado e o subsequente encerramento do processo de insolvência nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE.
Regulando os efeitos da declaração de insolvência sobre as ações executivas intentadas contra o insolvente, o artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência, impondo o n.º 3 do preceito a extinção das ações executivas suspensas nos termos do n.º 1, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto. Assim sendo, decorrendo deste regime que a declaração de insolvência e o subsequente encerramento do processo de insolvência, nos termos indicados, impedem o prosseguimento da ação executiva, impondo a respetiva extinção, cumpre concluir que a pretensão da exequente, ainda que fundada aquando da propositura da execução, deixou de o ser, por imposição legal, no decurso da execução, dada a ocorrência de factos que impõem a extinção do processo, pelo que se encontra preenchida a previsão da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 536.º.
Os presentes autos configuram uma ação judicial tendente à satisfação coerciva de obrigações pecuniárias, na pendência da qual ocorreu a declaração de insolvência do executado, sendo certo que não questiona o apelante, antes defende, que tal insolvência não lhe era previsível à data em que instaurou a execução, o que permite concluir que se mostram preenchidos os elementos integradores da alínea e) do n.º 2 do artigo 536.º.
Consequentemente, a alteração superveniente das circunstâncias ocorrida no caso presente tem de se considerar não imputável a qualquer das partes, conforme presunção legal estatuída pelo n.º 2 do artigo 536.º, pelo que se mostra preenchida a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 536.º.
Estando em causa uma situação em que a demanda da exequente, ainda que fundada no momento em que foi intentada a execução, deixou de o ser por circunstâncias supervenientes não imputáveis a qualquer das partes, deverão as custas ser repartidas entre exequente e executado (respetiva massa insolvente), em partes iguais, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 1 e 2, al. e), conforme decidido pela 1.ª instância.
Tendo-se concluído que o caso presente preenche a previsão dos n.ºs 1 e 2, al. e), do artigo 536.º, afastado se encontra o preenchimento da previsão do respetivo n.º 3, dado que reportado aos demais casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, ressalva que afasta os casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide previstos nos números anteriores do artigo.
Improcede, assim, a apelação.

Em conclusão:
I - Estando em causa execução para pagamento de quantia certa, na pendência da qual ocorreu a declaração de insolvência do executado e o subsequente encerramento do processo de insolvência nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, considerando que o artigo 88.º do CIRE impede o prosseguimento da execução, impondo a respetiva extinção, verifica-se que a pretensão da exequente, ainda que fundada aquando da propositura da ação, deixou de o ser, por imposição legal, no decurso da execução, dada a ocorrência de factos que impõem a extinção do processo;
II - Tratando-se de ação judicial tendente à satisfação coerciva de obrigações pecuniárias, na pendência da qual ocorreu a declaração de insolvência do executado, sendo certo que a insolvência não era previsível à data da propositura da execução, mostram-se preenchidos os elementos integradores da alínea e) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC;
III - Se a pretensão da exequente, ainda que fundada no momento em que foi intentada a execução, deixou de o ser por circunstâncias supervenientes não imputáveis a qualquer das partes, deverão as custas ser repartidas entre exequente e executado (respetiva massa insolvente), em partes iguais, nos termos do artigo 536.º, n.ºs 1 e 2, al. e), do CPC.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.

Évora, 12-09-2019
Ana Margarida Leite (Relatora por vencimento)
Elisabete Valente (Vencida, conforme declaração de voto junta)
Cristina Dá Mesquita

VOTO DE VENCIDA
Com todo o respeito pela decisão contrária, não confirmaria a decisão recorrida (que declarou a impossibilidade superveniente da lide e determinou a condenação em custas em partes iguais, na proporção de metade, nos termos do artigo 536.º, n.º 1, e n.º 2, alínea e) do CPC) por entender que a situação não cabe no âmbito do artigo 536.º do CPC, mas sim na regra geral do 527.º do mesmo diploma.
Com efeito, nos termos do artigo 536.º do CPC, sob a epígrafe “repartição das custas”, pode ler-se:
«1- Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais.
2- Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando:
a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada;
b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido;
c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia;
d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado;
e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência.
3 – Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.
4 – Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no nº 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas”.»
(Este artigo levanta grandes dificuldades de interpretação, de tal forma que Lebre de Freitas - CPC anotado - refere que está envolvido por uma nebulosa que dificulta ao intérprete aquilatar da mens legis não só pelo pouco rigor jurídico da norma, como pela falta de lógica das suas soluções).
Ora, no nosso caso entendo que não se verifica o pressuposto da “pretensão deixar de ser fundada” que exige aquele artigo, já que a pretensão do exequente apenas vai ser apreciada numa outra sede processual - através de reclamação de créditos em processo de insolvência - mas não deixou de ser fundada.
Aliás, deve considerar-se que, na interpretação do artigo em causa, no caso de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade do autor pelas custas não depende de tal impossibilidade ou inutilidade ser imputável a este. A regra, nestas situações, é as custas serem da responsabilidade do autor. Se não quiser assumir tal responsabilidade, tem o autor o ónus da prova de que a impossibilidade ou inutilidade deriva de facto imputável ao réu.
E só assim faz sentido a preocupação subjacente à al. e) do n. 2 do artigo em análise, que parece querer afastar a responsabilidade do autor ao dizer “não fosse previsível para o autor a referida insolvência” e do n. 3 “salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido”.
Afastado este artigo, neste caso, deve aplicar-se a regra geral em matéria de custas, que está prevista no artigo 527.º do CPC, que refere: “1. A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito”.
Como refere Alberto dos Reis, (in Código de Processo Civil, anotado, Vol. II, pág. 202/203): “O que justifica a condenação em custas de determinado litigante é o nexo de causalidade existente entre as despesas do litígio e o comportamento desse litigante. Paga as custas o vencido porquê? Porque se comportou por maneira a dar causa à acção e consequentemente às despesas judiciais que ela ocasiona, ou então porque ofereceu resistência infundada à pretensão do autor”.
Neste caso, deve entender-se que é o executado quem dá causa às custas, atento o facto de estarmos perante um título executivo e o facto do exequente não ter forma alguma de prever a situação de insolvência do executado quando a intentou, sendo o executado que pediu a insolvência e que a mesma foi decretada mais de dois anos após ter sido intentada a presente acção executiva.
No mesmo sentido, o recente Acórdão desta Relação de Évora, 12 de Junho de 2019, proc. nº 154/2.3TBCVD.E1 (Relator. Silva Rato) Ac. Trib. Administrativo Central Norte de 12.04.2018, proc. nº 02291/14.0BEPRT, Ac. STJ de 26.11.2015, proc. nº 1109/12.5TTLSB.L2.S1 (que, embora sem entrar na discussão, referindo o art. 536º nº 3 a condenação em custas, é neste sentido) e também Ac. TRL, proc.n.º 1398/10.8TBMTJ.L1-2, datado de 18/04/2013, disponível em www.dgsi.pt que refere o seguinte:
“…Na situação em causa nos autos, e como acima ficou dito, a inutilidade da lide derivou precisamente da circunstância de a ré ter sido declarada insolvente, com a consequente necessidade de a autora, caso pretenda obter o pagamento do seu alegado crédito, ter de o reclamar no processo de insolvência, aí se tendo de proceder à verificação desse invocado crédito. (…) foi a declaração de insolvência que deu origem à inutilidade da instância, logo, as custas terão de ser imputadas, neste caso, à massa insolvente – v. neste sentido Ac. R.L. 01.07.1999 (Pº 0031552) e Ac. R. P. de 18.12.2001 (Pº 0121720), acessíveis no supra mencionado sítio da Internet.”
Finalmente, também no mesmo sentido, Rui Pinto “Acção executiva” 2019, reimpressão AAFL Editora p. 633, nota 4, onde se pode ler: «…o direito do autor à execução não se extinguiu (…) posto isto as custas em caso de extinção por frustração serão a cargo do executado pois deu causa à execução, causa essa que subsiste como o demonstra a permanência do título executivo(…) portanto não é correcto invocar o artigo 536º nº 3 segunda parte (…) para evitar que tenha que ser o autor a pagar as custas».
Em suma: No nosso entender não confirmaríamos a decisão recorrida.
Elisabete Valente

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[1] Apresentando uma apreciação crítica sobre o critério de repartição igualitária das custas previsto neste preceito, cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 445-446.