COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
COMPETÊNCIA PARA A EXECUÇÃO DA DECISÃO
TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES
Sumário

I - Intentada ação executiva cujo título exequendo é uma decisão judicial e apresentando-se o requerimento executivo no processo em que foi proferida a decisão exequenda, tal como se prevê no nº 1 do artigo 85º do Código de Processo Civil, compete à secção de processos onde foi proferida a decisão exequenda observar, com urgência, o disposto no nº 2 do mesmo artigo, remetendo para o competente Juízo de Execução, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
II - Aos Juízos de Família e Menores, apenas é conferida competência executiva por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges (artigos 122º nº 1 alínea f) e 129º nº 2, ambos da Lei de Organização do Sistema Judiciário).
III - Para a realização coerciva de um crédito do exequente, reconhecido em processo de separação de meações, por benfeitorias em bem próprio da executada, a acção executiva para pagamento de quantia certa é processualmente adequada.
IV - O Juízo de execução é competente em razão da matéria para a realização coerciva de um crédito do exequente, reconhecido em processo de separação de meações, por benfeitorias em bem próprio da executada.

Texto Integral

Processo n.º 545/19.9T8OAZ.P1

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 28 de junho de 2018, no processo nº 191/11.5TBARC-B pendente no Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira, Juiz 1, Comarca de Aveiro, B… instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra C… pedindo o pagamento coercivo do crédito no montante de €36.490,00 que lhe foi reconhecido no processo de inventário nº 191/11.5TBARC-B[1] e que, alegadamente, a executada não pagou não obstante tenha sido notificada para proceder ao depósito de tal importância, nos termos aplicáveis ao depósito de tornas, a que acrescem juros de mora contados à taxa supletiva legal desde a data da sentença homologatória do mapa da partilha até efetivo e integral pagamento, totalizando os juros vencidos o montante de €1.831,50, acrescendo ainda ao capital em dívida juros à taxa de 5% ao ano, a título de sanção pecuniária compulsória, somando os juros vencidos a este título a quantia de €1.429,61[2].
Procedeu-se à penhora de dois depósitos bancários da executada, do direito a 1/5 indiviso e sem determinação de parte de um prédio rústico e de dois prédios urbanos e da “parte disponível” da pensão de aposentação que a executada aufere da Caixa Geral de Aposentações.
Citada, a executada veio deduzir incidente de “isenção de penhora” e, subsidiariamente, de redução de penhora, requerendo a final a isenção da penhora da sua pensão de reforma por um período de doze meses e, subsidiariamente, a sua redução para 1/8, por um período mínimo de dezoito meses.
Notificado da oposição deduzida pela executada, o exequente respondeu suscitando a má-fé da opoente por litigar com abuso do direito e a litigância de má-fé da mesma por fazer do processo um uso manifestamente reprovável, pugnando pela condenação da executada como litigante de má-fé em multa e indemnização.
A executada pronunciou-se sobre o pedido do exequente de que seja condenada como litigante de má-fé, negando que assim litigue e concluindo pela improcedência dessa pretensão do exequente.
Em 15 de outubro de 2018, nestes autos, foi proferida a seguinte decisão[3]:
B… intentou a presente execução contra C…, por apenso aos autos de inventário para separação de meações na sequência de divórcio, invocando ser a executada devedora de tornas, que ainda não liquidou.
Apreciando:
Para que possa decidir sobre o mérito ou o fundo da questão é imprescindível que o tribunal perante o qual a ação foi proposta, seja competente.
O requisito da competência resulta do facto de o poder jurisdicional ser repartido, segundo diversos critérios, por numerosos tribunais.
Cada um dos órgãos judiciários, por virtude da divisão operada a diferentes níveis, fica apenas com o poder de julgar num círculo limitado de ações e não em todas as ações que os interessados pretendam submeter à sua apreciação jurisdicional.
Para a delimitação do poder jurisdicional de cada tribunal que existem regras de competência.
No plano interno a repartição deste poder, faz-se, designadamente, em razão da matéria.
As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais dotados de competência especializada (art. 65º, do Novo CPC).
Ou seja, os tribunais de competência especializada - como é o caso dos tribunais de família - apenas são competentes para decidir o círculo específico e restrito de ações que a Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26.08) prevê.
Nos termos do art. 122º, da Lei 62/2013, de 26.08, as únicas execuções para as quais a lei atribui competência ao tribunal de família e menores em matéria de família (ou seja em matéria referente ao estado civil das pessoas e da família) são as execuções por alimentos entre cônjuges (ver al. f), do n.º 1).
Onde existirem juízos de execução compete aos mesmos, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, todas as execuções cuja competência a lei não atribua especificamente a outros tribunais (nomeadamente ao de competência especializada) - ver art. 129º, da Lei 62/2013 -.
De onde resulta que é competente para tramitar a execução de quantia certa, derivada de dívida de tornas resultante de sentença proferida em sede de processo de inventário para separação de meações, os juízos de execução (onde os houver), e não o tribunal de família e menores, a quem não está deferida por lei tal competência.
A exceção de incompetência agora debatida é de conhecimento oficioso e deve ser suscitada em qualquer estado do processo, conforme decorre do disposto no art. 97º, n.º 1, do Novo CPC, o que legitima o tribunal a dela tomar conhecimento imediatamente.
Assim, nos termos dos dispositivos citados e ainda dos arts. 96º e 99º, n.º 1, ambos do Novo CPC:
Declaro este Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira, Juiz 1, incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente execução e, em sequência, absolvo a executada da presente instância.
Custas pelo exequente.
Valor da execução: o indicado no requerimento inicial.
Notifique, nomeadamente para considerarem sem efeito a penhora.
Em 01 de novembro de 2018, inconformado com a decisão que precede, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I – Vem o presente recurso interposto do despacho que declarou o Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira, Juiz 1, materialmente incompetente para o conhecimento da presente execução, e, em consequência, absolveu a executada da instância, mais determinando que se desse sem efeito a penhora já realizada.
II – Ora, estamos em presença de uma execução em que o Exequente pretende a cobrança coerciva do crédito de 36.490,00 euros que detém sobre a executada e reconhecido no processo de inventário para separação de meações na sequência de divórcio, que correu termos pelo Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira (J1), com o n.º 191/11.5TBARC-B, cuja sentença homologatória do mapa de partilhas há muito transitou em julgado, sem que a Executada tenha procedido ao seu pagamento.
III – Ora, como tem sido entendimento jurisprudencial dominante, e não é posto em crise na decisão recorrida, “para que a sentença possa servir de base à acção executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença”, pelo que, não obstante não sendo o inventário uma ação de condenação, “o certo é que a sentença homologatória de partilhas fixa definitivamente, após o seu trânsito em julgado, o direito dos interessados (…). (Excertos retirados do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/11/1992, proc. n.º 0068172).
IV – Assim, munido de um título executivo (a dita sentença), o recorrente procedeu à execução da decisão judicial, através de requerimento executivo, cujo preenchimento segue as regras do formulário eletrónico próprio disponibilizado pelo Ministério da Justiça, através da plataforma CITIUS, aprovado pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, pressupõe o preenchimento de campos obrigatórios, nomeadamente o campo referente à finalidade da execução, que o exequente indicou como se tratando de uma execução nos próprios autos, em consonância com o que determina o art.º 85.º, n.º 1, do CPC, e não por apenso, como, certamente por lapso, se concluiu no despacho recorrido.
V - Acresce que, no momento do preenchimento do formulário, o exequente indicou os elementos a que, por força do disposto no art.º 724.º do CPC (aplicável ex vi art.º 626.º, n.º 1 do CPC), se encontrava legalmente obrigado, entre os quais, a localização do processo declarativo onde havia sido proferida a sentença que servia de título executivo.
VI - Sucede que, ao preencher-se no referido formulário o campo destinado a identificar a espécie de execução (no caso nos próprios autos) a plataforma electrónica não permite indicar, sob pena de não deixar avançar o preenchimento do requerimento, como competente para a execução Tribunal ou Juízo diferente daquele onde foi proferida a decisão condenatória que se visa executar, assumindo que, por regra ou por defeito, será esse o Tribunal competente.
VII – Assim, o Exequente é absolutamente alheio quer ao modo como se encontra concebido o formulário onde é elaborado o requerimento executivo, quer o seu encaminhamento eletrónico para o Tribunal, bem como aos atos subsequentes de distribuição e tramitação dos autos, que, por se tratar de um expediente administrativo, se encontra, neste caso, a cargo da secretaria do tribunal onde pendem os autos de processo declarativo, secretaria que, tal como o Exequente e dos demais intervenientes processuais, está obrigada a conhecer e a aplicar a lei.
VIII - Pelo que, recebido o requerimento executivo a secretaria judicial sempre teria de dar cumprimento ao disposto no art.º 85.º, n.º 2 do CPC, que determina que “quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”, o que não fez.
IX - Ora, confrontada a Mmª Juiz com a tramitação dos autos de execução naqueleo Juízo de Família e Menores deveria mandar cumprir, com caráter de urgência, o disposto no mencionado art.º 85.º, n.º 2 do CPC, em vez de proferir o despacho em crise, declarando o tribunal incompetente e absolvendo o Executado da instância e, ainda por cima, com a consequência da inutilização dos atos já praticados, nomeadamente, as penhoras efetuadas, cuja prática são da competência exclusiva da Srª Agente de Execução e que a mesma fez no estrito cumprimento da lei.
X - Assim sendo, e dando aqui por reproduzidas, por economia, as posições doutrinais citadas no corpo das alegações, a decisão proferida viola frontalmente o disposto no n.º 2 do art.º 85.º do CPC.
XI – Pelo que, o despacho impugnado terá de ser revogado e, em consequência, substituído por outro que mande proceder à imediata remessa dos autos para o juízo de execução competente (Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis), aproveitando-se integralmente os atos de execução entretanto praticados, nomeadamente as penhoras.
XII - Pois, o não aproveitamento das penhoras efetuadas é suscetível de vir a causar ao Exequente sérios e irreversíveis prejuízos, quer em virtude dos custos que já despendeu com a realização das mesmas e dos registos na respetiva Conservatória do Registo Predial, quer com os custos que teria de suportar com o cancelamento dos referidos registos e, bem pior, com o sério risco de vir a perder as garantias (penhoras) já obtidas com a presente execução.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Em 17 de dezembro de 2018, como se ainda houvesse possibilidade de reparação da decisão sob censura e não existisse a regra do esgotamento do poder jurisdicional (artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil), proferiu-se o seguinte despacho[4]:
Fls. 483 e segs.:
Vem o exequente recorrer do despacho que declarou este tribunal incompetente para tramitar a execução e absolveu a executada da instância, alegando que concorda com a incompetência deste tribunal, porém a secção deveria ter providenciado pela remessa dos autos ao Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, nos termos do que está previsto no art. 85º, n.º 2, do Novo CPC, além de que o requerimento eletrónico para dar entrada desta execução não permitia a sua entrada diretamente no Juízo de Execução.
A parte contrária não contra-alegou.
Apreciando:
Salvo o devido respeito, se a pretensão do exequente era que a execução fosse dirigida pela secção ao Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis deveria ter feito menção desse facto no requerimento executivo, ou dirigir requerimento nesse sentido ao processo logo após a distribuição do mesmo, uma vez que os Srs. Funcionários não têm de ter conhecimento jurídico de qual o tribunal competente para tramitar cada processo, sendo certo que nestas ações, sem citação prévia, o processo não é logo concluso ao juiz.
De todo o modo, reconhece-se que este tribunal poderia ter lançado mão do expediente previsto no art. 85º, n.º 2, do Novo CPC, se tivesse tido a perceção de que o exequente aceitava a incompetência deste tribunal, sendo que dos autos nada nos conduziu a essa mesma perceção, antes nos pareceu que o exequente estava convencido da competência deste tribunal de Família e Menores para a execução.
Verificando-se agora que o exequente aceita a incompetência deste tribunal, admite-se que a solução mais correta para a situação em apreço seja, de facto, a aplicação do disposto no art. 85º, n.º 2, do Novo CPC, ou seja a remessa da execução ao Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, sendo o que nesta data se determina, ao abrigo do princípio da adequação formal e evitando-se, desta forma, a prática de atos inúteis, ficando, consequentemente, sem efeito a parte da decisão anterior em que se absolveu a executada da instância.
Notifique.
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Transitado, proceda à remessa da execução, e também do processo de inventário, ao Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, para prosseguimento da tramitação da execução.
Recebidos os autos no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, em 01 de março de 2019, foi proferido o seguinte despacho[5]:
“Despachos que antecedem:
Visto.
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Do erro no processo e da competência do Tribunal:
Compulsados os autos globalmente considerados, constata-se que B…, identificado nos autos, intentou execução para pagamento de quantia certa contra C…, igualmente identificada nos autos.
De notar que o requerimento executivo encontra-se inserido nos autos de inventário para partilha de bens que correu por apenso aos autos de divórcio com o nº 191/11.5TBARC, inicialmente a correr termos no extinto Tribunal Judicial de Arouca.
Para tanto, o exequente alegou o seguinte: «1. Por sentença, há muito transitada em julgado, que homologou o mapa de partilhas no processo de inventário que correu seus termos pelo Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira (J1), com o nº 191/11.5TBARC-B, foi reconhecido o crédito do Exequente sobre C…, ora Executada, no valor de €36.490,00 (trinta e seis mil, quatrocentos e noventa euros) (Doc. 1). 2. Na sequência da notificação do mapa de partilha do qual resultava apurado o crédito a favor do Exequente, veio este requerer, em 09.02.2017, o seu depósito nos autos, por aplicação analógica do artº 1378º, do CPC, com as necessárias adaptações (Doc. 2). 3. A ora Executada foi notificada para proceder ao seu depósito no dia 13.02.2017 (notificação emitida a 10.02.2017) e não o fez no prazo de 19 dias de que dispunha para o fazer (Doc.3). 4. Notificada da prolação da sentença que homologou o referido mapa de partilhas também não procedeu ao referido pagamento até ao momento. 5. Assim, são devidos juros de mora desde a data da sentença de homologação do mapa de partilhas até integral pagamento, calculados dia a dia e à taxa supletiva de 4% ao ano, por força da aplicação do art.º 559, do CC, e Portaria 291/03, de 8 de Abril. 4. O que perfaz, na presente data (25/06/2018), a importância de 1.831,50€ (mil, oitocentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos). 5. Ao capital em dívida, acresce automaticamente o pagamento de juros à taxa de 5% ao ano, contados desde o trânsito em julgado da sentença homologatória do mapa de partilhas (12/09/2017) até integral pagamento, e que são devidos a título de sanção pecuniária compulsória (cfr. art.º 829-A, nº4, do CPC). 6. Juros esses que ascendem, nesta data (25/06/2018), à importância global de €1.429,61 (mil quatrocentos e vinte e nove euros e sessenta e um cêntimos), sendo igualmente devidos até integral pagamento da quantia exequenda. 7. A dívida é certa, líquida e exigível e consta de título executivo (a aludida sentença) Indicaram como finalidade da execução o pagamento de quantia certa e como título executivo uma decisão judicial condenatória».
Cumpre apreciar a propriedade do processo escolhido pelo exequente.
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Importa atentar em que, como decorre do exposto, o exequente pretende receber as tornas a que, alegadamente, tem direito, na sequência da partilha efectuada por divórcio, no âmbito do processo já identificado.
Tal inventário, como resulta da análise da consulta dos autos, correu termos ao abrigo da legislação anteriormente vigente, contida no Código de Processo Civil de 1961, na redacção do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, importando, pois, analisar a mesma.
Ora, sob a epígrafe “Opções concedidas aos interessados”, preceituava o art. 1377º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma do processo de inventário, como supra identificada, o seguinte:
“1- Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
2- Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
3- O licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do nº 2 do artigo anterior.
4- Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, decide o juiz, por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar”.
Por sua vez, sob a epígrafe “Pagamento ou depósito das tornas”, estabelecia o art. 1378º do Código de Processo Civil, o seguinte:
“1- Reclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que haja de as pagar, para as depositar.
2- Não sendo efectuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar. É aplicável neste caso o disposto no nº 4 do artigo anterior.
3- Podem também os requerentes pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas.
4- Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no artigo 1384º”.
“No processo de inventário a fase da partilha começa com o despacho determinativo da forma da mesma, após o que a secretaria organiza o respectivo mapa, de harmonia com o mencionado despacho e o disposto nos art. 1374º e 1375º. Se a secretaria verificar, no acto da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respectivo interessado ou a parte disponível do inventariado, lançará no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante do excesso (art. 1376º, nº 1). Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas (art. 1377º, nº 1). Ao credor de tornas são facultadas, pois, duas vias: a composição do seu quinhão com a(s) verba(s) licitada(s) em excesso por qualquer interessado (art. 1377º, nºs 2, 3 e 4) ou a reclamação do pagamento das tornas, a qual é notificada ao devedor das mesmas, para as depositar (art. 1378º, nºs 1). No caso de reclamação do pagamento das tornas e não sendo efectuado o respectivo depósito, pode ainda o credor optar por uma de duas soluções (1) pedir que das verbas destinadas ao devedor lhe sejam adjudicadas, pelo valor constante do mapa informativo (art. 1376º, nº 1), as que escolher e sejam necessárias para preenchimento da sua quota, contanto que deposite imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenha de pagar ou (2) pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas. Mas o credor das tornas, notificado nos termos do art. 1377º, nº 1 para requerer a composição do seu quinhão ou reclamar o pagamento das tornas pode ainda tomar uma outra atitude: nada fazer. Neste último caso, de acordo com o art. 1378º, nº 4, os tornas vencem os juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomadas, quanto aos móveis, as cautelas prescritas no art. 1384º. Ou seja, o credor de tornas que, notificado nos termos do art. 1377º, nº 1, nada faz, não perde o seu crédito”[6].
“(...) tem de concluir-se que se o credor de tornas, oportunamente declarar, expressamente, na legal conferência, que delas não prescinde, o facto de não reclamar o seu pagamento no prazo e na fase processual definidos pelo art. 1377º, nº1, não lhe retira o direito às mesmas. Mas apenas tal direito é satisfeito em momento processual diverso e, eventualmente, por meios/modos diferentes ou não coincidentes. Destarte… No caso de logo as reclamar e elas forem depositadas, fica imediatamente satisfeito o seu direito e, neste particular, operada a justa composição da lide. Caso as reclame e não sejam depositadas pelo devedor, emergem, a favor do credor, os meios previstos nos nºs 2 e 3 do art. 1378º. Caso não reclame o seu pagamento o caso subsume-se na previsão do nº 4. Ora, perante esta, claramente se conclui que o direito às tornas se mantém, mesmo que o seu pagamento não tenha antes sido impetrado pelo credor. Tanto assim é que elas até vencem juros desde a sentença. Efetivamente: «o credor de tornas que, notificado nos termos do art. 1377º, nº 1, nada faz, não perde o seu crédito. Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, pode, quando o entender, com base nela, instaurar a competente execução. E, até lá, faculta-lhe a lei que se previna com as garantias previstas no art. 1378º, nº 4…» - Ac. da RC de 18.09.2007, p. 133-D/2002.C1 in dgsi.pt., citado na decisão. Na verdade, apenas no caso de o credor de tornas renunciar ao direito às mesmas, mencionar que já as recebeu, ou, até, numa possível interpretação, se nada disser, é que perde o direito às tornas, inclusive no âmbito do nº 4 do art. 1378º- cfr. Ac. da RC de 03.11.2009, p. 172/04.5TBIDN-A.C1”[7].
Como é bom de ver, do exposto resultam os meios ao dispor do credor de tornas, prevendo a legislação em causa um processo próprio ou especial para solucionar o problema do credor de tornas que não veja o seu direito satisfeito[8].
A legislação analisada, como se sabe, permanece em vigor para os processos que se iniciaram em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 23/2013, de 5 de Março, que prevê o regime jurídico do processo de inventário, conforme o preceituado nos seus arts. 7º e 8º.
Deste modo, existindo um processo próprio que soluciona a concretização do alegado direito a tornas – o qual nem sequer admite oposição, como seria o caso se se permitisse o prosseguimento da execução, admitindo os embargos que viessem a ser deduzidos pela executada[9]– afigura-se que o recurso à execução para pagamento de quantia certa redunda em erro no processo.
E, como resulta do art. 193º do Código de Processo Civil, o erro na forma de processo implica a anulação dos actos que não puderem aproveitar-se, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei.
Neste caso, não poderão aproveitar-se os actos praticados em virtude deste Juízo de Execução carecer de competência para a tramitação do processo de inventário.
Assim sendo, importa indeferir o requerimento executivo, indeferindo-se a pretensão do exequente e absolvendo-se da mesma a executada.
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III- Decisão:
Por todo o exposto, decide-se verificar a existência de um erro na forma de processo e, sendo este Juízo de Execução incompetente em razão da matéria, indeferir a pretensão do exequente, absolvendo-se a executada da mesma e determinando-se a extinção da execução.
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Custas a cargo do exequente – art. 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Valor: o indicado para a execução no requerimento inicial do exequente – arts. 296º, nº 1 e 2, 297º, nº 1 e 2 e 306º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Registe e notifique.
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Transitada em julgado a presente decisão, devolvam-se os autos.
Em 27 de março de 2019, inconformado com a decisão que precede, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
I – Vem o presente recurso interposto do douto despacho/sentença que indeferiu a pretensão do exequente, por erro na forma do processo e, consequente, incompetência do tribunal em razão da matéria, absolveu a executada da instância e determinou a extinção da execução.
II – Ora, estamos em presença de uma execução em que o Exequente pretende a cobrança coerciva do crédito de 36.490,00 euros que detém sobre a Executada e reconhecido no processo de inventário para separação de meações na sequência de divórcio, que correu termos pelo Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira (J1), com o n.º 191/11.5TBARC-B, cuja sentença homologatória do mapa de partilhas há muito transitou em julgado, sem que a Executada tenha procedido ao seu pagamento.
III - O referido requerimento executivo, tramitado como execução nos próprios autos, foi remetido eletronicamente ao 1º Juízo de Família e de Menores de Santa Maria da Feira e, posteriormente, remetido, acompanhado do processo de inventário onde havia sido proferida sentença que servia de título executivo, ao Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, em cumprimento do disposto no artº 85, nº2, do CPC, para prosseguimento da tramitação da execução.
IV – A Mta Juiz erra ao considerar que existe erro na forma do processo, defendendo que o processo próprio seria o processo de venda de bens no processo de inventário, previsto no artº 1378, nº 3, por se tratar de um processo de execução especial ou especialíssimo, o que que impede o Exequente de optar pela forma de processo execução de sentença para pagamento de quantia certa, nos próprios autos, cujo regime se encontra previsto no artº 626, nº 2, do CPC.
V - Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, nem se trata, em rigor, de dívida de tornas, nem o recurso aos expedientes processuais previstos no artº 1378, nºs 2 e 3, do CPC, é obrigatório para o credor de tornas.
VI - Com efeito, o crédito do Recorrente não é um crédito de tornas, já que estas são a contrapartida que um interessado na partilha tem a receber de outro interessado a quem foram adjudicados bens em valor superior ao necessário para preencher o seu quinhão hereditário ou a sua meação, conforme as situações.
VII - Ora, no caso em apreço, o crédito do Exequente, embora apurado no mapa de partilha do inventário para separação de meações na sequência de divórcio, é antes um crédito do Exequente por compensação por benfeitorias realizadas pelo ex casal em bem próprio da Executada, no valor de 36.490,00 euros (metade do valor das benfeitorias).
VIII - Logo, não sendo um crédito de tornas não tem de lhe ser aplicado necessariamente o regime previsto no artº 1378º, do CPC, que respeita ao “pagamento ou depósito das tornas”, a não ser por analogia quando a situação for análoga
IX – Para além disso, e ao contrário do sustentado da decisão recorrida, o recurso ao procedimento executivo simplificado previsto no artº 1378, nº 3, não é obrigatório, mas apenas facultativo, como decorre da expressão “podem também os requerentes” constante do referido preceito.
X - Como facultativo é, igualmente, o recurso ao expediente consagrado no nº 2, do mesmo artigo, de pedir a adjudicação de bens destinados ao devedor, como resulta de expressão similar “podem os requerentes”.
XI - Para além destas razões adjetivas existem também fundamentos de natureza substantiva que impõem o entendimento de que o credor de tornas pode fazer do processo executivo comum para se fazer pagar pelo seu crédito.
XII - Desde logo, a dívida de tornas é uma dívida como qualquer outra para efeitos das garantias do crédito, sendo que pela satisfação do crédito respondem todos os bens do devedor, suscetíveis de penhora, como decorre do disposto no artº 601, do CC.
XIII – Ao contrário, nos termos do referido nº 3, do artº 1378, do CC, optando o credor pela execução especial ou simplificada por venda no processo de inventário apenas pode requerer que “se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas”, não podendo o credor através desse procedimento obter a satisfação do seu crédito através da venda judicial de outros bens do património do devedor, desde logo, os seus bens próprios (que, tratando-se de casamento em comunhão de adquiridos não faziam parte, nem podiam fazer, do processo de inventário para separação de meações).
XIV – Ora, como se alcança do mapa de partilha, os bens adjudicados à Executada, para além de um crédito de tornas sobre o Exequente, no valor de €110,00 compensado na dívida desta para com ele, e do crédito de benfeitorias de igual montante de 36.600,00 euros, que corresponde às obras integradas em bem próprio da mesma, e que dele não podem ser separadas (logo, não sendo bem suscetível de venda), apenas lhe foram adjudicados móveis no valor de 4.280,00 euros, logo manifestamente insuficientes para o pagamento da dívida.
XV - Assim, obrigar o Recorrente a seguir o procedimento especial ou simplificado previsto no artº 1378, nº 3, do CPC, como preconiza a Mtª Juiz a quo, seria retirar-lhe praticamente a possibilidade de realizar o seu crédito.
XVI - Mesmo que se entendesse que, esgotada a venda de bens adjudicados à Executada, não estava o Exequente impedido de propor nova execução para se fazer pagar pela venda de outros bens que não os adjudicados na partilha, seria impor-lhe uma duplicação de processos e de recursos que o legislador seguramente não pretendeu.
XVII - Assim, não estava o Recorrente impedido de optar, desde o início, como o fez, pelo processo de execução comum para pagamento de quantia certa, ainda que, através de execução requerida nos próprios autos, ao abrigo do disposto no artº 626, do CPC, sendo este o processo próprio.
XVIII – Ao que não obsta o facto do Exequente ter requerido o pagamento do crédito quando foi notificado do mapa da partilha, já que essa notificação, para além de facultativa, tem a vantagem de servir de interpelação a que se refere o artº 805º, nº 1, do CC, para efeitos de constituição do devedor em mora.
XIX – Ora, como tem sido entendimento jurisprudencial dominante, e não é posto em crise na decisão recorrida, “para que a sentença possa servir de base à acção executiva, não é necessário que condene no cumprimento de uma obrigação, bastando que essa obrigação fique declarada ou constituída por essa sentença”, pelo que, não obstante não sendo o inventário uma ação de condenação, “o certo é que a sentença homologatória de partilhas fixa definitivamente, após o seu trânsito em julgado, o direito dos interessados (…). (Excertos retirados do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/11/1992, proc. n.º 0068172).
XX – Assim, munido de um título executivo (a dita sentença), o recorrente procedeu à execução da decisão judicial, através de requerimento executivo, cujo preenchimento segue as regras do formulário eletrónico próprio disponibilizado pelo Ministério da Justiça, através da plataforma CITIUS, aprovado pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, remetendo eletronicamente o requerimento executivo para o Juízo Central de Família e de Menores de Santa Maria da Feira, onde tinha sido proferida a sentença.
XXI - Não se tratando de uma execução por alimentos a filhos e entre cônjuges e ex-cônjuges, as únicas para a quais a lei de organização judiciária concede competência aos juízes de família e menores (cfr. art.º 122.º, n.º 1, al. f) da LOSJ), e prevendo aquele normativo a existência de tribunais especializados em matéria executiva (cfr. art.º 129.º da LOSJ), a execução tem de ser processada no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, para onde foi remetida ao abrigo do disposto no artº 85, nº 2, do CPC.
XXII - Assim sendo, e dando aqui por reproduzidas, por economia, as posições doutrinais e jurisprudenciais citadas no corpo das alegações, a decisão proferida viola frontalmente a lei, nomeadamente os artºs 85.º nº 2, 626, nºs 1 e 2 do NCPC, artº 1.378, do CPC de 1961, artº 601, do CC, e artº 129.º da LOSJ)
XXIII – Porquanto, o processo não só é o próprio, como o Tribunal é o competente, pelo que se impõe a revogação do despacho impugnado, ordenando-se, em consequência, que a ação prossiga os seus trâmites no Juízo Central de Execução de Oliveira de Azeméis, aproveitando-se os atos de execução já praticados.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Atenta a natureza estritamente jurídica das questões decidendas e a sua simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º nºs 3 e 4 e 639º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil
As questões a decidir são a verificação da existência da exceção dilatória de erro na forma de processo e, verificando-se esta, se ocorre a incompetência absoluta por violação das regras de competência em razão da matéria.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e pertinentes para conhecimento do objeto do recurso constam do relatório desta decisão e resultam dos próprios autos, nesta parte, com força probatória plena.
4. Fundamentos de direito
4.1 Ocorre a exceção dilatória de erro na forma de processo?
O recorrente intentou a presente ação executiva, com base em sentença homologatória de partilha, endereçando o requerimento executivo ao processo em que foi proferida a sentença exequenda, usando para tanto o formulário eletrónico do citius intitulado “Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória”. Foi proferida decisão declarando a incompetência em razão da matéria do Juízo de Família e Menores de Oliveira de Azeméis, decisão que na sequência de recurso interposto pelo exequente foi “dada sem efeito”, sendo os autos remetidos ao Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis. Recebidos os autos neste juízo, pressupondo-se que se pretendia a execução coerciva do direito a tornas, ordenou-se a extinção da ação executiva com fundamento em erro na forma de processo e falta de competência material para tramitar processo de inventário.
O recorrente pugna pela revogação desta última decisão e pela inexistência de erro na forma de processo e de incompetência material do tribunal recorrido.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 85º do Código de Processo Civil, na “execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, caso em que corre no traslado.”
“Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham” (nº 2 do artigo 85º do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, aos Juízos de Família e Menores, apenas é conferida competência executiva por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges (artigos 122º nº 1 alínea f) e 129º nº 2, ambos da Lei de Organização do Sistema Judiciário), cabendo no mais a competência executiva aos Juízos de Execução (artigo 129º nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário).
A decisão sob censura, pressupondo que o crédito exequendo se fundava em tornas devidas ao exequente, sustentou que nessa hipótese, este teria que obrigatoriamente que lançar do processo especial delineado nos nºs 2 e 3 do artigo 1378º do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, ainda aplicável no caso em apreço ex vi artigo 7º da Lei nº 23/2013, de 05 de março.
Sucede que este pressuposto do tribunal recorrido é errado pois não se trata de obter a realização coerciva de tornas[10] devidas ao exequente, mas sim de um crédito reconhecido em processo de separação de meações por benfeitorias em bem próprio da executada[11], como bem ressalta do requerimento executivo e da cópia do mapa de partilha que o instruiu. Tal direito de crédito é satisfeito nos termos previstos no nº 3 do artigo 1689º do Código Civil.
A pretensão executiva formulada pelo exequente é totalmente congruente com a forma processual usada, pelo que não existe qualquer erro na forma de processo, ficando prejudicado o conhecimento da alegada incompetência material para a tramitação do processo de inventário, pois do que se trata nestes autos é apenas de realizar coercivamente uma pretensão de pagamento de quantia certa deduzida em juízo há já mais de dois anos.
Importa ainda referir, para que não surjam mais delongas, que o recorrente, usando do formulário próprio, intentou a ação executiva tal como se prevê no nº 1 do artigo 85º do Código de Processo Civil, competindo à secção de processos onde foi proferida a decisão exequenda observar, com urgência, o disposto no nº 2 do mesmo artigo, remetendo para o competente Juízo de Execução, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
Como é sabido, os “erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” (artigo 157º nº 6 do Código de Processo Civil), princípio que sempre deve nortear a atividade jurisdicional a fim de que os tribunais prestem um efetivo e proveitoso serviço aos cidadãos.
Neste quadro normativo, em que o recorrente observou todas as prescrições processuais, verificando-se que a secção de processos não havia dado cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 85º do Código de Processo Civil, impunha-se que a primeira julgadora nestes autos determinasse a observância dos normativos legais aplicáveis, em vez de declarar a incompetência em razão da matéria, como fez e veio posteriormente a reconhecer não se verificar, dando sem efeito o seu anterior despacho a declarar a incompetência absoluta.
Tendo sido observado posteriormente o disposto no nº 2 do artigo 85º do Código de Processo Civil, deve entender-se que isso se deve processar com aproveitamento de todo o processado entretanto praticado, já que, como já se vincou, os “erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes” (artigo 157º nº 6 do Código de Processo Civil).
As custas do recurso são da responsabilidade da executada porque com o inadimplemento da decisão exequenda deu causa à ação executiva (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, em revogar a decisão recorrida proferida em 07 de março de 2019, determinando-se que os autos prossigam os seus ulteriores termos no tribunal recorrido, com aproveitamento de todo o processado entretanto praticado.
Custas a cargo da recorrida, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 10 de julho de 2019
Carlos Gil
Carlos Querido
Joaquim Moura
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[1] Este crédito vem descrito no mapa de partilha anexo ao requerimento executivo da forma seguinte: “Crédito referente ás benfeitorias realizadas no prédio urbano, actualmente descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº 1531/20090623 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia … e comarca de Arouca sob o artigo 742 com o valor de €73.200,00.”
[2] O exequente usou o formulário do citius denominado “Requerimento de Execução de Decisão Judicial Condenatória” e, em sede de declarações complementares, referiu que “Para além do título executivo (sentença), que será junto automaticamente ao requerimento executivo, anexa-se, igualmente, Mapa da Partilha, Requerimento para o depósito nos autos do crédito do Exequente e notificação judicial à ora Executada para proceder ao depósito (Docs 1 a 3).
[3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 15 de outubro de 2018.
[4] Notificado às partes em expediente eletrónico elaborado em 17 de dezembro de 2018.
[5] Notificado por expediente eletrónico elaborado em 07 de março de 2019. A numeração das notas de rodapé da decisão recorrida ora reproduzida está avançada de mais cinco números relativamente à numeração original, o que se verificará consequentemente também nas notas de rodapé subsequentes existentes na decisão recorrida.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.09.2007, relatado por Artur Dias, disponível na página da internet com o endereço www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.09.2017, relatado por Carlos Moreira, disponível na página da internet com o endereço www.dgsi.pt.
[8] Sublinhado nosso.
[9] Sublinhado nosso.
[10] As tornas são o valor em dinheiro que fica obrigado a pagar aquele que recebe bens da herança em valor superior à sua quota (neste sentido veja-se Partilhas Judiciais, Volume II, 4ª edição, Almedina 1990, João António Lopes Cardoso, página 413).
[11] De todo o modo, ainda que assim não fosse, isto é, ainda que se tratasse da execução coerciva de tornas, mesmo assim a interpretação do tribunal recorrido seria incorreta, pois que o que os artigos 1377º e 1378º do Código de Processo Civil conferem ao credor de tornas são faculdades jurídicas que podem ou não exercer, visando tais normas primacialmente tutelar os herdeiros menos endinheirados face aos dotados de maiores cabedais, permitindo-lhes, se assim o desejarem, aceder à composição total ou parcial dos seus quinhões em espécie. E que esse processo não era obrigatório resultava também claramente de se prever no artigo 52º do Código de Processo Civil, na aludida redação, a exequibilidade das certidões extraídas dos processos de inventário.