INVENTÁRIO
DESPESAS JUDICIAIS
APOIO JUDICIÁRIO
Sumário

1) Por força do disposto no artigo 13º 2 da Lei nº 34/2004, de 29/07, existe uma presunção (juris tantum) de aquisição de meios económicos suficientes, a obtenção de vencimento na ação, ainda que meramente parcial, salvo se, pela sua natureza ou valor, o que se obtenha não possa ser tido em conta na apreciação da insuficiência económica;
2) Não resultando do acréscimo de património de um interessado, em processo de inventário, que o mesmo obteve meios suficientes para custear as despesas judiciais, deverá manter-se o benefício de proteção jurídica anteriormente concedido.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) Correu termos no Cartório Notarial Dr. C, em Guimarães, um processo de inventário, na herança aberta por óbito de Júlio S, em que é requerente Rosa M e cabeça-de-casal Maria F.
Procedeu-se à partilha nos termos da decisão de fls. 7 a 9.
Foi proferida a decisão homologatória de partilha de fls. 12 e seguintes, onde consta:
Nos presentes autos de Inventário, a que se procedeu por óbito de Júlio S, falecido a 17.02.2014, com última residência na Rua V, Ponte, Guimarães, e no qual desempenhou as funções de cabeça de casal Maria F, homologo por sentença a partilha constante do mapa datado de 25.05.2015, que não mereceu oposição dos interessados e que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, adjudicando a cada um dos herdeiros os quinhões que aí lhe foram distribuídos e sendo estes preenchidos conforme acordado em sede de conferência de interessados.
O pagamento das custas devidas pelos presentes será da responsabilidade de todos os herdeiros, nos termos do disposto no artigo 67.º da Lei 23/2013, de 05 de março.
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Da aquisição de meios económicos pela Requerente Rosa Maria Lopes:
A interessada Rosa M requereu o presente inventário, com benefício de proteção jurídica, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Sob a epígrafe “Aquisição de meios económicos suficientes”, dispõe o art.º 26.º-I da Portaria 278/2013, de 26 de agosto, que «1 - Nos processos de inventário em que algum interessado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o notário, quando procede à remessa do processo para o tribunal para efeitos da homologação da partilha prevista no n.º 1 do artigo 66.º do regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, deve requerer ao juiz que, nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, avalie se o interessado adquire, em função da decisão homologatória de partilha, meios económicos suficientes para pagar os montantes de cujo pagamento foi dispensado em virtude da concessão de apoio judiciário, e, se for o caso, o condene no ressarcimento dos montantes despendidos pelo fundo previsto no artigo 26.º-A e pelo IGFEJ ao abrigo da presente portaria e da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho. // 2 - Nos casos em que o juiz possa proferir decisão relativa ao pedido de homologação da partilha, mas não disponha ainda de elementos suficientes para apreciar a questão referida no número anterior, aquela é logo proferida, sendo a questão referida no número anterior decidida em apenso próprio. // 3 - Nos casos em que o juiz determina, nos termos dos números anteriores, o ressarcimento dos montantes despendidos pelo fundo previsto no artigo 26.º-A e pelo IGFEJ, o notário: a) Notifica o interessado que beneficiou de apoio judiciário para, no prazo previsto na alínea c) do n.º 6 do artigo 18.º, proceder ao pagamento a essas entidades, bem como da 3.ª prestação de honorários devidos pelo processo de inventário, caso haja lugar a esta; // b) Notifica o fundo previsto no artigo 26.º-A e o IGFEJ da decisão do juiz na parte que lhes respeita, bem como da realização da notificação prevista na alínea anterior. // 4 - O ressarcimento dos montantes despendidos pelo fundo previsto no artigo 26.º-A e pelo IGFEJ é condição necessária para a emissão da certidão de encerramento do processo de inventário relativamente ao interessado que deve proceder a esse ressarcimento, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 25.º //5 - No ressarcimento do fundo previsto no artigo 26.º-A e do IGFEJ, seja voluntário seja através de ação executiva intentada para o efeito, é dada prioridade ao pagamento do fundo.»
Pois bem, pelo compulso dos elementos carreados para os autos, verificamos, por um lado, que a requerente do Inventário tem direito ao preenchimento do seu quinhão, que se estimou ser no valor de € 26.264,22 (Q.I.) + € 2.459,61 (Q.D).
Por outro lado, verificamos que a Requerente do inventário será responsável pelas custas do mesmo, na proporção de ¼ (cerca de € 500,00 e alusivas a ¼ dos honorários do Sr. Notário, da taxa de justiça e o seu decaimento no incidente).
Assim, claramente se percebe que, pelo inventário, a Requerente adquiriu meios económicos suficientes para pagar os montantes que inicialmente e por força da proteção jurídica que solicitou foi dispensada.
Pelo exposto, condena-se a requerente, Rosa M, no ressarcimento dos montantes despendidos pelo Fundo e pelo IGFEJ.
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B) Inconformada com esta decisão, veio a interessada Rosa M interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 44).
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C) Nas suas alegações, a apelante Rosa M, formula as seguintes conclusões:
1. À Rec.te foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo,
2. A Rec.te intentou, assim, no competente cartório notarial, o processo de inventário.

3. O inventário findou na conferência preparatória, uma vez que todos os interessados chegaram a acordo quanto à composição dos quinhões hereditários, havendo, assim, lugar à decisão homologatória pelo Juiz, nos termos do disposto no artº 48º nº 6 e 7 da Lei nº 23/2013, de 5 de março.
4. De acordo com o disposto no artº 26º-A e pelo IGFEJ ao abrigo da Portaria 278/2013, de 26 de Agosto e da Lei nº 34/2004 de 29 de Julho, ao ser remetido o processo para Tribunal para efeitos da homologação da partilha, o notário, deve requerer ao juiz que, nos termos do artº 13 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, avalie se o interessado adquire, em função da decisão homologatória de partilha, meios económicos suficientes para pagar os montantes de cujo pagamento foi dispensado em virtude da concessão de apoio judiciário.
5. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo condenou a Rec.te condenou no ressarcimento dos montantes despendidos pelo Fundo e pelo IGFEJ,
6. Pois entendeu que, compulsados os elementos carreados para os autos, se verificou que a Requerente do Inventário tem direito ao preenchimento do seu quinhão, que se estimou ser no valor de €26.264,22 (Q.I.) + €2.459,61 (Q.D.).
7. Pelo que se percebe que, pelo inventário, a Requerente adquiriu meios económicos suficientes para pagar os montantes que inicialmente e por força da proteção jurídica que solicitou foi dispensada.
8. Todo o raciocínio do Tribunal a quo vai no sentido de que os bens que a Rec.te recebeu lhe permitem arcar com as custas do processo de inventário.
9. Porém, não basta a mera aquisição de bens ou rendimentos, para que se verifique a retirada do apoio judiciário.
10. Terá, sim, de existir uma alteração significativa das condições económicas e financeiras que possam levar à negação de um eventual pedido de apoio judiciário (Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 4ª ed., pag.174).
11. Ora, verifica-se que o quinhão hereditário da Rec.te é preenchido com o valor de €26.264,22( Q.I.) + €2.459,61 (Q.D.).)
12. Todavia, de acordo com o mapa de partilha, os bens adjudicados à Rec.te constitutivos da respetiva quota são bens móveis e um imóvel, todos em regime de compropriedade.
13. Contudo, estes bens não trouxeram quaisquer rendimentos ou proventos à Rec.te e, em virtude do regime legal em que se encontram, não se traduzem facilmente em numerário.
14. Ou seja, não ocorreu, pelo preenchimento do quinhão hereditário da Rec.te, qualquer aquisição de meios económicos suficientes, capazes de levar ao pagamento das custas do processo.
15. O direito de acesso à justiça daqueles que carecem de meios económicos e financeiros para fazer face aos custos de um processo é um direito constitucionalmente consagrado, conforme o plasmado nos artº 20, 13º e 18º da C.R.P..
16. A Rec.te é beneficiária do apoio judiciário, cuja concessão decorreu no âmbito de um processo administrativo, onde são expostas as razões e fundamentos do pedido.
17. O apoio judiciário só deve ser revogado quando a aquisição dos meios económicos seja superveniente à época da concessão do benefício e haja resultado de proventos com fonte estranha ao processo - “Ac, da Relação de 21.06.01 «www.dgst.pt, nº conv. 31725».
18. A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, não indagou da natureza e composição das verbas adjudicadas à Rec.te e, consequentemente, dos seus rendimentos e possibilidades económicas.
19. A douta sentença violou, assim, o artº 13º e artº 10º da Lei nº 34/2004 de 29 de julho, ao fazer uma incorreta interpretação dos referidos diplomas legais.
Termina entendendo dever ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, mantendo-se o benefício do apoio judiciário à Rec.te .
Pelo Mº Pº foi apresentada resposta onde entende dever ser julgado improcedente o recurso e mantido na íntegra a decisão recorrida.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá ser alterada a decisão que condenou a requerente Rosa M, no ressarcimento dos montantes despendidos pelo Fundo e pelo IGFEJ, por se entender ter adquirido meios económicos suficientes para pagar os montantes que inicialmente e por força da proteção jurídica que solicitou foi dispensada.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Consideram-se provados os seguintes factos:
1) A interessada Rosa M requereu - e foi-lhe concedida - proteção jurídica nas modalidades de nomeação e pagamento da compensação de patrono e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2) Na relação de bens a que se referem os presentes autos, constam os seguintes bens:
DINHEIRO
Verba nº 1
A quantia de €93,50 (noventa e três euros e cinquenta cêntimos], correspondente a uma terça parte do saldo depositado na conta de depósitos à ordem nr. 453*****793 do Banco Millennium BCP.
Verba nº 2
A quantia de €436.65 (quatrocentos e trinta e seis euros e sessenta e cinco cêntimos) correspondente a metade do saldo depositado na conta de depósitos à ordem nr. 453*****276 do Banco Millennium BCP.
BENS MÓVEIS
Verba nº 3
Uma mobília de quarto composta por uma cama e um guarda fatos, com o valor atribuído de €50,00 (cinquenta euros).
VERBA nº 4
Uma mobília de quarto composta por uma cama, duas mesas de cabeceira, um guarda fatos, duas cadeiras e uma cómoda, com o valor atribuído de €210,00 (duzentos e dez euros).
Verba nº 5
Uma mobília de sala comum, composta por um sofá, um armário, uma mesa e oito cadeiras, uma televisão de marca LG, tudo com o valor atribuído de €300,00 (trezentos euros).
Verba nº 6
Uma mobília de cozinha composta por um frigorífico, um fogão, uma televisão um armário de suporte de televisão, três bancos de cozinha e um micro-ondas, tudo com o valor atribuído de €415,00 (quatrocentos e quinze euros).
Verba nº 7
Uma arca e uma máquina de costura antiga com o valor atribuído de €70,00 (setenta euros).
Verba nº 8
Uma prensa de vinho, uma máquina de cortar relva, um ralador, três meias pipas, um pipo, uma balança de campo e uma prensa hidráulica, tudo com o valor atribuído de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros).
BENS IMÓVEIS
Verba nº 9
Prédio urbano composto de casa de rés-da-chão e andar destinada a duas habitações, sita na Rua V, freguesia de Ponte do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o número TRÊS MIL SEISCENTOS E QUARENTA E QUATRO de Ponte, registada a favor do Autor da herança pela ap. 4066 de 2010/02/19, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 1597, com o valor patrimonial tributário de €133.850,00 (cento e trinta e três mil oitocentos e cinquenta euros).
Verba nº 10
Direito ao uso de um espaço (campa rasa) no Cemitério Paroquial de Ponte com o número 05/087-088, com quatro metros quadrados para sepultura perpétua, com o valor atribuído de €1.020,00 (mil e vinte euros).
3) Na conferência preparatória foi deliberado, por unanimidade, que:
a) O imóvel da verba 9, bem como os bens constantes das verbas 3, 4, 5, 6, 7 e 8, foram adjudicados aos herdeiros Rosa M, Maria L e João L, na proporção de um terço indiviso para cada um, pelos valores constantes da relação de bens.
b) A verba 10, correspondente à sepultura é adjudicada em comum e partes iguais aos quatro interessados Maria F, Rosa M, Maria L e João L.
d) Que seja removida a verba da alínea b) da conta do cabecelato apresentado (reembolso da quantia de €619,80), aceitando todas as outras despesas apresentadas pela cabeça de casal.
e) Que o valor do passivo será compensado com o valor das verbas UM e DOIS da relação de bens, pelo que o remanescente, no montante de €699,69 será adicionado às restantes despesas apresentadas na conta do cabecelato. Que assim, uma vez aprovadas as contas constantes da conta do cabecelato, com exceção da constante da alínea b), o valor total das despesas é de €1.729,47, dele correspondendo, como foi referido, €699,69 à despesa do funeral compensada com as verbas UM e DOIS do ativo, €394,00 à despesa com a placa de granito, €182,00 à despesa com o procedimento simplificado da habilitação de herdeiros, €167,32 à despesa com IMI de julho de 2014, (a que acresce a despesa com IMI, de Abril de 2015, no montante de € 170,51), €94,77 à despesa com a EDP e €21,18 à despesa com a Vimágua, cabendo assim a cada herdeiro suportar a quantia de €432,37.
Assim foi deliberado que cada um dos interessados pagasse à cabeça de casal a quantia de €432,37, tendo ficado acordado que os interessados Maria L e João L o faria por transferência bancária, no prazo de 8 dias a contar da data desta conferência, para o NIB a indicar pela cabeça de casal, e a herdeira Rosa M através de 17 prestações mensais e sucessivas, sendo as 16 primeiras de €25 e a última prestação no valor de €32,37, a pagar igualmente por transferência bancária para o NIB a indicar pela cabeça de casal, vencendo-se a primeiro no próximo dia 26 de Junho de 2015 e as restantes em igual dia de cada um dos meses subsequentes.
Com o pagamento das transferências efetuadas pelos interessados Maria L e João L será efetuada a entrega à patrona oficiosa da requerente do inventário Dra. Teresa D, as chaves do imóvel identificado na verba NOVE da relação de bens.
Que a cabeça de casal, através da sua mandatária declarou prescindir do pagamento de quaisquer tornas a que tenha direito, pelo que o imóvel da verba NOVE, bem como os bens móveis constantes das verbas TRÊS, QUATRO, CINCO, SEIS, SETE e OITO, serão adjudicados, como referido, em comum aos interessados Rosa M, Maria L e João L, não tendo estes que pagar qualquer quantia, que não as referentes às despesas, como atrás ficou 5 deliberado (€432,37 de cada herdeiro).
Os cônjuges João F e Amélia A prestaram nesta conferência o consentimento para as adjudicações efetuadas e para o acordo na partilha.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Na decisão que homologou a partilha a fls. 12, determinou-se que o pagamento das custas era da responsabilidade de todos os herdeiros, nos termos do disposto no artigo 67º da Lei nº 23/2013, de 05/03, que estabelece que essa responsabilidade é dos herdeiros, na proporção do que recebam.
Face ao benefício de apoio judiciário de que a apelante beneficiava, na decisão recorrida foi entendido que a requerente adquiriu meios económicos suficientes para pagar os montantes que inicialmente e por força da proteção jurídica que solicitou, foi dispensada.
A apelante entende que deverá manter-se o benefício de apoio judiciário
Vejamos.
O nº 1 do artigo 26º-I da Portaria nº 278/2013, de 26 de agosto, aditado pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro, quanto à aquisição de meios económicos suficientes, estabelece que nos processos de inventário em que algum interessado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o notário, quando procede à remessa do processo para o tribunal para efeitos da homologação da partilha prevista no nº 1 do artigo 66º do regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei nº 23/2013, de 5 de março, deve requerer ao juiz que, nos termos do artigo 13º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, avalie se o interessado adquire, em função da decisão homologatória de partilha, meios económicos suficientes para pagar os montantes de cujo pagamento foi dispensado em virtude da concessão de apoio judiciário, e, se for o caso, o condene no ressarcimento dos montantes despendidos pelo fundo previsto no artigo 26º-A e pelo IGFEJ ao abrigo da presente portaria e da Lei nº 34/2004, de 29 de julho.
Por sua vez o artigo 13º da Lei nº 34/2004, de 29/07, relativamente à aquisição de meios económicos suficientes, estabelece que:
1 - Caso se verifique que o requerente de proteção jurídica possuía, à data do pedido, ou adquiriu no decurso da causa ou no prazo de quatro anos após o seu termo, meios económicos suficientes para pagar honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido declarado isento, é instaurada ação para cobrança das respetivas importâncias pelo Ministério Público ou por qualquer outro interessado.
2 - Para os efeitos do número anterior, presume-se aquisição de meios económicos suficientes a obtenção de vencimento na ação, ainda que meramente parcial, salvo se, pela sua natureza ou valor, o que se obtenha não possa ser tido em conta na apreciação da insuficiência económica nos termos do artigo 8º.
Conforme se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 27/02/2014, na apelação nº 311/07.4TBAMR.G2, relatado pelo Desembargador António Beça Pereira, “no nº 1 a) da Base XI da Lei 7/70 de 9 de junho estabelecia-se o princípio de que "a assistência [judiciária] [designação então dada ao atual instituto do apoio judiciário] deve ser retirada se o assistido adquirir meios suficientes para poder dispensá-la".
Contudo, na vigência dessa lei era entendimento maioritário da jurisprudência [Cfr. Ac. Rel. Porto de 30-3-1982 CJ 1982-II-277, Ac. Rel. Coimbra 6-7-1982 CJ 1982-IV-42, Ac. Rel. Porto de 15-7-1985 BMJ 349-552, Ac. Rel. Porto de 23-6-1987 BMJ 368-606 e Ac. Rel. Lisboa de 6-12-1988 CJ 1988-V-117] que, por a indemnização por acidente de viação assentar no princípio da reintegração da esfera patrimonial no estado anterior ao dano, esse ressarcimento não se traduzia num enriquecimento, ou seja o vencimento (total ou parcial) na causa não constituía motivo para se retirar a assistência judiciária de que o lesado beneficiava.
O diploma que se lhe seguiu, o Decreto-Lei 387-B/87 de 29 de dezembro [que só entrou em vigor a 25 de novembro de 1988], manteve, no nº 1 do artigo 54º, a exigibilidade dos "encargos de cujo pagamento haja sido declarado isento" o beneficiário do apoio judiciário no caso de ter adquirido "no decurso da causa ou após esta finda meios suficientes para [os] pagar".
Todavia, no seu nº 5 dizia-se expressamente que "o disposto nos números anteriores não é aplicável quando em virtude da causa venha a ser fixada ao requerente indemnização para o ressarcir de danos ocorridos."
Há, assim, desde há muito, a preocupação de que cessando a insuficiência económica terminem também os apoios de que a parte usufruía e que lhe tinham sido concedidos com a finalidade de que a sua situação de carência a esse nível a não impedisse de aceder ao Direito [A este propósito veja-se o artigo 20.º da Constituição da República].
Essa é a ideia comum ao enunciado na Base XI nº 1 da Lei 7/70 e nos artigos 54º nº 1 do Decreto-Lei 387-B/87 e 13º nº 1 da Lei 34/2004.
...
Presentemente, na segunda parte do nº 2 do artigo 13º da Lei 34/2004, também encontramos uma exceção à regra do seu nº 1, ao dizer-se que quando os "meios económicos" adquiridos através da "obtenção de vencimento na ação", pela "sua natureza", não possam ser tidos "em conta na apreciação da insuficiência económica" nos termos dos artigos 8º e 8º-A desta lei.”
Conforme resulta da matéria de facto apurada, na conferência preparatória foi deliberado, por unanimidade, que o imóvel da verba 9, bem como os bens constantes das verbas 3, 4, 5, 6, 7 e 8, foram adjudicados aos herdeiros Rosa M, Maria L e João L, na proporção de um terço indiviso para cada um, pelos valores constantes da relação de bens e a verba 10, correspondente à sepultura foi adjudicada em comum e partes iguais aos quatro interessados Maria F, Rosa M, Maria L e João L.
Trata-se, então, de saber se, em face da matéria de facto apurada e das normas jurídicas aplicáveis, se deverá considerar que a apelante adquiriu meios económicos suficientes para pagar os montantes de que beneficiou com a proteção jurídica.
Recorde-se que por força do disposto no artigo 13º 2 da Lei nº 34/2004, de 29/07, existe uma presunção (juris tantum) de aquisição de meios económicos suficientes, a obtenção de vencimento na ação, ainda que meramente parcial, salvo se, pela sua natureza ou valor, o que se obtenha não possa ser tido em conta na apreciação da insuficiência económica nos termos do artigo 8º.
Parece-nos que a situação económica da requerente/apelante não se modificou significativamente, perante a partilha de bens efetuada.
Com efeito, se é certo que foi adjudicado àquela um terço indiviso do imóvel e dos móveis constantes das verbas 3 a 8, cujo valor não é significativamente relevante, também é certo que não se demonstrou que tenha havido qualquer incremento de rendimento da requerente, pelo contrário, a Interessada e apelante terá de pagar, à cabeça de casal, a quantia de €432,37, o que fará em 17 prestações mensais e sucessivas, que indiciarão a limitada capacidade económica daquela.
O quinhão da apelante será, assim, no montante de €26.264,22 (QI) e de €2.459,61 (QD), o que perfaz um total de €28,723,83.
Simplesmente trata-se de um valor patrimonial e não, propriamente, de um valor monetário.
Resulta, assim, elidida a presunção referida, afigurando-se que se mantem a situação de insuficiência económica da apelante, uma vez que não há quaisquer elementos nos autos que nos permitam considerar que existiu um acréscimo de rendimentos da mesma, pelo contrário, como resulta da matéria apurada, a apelante vai suportar um acréscimo de despesa, para pagamento da dívida já referida à cabeça de casal.
Por outro lado, não parece que o acréscimo de património, particularmente de um terço indiviso de um prédio urbano - uma vez que os outros bens (móveis) da herança (um terço dos mesmos) não são particularmente significativos, de acordo com a sua descrição na matéria de facto provada - constituam qualquer índice de suficiência económica de custear as despesas do pleito particularmente quando se não dispõe de elementos que permitam concluir que o mesmo tem um valor de mercado elevado e que se justifica, assim, impor à parte a obrigação de suportar as despesas judiciais em causa.
Assim sendo, não resulta dos autos que a apelante tenha deixado de carecer de proteção jurídica, por aquisição de meios económicos suficientes para suportar as despesas com a lide, nos termos do disposto no artigo 13º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho.
Por todo o exposto, deverá a decisão proferida sobre a proteção jurídica ser revogada, determinando-se a manutenção do benefício concedido.
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D) Em conclusão:
1) Por força do disposto no artigo 13º 2 da Lei nº 34/2004, de 29/07, existe uma presunção (juris tantum) de aquisição de meios económicos suficientes, a obtenção de vencimento na ação, ainda que meramente parcial, salvo se, pela sua natureza ou valor, o que se obtenha não possa ser tido em conta na apreciação da insuficiência económica;
2) Não resultando do acréscimo de património de um interessado, em processo de inventário, que o mesmo obteve meios suficientes para custear as despesas judiciais, deverá manter-se o benefício de proteção jurídica anteriormente concedido.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em revogar a decisão recorrida e, em consequência, determinar a manutenção do benefício de proteção jurídica concedido à apelante.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 12/07/2016
António Figueiredo de Almeida
Maria Purificação Carvalho
Maria Cristina Cerdeira