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OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
CASO JULGADO
EMBARGOS DE EXECUTADO
FUNDAMENTOS
TÍTULO EXECUTIVO
EXEQUIBILIDADE
Sumário
I – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras, não sendo, porém, de confundir questões com considerações, argumentos ou razões. II – Nos termos do art.º 25.º, n.º 2, al. a), da Lei n.º 107/2009, de 14-09, a condenação da autoridade administrativa torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada, sendo, desse modo, atribuído a tal decisão valor igual ao do caso julgado de uma decisão judicial. III – E, a ser assim, em sede de embargos de executado, apenas é possível invocar os fundamentos previstos no art.º 729.º do Código de Processo Civil, já não os previstos no art.º 731.º do mesmo Diploma Legal. IV – Na inexequibilidade de um título executivo, para efeitos do disposto na al. a) do art. 729.º do Código de Processo Civil, apenas relevam os vícios formais desse título, já não os eventuais vícios de mérito da decisão administrativa, tornada definitiva por não ter sido judicialmente impugnada. (sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório J... e “D..., Lda.”, na qualidade de executados, vieram deduzir oposição mediante embargos, à execução que contra eles foi instaurada pelo M.º P.º, tendo como título executivo a decisão administrativa que condenou a arguida “D..., Lda.” ao pagamento da coima única no montante de €9.500,00, respondendo solidariamente pelo pagamento de tal coima J....
Os embargantes vieram pedir a correcção do valor da coima em que foram condenados em montante não superior a €3.000,00 ou, caso assim se não entenda, que fosse reconhecida a inconstitucionalidade do disposto no n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho.
Em síntese, alegaram que a embargante (a sociedade) foi condenada, por decisão administrativa não impugnada, no pagamento de coima única, em cúmulo jurídico, relativamente a três infracções laborais, no montante de €9.500,00, tendo como base o pressuposto de que o seu volume de negócios era superior a €10.000.000,00; tendo o embargante (gerente da referida sociedade) apenas sido chamado ao processo, como executado, enquanto solidariamente responsável pelo pagamento da referida coima, nos termos do art. 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho, sem que nunca tivesse sido chamado a pronunciar-se sobre a bondade do processo contra-ordenacional, pelo que lhe assiste o direito a suscitar a reapreciação da prática dos ilícitos contra-ordenacionais imputados à sociedade, por tal questão ser preliminar e originar a responsabilidade solidária do gerente.
Mais alegou que, apesar de não por em causa o cometimento das citadas contra-ordenações, a título de negligência, entende que o valor fixado para a respectiva prática é extravagante, ultrapassando todos os limites do razoável e justo e isto porque a ACT assumiu que o volume de negócios da embargante era superior a €10.000.000,00, em face do facto de a embargante não ter apresentado o volume de negócios dos anos de 2013 e 2014, sendo que a embargante não foi notificada especialmente para esse efeito e muito menos com a advertência do que lhe aconteceria, caso nada respondesse.
Alegou ainda que a embargante é uma pequeníssima empresa, com um volume de negócios muito baixo, o que a ACT tinha obrigação de conhecer, por ter acesso aos dados fiscais da embargante.
Alegou também que a embargante no ano de 2013 teve um volume de negócios no montante de €52.571,37; e no ano de 2014 teve um volume de negócios no montante de €4.038,54, pelo que à embargante não deverá ser aplicada uma coima única de montante superior a €3.000,00.
Alegou, por fim, que, caso assim se não entenda, deverá ser reconhecida a inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho, por pôr em causa o princípio constitucional da proporcionalidade, permitindo-se apenas porque não houve indicação pelo empregador do seu volume de negócio, a aplicação de uma coima entre patamares respeitantes a uma presunção de negócios que até nem deveria ser reconhecido às micro-empresas, como é o caso da embargante.
…
Notificado para contestar, o exequente não apresentou contestação, pelo que se consideraram confessados os factos articulados na referida oposição que não estivessem em contradição com os alegados expressamente pelo exequente no requerimento executivo.
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Em 04-12-2018 foi proferida decisão com o seguinte teor:
Pelo exposto, decide-se, julgar a presente oposição à execução totalmente improcedente por não provada, devendo prosseguir a execução a que se mostra apensa.
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Inconformados, os embargantes/recorrentes vieram interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: 1ª A sentença objecto de recurso é nula por não se ter pronunciado sobre a questão suscitada em sede de embargos da inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, do art. 554º, nº 8 do Código do Trabalho. A não se ter havido pronúncia sobre questão que deveria conhecer, há lugar à aplicação do disposto no art. 615º, nº 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil. 2ª O gerente Recorrente deve ter a oportunidade de se pronunciar sobre a prática da contraordenação imputável à empresa – e, mormente, da determinação da coima aplicada – pois tal questão é preliminar e origina a sua responsabilidade solidária. 3ª Está provado documentalmente que a ACT não procedeu à notificação da empresa para indicar o seu volume de negócios, nem da consequência para uma eventual não indicação, pelo que não basta, para se aplicar a coima como se a empresa tivesse um volume de negócios astronómico igual ou superior a € 10.000.000,00, uma simples consulta, aliás inconclusiva, no endereço electrónico por parte da ACT. 4ª Impunha-se, em nome do princípio fundamental que rege o ordenamento jurídico nacional que se procurasse aceitar a verdade material – o mesmo é dizer o valor de volume de negócios documentalmente provado e não impugnado pelo MP – e, assim, se reconfigurar o montante das coimas aplicáveis, adaptando-a às situações de empresas com volume de negócios inferior a € 500.000,00 – o que se pretende (para montante total máximo, conforme defendido em sede de embargos, de € 3.000,00, sendo que o montante actual, muito superior ao capital social da empresa Recorrente, põe em causa a sua continuidade no mercado e vários postos de trabalho). 5ª O art. 551º, nº 3 do Código do Trabalho deverá ser considerado materialmente inconstitucional para violação do disposto no art. 30º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa e, em conformidade, afastada a obrigação de pagamento solidário da coima por parte do gerente Recorrente.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser considerada nula a sentença objecto de recurso, e, caso assim se não entenda, ser, no restante, o presente recurso considerado como procedente, revogando-se a sentença em causa, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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O M.º P.º contra-alegou, e pugnando pela improcedência do recurso, apresentou as seguintes conclusões: A. A sem razão da recorrente vem largamente demonstrada na decisão administrativa e na sentença. B. Esta merece total confirmação.
Porem, Vossas Excelências melhor decidirão como for de lei e justiça.
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O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Tendo sido mantido o recurso, foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia; 2) Inconstitucionalidade do art. 554.º, n.º 8, do Código do Trabalho; 3) Impossibilidade de aplicação da presunção prevista no n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho sem que tenha existido prévia notificação da arguida para indicar o seu volume de negócios; e 4) Inconstitucionalidade do art. 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
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III – Matéria de Facto
Mostra-se pertinente para a análise do presente recurso a seguinte factualidade que resulta dos autos: 1 – No processo que levou à decisão administrativa que veio a ser proferida em 23-02-2017, o responsável solidário J... foi notificado pessoalmente nos termos dos arts. 17.º e 18.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09. 2 – Por decisão administrativa da ACT, proferida em 23-02-2017, foi a arguida “D..., Lda.” condenada a pagar a coima única no montante de €9.500,00, respondendo solidariamente pelo pagamento da mesma J..., na qualidade de sócio e gerente da referida sociedade arguida. 3 – O aviso de recepção da notificação da referida decisão administrativa mostra-se assinado em 02-03-2017 por Cristina Ribeiros. 4 – Apesar de a ACT ter efectuado várias diligências no sentido de notificar pessoalmente o responsável solidário da decisão administrativa proferida, não foi possível proceder a tal notificação. 5 – A decisão administrativa mencionada em 1) não foi impugnada judicialmente. 6 – Não foi paga voluntariamente a referida coima, nem no prazo legalmente fixado, nem posteriormente. 7 – Em 14-03-2018, o M.º P.º interpôs acção executiva para pagamento coercivo da referida coima, no qual vieram a ser efectuadas algumas penhoras de saldo bancário.
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IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a sentença é nula; (ii) o n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho é inconstitucional; (iii) é possível proceder à aplicação da presunção prevista no n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho sem que tenha existido prévia notificação da arguida para indicar o seu volume de negócios; e (iv) o n.º 3 do art. 551.º do Código do Trabalho é inconstitucional.
…
1 – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Os embargantes vieram arguir a nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), primeira parte, do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre a questão suscitada, em sede de embargos, da inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, do art. 554º, nº 8 do Código do Trabalho.
Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Proceso Civil, que:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
Esta nulidade, na situação invocada pelos embargantes, ocorre quando o juiz não se pronuncia sobre todas as questões que lhe tenham sido submetidas pelas partes, excluindo aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução já dada a outras.
Porém, não se deve confundir questão com consideração, argumento ou razão.
Conforme bem referiu Alberto dos Reis In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 143.
:
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
E, a ser assim, a sentença não padece de nulidade quando não aborda todos os fundamentos invocados pela parte para justificar determinada opção jurídica, desde que aprecie a questão jurídica invocada, apresentando a sua própria fundamentação.
Por outro lado, não se pode confundir omissão de pronúncia, que se terá de entender como ausência de apreciação, com deficiente ou obscura fundamentação.
Cita-se a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 22-01-2015, no âmbito do Proc. 24/09.2TBMDA.C2.S2, consultável em www.dgsi.pt:
(…) a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixa de apreciar questões que tinha de conhecer, mas já não quando, no entender do recorrente, as razões da decisão resultam pouco explicitadas ou não se conhecem de argumentos invocados.
Apreciemos, então.
No caso em apreço, os embargantes, no seu requerimento de oposição, invocaram a inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho, porém, na sentença recorrida efectivamente esta questão não foi abordada, tendo apenas sido abordada a questão da constitucionalidade do n.º 3 do art. 551.º do Código do Trabalho, questão essa não invocada.
E, assim, quanto à análise da inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho, que é uma questão jurídica concreta colocada pelos embargantes, e não uma mera consideração, argumento ou razão, verifica-se uma total ausência de análise na sentença proferida pelo tribunal a quo, impondo-se-lhe uma decisão expressa nos termos do art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tanto mais que tal questão não se mostra prejudicada pela decisão dada às outras questões e, concretamente, pela decisão proferida quanto a constitucionalidade do n.º 3 do art. 551.º do Código do Trabalho.
A sentença é, por isso, nula, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que não apreciou a constitucionalidade do art. 554.º, n.º 8, do Código do Trabalho, conforme tinha sido solicitado pelos embargantes no seu requerimento de embargos de executado.
Em face do disposto no art. 665.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, este tribunal, ainda que declare nula a sentença, fazendo uso dos poderes de substituição que lhe estão acometidos, e desde que o processo reúna todos os elementos fundamentais para a correcta decisão da questão omissa, ao invés de determinar a remessa do processo à 1.ª instância para proferir nova sentença onde conheça dessa questão, pode, desde logo, decidir sobre a mesma.
No caso em apreço, tratando-se de uma questão meramente jurídica é possível ao tribunal ad quem decidir, desde já, sobre a invocada inconstitucionalidade.
Dir-se-á ainda que tendo a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sido expressamente arguida nas conclusões de recurso, tendo, por isso, a parte contrária tido a oportunidade de se pronunciar sobre a mesma, não se torna necessário voltar a ouvir as partes sobre tal questão antes de se decidir.
Cita-se, sobre este assunto, o Acórdão do STJ, proferido em 09-04-2019, no âmbito do processo n.º 2673/12.2T2AVR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I – A regra da substituição ao tribunal recorrido na hipótese de nulidade fundada em omissão de pronúncia (art. 665.º n.º 1 do CPC), implica, por natureza, a supressão de um grau de jurisdição, e por isso não incorre em excesso de pronúncia o acórdão da Relação que, declarando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, conhece do objecto da apelação na parte que foi omitida, ao invés de ordenar à 1.ª instância que o faça.
II – Sendo suscitada por uma parte, por via de recurso, a nulidade da sentença da 1.ª instância, e uma outra parte, que inclusivamente aderiu a esse recurso, tido oportunidade de se pronunciar sobre essa nulidade, não tinha o relator na Relação que fazer ouvir esta última parte nos termos do n.º 3 do art. 665.º do CPCivil, de modo que não houve qualquer privação do contraditório nem a produção de qualquer decisão-surpresa.
Em conclusão, declara-se a nulidade da sentença de embargos de executado por omissão de pronúncia quanto à invocada inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho, decidindo-se, já de seguida, apreciar a questão omitida, no exercício de poderes de substituição ao tribunal recorrido.
…
2 – Inconstitucionalidade do art. 554.º, n.º 8, do Código do Trabalho
Vieram os embargantes invocar a inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho por violação do princípio da proporcionalidade.
Vejamos, em primeiro lugar, se, em sede de acção executiva, mais concretamente, em sede de embargos de executado, o podem fazer.
Dispõe também o art. 729.º do Código de Processo Civil que:
Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
Dispõe igualmente o art. 731.º do Código de Processo Civil que:
Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.
Importa, então, apreciar se a decisão administrativa proferida e não impugnada judicialmente é equiparada a uma sentença, título executivo ao qual apenas podem ser invocados os fundamentos de oposição previstos no art. 729.º do Código de Processo Civil.
Esta matéria já foi decidida por diversas vezes nos nossos tribunais, considerando-se que, para efeitos de título executivo, as decisões administrativas não impugnadas judicialmente são equiparadas a sentença.
Cita-se a esse propósito o acórdão do TRG, proferido em 03-05-2011, no âmbito do processo n.º 1879/09.6TAGMR.G1, consultável em www.dgsi.pt Neste sentido, vejam-se igualmente os acórdãos do TRL, proferido em 08-11-2007, no âmbito do processo n.º 7403/2007-8; do TRC, proferido em 04-03-2008, no âmbito do processo n.º 706/06.0; e do TRP, proferido em 08-03-2005, no âmbito do processo n.º 0520565, todos consultáveis no mesmo site.:
Nos termos do art. 45º do C.P.Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva.
E o artº46º enumera os títulos que servem de base à execução, de entre os quais ressaltam as sentenças condenatórias.
A questão fulcral é a de saber se a decisão da autoridade administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, é equiparável a sentença.
Dispõe o nº5 do artº169/99, de 18/09, na redacção da Lei nº5-A/02, de 11/01: Compete à câmara municipal, em matéria de licenciamento e fiscalização: a) Conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção, reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos; b) Realizar vistorias e executar, de forma exclusiva ou participada, a actividade fiscalizadora atribuída por lei, nos termos por esta definidos; c) Ordenar, precedendo vistoria, a demolição total ou parcial ou a beneficiação de construções que ameacem ruína ou constituam perigo para a saúde ou segurança das pessoas; d) (…)
No caso, não há dúvida de que a Câmara Municipal, como autoridade administrativa que é, dispõe de competência para investigar e instruir o processo de contra-ordenação, aplicar a respectiva coima (artº33 e 54º, nº2 do Dec-Lei nº433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelos Dec-Lei nº244/95, de 14/9, nº323/de 17/12 e Lei nº 109/2001, de 24/12) e notificar o ora recorrente dessa decisão (artºs46º e 47º do citado Dec-Lei), como o fez, podendo ele impugná-la judicialmente, no prazo de 20 dias, após o seu conhecimento nos termos do artº59º do Dec-Lei nº433/82.
Não tendo sido impugnada, decorrido esse prazo a decisão da autoridade administrativa assume carácter definitivo, começando, então, a correr o prazo para pagamento (cfr. artºs79º e 88º do Dec-Lei nº433/82).
Essa decisão configura um verdadeiro acto administrativo, definido Freitas do Amaral como o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto Direito Administrativo - 3ºVol., pag.66)", em que a forma processual adequada para a impugnar é o recurso judicial.
Não havendo impugnação, no prazo legal, forma-se caso decidido ou caso resolvido.
Embora esta figura seja distinta do instituto do caso julgado O caso julgado, pressupondo a repetição de uma causa – a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir [cfr. artigos 497º e 498º do CPCivil] –, tem dois efeitos processuais característicos: um efeito negativo, que se traduz na insusceptibilidade de qualquer tribunal [mesmo aquele que proferiu a decisão] se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida; e um efeito positivo, que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao que nela foi definido ou estabelecido [neste sentido, cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, a págs. 572].
Já o “caso decidido” ou “caso resolvido”, embora tenha um efeito análogo ao da sentença transitada em julgado, só se reflecte num concreto procedimento entre um particular e a Administração, justificando que esta não tenha de voltar a apreciar uma pretensão que já decidiu – obviamente uma pretensão não renovável – e que não foi objecto de impugnação ou que, tendo-o sido, não foi atendida em tribunal., entendemos que não pode deixar de lhe ser dada equiparação, sob pena de flagrante violação, designadamente, do princípio geral da estabilidade do acto administrativo, «com tradução prática na certeza e na segurança das relações jurídico-administrativas e, designadamente, na intangibilidade dos direitos e interesses legitimamente adquiridos dos cidadãos».
É também neste sentido que decidiu o Ac. Rel. de Lisboa, de 27/09/2006 http://www.dgsi.pt/jtrl., segundo o qual a decisão da autoridade administrativa, não tendo sido objecto de impugnação judicial constituiu caso decidido ou caso resolvido, (…), consolidando-se o acto administrativo na ordem jurídica, atendendo ao princípio da estabilidade dos actos administrativos, e que a doutrina faz uma equiparação entre o caso julgado judicial, decisão judicial que já não pode ser objecto de recurso, por ter transitado em julgado (art. 677º, do CPC), e o caso decidido ou resolvido dos actos administrativos, pelo que, por força do art. 79º, do DL nº 433/82, de 27OUT, que fixa o alcance definitivo da decisão administrativa, conferindo-lhe um valor em tudo igual ao casojulgado de uma decisão judicial, mais não significa que, uma vez proferida a decisão administrativa, que não foi objecto de impugnação judicial, por não ter sido interposta em tempo, ou porque o não foi mesmo, por o arguido com ela se ter conformado, constitui casodecididoouresolvido.
No caso em apreço, estamos no âmbito de uma contra-ordenação laboral, regulada pela Lei n.º 107/2009, de 14-09, que no seu art. 26.º estatui que a “decisão condenatória de aplicação de coima que não se mostre liquidada no prazo legal tem a natureza de título executivo”, sendo que, nos termos do art. 25.º, n.º 2, al. a), do mesmo Diploma, a condenação da autoridade administrativa “se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32.º a 35.º”. Por sua vez, nos termos do art. 32.º, “A decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é susceptível de impugnação judicial”, sendo tal prazo de 20 dias após a notificação (art. 33.º, n.º 2).
Ora, da conjugação das citadas disposições legais resulta o alcance definitivo da decisão administrativa, atribuindo-lhe valor igual ao do caso julgado de uma decisão judicial, pelo que, e apesar de a autoridade administrativa não possuir a mesma natureza e dignidade de uma sentença judicial, a lei atribui-lhe efeitos análogos. Atente-se que os direitos de defesa se encontram igualmente salvaguardados através da possibilidade de impugnação judicial, não tendo, porém, esta ocorrido, o legislador, ao lhe atribuir carácter definitivo, procurou, através deste regime, evitar a possibilidade de duplicação de decisões sobre a mesma situação, razão pela qual não é possível, em sede de embargos de executado, invocar os fundamentos referidos no art. 731.º do Código de Processo Civil, sendo apenas admissíveis os fundamentos previstos no art. 729.º do mesmo Diploma Legal.
Cita-se, ainda a este propósito, o sumário do acórdão do TRG, proferido em 10-11-2016, no âmbito do processo n.º 9/15.0T9VPC-A.G1, consultável em www.dgsi.pt No mesmo sentido, o acórdão do TRG, proferido em 14-03-2019, no âmbito do processo n.º 112/17.1T9VPC-A.G1, consultável no mesmo site.:
II – A decisão administrativa definitiva é equiparada a uma sentença, como título executivo, pelo que, deduzidos embargos de executado, a este apenas é possível invocar, como fundamentos de oposição à execução, os previstos para a sentença judicial no artº 729º do CPC.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir que os embargos de executado, interpostos pelos embargantes, apenas poderão ser apreciados se apresentarem os fundamentos previstos no art. 729.º do Código de Processo Civil.
Antes de analisarmos tal questão, referiremos apenas que a arguida “D..., Lda.” se mostra notificada da decisão administrativa que dá corpo ao título executivo, nos termos do art. 8.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14-09; e que, apesar de não ter sido possível notificar, pessoalmente, dessa decisão administrativa, o responsável solidário J..., que, no caso, é o legal representante da sociedade arguida, nos termos do art. 20.º da mesma Lei, tal notificação não consta do elenco dos actos que lhe são obrigatoriamente notificados, sendo que, na esteira João Soares Ribeiro In Contra-ordenações laborais, 3.ª edição, Almedina, 2011, p. 336., entendemos também que a responsabilidade dos gerentes, directores e administradores, prevista no n.º 3 do art. 551.º do Código do Trabalho, é objectiva, e “Apesar de se tratar, também aqui, de mera solidariedade no pagamento da coima (e não na infracção), uma vez que esta responsabilidade é conatural ao seu estatuto de legais representantes da pessoa colectiva, não se tornará necessária, por isso, a sua notificação individual, sempre que continuem no exercício dessas funções”.
Dir-se-á ainda que o responsável solidário já tinha sido pessoalmente notificado, designadamente nos termos dos arts. 17.º e 18.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, pelo que tinha perfeito conhecimento do presente processo contra-ordenacional.
Acresce que a falta de notificação da decisão administrativa ao responsável solidário não foi sequer invocada em sede de embargos de executado.
Considerando, portanto, que a decisão administrativa se tornou definitiva e exequível, uma vez que não foi impugnada judicialmente, apreciemos, então, se a invocada inconstitucionalidade do art. 554.º, n.º 8, do Código do Trabalho, se integra nalguma das alíneas do art. 729.º do Código de Processo Civil.
Na realidade, não se vislumbra como tal invocação de inconstitucionalidade se possa enquadrar nos já citados fundamentos.
Atente-se que, relativamente ao primeiro dos fundamentos e único que aparentemente tal integração poderia ser considerada (por se considerar que o título era inexequível em virtude de ter, na sua formação, aplicado uma norma inconstitucional), conforme bem refere José Lebre de Freitas, em A acção Executiva Depois da reforma da reforma 5.ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 172., a inexistência ou inexequibilidade do título executivo reporta-se à “falta de pressupostos processuais específicos”, e não a vícios relativos à exequibilidade da pretensão formulada.
Neste sentido, entre outros No mesmo sentido, o acórdão do TRC, proferido em 11-03-2008, no âmbito do processo n.º 1339/05.4TBCVL-A.C1; o acórdão do TRE, proferido em 26-02-2015, no âmbito do processo n.º 664/14.8TBFAR-I.E1; e o acórdão do TRL, proferido em 11-01-2018, no âmbito do processo n.º 2548/16.6T8SNT-A.L1-2., cita-se igualmente o sumário do acórdão do TRC, proferido em 08-06-2004, no âmbito do processo n.º 1700/03, consultável em www.dgsi.pt:
5. Em sede de acção executiva e suas condições, importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, ou –o que vale o mesmo-, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do acto ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).
6. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.
É, assim, manifesto que a invocada inconstitucionalidade não constitui fundamento para se opor à execução de um título executivo equiparado a sentença, podendo apenas servir de fundamento para impugnação judicial, impugnação essa que nem a arguida nem o responsável solidário pretenderam utilizar.
Nesta conformidade, por já não ser possível, nos termos do art. 729.º do Código de Processo Civil, invocar a inconstitucionalidade do art. 554.º, n.º 8, do Código do Trabalho, em sede de embargo de executado, não se procederá a tal apreciação, improcedendo, nesta parte, a pretensão dos recorrentes.
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3) As demais questões invocadas
Relativamente às demais questões invocadas (a impossibilidade de aplicação da presunção prevista no n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho sem que tenha existido prévia notificação da arguida para indicar o seu volume de negócios e a inconstitucionalidade do art. 551.º, n.º 3, do Código do Trabalho), tendo a decisão administrativa, que serve de título executivo à presente execução, se tornado definitiva, não compete ao tribunal onde a execução decorre apreciar fundamentos que não se integram no disposto no art. 729.º do Código de Processo Civil, e que apenas poderiam ter sido utilizados em sede de impugnação judicial, tendo, porém, os embargantes, prescindido desse modo de reacção, pelo que, de igual modo, nos termos já explanados, não se procederá a tal apreciação, improcedendo, também nesta parte, a pretensão dos recorrentes.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, e, em consequência: a) declarar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à invocada inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho, determinando ainda o conhecimento neste tribunal da questão omitida, no exercício de poderes de substituição ao tribunal recorrido; b) determinar não apreciar a invocada inconstitucionalidade do n.º 8 do art. 554.º do Código do Trabalho, por tal fundamento não se enquadrar nos termos do art. 729.º do Código de Processo Civil; e c) no demais confirmar a sentença recorrida quanto à improcedência dos embargos de executado (ainda que por fundamentação diversa).
Custas na proporção do decaimento.
Notifique.
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Évora, 27 de Junho de 2019 Emília Ramos Costa (relatora) Moisés Silva Mário Branco Coelho