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ACÇÃO CÍVEL
PROCESSO PENAL
PRINCÍPIO DA ADESÃO
Sumário
I. O princípio da adesão (art.º 71.º do CPP) da responsabilidade civil à responsabilidade criminal justifica-se essencialmente por razões de economia processual – dirime-se, no mesmo processo, as questões atinentes à prática do facto tipificado como ilícito criminal, às suas consequências jurídico-criminais e, no mesmo passo, à responsabilização civilística do lesante, permitindo assim uma prespectiva global do acontecimento – e para evitar a contradição entre decisões, sempre tida como danosa do prisma da imagem da Justiça. II. A lei concede ao lesado a opção de dedução em separado do pedido de indemnização, em determinados casos tipificados na lei. III. A previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 72.º reporta-se, em especial, à hipótese em que, ao tempo da acusação, não houver ainda danos, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão. IV. A eventual persistência dos danos de índole não patrimonial e, bem assim, a contínua realização de deslocações pelo país não se confundem com o desconhecimento dos danos ou da sua extensão. V. Por isso, a mera circunstância de estarmos em presença, no momento da dedução da acusação, de danos qualificáveis como futuros não integra a referida excepção ao princípio da adesão, pois tal equivaleria a esvaziar de sentido a previsão do art.º 72.º do CPP.
Texto Integral
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I.Relatório
BB, Autor nos autos à margem identificados, nos quais sãos Réus CC e DD não se conformando com o despacho saneador que, julgando ocorrer uma violação do princípio da adesão, absolveu os recorridos da instância, dele interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“Os Recorridos vieram em sede de contestação arguir a violação por parte do Recorrente, do princípio da Adesão em processo penal, do pedido de indemnização cível, nos termos do art.º 71º do Código Processo Penal.
2. O Recorrente justificou o motivo pela excepção prevista no art.º 72 nº 2 alínea d) do Código de Processo Penal. Contudo,
3. Em sede de Audiência Prévia, após audição das partes, a meritíssima Juiz a quo, declarou estar em condições de proferir, no despacho saneador, a sua decisão. E,
4. Absolveu os ora Recorridos da Instância, por força da incompetência material do Juízo Cível, não sendo apreciado o mérito da causa.
5. A meritíssima Juiz a quo, considerou que não procediam o argumento do Recorrente, de que à data em que decorriam os prazos para a apresentação do PIC pelos Assistentes em processo crime, estes ainda não soubesse efectivamente que prejuízos já havia sofrido e que ainda a sofrer.
6. Segundo a meritíssima juiz, o Recorrente teve consciência do seu prejuízo no dia que lhe entregaram o cheque para pagamento dos bovinos que saíram da sua exploração.
7. Salvo o devido respeito, mas àquela data, o ora Recorrente não sabia que o cheque era falsificado, nem que o numero da exploração dado pelos Recorridos a ele era inexistente, pelo que nem o prejuízo do valor dos animais este sabia que estava a ter no momento em que entregou os bovinos e recebeu o cheque.
8. A verdade é que o Recorrente sempre teve esperança de reaver o gado, como aconteceu noutros processos idênticos ao seu, em que um dos Recorrentes fora também arguido, tendo havido quem tivesse conseguido recuperar todos os animais e outros, apenas alguns.
9. Mas o prejuízo patrimonial do Recorrente não foi apenas do valor do gado que supunha estar a vender, foi mais além com todas as deslocações que fez e ainda faz pelo país, cada vez que alguém lhe diz ter visto um dos seus animais, que tinha a particularidade de ter um corno virado para baixo. E,
10. Durante a Investigação, por várias vezes que se deslocou às instalações da Policia Judiciária em Faro.
11. Contudo, pior ainda que os danos patrimoniais têm sido os não patrimoniais, uma vez que o Recorrente desde o momento em que foi vitima do crime de burla e de falsificação de documento, passou a ser uma pessoa muito ansiosa, desconfiada de tudo e de todos, não se conseguia concentrar devidamente no seu trabalho, não conseguia dormir e quando o fazia tinha pesadelos sobre os factos, tendo que recorrer variadas vezes a médicos e sujeitando-se a tratamentos.
12. Estes sintomas têm se prolongado no tempo e com o tempo têm vindo a agravar-se.
13. O Recorrente requereu a constituição de Assistente a 16 de Janeiro de 2014, tendo sido enviado para os Serviços do Ministério Público do Juízo de Proximidade de Mértola o requerimento e o comprovativo do pagamento da taxa de justiça via e-mail (como é usual).
14. Durante algum tempo e apesar dos contactos pessoais do Recorrente e telefónicos da mandatária, não localizavam o requerimento em questão e, a pedido do próprio tribunal de Mértola, foi enviado, via fax, Requerimento relatando o que se estava a passar e anexou-se a este o comprovativo do envio do requerimento a pedir a constituição de assistente, isto em 12 de Março de 2014. E,
15. Só assim foi localizado o requerimento em questão, tendo sido proferido despacho de admissão da intervenção do Recorrente naquele processo, a 23 de Abril de 2014, data em que foi remetida a notificação do mesmo.
16. Assim sendo, só após o recebimento da notificação de 23 de Abril de 2014, enviada por via postal, é que o ora Recorrente passou a ser Assistente no processo crime em questão.
17. Tendo sido proferida acusação e os intervenientes notificados a 14 de Janeiro de 2014, em Abril seguinte, há muitos que já havia passado o prazo para apresentação do PIC por parte d Recorrente. Mas
18. Mesmo que o tivesse apresentado, ele não se encontrava em condições de o fazer porque o seu prejuízo ainda não estava totalmente apurado, sendo que o mesmo iria ser remetido para uma execução de sentença ou o juiz do tribunal criminal abstinhas de o proferir e remetia a questão para ser dirimida em sede de tribunal cível, ou seja, em separado.
19. Por outro lado e sendo a excepção invocada por um dos Recorridos, da incompetência material do tribunal cível, em face da violação do principio penal da adesão do PIC ao processo crime (art.º 71º CPP), já que a mesma seria sempre de conhecimento oficioso do juiz a quo, nos termos do art.º 577º alínea a), por força dos artigos 578º e 576º º 2, todos do CPC, esta ao pronunciar-se favoravelmente à excepção, deveria ter analisado todas as excepções previstas no art.º 72 do CPP e não o fez.
20. Não o fez porque e sempre ressalvando o devido respeito à meritíssima Juiz, optou pela forma mais fácil e desta forma findou o processo com a absolvição dos Recorridos da instância.
21. Porque se tivesse escrutinado todas as alíneas do art.º 72º do CPP, concluiria que o Recorrente poderia sempre recorrer ao tribunal cível para deduzir o seu PIC pois os crimes pelos quais os Recorridos foram acusados e condenados, eram crimes semipúblicos, dependentes de queixa e como tal enquadráveis na alínea c) do art.º 72º do CPP.
22. Deste modo a decisão que pôs fim ao processo ora em recurso viola o disposto no art.º 615º nº 1 alínea c) e d), porque não conheceu a questão da excepção levantada, na sua globalidade (todas as alíneas das excepções do principio da adesão em processo penal, do art.º 2 do CPP), nomeadamente o facto de os actos ilícitos subjacentes ao pedido cível serem crimes que dependiam de queixa, tornando a decisão ambígua e desenquadrada da legislação aplicável.
23. A decisão padece de vícios que são susceptíveis de gerarem a sua nulidade porque foi valorada a legislação em questão na sua totalidade, atendendo que a excepção invocada era de conhecimento oficioso, pelo que deverá ser ordenada a repetição da mesma, dando como não provada a excepção em causa e consequentemente, seguindo o processo os seus termos normais. Nestes termos
deve ser dado provimento ao presente recurso e por força deste deverá ser alterada a decisão final do presente acção, dando como inexistentes as excepções invocadas pelos Recorridos, sendo fixada a matéria provada e não provada da PI e da Contestação, em sede de despacho saneador, seguindo-se os demais termos do processo cível até final.
Decidindo deste modo, V.Exas farão Justiça!”
O apelado, CC, apresentou resposta às alegações.
Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do Recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), inventariam-se as seguintes questões solvendas:
- Aperfeiçoamento das alegações apresentadas pela apelante
- Nulidade da sentença apelada por ambiguidade e por omissão de pronúncia;
- Verificação da excepção ao princípio da adesão. III. Fundamentação
1.De Facto
1.Os factos a considerar na decisão deste recurso são os que constam do antecedente relatório e, bem assim, que:
1.1.A presente acção deu entrada em juízo em 05.07.2018;
1.2.Por acórdão proferido em 25.11.2016, no proc. n.º 299/12.0JAFAR, que correu termos no Juízo central Cível e Criminal de Beja, os aqui RR., DD e CC, foram condenados pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, p. e p. nos art.ºs 255.º, al. a) e 256.º, n.ºs 1, al. c), d) e e) e 3 do CPC e de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do CP, confirmado pelo Ac. da RE de 27.06.2017, transitado em julgado em 22.09.2017.
1.3. No processo referido em 1.2. o aqui A., BB, constituiu-se assistente, mas não deduziu pedido de indemnização cível .
1.4. É o seguinte o teor do despacho recorrido: “Em sede de contestação, o R. CC, veio arguir a violação do princípio da adesão previsto no artigo 71.º do Código do Processo Penal e, em consequência, a incompetência material para apreciação do pedido deduzido pelo A., alegando, para tanto e em síntese, que o A. apresenta a sua acção peticionando danos civis decorrentes da prática de um crime por parte dos RR, pelo que o pedido de indemnização civil devia ter sido deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, excepcionalmente, nos casos previstos na lei. E, neste caso, não tendo o A. demandado o R. em sede de processo crime e não tendo alegado qualquer das exclusões previstas no artigo 72.º do CPP, é este Tribunal incompetente para conhecer da presente causa, devendo o R. ser absolvido da instância. Notificado para exercer o contraditório, veio o A. alegar que à data da acusação no processo-crime, o A. não tinha o pleno conhecimento da extensão dos seus danos patrimoniais, pois ainda tinha esperança que alguns dos seus animais fossem recuperados, à semelhança do que aconteceu noutros processos. Por outro lado, também não tinha conhecimento pleno de que os arguidos fossem efectivamente culpados do crime de que tinha sido vítima. Por fim, não tinha como ter conhecimento da data da notificação do despacho de acusação. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 71.º do Código do Processo Penal que O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. E o artigo 72.º do referido diploma legal que 1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo; b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento; c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular; d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão; e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 3 do artigo 82.º; f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido; g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular; h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima; i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º e do n.º 2 do artigo 77.º 2 - No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito. Como o refere F. Dias, in Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal, 1963, Separata do BFDC, 8.º, “a razão de ser de tal sistema estará na natureza tendencialmente absorvente do facto que dá causa às duas acções, em atenção aos efeitos úteis que, do ponto de vista pessoal, se ligam à indemnização civil.” Ou, no dizer de Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, pág. 87 “verifica-se, assim, na unidade formal do processo penal, a conjunção e coordenação da acção penal e da acção civil”. Tal princípio da adesão obrigatória do processo civil ao processo penal, significa, pois, que, para demandar os responsáveis com base num ilícito penal, o lesado tem de recorrer aos autos criminais, só o podendo fazer em separado e noutro foro, nos casos excepcionais previstos no artigo 72.º do CPP (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02-03-2010, processo n.º 143/08.2TBOBR.C1, disponível em www.dgsi.pt. Por outro lado, Dada a obrigatoriedade da adesão do processo civil ao penal, em matéria de indemnização civil fundada em ilícito penal, estando a sua dedução em separado e perante outro foro condicionada à existência de uma das excepções previstas a tal regra, logo ao deduzir a acção, o lesado que beneficie de tal excepção deverá alegar os factos em que a mesma (excepção) se fundamenta – neste sentido, o Acórdão desta Relação, de 24/04/2007, Processo n.º 6135/05,6TBLRA.C1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc (Ac. cit.). Nos presentes autos, compulsada a petição inicial, nenhum facto é alegado que permita a sua subsunção a qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 72.º do CPP. Não obstante, já em sede de contraditório quanto à arguida excepção dilatória na contestação, veio o A. alegar que não tinha conhecimento da concreta extensão dos danos patrimoniais à data da condenação, parecendo-nos, assim, invocar o circunstancialismo da al. d) do referido preceito legal. Ora, como já vimos, mostra-se precludido o direito de invocar as situações de excepção previstas no artigo 72.º do CPP. Não obstante, sempre diremos o seguinte. Conforme resulta dos documentos juntos aos autos, designadamente da certidão judicial de fls. 10 a 35 e versos, por decisão proferida em 25/11/2016 e transitada em julgado em 22/09/2017, proferida no âmbito do processo n.º 299/12.0JAFAR do Juiz 2 do Juízo Central Cível e Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, foi considerado como provado que o A. entregou a DD 19 bovinos, contra o recebimento de um cheque titulando a quantia de € 8 798,00, no dia 29/09/2012. Também de fls. 36, verso, consta a respectiva factura emitida pelo A., no referido montante - € 8 798,00. Daqui resulta que no dia 29/09/2012, já era conhecida a concreta extensão dos danos patrimoniais alegados pelo A., sendo que a alegação de que ainda estaria a tentar encontrar alguns animais não procede. Na realidade, fixado o montante dos danos patrimoniais, correspondentes ao valor de venda, nada impedia que, sendo caso disso, fosse deduzido o valor de eventuais cabeças de gado que viessem a ser recuperadas. Note-se que, à data da prolação da decisão condenatória (25/11/2016), o A. não tinha recuperado qualquer cabeça de gado – mais de quatro anos após a sua entrega. Por outro lado, também não procede a alegação de que não tinha conhecimento de que os arguidos eram efectivamente culpados do crime, pois que naturalmente, se assim fosse não seria admissível a dedução de pedido de indemnização civil senão depois da condenação, sendo que o regime legal prevê a sua preclusão nos termos do artigo 77.º do CPP, com um prazo máximo de 20 dias depois da notificação da acusação ao arguido. Acresce que, alega o A., que não poderia contabilizar os danos não patrimoniais que estava a ser alvo na pendência do processo crime. Ora, também esta argumentação não procede, na medida em que, os danos não existentes à data da proposição da respectiva acção judicial merecem tutela judicial, na qualidade de danos futuros. Conclui-se de quanto se vem dizendo que não se mostra verificada a situação de excepção da al. d) do n.º 1 do artigo 72.º do CPP. Por outro lado, alega o A. que, como não manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, só o poderia ter feito no prazo de 20 dias após a notificação do despacho de acusação, do que não poderia ter conhecimento na qualidade de ofendido. Resulta da já mencionada decisão judicial que o A. se constituiu como assistente. Nessa medida, existe a obrigação legal de lhe ser notificado o despacho de acusação, nos termos do artigo 277.º, n.º 3, ex vi artigo 283.º, n.º 5 do CPP, sendo que o A. não alega que não teve conhecimento da prolação do despacho de acusação, note-se; apenas de que não poderia ter conhecimento do momento da notificação ao arguido. Ora, na qualidade de assistente, para além de existir a obrigação legal de lhe ser notificado o despacho de acusação (o que o A. não impugna), é-lhe concedida a faculdade de consulta dos autos. Ainda que assim não fosse, na norma contida no artigo 277.º, n.º 3 do CPP, o legislador expressamente previu o prazo de 20 dias contado da notificação ao arguido do despacho de acusação. Por fim, resta dizer que o A. não alegou nenhuma das restantes situações de excepção, previstas na mencionada norma legal, pelo que não resta outra alternativa ao Tribunal senão concluir que é materialmente incompetente para conhecer da presente acção, por violação do princípio da adesão previsto no artigo 71.º do CPP. Nos termos do artigo 96.º, al. a) do Código de Processo Civil, a incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do Tribunal, sendo de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 578.º e 97, n.º 1 do Código de Processo Civil. Ainda, a incompetência absoluta em razão da matéria é uma excepção dilatória nominada cuja verificação determina a absolvição do réu da instância ou o indeferimento liminar - artigos 91.º, n.º 3, 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), todos do Código de Processo Civil). Importa, por isso, declarar verificada a excepção e, consequentemente, julgar este tribunal incompetente em razão da matéria. Pelo exposto, ao abrigo das citadas disposições legais, declaro este tribunal materialmente incompetente para conhecer da presente notificação e, em consequência, absolvo os RR. da instância. Custas a cargo do A., nos termos do artigo 527.º do CPC. Notifique e registe.”.
2. O Direito Questão prévia
Importa notar que, com as alegações, o apelante juntou três documentos.
Dispõe o art.º 425.º do CPC que, no caso de recurso, as partes só poderão juntar os documentos após o encerramento da discussão em 1.ª instância, cuja junção não tenha sido possível até aquele momento. Acrescenta o n.º 1 do art.º 651.º do mesmo diploma, que as partes apenas poderão juntar documentos com as alegações de recurso, nas situações excepcionais referidas no art.º 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Não se alega nem se divisa que a sua junção tenha sido inviável até ao encerramento da audiência prévia (aliás, o próprio apelante nada justifica acerca da junção) nem que se haja tornado necessária pelo desfecho do julgado em 1.ª instância.
Constata-se assim que a junção não respeita os citados comandos legais.
Assim, determina-se o desentranhamento do processo físico e do processo informático (n.º 1 do art.º 443.º do CPC), sendo o apelante condenado em multa, que se fixa em 1UC (n.º 1 do art.º 27.º do RCP). 1.ª questão
O apelado sustentou que as conclusões formuladas pelo apelante não eram sintéticas e não cumpriam as exigências constantes das als. a) e b) do n.º 1 do art.º 639.º do CPC, pelo que o recurso deveria ser rejeitado.
A interposição de recurso marca o início da fase recursória – vale dizer a interpelação de um tribunal superior para decidir o pleito – compreendendo-se, por isso, que a lei rodeie de particulares cautelas e exigências a elaboração da peça em que enformará o seu objecto (cfr. art.ºs 637.º e 639.º).
Ora, vistas as alegações recursórias apresentadas pelo recorrente, é patente que, nelas, não se mostra cumprido o ónus de formular conclusões sintéticas.
Estamos, pois, longe de conclusões modelares que cumpram correctamente a função de enformar do objecto do recurso.
Sabendo-se, contudo, que o apontado vício, não importa a rejeição do recurso, mas antes o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, a formulação de tal despacho, nos termos prevenidos pelo n.º 3 daqueloutro preceito, não redunda, as mais das vezes, em conclusões efectivamente aproveitáveis e melhoradas e que, apesar das imperfeições, é perfeitamente viável identificar a pretensão do apelante e as questões suscitadas e não se descortinando, outrossim, que a falha em questão haja comprometido a defesa do apelado, tem-se por prejudicada a prática desse acto processual. 2.ª questão
Entende primeiramente o apelante que a sentença apelada padece de nulidade por ser ambígua e por omissão de pronúncia.
Desde já, há a notar que não se descortina que seja possível atribuir à decisão apelada mais do que um sentido, pelo que é manifesto que a mesma não pode ser apelidada de ambígua.
E, em todo o caso, é de salientar que a mera ambiguidade da decisão apenas releva como causa de nulidade quando comprometa a ininteligibilidade da decisão, o que bem se percebe no contexto da eliminação dos pedidos de aclaração da decisão encetada pelo actual CPC[1]
Destarte, impõe-se desatender a arguição em apreço.
Por seu turno, lê-se na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC:
“É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
A causa da nulidade a que se refere este preceito relaciona-se com a inobservância do disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 608.º do mesmo diploma (onde consta que o juiz não “(…) pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. (…)”).
Este último preceito postula o conhecimento, na sentença, de todas as questões juridicamente relevantes que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo Autor ou as excepções deduzidas pelo Réu suscitem e, por outro, confina a estas a actividade judicativa.
É consabido que os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões” - não integram matéria que deva ser objecto de pronúncia judicial.
No caso vertente, a pronúncia sobre a excepção dilatória inominada arguida pelo Réu reclamava apenas que o tribunal tomasse posição sobre a excepção ao princípio da adesão concretamente invocada pelo A. para a dedução do pedido cível em separado, i.e. fora do processo penal. Como veremos, a excepção invocada era a que consta da al. d) do art.º 72.º do CPP.
Como tal, o tribunal não estava adstrito a conhecer quaisquer outras excepções potencialmente invocáveis. E nem sequer era-lhe lícito fazê-lo, já que, como é sabido, impõe-se ao lesado que queira prevalecer-se da faculdade de dedução do pedido cível em separado o ónus de alegar os factos que integram a excepção ao princípio da adesão que é aplicável à sua concreta situação fáctico-jurídica, já que tal constitui um pressuposto do exercício do direito de acção nesses moldes[2].
Por isso, representaria uma grave subversão do princípio da oficiosidade no conhecimento das excepções dilatórias entender que o tribunal a quo estava adstrito a, em abstracto (i.e. desligado de qualquer invocação factual pertinente), tomar em consideração todas as excepções ao princípio da adesão legalmente previstas.
A verdade, porém, é que pode ler-se no despacho recorrido que “Nos presentes autos, compulsada a petição inicial, nenhum facto é alegado que permita a sua subsunção a qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 72.º do CPP” (sublinhado nosso), pelo dúvidas não se suscitam que não assiste razão ao apelante.
Destarte, impõe-se a conclusão de que não se omitiu a pronúncia devida. 3.ª questão.
A segunda questão reconduz-se a determinar se se incorreu em julgamento ao julgar-se inverificada a previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 72.º do CPP.
Vejamos.
O princípio da adesão (art.º 71.º do CPP) da responsabilidade civil à responsabilidade criminal justifica-se essencialmente por razões de economia processual – dirime-se, no mesmo processo, as questões atinentes à prática do facto tipificado como ilícito criminal, às suas consequências jurídico-criminais e, no mesmo passo, à responsabilização civilística do lesante, permitindo assim uma prespectiva global do acontecimento – e para evitar a contradição entre decisões, sempre tida como danosa do prisma da imagem da Justiça[3].
No entanto, a lei concede ao lesado a opção de dedução em separado do pedido de indemnização.
“O legislador português, seguindo uma opção que já vem do Código de Processo Penal de 1929, consagrou o princípio da adesão, segundo o qual a pretensão indemnizatória deverá, em regra, ser deduzida no âmbito do processo penal.
Com efeito, estipula-se no art.º 71.º do CPP, sob a epígrafe “Princípio de adesão”, que “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
A razão de ser de tal solução é a economia de meios e a uniformidade de julgados (cfr., v.g., Vaz Serra, “Tribunal competente para a apreciação da responsabilidade civil conexa com a criminal – valor, no juízo civil, do caso julgado criminal – garantias da indemnização”, in BMJ, n.º 91; Figueiredo Dias, “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal”, Almedina, 1966 - artigo publicado no vol. XVI do suplemento do Bol. da Fac. de Dir. da Univ. de Coimbra).
No art.º 72.º do CPP preveem-se exceções ao referido princípio:
(…).
Estão em causa situações em que por razões não imputáveis ao lesado a responsabilidade civil do arguido não foi apreciada (alíneas b) e e)), ou a tramitação processual civil é mais adequada do que a processual penal (alíneas g) e h)), ou a demora do processo penal põe em crise o interesse do lesado num rápido ressarcimento (alínea a)), ou há superveniência de danos (alínea d)), ou o litígio respeita igualmente a terceiros que não o arguido e o lesado/ofendido (alínea f)), ou o lesado não foi devidamente informado da possibilidade/ónus de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer (alínea i)).”.[4]
Regressando ao caso vertente, temos que a previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 72.º reporta-se, em especial, à hipótese em que, ao tempo da acusação, não houver ainda danos, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão, sendo certo que o apelante não alegou oportunamente esta excepção, apenas a vindo fazer em resposta à excepção dilatória aduzida pelo Réu.
Nessa resposta, o A. limitou-se a afirmar que "O Autor entende que as excepções invocadas pelo Réu CC não são passíveis de ter procedência, uma vez que existem na lei excepções ao princípio da adesão do pedido civil do processo-crime, no caso em concreto, o facto de à data de acusação, não se encontrarem ainda conhecidos a extensão dos danos e o facto de que também não havia certezas quanto aos AA. do crime em questão, motivo pelo qual o Autor não deduziu o seu pedido naqueles autos. (...) No nosso entender está mais do que provado o prejuízo causado ao Autor com a perda dos animais que os arguidos foram condenados por se terem apropriado. Para além de todo o prejuízo que o Autor teve nos processos, deslocações que fez, para não falar que o Autor ainda hoje continua com a ilusão de que poderia vir a encontrar os seus animais, o que lhe tem tirado muitas horas de sono e lhe tem dado muita preocupação. (...).
Ora, o pedido de indemnização civil em processo penal deve ser deduzido no prazo de 20 dias após a notificação da acusação ao lesado que tiver manifestado a intenção de deduzir pedido – n.º 2 do art.º 77.º do CPP – ou ao arguido - n.º 3 do mesmo preceito.
Se é certo que, na data do recebimento do cheque, o A. não podia saber que estava perante um cheque sem provisão, o certo é que a eventual recuperação de algum dos animais vendidos sempre poderia ser considerada no cálculo da correspondente indemnização a atribuir ao lesado.
Acresce que a eventual persistência dos danos de índole não patrimonial e, bem assim, a contínua realização de deslocações pelo país não se confundem com o desconhecimento dos danos ou da sua extensão[5].
Por isso, a mera circunstância de estarmos em presença, no momento da dedução da acusação, de danos qualificáveis como futuros não integra a referida excepção ao princípio da adesão, pois tal equivaleria a esvaziar de sentido a previsão do art.º 72.º do CPP.
Por fim, há a notar que o facto de o A. ter passado a intervir como assistente em 23 de Abril de 2014 em nada releva neste contexto, já que a aquisição desse estatuto processual é dispensável para a dedução de pedido de indemnização civil no processo penal (cfr. n.º 1 do art.º 74.º do CPP). Aliás, tendo o A. requerido, como alega, a sua constituição como assistente apenas 2 dias após a notificação da acusação (que, segundo afirma nas alegações, ocorreu em 14 de Janeiro de 2014), mal se percebe que não tenha usado a devida diligência para, simultaneamente, deduzir o pedido de indemnização civil no processo.
Por fim, sempre se dirá que, sendo certo, pelas razões acima aduzidas, que não cabia ao tribunal recorrido conhecer, nomeadamente da excepção prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 72.º, a verdade é que, ao contrário do que o apelante alega, os aqui RR. foram condenados pela prática de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento, sendo que tais crimes têm natureza pública – e não natureza semi-pública ou particular -, pelo que, também por essa razão, faleceria o que, agora, o apelante vem invocar, indevidamente, em sede de recurso.
Destarte, nada há a censurar ao despacho recorrido, improcedendo todas as conclusões recursórias.
As custas serão suportadas, porque vencido, pelo apelante (n.º 1 do art.º 527.º do CPC). Sumário
I.O princípio da adesão (art.º 71.º do CPP) da responsabilidade civil à responsabilidade criminal justifica-se essencialmente por razões de economia processual – dirime-se, no mesmo processo, as questões atinentes à prática do facto tipificado como ilícito criminal, às suas consequências jurídico-criminais e, no mesmo passo, à responsabilização civilística do lesante, permitindo assim uma prespectiva global do acontecimento – e para evitar a contradição entre decisões, sempre tida como danosa do prisma da imagem da Justiça.
II. A lei concede ao lesado a opção de dedução em separado do pedido de indemnização, em determinados casos tipificados na lei.
III. A previsão da al. d) do n.º 1 do art.º 72.º reporta-se, em especial, à hipótese em que, ao tempo da acusação, não houver ainda danos, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão.
IV. A eventual persistência dos danos de índole não patrimonial e, bem assim, a contínua realização de deslocações pelo país não se confundem com o desconhecimento dos danos ou da sua extensão.
V. Por isso, a mera circunstância de estarmos em presença, no momento da dedução da acusação, de danos qualificáveis como futuros não integra a referida excepção ao princípio da adesão, pois tal equivaleria a esvaziar de sentido a previsão do art.º 72.º do CPP.
IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo apelante.
Registe.
Notifique.
Évora, 11 de Julho de 2019
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)
__________________________________________________
[1] A este respeito, vide,. PAULO RAMOS DE FARIA e ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo CPC, I, pp. 554 e 556
[2] Neste sentido, vide o Ac. do STJ de 20.01.2010, proferido no proc. n.º 201/06.8TBFTR.E1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[3] Assim Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, I, Rei dos Livros, pp. 378 e, entre outros, o Ac. do STJ de 22.11.2018, proferido no proc. n.º 199/17.7T8TCS.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[4] Ac. da RL de 19.12.2018, proferido no proc. n.º 9918/15.5T8LRS.L1-2, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Assim, o último aresto do STJ supra citado