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SUBARRENDAMENTO
INEFICÁCIA
INVALIDADE DO NEGÓCIO
RENDA
IVA
Sumário
1. Provando-se que a Autora, na qualidade de arrendatária de um armazém, celebrou com a Ré um acordo denominado “Contrato de Cedência de Espaço Comercial”, no âmbito do qual lhe cedeu esse imóvel, com destino a armazenar, fabricar, e comercializar produtos de decoração e adereços da Ré, mediante o pagamento mensal de € 800,00, constando desse contrato que a Autora “é arrendatária desse espaço, nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD – Sociedade de Transportes, Lda., e está devidamente autorizada pela referida proprietária e locadora”, estamos perante um típico contrato de subarrendamento, que tem a sua fonte estabelecida na sublocação prevista no art.º 1060.º do C. Civil e a sua regulação nos seus artigos 1088.º a 1090.º 2. Invocada pela Ré a exceção de nulidade do contrato, por ausência de legitimidade da Autora, competia-lhe, de acordo com o ónus da prova, demonstrar esse facto impeditivo – art.º 342.º/2 do C. Civil. 3. A celebração de contrato de subarrendamento por quem não tem legitimidade para o celebrar não deixa de ser válido entre as partes contratantes, sendo apenas considerado ineficaz em relação ao proprietário ou aos restantes contitulares do imóvel. 4. Não pode ser exigida à Ré a taxa de 23% de IVA sobre o montante da renda mensal acordada pelo gozo do imóvel, tendo em conta o disposto no art.º 9.º, n.º29, do CIVA, que considera isenta de imposto a locação de bens imóveis, excetuando expressamente as hipótese aí mencionadas, o que não é manifestamente o caso.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora
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I. Relatório. BB-Unipessoal, Lda., instaurou procedimento injuntivo contra CC, Lda., destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária, pedindo a condenação desta no pagamento de €5.020,18, sendo €4.797,00 de capital, €172,18 de juros e €51,00 de taxa de justiça.
Para o efeito alegou ser arrendatária do espaço identificado como armazém n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, em 01 de agosto de 2013 celebrou com a R. um contrato de cedência de espaço comercial, através do qual lhe cedeu o referido armazém, pelo valor de €800,00. Posteriormente, por acordo verbal, disponibilizou à R. duas partes do espaço de outro armazém, pela quantia de €150,00 e €100,00. A R. começou a utilizar o espaço exterior, tendo as partes acordado o pagamento de €150,00 mensais, mais IVA.
Porém, em 03.04.2017, a R. denunciou o contrato, com efeitos imediatos, ficando por pagar rendas de março a abril de 2017 e maio de 2017 dos armazéns cedidos, e do parqueamento exterior entre maio de 2016 e abril de 2017.
Citada, a Ré deduziu oposição, invocando o uso indevido do processo de injunção e a nulidade do arrendamento à Autora, por falta de legitimidade do locador, sendo também nulo o contrato de cedência de espaço, celebrado com a R., também por falta de legitimidade negocial da cedente, aqui Autora.
Mais alegou que pagou à A. a totalidade das quantias mensais vencidas até março de 2017 pela utilização dos espaços cedidos e que após ter denunciado o contrato, sem cumprimento do prazo de pré-aviso, foi-lhe impedida a entrada nas instalações.
Os autos foram distribuídos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias regulada no Decreto-Lei n.º 269/98, de 01.09.
Realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença, cujo dispositivo se transcreve: “Em face do exposto, julgo a presente ação, parcialmente procedente, por provada, e em consequência: » Julgo improcedente a exceção de nulidade dos contratos celebrados. » Condeno a R. CC, Lda. a pagar à A. BB – Unipessoal, Lda., a quantia total de €2.767,50, referente às faturas constantes do ponto L alíneas a) a g) da matéria de facto provada, acrescendo ao valor de cada uma destas faturas, juros, à taxa legal dos juros civis, desde a respetiva data de vencimento e até efetivo e integral pagamento, fixando-se os vencidos até à data de entrada do requerimento de injunção, em € 52,73. » Absolvo a R. da demais quantia peticionada”.
Inconformada com esta sentença veio a Ré interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1 - A Autora fez constar no contrato, celebrado com a Ré, que é arrendatária do espaço que é um armazém, identificado com o n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, descrito na Conservatória do Registo Predial de B… sob o n.º 1869 da freguesia de B…, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 6674º, nos termos de contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD - Sociedade de Transportes, Lda.
2 - Foi nesse pressuposto que a Ré se dispôs a celebrar com a Autora o contrato que ambas as partes qualificaram como um contrato de cedência de espaço comercial.
3 - Foi julgado não provado que a A. fosse arrendatária do espaço que, contratualmente cedeu à Ré.
4 - E foi julgado provado que a proprietária do imóvel é a EE – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto e não a DD.
5 - A Sentença recorrida qualifica o contrato celebrado entre a Autora e a Ré, não como um contrato de cedência de espaço comercial, mas sim como um contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
6 - Não obstante ter julgado não provado que a A. fosse arrendatária do imóvel e a DD, Lda., fosse sua proprietária, a sentença recorrida considera que “daqui não se retira que a A. não tinha legitimidade para dar de arrendamento à R os armazéns”.
7 - A legitimidade negocial para dar de arrendamento cabe aquele que puder dispor de uso e fruição do imóvel: o proprietário (art.º 1605º do C. Civil); o fiduciário (art.º 229º, n.º 1 do C. Civil), o enfiteuta (art.º 1501º, al. a) do C. Civil); o usufrutuário (art.º 1446º do C. Civil) e àquele que for administrador do bem a arrendar.
8 - A Autora não alega e a douta Sentença recorrida não julgou provada qualquer uma destas qualidades.
9 - A considerar-se que o contrato celebrado entre a Autora e a Ré configura um contrato de arrendamento é, portanto, manifesto que se trata de um arrendamento de coisa alheia.
10 - A douta sentença recorrida não deu como provado qualquer circunstancialismo que levasse a concluir que a Autora tinha legitimidade para proporcionar o gozo do imóvel à Ré.
11 - Tal legitimidade assistir-lhe-ia se a A. se encontrasse na posse ou detenção do imóvel, ou se o proprietário lhe conferisse autorização para isso.
12 - A Autora alegou que estava na posse ou detenção do imóvel porque este lhe tinha sido arrendado pela proprietária, a sociedade DD.
13 - Sucede que a alegada qualidade de arrendatária por parte da A. foi julgada não provada.
14 - Tal como não resultou provado que o proprietário do imóvel fosse a DD.
15 - Não se apurou (a sentença recorrida afirma que se desconhece) qual a relação contratual existente entre a DD e a Autora.
16 - Resultou provado que a proprietária do imóvel era a EE (que não deu autorização à Autora para esta arrendar).
17 - Não se vislumbra, pelo exposto, com que fundamento a sentença recorrida considera que “a A. tinha o direito de dispor do gozo da coisa e usou deste direito, dando de arrendamento os armazéns à R”.
18 - A considerar-se que o contrato celebrado entre a A. e a Ré configura um contrato de arrendamento de bem alheio, tal contrato é nulo por falta de legitimidade da Ré.
19 - E a sua convalidação exigiria que esta adquirisse o direito com base no qual pudesse dispor dos armazéns (de propriedade, de usufruto, etc.).
20 - O que não sucedeu.
21 - E assim sendo, não assistindo à Autora o direito de dar o imóvel de arrendamento, não estava a Ré obrigada a pagar renda.
22 - A Autora cobrou à Ré as quantias de IVA que acrescia ao pagamento da retribuição mensal, nos termos do contrato celebrado.
23 - A locação de bens imóveis não está sujeita ao pagamento de IVA, nos termos do disposto no artigo 9º, alínea 29 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (por outro lado, quando a cedência de espaço num imóvel ou parte do imóvel se configura como um mero arrendamento, a entidade devedora dos rendimentos deve efetuar uma retenção de 25%, aquando do pagamento das rendas o que não sucedeu no caso em apreço).
24 - A ser confirmada a sentença recorrida, à Ré assistirá o Direito de exigir da Autora a devolução da totalidade das quantias de IVA que lhe foram entregues durante a vigência do contrato.
25 - Sendo que relativamente às quantias que a sentença recorrida considera devidas, havia que, desde já, deduzir as importâncias relativas ao IVA.
26 - O contrato celebrado entre a Autora e a Ré é, tal como as partes o configuraram, um contrato de cedência de espaço comercial.
27 - Tal contrato é nulo por falta de legitimidade negocial da cedente, ora recorrida, face à matéria dada como provada.
28 - E assim sendo, não assistindo à Autora o direito de ceder a utilização dos imóveis, não estava a Ré obrigada a pagar- lhe renda.
Caso assim não se entenda,
29 - O contrato de cedência de espaço comercial é um contrato atípico, inominado, diverso de um contrato de arrendamento.
30 - É, portanto, um contrato regulado “prima facie” pelo conteúdo contratual estipulado pelas partes, desde que não viole normas imperativas, sendo-lhe aplicáveis as regras gerais relativas aos contratos.
31 - O contrato de cedência de espaço comercial pode extinguir-se com fundamento na ocorrência de justa causa que torne inexigível a manutenção do vínculo contratual.
32 - Resultou provado que a recorrida impediu o acesso da recorrente aos armazéns, colocando um cadeado no portão de acesso à propriedade.
33 - Constitui justa causa para a resolução de um contrato “qualquer circunstância, facto ou situação em face do qual, e segundo a boa-fé, não exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correção e lealdade” (Batista Machado, in Pressupostos da Resolução Por Incumprimento).
34 - Resultou provado que, por correio eletrónico datado de 02 de abril de 2017, a Autora comunicou à Ré que “(…) salvaguardada à liquidação das n/faturas, é-lhe condicionado os acessos aos espaços cedidos, ocupados pelos v/artigos depositados na Rua Azinhaga do C…, Armazém n.º 2, B…”.
35 - Ora, conforme resultou provado, não existiam faturas a pagar à data de 02 de abril.
36 - Assistia, portanto, à recorrente o direito de resolver o contrato de cedência de espaço.
37 - A resolução do contrato foi comunicada à recorrida (F dos factos provados).
38 - Tal comunicação não tinha que ser efetuada por carta registada, nos termos do disposto no art.º 9.º do NRAU, por não se tratar de um contrato de arrendamento.
39 - Consequentemente, a resolução foi validamente exercida.
40 - E não obsta à resolução do contrato o facto de a Ré, ora recorrente, ter comunicado à Autora, por carta registada, datada de 21 de março de 2017, que iria “proceder à saída das instalações”.
41 - Tal comunicação configura uma denúncia do contrato, sem indicação da data em que a denúncia opera os seus efeitos.
42 - Nada permite concluir que, com tal comunicação, a Ré fez cessar o contrato de imediato.
43 - E não faria qualquer sentido que fosse essa a sua intenção porquanto havia que proceder à retirada de todo o material e à entrega do espaço cedido devoluto de pessoas e bens, o que ainda não tinha acontecido à data em que a Autora impediu o acesso da Ré aos armazéns.
44 - A comunicação efetuada pela Ré de que “iria proceder à saída” das instalações tem que ser entendida como a comunicação de que a cessação do contrato operaria os seus efeitos logo que ela, Ré, procedesse à entrega do espaço cedido, devoluto de pessoas e bens.
45 - E foi, nesta conformidade que a Ré assumiu, em sede de oposição, que ainda que tal viesse a acontecer antes de 21 de junho de 2017 haveria que pagar as contrapartidas mensais devidas, nos termos do disposto no n.º 2 da Cláusula Quinta do contrato.
46 - Sendo a resolução negocial efetuada por simples declaração à parte contrária, nos termos prescritos no art.º 436º, nº 1 do C. Civil, não carece de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial. Ela torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, como é característico das declarações negociais recetícias ou recipiendas (artº 224º, nº 1 do C. Civil).
47 – A declaração resolutória determina a cessação do vínculo se não for impugnada pela contraparte.
46 – A sentença recorrida violou as normas dos art.ºs 405.º, n.º 1, 432.º, n.º 1, 436.º, n.º 1, 219.º, n.º 1, 224.º, n.º 1, do Código Civil, 607.º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Civil e 9º, alínea 29 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que, configurando o contrato celebrado entre a Autora e a Ré como um contrato de cedência de espaço comercial, julgue procedente a exceção de nulidade do contrato por falta de legitimidade negocial da Autora e absolva a Ré do pedido, e, caso assim não se entenda, decrete que a declaração resolutória comunicada pela Ré à Autora determinou a cessação do vínculo contratual e, consequentemente julgue a ação improcedente por não provada e a Ré absolvida do pedido.
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A Autora contra alegou, defendendo a bondade da decisão recorrida e pugnando pela sua manutenção e consequente improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Validade do contrato celebrado entre Autora e Ré.
c) Se a Autora tem direito à quantia determinada na sentença recorrida.
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III.Fundamentação fáctico-jurídica. 1. Matéria de facto.
A matéria de facto a considerar, que não foi impugnada, é a seguinte:
A. A autora é uma sociedade comercial, cujo objeto social é a aquisição de marcas e patentes, agenciamento de trânsitos, despachos e seguros, transportes nacionais e internacionais, armazenamentos gerais.
B. Por escrito particular celebrado no dia 01 de agosto de 2013, a A., na qualidade de cedente (primeira contratante) celebrou com a R., na qualidade de cessionária, (segunda contratante) um acordo denominado “Contrato de Cedência de Espaço Comercial”, subordinado às cláusulas seguintes: “(…) Cláusula Primeira A primeira contratante é arrendatária do espaço que é um armazém identificado com o n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, descrito na Conservatória do Registo Comercial de B…, sob o n.º 1869 da freguesia de B…, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 6674.º, nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD – Sociedade de Transportes, Lda., com o NIPC …. Cláusula Segunda Pelo presente contrato a primeira contratante, devidamente autorizada pela referida proprietária e locadora, cede à segunda contratante a utilização do armazém identificado na cláusula anterior com inclusão das racks (estruturas metálicas), bem como de móvel de casa de banho, de todo o sistema de iluminação e três extintores. Cláusula Terceira O espaço objeto deste contrato destina-se a armazenar, fabricar, e comercializar produtos de decoração e adereços de Segunda Contratante. Cláusula Quarta O presente contrato, que tem início no dia 1 de agosto de 2013, é celebrado pelo período de 1 (um) ano e renovar-se-á por iguais períodos se nenhuma das partes se opuser à sua renovação. Cláusula Quinta (…) 2 – A segunda contratante pode denunciar o contrato, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar à primeira contratante, com a antecedência mínima de 3 meses sobre a data em que pretende que a denúncia produza efeitos (..) Cláusula Sexta 1- Como contrapartida da utilização do espaço cedido a segunda contratante pagará, mensalmente, até ao dia 8 (oito) do mês anterior àquele a que disser respeito, a quantia mensal de 800€ (oitocentos euros) a que acresce IVA, à taxa legal. (…) ”
C. Posteriormente, em virtude do espaço cedido se ter mostrado diminuto para o fim pretendido, por acordo verbal entre as partes, a A. disponibilizou à R., duas partes do espaço de um armazém, designado por armazém n.º 1, sito no mesmo imóvel.
D. Mais acordaram que, como contraprestação, a R. pagaria mensalmente as quantias de €150,00 (parte do armazém n.º 1), e €100,00 (outra parte do mesmo armazém), acrescida de Iva à taxa legal.
E. A R. começou a utilizar o espaço exterior para depósito do material.
F. A 03.04.2017, a R. enviou um e-mail à A. com o seguinte teor: “Em 01 de agosto de 2013, celebrámos com essa empresa o Contrato de Cedência de Espaço Comercial (…). No passado dia 2-4-2017, recebi via e-mail, a v/comunicação de que estava condicionada o acesso às instalações à CC Lda. Hoje, dia 03 de abril de 2017, quando me dirigi ao referido armazém, vi-me impedido de aceder ao mesmo, em virtude de ter sido colocado um novo cadeado no portão de acesso e que foi transmitido pelo Guarda, que vedado o acesso à CC Lda. Esta situação, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível a manutenção do contrato. Nesta conformidade, declaro resolvido o contrato que celebrámos e reservo-me o direito de exigir indemnização pelos avultados danos patrimoniais, decorrentes da v/inaceitável conduta.”
G. Foram emitidas pela A. à R. as faturas com o seguinte descritivo:
a) Fatura n.º 889, emitida e vencida em 06.03.2017, Armazém n.º 1, lado direito, período 01.03.2017 a 31.03.2017, valor €150,00, mais 23% de Iva, total €184,50;
b) Fatura n.º 907, emitida e vencida em 03.04.2017, Armazém n.º 1, lado direito, período 01.04.2017 a 30.04.2017, valor €150,00, mais 23% de Iva, total €184,50;
c) Fatura n.º 908, emitida e vencida em 03.04.2017, Armazém n.º 1, lado esquerdo, período 01.04.2017 a 30.04.2017, valor €100,00, mais 23% de Iva, total €123,00;
d) Fatura n.º 906, emitida e vencida em 03.04.2017, Armazém n.º 2, período 01.04.2017 a 30.04.2017, valor €800,00, mais 23% de Iva, total €984,00;
e) Fatura n.º 935, emitida e vencida em 03.05.2017, Armazém n.º 1, lado direito período 01.05.2017 a 31.05.2017, valor €150,00, mais 23% de Iva, total €184,50;
f) Fatura n.º 936, emitida e vencida em 03.05.2017, Armazém n.º 1, lado esquerdo período 01.05.2017 a 31.05.2017, valor €100,00, mais 23% de Iva, total €123,00;
g) Fatura n.º 937, emitida e vencida em 03.05.2017, Armazém n.º 2, período 01.05.2017 a 31.05.2017, valor €800,00, mais 23% de Iva, total €984,00;
h) Fatura n.º 899, emitida e vencida em 10.03.2017, Espaços outdoor ocupados Período compreendido entre 1 de maio de 2016 a 1 de abril de 2017, no valor unitário de €150,00, total de €1.650,00, mais Iva €2.029,50.
H. Apesar de várias vezes instada a liquidar os montantes em divida, a R. até ao momento, nada pagou.
I. A proprietária do imóvel é a EE – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, e não a DD.
J. Por carta registada, dirigida à A., em 21 de março de 2017, sob o assunto: “Rescisão de contrato de arrendamento”, a R. comunicou o seguinte: “ Serve a presente para informar V. Exas. de que, no estrito cumprimento do estipulado no contrato de arrendamento mantido com a v/ empresa tendo por objeto o Armazém n.º 2 sito na Azinhaga do C…, freguesia e concelho de B…, iremos proceder à saída das instalações.”
L. Em 02 de abril de 2017, a ora R. recebeu via e-mail, a seguinte comunicação da legal representante da requerente BB: “ Exmo. Senhor, Salvaguardando a liquidação das N/faturas, é-lhes condicionado os acessos aos espaços cedidos, ocupados pelos V/artigos depositados na Rua Azinhaga do C… Armazém n.º 2, B…. Igualmente foi participado ao Sr. Fernando P…, legal representante da DD Sociedade de Transportes Lda.”
M. No dia anterior, a ora R. recebeu um e-mail do legal representante da DD, comunicando que o acesso às instalações que lhe foram cedidas “ estará condicionado a marcação prévia do dia e hora com o gerente da DD”.
N. No dia 03 de abril o representante da R., José M…, dirigiu-se ao portão de acesso à propriedade, e verificou que tinha sido colocado um novo cadeado.
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2. Foram dados como não provados os factos seguintes:
1. A A. é arrendatária do espaço que é um armazém identificado com o n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, descrito na Conservatória do Registo Comercial de B…, sob o n.º 1869 da freguesia de B…, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 6674.º, nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD – Sociedade de Transportes, Lda.
2. Pelo referido em E, acordaram as partes, uma vez que tal não estava contratado, o pagamento mensal de €150,00, acrescido de Iva à taxa legal, por tal utilização.
3. A R. pagou à A. a totalidade das quantias mensais vencidas até março de 2017.
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3. O Direito.
3.1. Validade do contrato.
A recorrente defende a nulidade do contrato de arrendamento, por falta de legitimidade da Autora, já que não ficou provado ser arrendatária dos locados e a legitimidade negocial para dar de arrendamento cabe aquele que puder dispor de uso e fruição do imóvel: o proprietário (art.º 1605º do C. Civil); o fiduciário (art.º 229º, n.º 1 do C. Civil), o enfiteuta (art.º 1501º, al. a) do C. Civil); o usufrutuário (art.º 1446º do C. Civil) e àquele que for administrador do bem a arrendar, qualidades que a Autora não provou possuir.
Por isso, sustenta que o contrato celebrado entre a Autora e a Ré configura um contrato de arrendamento de coisa alheia.
Na sentença, sobre a invocada nulidade do contrato celebrado entre as partes, consignou-se:
“Face ao seu conteúdo, o que o caracteriza é a cedência do gozo e fruição de um armazém, durante um determinado prazo, e mediante o pagamento de uma determinada renda. Armazém destinado a armazenar, fabricar e comercializar produtos de decoração e adereços da R. Esta caracterização leva-nos a concluir que, apesar de ter sido apelidado como contrato de cedência de espaço comercial, estamos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais. A propósito, dispõe o art.º 1022.º do CC que: “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” Diz-se arrendamento, quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel. – cf. art.º 1023.º do CC. A referida cedência começou por recair sobre um armazém, pelo valor de €800,00, mais Iva, e posteriormente, passou a incluir, dois espaços de outro armazém, o armazém n.º 1, pelo valor de €150,00 e €100,00, mais Iva – cf. ponto C e D. A propósito da legitimidade para dar bens em locação, escreve António Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, XI, Contratos em Especial, I.ª parte:“ Tecnicamente, o locador é legítimo se tiver, ele próprio, o tipo de uso e de fruição que vai proporcionar ao locatário e se puder, legalmente, dispor dele. O direito do locador opera como o direito-base da posição do locatário: não pode ficar aquém deste. (…) A legitimidade para dar em locação afere-se não por qualidades do locador, mas pela sua posição em face da coisa (…)”– pág. 690 Assim, a legitimidade para dar de arrendamento consiste, pois, numa qualidade do sujeito jurídico, aferida de acordo com a posição do mesmo numa situação concreta, divergindo, desta feita, da capacidade. Em regra, quem tem legitimidade para dar de arrendamento é quem detém o direito de dispor do gozo da coisa ou quem, não tendo esse direito, está investido em poderes de representação sobre a disposição do gozo dessa coisa. Cumpre realçar que, nos termos do n.º 1 do art.º 1024.º do CC, a locação constitui, para o locador, um ato de administração ordinária, excerto quando for celebrada por prazo superior a 6 anos. Assim, nos casos em que a locação, ou o arrendamento, tiver um prazo igual ou inferior a seis anos, terão legitimidade para locar, ou dar de arrendamento, todos aqueles que detêm poderes de administração sobre a coisa, nomeadamente as pessoas acima enumeradas. No caso concreto, a alegada qualidade de arrendatário por parte da A., que aliás fez constar também do aludido contrato celebrado, não resultou provada, tal como não resultou provado que a DD era a proprietária do imóvel. Aliás, a propósito, provou-se que, a proprietária do imóvel é a EE – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto cf. ponto I. Porém, contrariamente ao alegado pela R., daqui não se retira que a A. não tinha legitimidade para dar de arrendamento à R. os armazéns. Assim é, pelo seguinte: A R. utilizou os armazéns de 2013 até 2017, e só saiu dos mesmos porque cessou o contrato. Tal significa que, sendo ou não arrendatária do imóvel, a verdade é que, a A. tinha, o direito de dispor do gozo da coisa, e usou deste direito, dando de arrendamento os armazéns à R. Arrendamento que, se concretizou, com a efetiva utilização pela R. dos imóveis. Desconhecemos, qual a relação contratual existente entre a DD e a A.. No entanto, também não resultou provado qualquer facto que nos leve a concluir pela nulidade da mesma. Existindo o referido direito por parte da A., que se efetivou, entendemos não se encontrar o contrato celebrado, ferido de nulidade”- fim de citação.
Ora, perante a factualidade apurada, apenas não se concorda com a decisão recorrida quanto à qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, na medida em que temos por seguro tratar-se de um contrato de subarrendamento para fins não habitacionais e não de arrendamento, tendo presente o disposto nos art.ºs 1060.º, 1061.º e 1088.º do C. Civil.
Com efeito, flui dos factos assentes que por escrito particular celebrado no dia 01 de agosto de 2013, a Autora, na qualidade de cedente e arrendatária, celebrou com a Ré um acordo denominado “Contrato de Cedência de Espaço Comercial”, no âmbito do qual cedeu-lhe o “espaço que é um armazém identificado com o n.º2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, descrito na Conservatória do Registo Comercial de B…, sob o n.º 1869 da freguesia de B…, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 6674.º”, com destino a armazenar, fabricar, e comercializar produtos de decoração e adereços da Ré (Segunda Contratante), com inclusão das racks (estruturas metálicas), bem como de móvel de casa de banho, de todo o sistema de iluminação e três extintores, mediante o pagamento mensalmente, até ao dia 8 (oito) do mês anterior àquele a que disser respeito, da quantia de 800€ (oitocentos euros) a que acresce IVA, à taxa legal.
Mais se refere nesse contrato que a Autora é arrendatária desse espaço, nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD – Sociedade de Transportes, Lda., e que está devidamente autorizada pela referida proprietária e locadora.
O aludido contrato teve o seu início em 1 de agosto de 2013, foi celebrado pelo período de 1 (um) ano, renovando-se por iguais períodos se nenhuma das partes se opuser à sua renovação.
Assim, a Autora cedeu à Ré a utilização desse armazém, para os fins indicados e mediante o pagamento da referida renda mensal, na qualidade de arrendatária desse espaço e invocando a respetiva autorização do senhorio.
Donde, não se trata de um contrato de arrendamento, mas de subarrendamento (o tribunal não está, no que à qualificação jurídica respeita, às alegações das partes – art.º 5.º/3 do CPC).
O contrato de subarrendamento tem a sua fonte estabelecida na sublocação prevista no art.º 1060.º do C. Civil e vem regulado nos seus artigos 1088.º a 1090.º.
Nos termos do art.º 1060.º “A locação diz-se “sublocação”, quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo”.
O subarrendamento pode ser total ou parcial e “consiste num subcontrato, já que, tendo por base um anterior contrato de locação em que é arrendatário, o sublocador celebra um novo contrato de arrendamento com pessoa diferente (o subarrendatário), contrato esse que se sobrepõe ao anterior, mas que dele fica dependente e portanto a ele se subordina” – cf. Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, Almedina, 2017, 8.ª Edição, pág. 120.
Trata-se, pois, não de uma cedência (total ou parcial) do direito ao arrendamento, mas sim de cedência (total ou parcial) do gozo do imóvel, ou seja, “através do contrato de subarrendamento o arrendatário proporciona a outrem o gozo total ou parcial do imóvel por si tomado de arrendamento” – cf. Maria Olinda Garcia, “Arrendamentos Para Comércio e Fins Equiparados”, Coimbra Editora, 2006, pág. 162.
Reafirma a recorrente que este contrato é nulo, por falta de legitimidade da Autora, pois não se provou ser “ arrendatária do espaço que é um armazém identificado com o n.º 2, localizado no prédio sito na Azinhaga do C…, descrito na Conservatória do Registo Comercial de B…, sob o n.º 1869 da freguesia de B…, inscrito na matriz urbana da referida freguesia sob o artigo 6674.º, nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD – Sociedade de Transportes, Lda.”.
Todavia, o facto de essa factologia constar dos factos não provados, não se pode extrair o facto contrário, ou seja, que se provou que a Autora não era arrendatária desse espaço.
A não demonstração dessa realidade não permite afirmar que a Autora não detivesse a qualidade de arrendatária desse espaço, mas tão-somente que não se provou essa qualidade.
Daí se concluir pela validade do contrato de subarrendamento, como se entendeu na sentença recorrida, salvo na parte que que o qualificou como contrato de arrendamento.
Na verdade, invocada pela Ré essa exceção (nulidade do contrato por ausência de legitimidade da Autora) competia-lhe, de acordo com o ónus da prova, demonstrar esse facto impeditivo – art.º 342.º/2 do C. Civil.
E não o tendo feito, a única conclusão legítima a extrair dos factos positivos é o da sua validade.
Mas ainda que assim não fosse, sempre o contrato em causa seria válido e eficaz entre as partes.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3.ª Edição, pág. 367, decorre do n.º1 do art.º 1024.º, “por via indireta, a determinação das pessoas que têm legitimidade para conceder a outrem o gozo temporário e retribuído de uma coisa”.
É o caso, nomeadamente, do proprietário (art.º 1305.º do CC); do comproprietário (art.º 1405.º/1 do CC); do usufrutuário ((art.º 1446.º do CC); e do arrendatário ( art.º 1088.º do CC).
Como enuncia Maria Olinda Garcia, ob. cit. pág. 20, “Os arrendamentos celebrados por quem não tem qualquer direito respeitante ao imóvel, bem como por quem tem apenas direito a parte dele, suscitam o problema da respetiva validade”, sendo que para além dos arrendamentos previstos no art.º 1682.º-A/1, al. a) e n.º2, sancionado pelo art.º 1687.º, e art.º 1024.º/2, do C. Civil, “não existe norma que expressamente preveja, para os restantes hipóteses, a consequência da ilegitimidade para dar de arrendamento”.
E sobre a concreta questão se saber se no caso de arrendamento de coisa alheia, ou seja, nos casos em que o locador não tem qualquer direito respeitante ao imóvel, nem poderes de administração, dando-o de arrendamento como se fosse titular desses poderes de disposição, se se deve considerar esse contrato como nulo por falta de legitimidade do locador, ou antes ser considerado válido, a Autora sublinha que a Doutrina está dividida, defendendo uns a sua validade e outros a sua invalidade – ibidem pág. 27.
No sentido da sua validade, com os argumentos de que “assumindo o contrato de arrendamento uma natureza de contrato consensual, para cuja formação se torna necessária a entrega do prédio, e assumindo também a natureza de um contrato obrigacional, a disposição de coisa alheia através da locação não é nula nem sequer anulável:é antes perfeitamente válida”, pronunciou-se Januário Gomes, “Constituição da Relação de Arrendamento Urbano”, pág. 287 [1].
Para a Autora citada, a tese da validade do contrato de arrendamento de coisa alheia pode ser vista como a solução destinada a servir os interesses do arrendatário na manutenção do arrendamento e consequente estabilidade no gozo do imóvel, ao passo que a tese da nulidade seria entendida como aquela que beneficia o proprietário ou outro sujeito legitimado a dar de arrendamento, afirmando que que a tese da validade do contrato não protege mais o arrendatário do que a tese da nulidade.
E conclui, pese embora não tome posição expressa sobre o tema, que “Defendendo-se a tese da validade inter partes do contrato celebrado por quem não tinha legitimidade para dar de arrendamento, sempre esse contrato é ineficaz relativamente ao titular do imóvel (…)”.
Henrique Mesquita (RLJ ano 125, pág.100, nota 1) defende a legitimidade do arrendamento de coisa alheia, com base em dois tópicos argumentativos: a natureza obrigacional do contrato e o regime inscrito no art.1034.º, nº1, al. a), do C. Civil. E acrescenta, “ (…) se o contrato de locação de coisa alheia pode originar a sujeição do locador aos efeitos do não cumprimento, isso significa inquestionavelmente que se considera válido o contrato. O locador não pode eximir-se ao cumprimento da obrigação de entrega da coisa locada com fundamento em que esta lhe não pertence e responderá pelos danos que causar ao locatário se culposamente a não cumprir “.
Assim também se pronuncia Menezes Leitão, ob. cit. pág. 67, ao escrever: “No caso de ser celebrado um arrendamento por quem não tem legitimidade para o celebrar, o mesmo não deve, porém, ser considerado inválido mas apenas ineficaz em relação ao proprietário ou aos restantes contitulares do imóvel. Efetivamente, e apesar do que refere o art.º 1024.º/2 do C. Civil, a questão da validade do contrato coloca-se apenas no plano das relações internas, sendo que em relação aos verdadeiros titulares do imóvel o contrato é ineficaz, podendo estes facilmente obter a restituição do imóvel com este fundamento, através de uma ação de reivindicação. Se tal acontecer, naturalmente que quem arrendou o imóvel responderá por incumprimento perante o arrendatário, como expressamente resulta dos art.ºs 1034.º, n.º1, al. a) e 1032.º.”
Neste sentido se pronunciou o Acórdão do STJ, de 13/03/2003, proc. n.º 03B211 (Araújo Barros), disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler:
“(…) O art. 1024º do C. Civil estabelece, como regra, que a locação constitui, para o locador, um ato de administração ordinária, excerto quando for celebrada por prazo superior a seis anos (nº 1). Prevê, porém, excecionalmente e no que concerne à situação de compropriedade, que o arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só se considera válido quando os restantes comproprietários manifestem, antes ou depois do contrato, o seu assentimento (nº 2). Temos para nós que as diferentes orientações (divergência muito mais conceitual do que prática) acerca da natureza do vício existente nos casos em que, sem o assentimento dos demais comproprietários, o consorte administrador dá de arrendamento um imóvel comum, resultam da dificuldade de análise e conceptualização dos institutos da ineficácia e da invalidade dos negócios jurídicos. A verdade, porém, é que a ineficácia (em sentido amplo) abrange a própria invalidade do negócio, porquanto se pode dizer que "o negócio jurídico é ineficaz quando por qualquer motivo legal não produz todos ou parte dos efeitos que, segundo o conteúdo das declarações de vontade que o integram, tenderia a produzir". Por isso, "a nulidade (invalidade) é também uma forma de ineficácia. A ineficácia é um conceito mais vasto: abrange todas as hipóteses em que, por qualquer motivo, interno ou externo, o negócio jurídico não deva produzir os efeitos a que se dirigia. A nulidade é apenas a ineficácia que procede da falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio. ... Também não é difícil estabelecer o confronto entre a nulidade e a eficácia em sentido restrito: a nulidade pressupõe uma falta ou irregularidade quanto aos elementos internos do negócio; a ineficácia em sentido estrito pressupõe uma falta ou irregularidade de outra natureza … Ora, parece claro que o art. 1024º, nº 2, do C. Civil, quando se afasta da regra de que a locação é mero ato de administração quanto aos arrendamentos por período inferior a seis anos, "não se inspira em razões de interesse ou ordem pública cuja violação importe por si só a nulidade total do ato, antes contém uma norma especial que se destina unicamente a acautelar os direitos dos outros consortes do prédio ... pelo que tal nulidade (quanto a nós ineficácia) não pode ser declarada oficiosamente pelos tribunais”.
Pelo mesmo caminho seguiu o Acórdão do STJ de 14/09/2006, Revista n.º 2274/06, 7.ª, Sumários in www.stj.pt, onde se poder ler: II- Tendo sido celebrado um concreto contrato de arrendamento por quem ao tempo já não era proprietário nem detinha qualquer direito sobre o imóvel (carecendo, pois, de legitimidade ativa), deve considerar-se que não operou a transmissão da posição do locador para o concreto autor reivindicante (art.º 1057.º do CC), sendo certo que este jamais autorizou ou reconheceu a ocupação pelo réu”.
Assim sendo, ainda que se concluísse pela falta de legitimidade da Autora para dar de subarrendamento os mencionados locais, o mesmo seria válido entre as partes, sendo apenas ineficaz em relação ao proprietário ou legítimo titular do direito de gozo e disposição do imóvel.
Aliás, como se sustentou no Acórdão do Tribunal da Relação Lisboa de 13/01/2015, proferido no proc. n.º 1503/12.0TBPDL.L1, consultável em www.dgsi.pt, “Mesmo que se considere nulo o contrato de arrendamento, se houve detenção, ocupação e uso do arrendado, é devido o valor correspondente à utilização da coisa, em geral em montante equivalente à renda acordada”.
É o regime que decorre do art. 289º, nº 1 do C. Civil, em que a nulidade tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
E, assim sendo, como se diz nesse aresto, “deve o senhorio, à partida, restituir, em espécie, a totalidade das rendas recebidas, e a locatária restituir ao senhorio o espaço cujo gozo, em arrendamento, recebeu. Bem como deve, ainda, pagar a parte objetivamente correspondente à sua utilização do prédio, normalmente equivalente à renda acordada”.
Acresce que, tal como é realçado nesse aresto, “A invocação da nulidade do contrato, após a cessação do mesmo e depois de ter usado o local durante algum tempo integra uma situação de abuso do direito”, o qual é do conhecimento oficioso e tem como consequência a “paralisação” da invocação da nulidade docontrato.
Ora, no caso dos autos, como se diz na sentença recorrida, a Recorrente utilizou os armazéns de 2013 até 2017, ou seja, durante 4 anos, pagou as rendas acordadas, e só deixou os locados porque denunciou o contrato, o que significa que gozou e usou os locais cedidos pela Autora (situação que exclui qualquer incumprimento contratual por banda do locador – n.º2 do art.º 1034.º do C. Civil), e apenas invocou a nulidade do contrato após a sua cessação, o que configuraria puro abuso de direito.
E porque a recorrente não demonstrou, como lhe competia (art.º 342.º/2 do C. Civil, ter pago à A. a totalidade das quantias mensais vencidas até março de 2017 ( facto não provado n.º3), está obrigada ao pagamento das rendas devidas até essa data (no valor de €150,00, referente à renda pela ocupação do armazém no mês de março), assim como o valor correspondente às rendas devidas pela denúncia antecipada do contrato.
Na verdade, refere-se na sentença recorrida: “Resultou também provado que, por carta registada, dirigida à A., em 21 de março de 2017, sob o assunto: “Rescisão de contrato de arrendamento”, a R. comunicou o seguinte: “ Serve a presente para informar V. Exas. de que, no estrito cumprimento do estipulado no contrato de arrendamento mantido com a v/ empresa tendo por objeto o Armazém n.º 2 sito na Azinhaga do C…, freguesia e concelho de B…, iremos proceder à saída das instalações.”
…
Recordando, entre as partes foi celebrado um contrato com início em 01 de agosto de 2013, por um ano, renovando-se por períodos de um ano, se nenhuma das partes se opuser a tal renovação. Quanto à denúncia do contrato, acordaram as partes, na cláusula 5.ª que, a aqui R. podia denunciar o contrato, findo o prazo de 6 meses de vigência, a todo o tempo, com antecedência mínima de 3 meses sobre a data em que pretendesse que a denúncia produzisse efeitos.
Consagraram as partes, nesta cláusula, o direito potestativo do arrendatário, de mediante declaração unilateral dirigida ao senhorio, colocar termo ao contrato, após 6 meses de duração efetiva, e sem qualquer fundamento. A propósito desta denúncia, também prevista no art.º 1098.º do CC, explica o Senhor Conselheiro Pinto Furtado, in “Do arrendamento urbano para fins não habitacionais”, publicado na revista O Direito, ano 137, 2005, pág. 399: “designar a manifestação de vontade de cessação do contrato, sem dependência do comportamento da outra parte e sem esperar pelo termo da duração contratual.” No caso, o contrato renovou-se em 1 de agosto de 2014, 2015 e 2016, e iria ocorrer nova renovação em 01 de agosto de 2017. Porém, quase 5 meses antes, a R. remeteu à A. uma comunicação, em 21 de março de 2017, colocando termo ao contrato celebrado. Nesta comunicação, a declaração feita pela R., configura uma declaração de denúncia do contrato de arrendamento, que a própria apelidou de rescisão do contrato, preparando-se assim, para retirar o que era seu, e sair das instalações, referindo, em concreto, iremos proceder à saída das instalações.
Dispõe o art.º 1110.º, n.º 1 do CC que: “1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.” E de acordo com o acordado entre as partes: “ 2 – A segunda contratante pode denunciar o contrato, a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar à primeira contratante, com a antecedência mínima de 3 meses, sobre a data em que pretende que a denúncia produza os efeitos.” – Cláusula quinta do contrato – cf. ponto B.
Releva ainda, o disposto no art.º 1098.º, n.º 6 do CC, nos termos do qual: “A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta.”
Revertendo ao facto provados, com a referida comunicação, remetida em 21 de março de 2017, e não em 3 de abril de 2017, como alegado, a R. denúncia o contrato, assumindo a R., em sede de oposição que, tal comunicação deve ser entendida como “ denúncia do contrato sem, observância do prazo de pré-aviso previsto no n.º 2 da Cláusula Quinta.”
Não obstante o não cumprimento pela R. do prazo de 3 meses de pré-aviso, atento o disposto no art.º 1098.º, n.º 6, o contrato cessa na referida data, ficando ainda assim o arrendatário obrigado ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta” – fim de citação.
Concorda-se, pois, com a antecedente fundamentação, não merecendo censura, salvo no que respeita à qualificação jurídica do contrato, a decisão recorrida, a qual é de manter, assim como se discorda quanto à inclusão, nesses montantes, da taxa de IVA, como se explicitará de seguida.
Com efeito, diz a recorrente que a locação de bens imóveis não está sujeita ao pagamento de IVA, nos termos do disposto no artigo 9º, alínea 29 do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (por outro lado, quando a cedência de espaço num imóvel ou parte do imóvel se configura como um mero arrendamento, a entidade devedora dos rendimentos deve efetuar uma retenção de 25%, aquando do pagamento das rendas o que não sucedeu no caso em apreço).
Nesta parte tem razão a recorrente, tendo em conta o disposto no art.º 9.º, n.º29, do CIVA, que considera isenta de imposto a locação de bens imóveis, excetuando expressamente as hipótese aí mencionadas, o que não é manifestamente o caso.
Donde, não é devida a taxa de 23% de IVA sobre as referidas rendas.
Assim, são devidas as seguintes quantias (rendas respeitantes ao período de pré-aviso):
i. € 150,00 - Fatura n.º 907, emitida e vencida em 03.04.2017, Armazém n.º 1, lado direito, período 01.04.2017 a 30.04.2017;
ii. €100,00 - Fatura n.º 908, emitida e vencida em 03.04.2017, Armazém n.º 1, lado esquerdo, período 01.04.2017 a 30.04.2017;
iii. €800,00 - Fatura n.º 906, emitida e vencida em 03.04.2017, Armazém n.º 2, período 01.04.2017 a 30.04.2017;
iv. €150,00 - Fartura n.º 935, emitida e vencida em 03.05.2017, Armazém n.º 1, lado direito período 01.05.2017 a 31.05.2017;
v. €100,00 - Fatura n.º 936, emitida e vencida em 03.05.2017, Armazém n.º 1, lado esquerdo período 01.05.2017 a 31.05.2017;
vi. €800,00 - Fatura n.º 937, emitida e vencida em 03.05.2017, Armazém n.º 2, período 01.05.2017 a 31.05.2017;
O que totaliza o valor de €2.100,00.
A este valor acresce o correspondente à renda do mês de março, que não foi liquidada, no montante de €150,00, sendo o valor total em dívida de €2.250,00, e não a quantia de €2.767,50.
Concluindo, procede parcialmente a apelação.
Vencidos parcialmente no recurso, suportarão, apelante e apelada, na respetiva proporção, as custas respetivas – art.º 527.º/1 do C. P. C.
*** IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Provando-se que a Autora, na qualidade de arrendatária de um armazém, celebrou com a Ré um acordo denominado “Contrato de Cedência de Espaço Comercial”, no âmbito do qual lhe cedeu esse imóvel, com destino a armazenar, fabricar, e comercializar produtos de decoração e adereços da Ré, mediante o pagamento mensal de € 800,00, constando desse contrato que a Autora “é arrendatária desse espaço, nos termos do contrato de arrendamento celebrado com a proprietária do imóvel, DD – Sociedade de Transportes, Lda., e está devidamente autorizada pela referida proprietária e locadora”, estamos perante um típico contrato de subarrendamento, que tem a sua fonte estabelecida na sublocação prevista no art.º 1060.º do C. Civil e a sua regulação nos seus artigos 1088.º a 1090.º
2. Invocada pela Ré a exceção de nulidade do contrato, por ausência de legitimidade da Autora, competia-lhe, de acordo com o ónus da prova, demonstrar esse facto impeditivo – art.º 342.º/2 do C. Civil.
3. A celebração de contrato de subarrendamento por quem não tem legitimidade para o celebrar não deixa de ser válido entre as partes contratantes, sendo apenas considerado ineficaz em relação ao proprietário ou aos restantes contitulares do imóvel.
4. Não pode ser exigida à Ré a taxa de 23% de IVA sobre o montante da renda mensal acordada pelo gozo do imóvel, tendo em conta o disposto no art.º 9.º, n.º29, do CIVA, que considera isenta de imposto a locação de bens imóveis, excetuando expressamente as hipótese aí mencionadas, o que não é manifestamente o caso.
**** V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e alterar a sentença recorrida, reduzindo para €2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros) o valor em que a Ré vai condenada a pagar à Autora, mantendo no mais o decidido.
Custas da apelação pela apelante e apelada, na proporção de 4/5 e 1/5 respetivamente.
Évora, 2019/07/11
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] No sentido da sua nulidade defendeu Pereira Coelho, “Arrendamento”, pág. 105, para quem o arrendamento de bens alheios “é nulo por falta de legitimidade do locador, embora este seja obrigado a sanar a nulidade do contrato, que se torna válido logo que o locador adquira direito (propriedade, usufruto, etc.) que lhe dê legitimidade para arrendar – art.ºs 895.º e 897.º do C. Civil, aplicável por analogia”. Na sua opinião, o locador não poderá opor a nulidade do arrendamento ao locatário de boa-fé (art.º 892.º, por analogia), o qual, não querendo invocar a nulidade pode exigir ao locador responsabilidade contratual, nos termos do art.º 1034.º, n.º1, al. a) do C. Civil ( pág. 93, nota 4).