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ACÇÃO DE APRECIAÇÃO POSITIVA
ACÇÃO DE APRECIAÇÃO NEGATIVA
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário
- A causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa consubstancia-se na inexistência do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza - Nada impede que em acção declarativa se cumulem vários pedidos, nomeadamente de apreciação (positiva ou negativa) e de condenação, desde que a cumulação seja lícita à luz do critério estabelecido no artigo 555º e 36º do Código de Processo Civil. - Nesse caso, desde que se verifique algum dos requisitos previstos no artigo 266º do CPC a reconvenção é admissível.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
Proc. n.º 207/13.0TBVRM-A.G1
I - Os réus B. e mulher C. vieram deduzir pedido reconvencional pedindo que o tribunal:
1. Reconheça o direito de propriedade dos Réus contestantes sobre os prédios rústicos denominados “Sorte do Furado”, “Sorte da Surreira Grande” e “Hortas e Oliveiras” melhor identificados nos arts. 6.°, 19.° e 32.° da contestação;
2. Condene o Autor a reconhecer o direito de propriedade dos Réus contestantes sobre os prédios rústicos identificados no pedido anterior;
3. Condene o Autor a abster-se da prática de quaisquer actos turbativos ou impeditivos do direito dos Réus.
Mais vieram os réus D. e mulher E. e F. e G. deduzir pedido reconvencional pedindo que o tribunal:
1. Reconheça o direito de propriedade dos RR. sobre o prédio rústico, denominado “olival da currilheira, ou horta”, melhor identificado nos arts. 9, 12, 16 e 31 da contestação;
2. Condene o autor a reconhecer o direito de propriedade dos RR. sobre esse mesmo prédio;
3. Condene o autor a abster-se da prática de quaisquer actos que perturbem ou impeçam o direito dos RR..
Responderam os autores pugnando pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
Foi então proferido despacho em que se decidiu:
É pelo pedido que deve ser classificada a espécie de acção quanto ao seu fim. Entre elas, o art.° 1, 2 e 3, ai. a), segunda parte, do Código de Processo Civil, prevê a acção declarativa de simples apreciação negativa, corno a que tem por objectivo unicamente a declaração da inexistência de um direito ou de um facto jurídico.
Assim, causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa consubstancia-se na inexistência do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza (cf. A. Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2 Edição, p. 187 e Abrantes Geraldes, in lemas da Reforma do Processo Civil”, 1 voL, 2. e&, 1999, p. 204).
Nesta espécie de acção, negativa, inverte-se a regra do regime probatório prevista no art.° 342.°, n.° 1, do Código Civil, deixando de caber ao autor e passando a-caber ao réu o ónus da prova do direito em causa, por ser, alegadamente, ele quem se arroga àquele mesmo direito. É o que resulta expressamente do art.° 343.° n.° 1, do Código Civil.
Perante esta doutrina, incumbe aos réus justificantes a prova dos factos constitutivos do direito que justificaram, ou seja incumbia-lhes demonstrar que exerceram sobre o imóvel uma posse relevante para efeitos aquisitivos (posse stricto senü, ou seja, com “corpus” e “animus”, de forma pública e pacífica e pelo tempo indispensável à respectiva aquisição por usucapião - arts. 1251°, 1261°, 1262°, 1263°, ai. a), 1287°, 1296° e 1297°, todos do Código Civil.
No caso dos autos, os RR. vieram precisamente invocar matéria para concluir pela titularidade do direito que justificaram através das escrituras públicas postas em crise pelo autor, reforçando a sua posição através da dedução de reconvenção com o fim de obter declaração em conformidade; o que tem sido entendido como excessivo e redundante.
Cometida ao réu a prova do direito na própria acção, dificilmente se descortina o que é que em acção de simples apreciação negativa a dedução da reconvenção possa efectivamente acrescentar à defesa.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.1.2003, in Colectânea de Jurisprudência Sup., T. 1, p. 6 «se na realidade for improcedente esta acção negatória de impugnação da justificação notarial, fica definitivamente estabelecida entre as partes a existência do direito de propriedade em que se funda a defesa que lhe foi oposta, nada a tal acrescentando tão só formal reconhecimento (declaração, enfim) do direito e consequente “condenação”. ..., na lição de Antunes Varela, na RLJ 1210/14, na contestação das acções de mera apreciação negativa não tem, em princípio, cabimento defesa por excepção (material ou peremptória), nem a dedução de reconvenção, “mas apenas (a) alegação dos factos constitutivos do direito que o réu se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que afirma, por sua vez, consoante n° 2 do art.° 502° do CPC, servindo a réplica, — nesta espécie de acções com função diversa da que lhe é, de modo geral, atribuída no n° 1 desse artigo, de resposta às excepções ou reconvenção deduzidas pelo réu -, para o autor impugnar aqueles factos e para alegar os factos impeditivos e extintivos do direito invocado pelo réu».
A improcedêncía da acção de simples apreciação negativa envolve o reconhecimento do direito que o réu se arroga, o qual fica definitivamente estabelecido em face do autor, pelo que tem de se considerar como desadequado o pedido reconvencional da declaração de existência do direito formulado em tal tipo de acções, por prejudicialidade do mesmo, nos termos do art.° 660°, O 2 do CPC - cfr. os Acs. do STJ de 30.01.03, CJ/STJ-03-I-68 e de 24.10.06, www.dgsi.pt, e ainda os Acs. da RC de 27.02.07 e 12.06.07, também em www.dgs.pt..
Assim sendo, os pedidos principais da acção e das reconvenções confundem
se, podendo e devendo ser apreciado conjuntamente o que for discutido e decidido restituição relativamente ao direito real invocado.
pelo exposto, decide-se não admitir os pedidos reconvencionais deduzidos pelos réus.
Inconformados os réus interpuseram recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
1. Não podem os recorrentes concordar com o despacho proferido em 27.03.2015, com a Ref.: 138208673, de que ora se recorre, pois têm como certo que a reconvenção é admissível, pois em causa está uma acção de condenação, pelo que se impõe, para aferirmos da admissão ou não admissão da reconvenção deduzida pelos aqui recorrentes, analisar se em causa está uma acção de condenação, tal como foi configurada pelo Autor, ou se estamos perante uma acção de simples apreciação, conforme determinado pelo Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre;
II. Como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, todas as acções declarativas envolvem o reconhecimento da existência ou inexistência de um direito, mas nas de condenação, “além do reconhecimento da existência do seu direito (real, de crédito ou de personalidade), o autor pretende se ordene ao réu a realização da prestação correspondente à sua pretensão”; as
constitutivas visam “a produção ope iudicis do efeito jurídico a que o direito tende (constituição de uma nova relação, modificação ou extinção de uma relação preexistente)”; e são de mera apreciação, se “após o reconhecimento da existência (ou não existência) do direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência do direito (ou do facto jurídico)” (cfr. Manuel de Processo Civil, 2. edição, coimbra Editora, págs. 21 e 22);
III. Nas palavras de Lebre de Freitas, “na acção de simples apreciação encontramos a finalidade de declaração no seu estado mais puro: o autor pede ao tribunal que declare a existência ou inexistência de um direito (...) ou de um facto jurídico” e “na acção de condenação, sem prejuízo de o tribunal dever ainda emitir um juízo sobre a existência do direito, o autor pretende que, em consequência da sua verificação, condene o réu na prestação de uma coisa ou de um facto (...), seja ela devida em cumprimento de uma obrigação, seja ela resultante dum direito real do autor.
(...) A acção de condenação por também ter lugar na previsão da violação do direito, dando então lugar a uma intimação ao réu para que se abstenha de o violar (...)“(código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.e, Coimbra Editora, pág. 14).
IV. Na presente acção, além do reconhecimento do direito de propriedade, os Autores peticionam ainda:
a) que os Réus sejam condenados a reconhecer que prestaram falsas declarações nas escrituras de justificação notarial em causa (n.Ps 2 e 3 do pedido);
b) que se declarar-se nula e de nenhum efeito as escrituras (n.2 5 do pedido);
c) Eliminação das inscrições na matriz efectuadas e declarar-se nulo o registo respectivo; (n. 6 do pedido);
d) A condenação dos Réus a absterem-se de praticarem quaisquer actos que diminuam ou perturbem a sua normal fruição por todos os compartes (n.e 7 do pedido).
V. Como é bom de ver, os Autores não se limitam a pedir unicamente a declaração de existência do direito de propriedade, formulando pedidos que são compatíveis com uma acção de condenação, quando é certo que é a própria letra da lei (art. 10., n.2 3, ai. a), do CPCiv.), ao usar o advérbio “unicamente”, que restringe este tipo de acção declarativa ao pedido exclusivo da declaração de existência ou inexistência de um facto ou direito;
VI. Ao formular os pedidos constantes dos n.2s 2 a 7 do pedido, mormente o pedido de condenação dos Réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que diminuem ou perturbem o direito que querem ver reconhecido, os Autores estão claramente a formular pedidos típicos de uma acção de condenação;
VII. Ou seja, prevendo o Autor que os Réus violem o seu direito, pede nos presentes autos que estes sejam condenados a abster-se dessa violação, pedido este típico de uma acção de condenação;
VIII. Atendo o predito, deve considerar-se que a presente acção é uma acção de condenação, pelo que improcedem por completo as razões invocadas pela Mm. Juíza a quo para não admitir a reconvenção deduzida pelos recorrentes, porquanto, na acção de condenação a reconvenção é admissível;
IX. Pelas razões expostas, e sem quebra do respeito devido, crêem os ora recorrentes que mal andou o Tribunal a quo ao decidir que a presente acção é de simples apreciação negativa e ao não admitir a reconvenção, tendo violado o disposto nos arts. 10º e 583º do CPCiv., pelo que se impõe a revogação do assim decidido, ordenando-se, em consequência, a admissão da reconvenção.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.
A única questão a resolver é a de saber se na presente acção os réus podem ou não deduzir pedido reconvencional.
Conforme consta dos autos na acção para além do reconhecimento do direito de propriedade, os Autores peticionam ainda:
- que os Réus sejam condenados a reconhecer que prestaram falsas declarações nas escrituras de justificação notarial em causa.
- que se declarar-se nula e de nenhum efeito as escrituras .
- Eliminação das inscrições na matriz efectuadas e declarar-se nulo o registo respectivo;
- A condenação dos Réus a absterem-se de praticarem quaisquer actos que diminuam ou perturbem a sua normal fruição por todos os compartes.
Como refere Antunes Varela (RLJ 121.º, p.14), na contestação das acções de mera apreciação negativa não tem, em princípio, cabimento defesa por excepção (material ou peremptória), nem a dedução de reconvenção, "mas apenas (a) alegação dos factos constitutivos do direito que o réu se arroga ou dos sinais demonstrativos da existência do facto que (...) afirma"
As acções de simples apreciação esgotam por si os efeitos pretendidos pelo autor, estabelecendo a certeza jurídica almejada, operando-se com o trânsito em julgado a finalidade própria da acção, porque não associada qualquer eficácia executiva.
A causa de pedir nas acções de simples apreciação negativa consubstancia-se na inexistência do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinaram o estado de incerteza (cfr. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 187, e Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, I Vol., 2.ª ed., 1999, pág. 204).
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 22/3/2011 (disponível em www.dgsi.pt) “quando se acrescenta um pedido de condenação numa acção de simples apreciação, esta transmuda-se numa acção complexa, em parte de simples apreciação e em parte de condenação, valendo quanto a cada pedido as regras próprias acima referidas.”.
E como se refere no Acórdão do STJ de 17/12/2009 (www.dgsi.pt):”Nada impede que em acção declarativa se cumulem vários pedidos, nomeadamente de apreciação (positiva ou negativa) e de condenação, desde que a cumulação seja lícita à luz do critério estabelecido no art. 470.º, n.º 1, do CPC, ou seja, quando seja lícita a coligação, nos termos do art. 30º” .
Quando assim ocorra, “as regras do ónus da prova definirão, segundo a natureza e conteúdo de cada um dos pedidos, a qual das partes cabe demonstrar os factos conducentes à correspondente procedência, sendo que para os de apreciação negativa existe o aludido regime especial que a lei não trata como de inversão do ónus da prova.”.
Preceitua o artigo 10º, nº3, alínea a) do Código de Processo Civil que as acções de simples apreciação têm por fim «(…) obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto;».
A classificação de uma acção como de simples apreciação positiva ou negativa depende do pedido, ou seja da providência requerida pelo autor; na acção de simples apreciação não se exige a prestação de uma coisa ou de um facto, não podendo a acção ser título executivo quanto ao objecto da acção.
No caso dos autos, como já se referiu, a acção proposta vai para além do pedido de se considerar sem efeito a escritura de justificação notarial.
Por outro lado, a acção de condenação pressupõe a violação de um direito. No caso é alegado pelos autores o apossamento por parte dos réus dos prédios que os mesmos autores consideram fazer parte integrante dos baldios – artigo 9º da p.i.
Sendo assim, e tendo em consideração os pedidos formulados na acção e que consubstanciam também uma acção de condenação e não apenas uma acção de apreciação negativa, e porque se verificam os pressupostos a que alude o artigo 266º, alínea b) do novo Código de Processo Civil, deve ser admitida a reconvenção.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência revogam a decisão recorrida.
Custas pelo vencido a final.