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CONSTITUIÇÃO DE CONDOMÍNIO RELATIVAMENTE A PARTE DO EDIFÍCIO
GESTÃO SEPARADA
APROVAÇÃO
INFILTRAÇÕES
TERRAÇOS
PARTE COMUM
Sumário
I – A constituição de um condomínio relativamente a parte de um edifício com vista à administração autónoma dessa mesma parte depende apenas da aprovação dos condóminos proprietários das frações inseridas na zona do prédio que justifica uma gestão separada das demais;
II - O cerne da imputação prevista no art. 493º, nº 1, do Código Civil, está na inobservância da vigilância necessária: o que releva é a perigosidade das coisas que lhes foi aportada pela ausência dos cuidados exigidos pelas particulares circunstâncias de cada caso concreto;
III – Por vezes, para efeito do citado normativo, as próprias condições em que se deu a lesão corporizam a violação do dever no tráfego e a sua causalidade na produção do evento lesivo, não tendo, por isso, o lesado, que demonstrar diretamente a concreta violação de determinado cuidado com a coisa na origem dos danos;
IV - A afetação ao uso exclusivo de uma fração de um terraço de cobertura de um prédio, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à conservação e manutenção do aludido terraço, como parte comum do edifício que aquele é, pelo que as obras necessárias a impedirem infiltrações no prédio a partir do terraço a todos os condóminos competem;
V – Ao proprietário da fração à qual está afeto o uso do terraço compete apenas mantê-lo regularmente limpo, dele fazendo um uso normal;
VI – Estando em causa danos causados por ocorrência de infiltrações, não se pode dizer que o dever de vigilância que recai sobre aquele que usufrui com exclusividade do terraço de cobertura abranja os cuidados destinados a evitá-los, não podendo, pois, imputar-se-lhe tais danos por aplicação do disposto no art. 493º, nº 1, do Cód. Civil.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO:
R. M. e marido, J. C., a primeira por si e na qualidade de administradora do Bloco ..., do prédio constituído no regime da propriedade horizontal, sito na Indicada Rua …, freguesia de ..., concelho de Caminha, instauraram contra “X, LDA.” e A. F. a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, pedindo:
a) - Que seja declarado parcialmente nulo o negócio constitutivo da propriedade horizontal, titulado pelo requerimento e escritura pública juntos a esta ação como “Doc. 5” e “Doc. 6”, na parte em que integra na fração “AF”, propriedade do 2º réu, o terraço – cobertura do Bloco ...;
b) - Seja declarado que o referido terraço – cobertura do Bloco ..., constitui parte comum do edifício a que este mesmo bloco diz respeito;
c) - Seja o 2º réu condenado a eliminar definitivamente a porta de acesso ao terraço – cobertura existente na varanda da sua fração “AF” e qualquer outro acesso que, a partir da sua fração, exista para o redito terraço – cobertura;
d) - Que seja ordenada a alteração da descrição do registo predial do prédio, em conformidade com o que vier a ser decretado, designadamente, com referência à composição da aludida fração “AF”;
e) - Que seja condenado o 2º Réu a realizar no terraço – cobertura do Bloco ..., todas as obras que forem necessárias a impedir infiltrações de água para o interior do edifício a que corresponde aquele bloco, seja para as suas partes comuns, seja para as frações que o compõem;
f) - Que seja condenado o 2º Réu a indemnizar os autores, os proprietários das demais frações que compõem o Bloco ... e o condomínio do mesmo bloco, aqui representado pela A. mulher, sua administradora, numa indemnização a liquidar em execução de sentença, equivalente ao valor necessário à reparação de todos os danos sofridos, quer nas frações, quer nas partes comuns do edifício, por virtude das infiltrações de água provenientes do terraço – cobertura.
Alegaram, para o que ora interessa e em síntese, que os Autores são proprietários de uma fração num prédio constituído em propriedade horizontal (Bloco ...), sendo a Autora-mulher administradora do condomínio e, por seu lado, o réu A. F. proprietário de uma fração autónoma no Bloco ... constituída também pelo terraço-cobertura no Bloco ... – na detenção exclusiva do qual o Réu tem estado –, sucedendo que, devido a infiltrações provenientes do terraço, deficiente impermeabilização na ligação da cobertura com o tubo da queda das águas pluviais – em virtude da ausência de quaisquer obras ou trabalhos de conservação do dito terraço por parte do Réu, que o detém em exclusividade – e infiltrações provenientes da claraboia ali existente – em virtude da degradação e falta de manutenção do isolamento e selagem das juntas de ligação do tijolo de vidro –, ocorreram danos em partes comuns e próprias do Bloco .... Mais defenderam que aquele terraço nunca poderia ter sido vendido ao réu por se tratar de uma parte que a lei qualifica como comum.
O Réu A. F. contestou, invocando as exceções de caso julgado, ineptidão da petição inicial e ilegitimidade ativa e alegando que não existe qualquer condomínio autónomo do Bloco .... Além disso, defende que o terraço é próprio da sua fração e não parte comum do prédio e que sempre o utilizou nessa convicção. Deduziu reconvenção.
A Ré X, Lda. foi absolvida da instância, uma vez que se apurou que a sociedade foi extinta (fls. 145).
Os Autores deduziram réplica, concluindo como na petição inicial.
Realizada audiência prévia foram os Autores convidados a chamar à ação os demais condóminos do prédio, convite a que estes não acederam.
Foi, então, proferido despacho que julgou procedente a ilegitimidade ativa dos Autores para a formulação dos pedidos das alíneas a) a d) da PI, absolvendo o Réu da instância quanto a esses pedidos e determinou que a ação prosseguiria para conhecimento dos pedidos das alíneas e) e f).
Ulteriormente, foi proferido despacho de não admissão da reconvenção deduzida.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.
Já nesta fase, os Autores R. M. e J. C. foram considerados “parte ilegítima”, tendo sido determinado que o processo prosseguiria apenas para conhecimento dos pedidos formulados pelo Condomínio contra o Réu A. F..
Mais foi decidido, “relativamente a fls. 267 verso”, admitir “a desistência parcial do pedido formulado na alínea f) na parte em que se pede a condenação do segundo réu a indemnizar os autores pelos danos sofridos nas frações que compõem o Bloco ...º, mantendo-se o pedido na parte relativa aos danos sofridos nas partes comuns daquele bloco”. (cfr. fls. 282-verso).
Seguidamente, foi proferida sentença a julgar a ação totalmente improcedente e a absolver o Réu do pedido.
Inconformado, o Autor – Condomínio - interpôs recurso, no final do qual formulou as seguintes conclusões:
1ª O título constitutivo da PH junto como “doc. 6” à petição inicial, descreve o edifício submetido àquele regime como constituído por ... Blocos, descriminando as fracções que compõem cada Bloco e prescrevendo que … São comuns das fracções englobadas em cada Bloco: os alicerces, os pilares, as estruturas resistentes, as instalações gerais de água, electricidade, esgotos, telefone e telhado respectivo – al. e) do facto provado 6º; 2ª Face a este “desenho” da PH, está admitido aos proprietários das fracções que compõem cada Bloco e, por conseguinte, aos proprietários do Bloco ... constituírem um condomínio parcelar e exclusivo desse Bloco, não exigindo a lei qualquer formalidade ou autorização prévia, nomeadamente, a deliberação do condomínio global que, como flui do processo, nem sequer alguma vez existiu; 3ª O art. 1438º - A do Código Civil veio consagrar a figura do condomínio parcelar, em concreto, a possibilidade e legitimação da sua constituição e funcionamento, sem prejuízo da sua coordenação com o condomínio global, caso o mesmo exista ou venha a ser constituído – neste sentido veja-se, entre muitos outros, o Ac. Desse Venerando Tribunal de 05.02.2016, proferido no processo nº 132/14.3TBBCL.G1., relatado pela Srª Desembargadora Anabela Tenreiro, onde se sumaria que … A autonomização de uma assembleia de condóminos com a finalidade de administrar partes comuns respeitante a uma zona do edifício não é proibida por lei e poderá contribuir para uma gestão mais eficiente; 4ª Nada obsta, pois, ao reconhecimento da autonomia jurídica do condomínio específico do Bloco ..., não sendo necessária para esse reconhecimento a deliberação (prévia ou não) do condomínio global (que no caso, nem existe); 5ª Entender-se de forma diferente, seja no sentido da impossibilidade legal da constituição de condomínios parcelares, seja no sentido da necessidade da aprovação prévia desses condomínios pelo condomínio global, configura uma intolerável restrição ao direito de propriedade dos proprietários das fracções do Bloco ..., que são os exclusivos titulares do direito de compropriedade das partes comuns especificas àquele Bloco, tal como descritas no titulo constitutivo da PH, restrição que a lei não admite e que é violadora, entre outras, das disposições dos arts. 1305º e 1306º do Código Civil; 6ª Tal como resulta do titulo constitutivo da PH, que não está posto em causa, a fração “AF” propriedade do recorrido, da qual faz parte integrante o terraço e, por conseguinte, a clarabóia por onde ocorrem as escorrências e infiltrações para o interior do Bloco ..., localiza-se apenas no Bloco ... e não neste e no Bloco ..., consoante entendeu (em nosso entender mal) o Mmo. Juiz “a quo”, pelo que, não faz qualquer sentido pretender-se a convocação daquele para as assembleias do condomínio recorrente; 7ª Aliás, sempre com o muito sincero respeito, essa académica pretensão constituiria um total absurdo, pois que, se traduziria na sujeição ao escrutínio do próprio e relapso infractor, da decisão quanto à reparação dos danos que o próprio provocou e que teima em não fazer cessar; 8ª A escritura de aquisição da fracção “AF” a favor do recorrido e, por conseguinte, do terraço do qual faz parte a clarabóia, mantém-se vigente na ordem jurídica, pelo que, é ele o titular legitimo e possuidor exclusivo daquela fracção em todas as suas partes integrantes; 9ª Nessa qualidade de proprietário e possuidor, o recorrido tem a obrigação de reparar os danos provocados pelas infiltrações e escorrências que ocorrem através do terraço/clarabóia para o interior do Bloco ... e, bem assim, de realizar os trabalhos destinados a obstar que continuem a verificar-se, nomeadamente, ao abrigo do disposto no nº 1, do art. 493º, do Código Civil que, aliás, prescreve a presunção de culpa daquele que tem a coisa em seu poder, in casu, o recorrido (que o afirma na sua contestação), presunção que não foi ilidida; recorrido, terraço que está, aliás, em poder e na posse exclusiva dele desde que o adquiriu e, porque, por assim ser, impende sobre ele a responsabilidade civil relativamente aos danos causados a terceiro, deve ser condenado nos pedidos formulados pelo recorrente; 11ª Ao assim não ter entendido, a sentença sob recurso viola, entre outras, as normas dos arts. 1438º - A (por errada interpretação), 1305º, 1306º e 493º nº 1, todas do Código Civil.
Termina pedindo que seja revogada a sentença recorrida, condenando-se o Recorrido a realizar no terraço – cobertura do Bloco ..., todas as obras necessárias a impedir as infiltrações de água para as partes comuns do edifício a que corresponde aquele bloco e a indemnizar o condomínio do Bloco ..., no valor necessário à reparação dos danos sofridos nas partes comuns, por virtude daquelas infiltrações, tudo com as legais consequências.
O Réu não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).
No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:
- Saber se a constituição de um condomínio relativamente a parte de um edifício com vista à administração autónoma dessa mesma parte depende da aprovação pela generalidade dos condóminos de todo o edifício ou apenas da aprovação dos condóminos proprietários das frações inseridas na zona do prédio que justifica uma gestão separada das demais;
- Saber se, sendo o terraço de cobertura de prédio de uso exclusivo do proprietário de determinada fração, as obras necessárias à sua conservação devem ser por ele realizadas ou, ao invés, por elas são responsáveis os condóminos do prédio a que o terraço serve de cobertura, a fim de se determinar sobre quem, em tais casos, recai o dever de cuidar da coisa (terraço/cobertura) e, consequentemente, a responsabilidade decorrente de eventual violação desse dever de vigilância para efeitos da aplicação do art. 493º, nº 1, do Cód. Civil.
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III. FUNDAMENTOS:
Os factos.
Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1º) Em 23/08/1994, por escritura pública, foi constituída a propriedade horizontal do prédio urbano, composto por cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares (... blocos) e garagens sito no Lugar ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º ..., cfr. documento junto a fls. 32-43 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 2º) O prédio foi construído pela sociedade Y, a qual praticou os atos necessários à constituição da propriedade horizontal. 3º) Consta da escritura referida em 1º que o referido prédio é composto por 42 frações autónomas desdobradas nas letras “A” a “AP”, independentes, isoladas entre si e zonas comuns. 4º) Nesse documento são ainda descritas todas as frações que o compõem, bem como a permilagem atribuída a cada uma. 5º) Desse documento consta ainda um documento complementar no qual se refere que o Bloco 1 é composto pelas frações “A” a “H”, o Bloco 2 pelas frações “I” a “P”, o Bloco 3 pelas frações “Q” a “X”, o Bloco ... pelas frações “Y” a “AF” e o Bloco ... pelas frações “AG” a “AN”. 6º) Consta ainda desse documento complementar que: a. É comum às frações B, C, D, E, F, G, H a entrada no rés-do-chão no lado Sul, que dá acesso às garagens e todo o espaço disponível nesse rés-do-chão não expressamente atribuído a qualquer das frações destinado à manobra e circulação de veículos. b. É comum das frações I, J, K, L, M, N, O, P, R, S, T, U, V, W, X, Y, AA, AB, AC, AE e AF a rampa de entrada na cave dos Blocos dois e três e quatro, todo o espaço nela disponível, não expressamente atribuído a qualquer das frações destinado à manobra e circulação de veículos e ainda as escadas de serviço que dão acesso aos pavimentos superiores. c. É comum das frações AJ, AK, AL, AM, AN a entrada na cave, a norte do Bloco ... e todo o espaço nela disponível, não expressamente atribuído a qualquer das frações destinado à manobra e circulação de veículos. d. É comum das frações Q, Z e AD a porta do corredor na cave do Bloco ..., servindo estas frações no que diz respeito às suas garagens exteriores. e. São comuns das frações englobadas em cada Bloco: os alicerces, os pilares, as estruturas resistentes, as instalações gerais de água, eletricidade, esgotos e telefone e telhado respetivo. f. É comum de todas as frações a área de 2227 m2 que constitui o condomínio do prédio e na qual se englobam zonas verdes e as de estacionamento ocasional. 7º) Em 25/08/1995 reuniu pela primeira vez o denominado “Condomínio do prédio sito na Rua ..., Bloco ... - número cento e seis, em ...”, conforme documento junto a fls. 280 cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 8º) Nessa reunião foi eleito administrador P. P.. 9º) Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Caminha em 23 de Agosto de 1995, exarada de fls. 113º vº a 114 vº, do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº …-B, cuja cópia consta de fls. 45-46v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a sociedade Z, Lda. declarou vender ao réu A. F., “(…) a fração autónoma “AF”, que é no Bloco Quatro, o terceiro andar, esquerdo, destinado a habitação, tipo T três, garagem na cave (…) e terraço – cobertura no Bloco ... que faz parte do prédio urbano, sito no Lugar ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o n.º .... 10º) No documento de constituição da propriedade horizontal referido em 1º consta que a fração AF engloba também o terraço-cobertura do Bloco .... 11º) O acesso ao terraço referido em 9º pode ser feito pelo interior da fração AF, através da porta de acesso ao mesmo ou pelo interior do Bloco ..., através do alçapão de acesso ao telhado existente na caixa de escadas, sendo possível com uma escada descer para o terraço. 12º) O terraço referido em 9º corresponde à cobertura do denominado Bloco .... 13º) Os proprietários do denominado Bloco ... não têm acesso ao denominado Bloco ..., pois cada um dos blocos tem entradas próprias e independentes. 14º) Com exceção do seu topo sul, existe fissuração da ligação da platibanda da cobertura com a laje de cobertura do Bloco .... 15º) No canto norte do Bloco ... já caiu uma parte do material que constitui esse canto e no canto norte/poente existe uma fissura vertical em toda a extensão vertical da platibanda, que originou o desfasamento da ligação deste elemento. 16º) No centro do terraço referido em 9º existe uma claraboia, que se destina a permitir a entrada de luz para as frações do Bloco ... e respetiva escada e zonas comuns aí existentes. 17º) Em todo o perímetro da claraboia existente no teto da caixa de escadas ao nível do 3º andar, imediatamente sob o terraço existente na cobertura do denominado Bloco ... existem indícios de infiltrações, nomeadamente manchas e escorrência. 18º) Na fração do 3º andar direito do Bloco ... existem manchas e descasques no filete existente sobre o ladrilho cerâmico aplicado nas paredes do WC de serviço bem como manchas no teto e paredes no quarto contíguo existente no canto sul/nascente da fração com queda de estuque no teto do wc privativo desse quarto, provocados por infiltrações de água do piso superior (terraço) devido a anomalia e degradação do sistema de impermeabilização do terraço. 19º) Na fração do 3º andar esquerdo do Bloco ... existem sinais de humidade na parede do quarto suite, nomeadamente junto ao teto e pavimento no encontro das paredes interiores do alçado traseiro com o alçado lateral esquerdo. 20º) Na fração do rés-do-chão esquerdo, no canto nascente/norte existem fungos. 21º) A deliberação que determinou a propositura da presente ação foi tomada apenas pelos condomínios do denominado Bloco ... do prédio sito na ..., cujas frações estão identificadas no facto 5º. 22º) Pelo menos por duas vezes foi colocado pelo denominado condomínio do Bloco ... silicone na claraboia para tentar parar as infiltrações. 23º) As antenas de televisão das frações do denominado Bloco ... sempre estiveram colocadas na cobertura do denominado Bloco ....
- Quanto aos factos não provados, ali se mostra consignado:
Com relevância para a decisão da causa, não existem factos não provados.
O Direito.
Na sentença recorrida, citando diversos acórdãos e doutrina nesse sentido, afirma-se que nada impede a constituição de condomínios parcelares para administração de partes comuns inerentes a determinada parte de um edifício, mas logo a seguir considera-se que, como também se defende no citado acórdão TRL de 12/12/2017, essa autonomização tem de ser constituída por deliberação do condomínio global, não sendo suficiente para essa autonomização uma mera deliberação unilateral da parte autonomizada, pelo que, no caso, tendo sido criado um condomínio parcelar do Bloco ..., mas não constando dos autos que tivesse havido qualquer deliberação do condomínio global a permitir essa autonomização (…) desde logo, dificilmente se concebe a existência com autonomia jurídica deste condomínio parcelar.
A questão que se coloca no presente recurso está, pois, restrita a saber se a constituição de um condomínio de parte de um edifício com vista à administração autónoma dessa mesma parte depende da aprovação pela generalidade dos condóminos de todo o edifício ou apenas da aprovação dos condóminos proprietários das frações inseridas na zona do prédio que justifica uma gestão separada das demais.
Vejamos.
No acórdão da Relação de Lisboa de 12.12.2017 (Relator Rijo Ferreira) citado pela sentença recorrida refere-se, efetivamente, que a “autonomização de uma parte do condomínio, tal como definido no título constitutivo, tem de partir do condomínio, não podendo consistir numa mera declaração unilateral da parte autonomizada do condomínio”.
Todavia, não cremos que esta seja a melhor orientação e, tanto quanto nos apercebemos, a referida decisão constituirá caso isolado entre aqueles que defendem a possibilidade de autonomização de uma parte do condomínio (aqui se assinalando, aliás, que o aludido acórdão tem voto de vencido da Desembargadora Ana Grácio “conforme posição assumida no acórdão da Relação de Lisboa de 14MAR”).
Com efeito, como se dá conta no Acórdão desta Relação Guimarães de 02.05.2016 (Relatora Anabela Andrade Miranda Tenreiro), que tratou de um caso em que, como expressamente ali se refere, “nunca foi realizada uma assembleia geral de todos os condóminos da totalidade das fracções que integram o prédio referido em 1 e 2 que deliberasse dividir a administração do mesmo em blocos ou partes”, a adequada interpretação da posição que a generalidade da jurisprudência tem vindo a afirmar nesta matéria vai no sentido propugnado pela Recorrente.
Debruçando-se sobre a mesma questão que ora nos ocupa, ali se refere que a Relação do Porto, a partir do Acórdão proferido em 09/02/2006 tem defendido que, “desde que assinaladas as áreas comuns respeitantes a determinadas fracções e as demais zonas comuns do edifício, a lei não impede que seja formado um condomínio autónomo”, entendimento corroborado pelo Acórdão de 31/03/2008 onde se declarou que, “apesar de ser um só título constitutivo, nada obsta a que, - havendo partes desse edifício que estão devidamente delimitadas e definidas fisicamente com entradas próprias, com zonas comuns próprias -, se organizem vários condomínios” e confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 16/10/2008 (Relator Salvador da Costa), em aresto que declarou a legalidade da constituição de mais de um condomínio com administração própria, para gerir as partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal, sendo esse o caso “de um bloco com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, pelo que não há fundamento legal para que a globalidade dos condóminos não possa deliberar a constituição de autónomos órgãos de administração”, neste último aresto tendo buscado apoio o acórdão de 10/16/2012, também da Relação do Porto, proferido no processo nº 1859/11.1YYPRT-B.P1, onde se decidiu: “Goza de personalidade judiciária, relativamente a execução para cobrança de dívida pela comparticipação nas despesas comuns, o condomínio de parte de um prédio em propriedade horizontal, referente a espaço perfeitamente delimitado, com funcionalidade própria, fracções autónomas e partes comuns próprias, aprovado pela generalidade dos respectivos condóminos com vista à administração autónoma dessa mesma parte, sem prejuízo da coordenação da administração geral, não dependendo a sua constituição da especificação do título constitutivo da propriedade horizontal.”
Ora, como se enfatiza no citado acórdão desta Relação, tendo em consideração a factualidade dada como provada quer no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quer no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/10/2012 (que acompanha a fundamentação daquele) “os condóminos a que se referem os doutos arestos são os titulares das fracções em cuja zona ou torre se justifica a autonomização da administração, por serem servidas por partes comuns que lhe são exclusivas, e não a totalidade dos proprietários de todas as fracções integrantes do edifício”.
Na verdade, “no caso apreciado, em recurso, pela Relação do Porto, foi dado como provado que se tratava de um prédio composto por um edifício habitacional e centro comercial, com 164 fracções, distribuídas por cave, sub-nível, rés-do-chão e 13 andares. Estava precisamente em causa saber se o condomínio do Centro Comercial, exequente, constituído por 74 fracções com fins comerciais, tinha personalidade judiciária.
Ora, apenas ficou provado que o condomínio do Centro Comercial existe desde, pelo menos, 08/04/1983, data em que reuniu a assembleia dos respectivos condóminos e em que foi aprovada, por unanimidade dos condóminos presentes, o regulamento interno.
No Acórdão proferido pelo STJ de 16.10.2008, nem sequer foi possível apurar a data e a causa da constituição do condomínio de 20 fracções de um total de 164.
Note-se que no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto sobre a matéria, concluiu-se que o condomínio é passível de ser considerado um verdadeiro condomínio (…) porquanto, a estrutura legal de condomínio existe, nada impedindo, que os condóminos do referido edifício, os quais constituem um bloco ou parte do edifício devidamente delimitado, constituam um condomínio autónomo relativo às partes comuns exclusivas desse bloco, tal como já vêm fazendo há já alguns anos, a par do que pode e deve existir para o edifício como unidade predial.”
E esta posição tem sido defendida, independentemente de no título constitutivo da propriedade horizontal virem definidas as especificações que integram de modo autónomo esse mesmo edifício.
Outra coisa não se entendeu no Acórdão desta Relação de 17.12.2018 (Relatora Sandra Melo), referido na sentença recorrida, devendo, aliás, frisar-se que, neste último, referindo-se ao concreto caso ali em apreço, se sublinha expressamente que “há que ter em atenção as situações de facto que regem um prédio há mais de vinte anos, como a efetiva administração do mesmo através de quatro condomínios diferenciados para os quatro blocos em que se dividirá o condomínio, seja por se ter em atenção que a propriedade horizontal pode ser constituída por usucapião, seja por força dos princípios da boa-fé”, o que bem denota a irrelevância, para os subscritores do referido acórdão, da exigência que a sentença recorrida defende.
Também nós não vemos razões para exigir que a aprovação da constituição de um condomínio parcelar com vista à administração autónoma de uma parte de um prédio seja feita por todos os condóminos do prédio e não apenas pelos condóminos daquela parte do prédio que justifica uma gestão separada das demais, certo que, dentro dos limites correspondentes àquilo que constituem as partes comuns exclusivas dessa parte do prédio, só os interesses desses condóminos estão em causa, em nada sendo beneficiados ou prejudicados os restantes condóminos do edifício.
Acresce que, no caso em apreço, no título constitutivo da propriedade horizontal, estão definidas as frações que integram o referido Bloco ...do edifício constituído naquele regime de propriedade - frações “AG” a “AN” –, estão definidas as partes comuns que servem apenas o Bloco ... - são comuns das frações englobadas em cada Bloco: os alicerces, os pilares, as estruturas resistentes, as instalações gerais de água, eletricidade, esgotos e telefone e telhado respetivo – com especificação, dentro deste bloco, de uma parte comum de apenas algumas das frações constitutivas do mesmo - é comum das frações AJ, AK, AL, AM, AN a entrada na cave, a norte do Bloco ... e todo o espaço nela disponível, não expressamente atribuído a qualquer das frações destinado à manobra e circulação de veículos – e as partes comuns que servem todos os blocos - É comum de todas as frações a área de 2227 m2 que constitui o condomínio do prédio e na qual se englobam zonas verdes e as de estacionamento ocasional -, o que tende a assegurar a inexistência de conflitos de interesses suscetíveis de justificar uma prévia aprovação, por todos os condóminos do edifício, da autonomização do condomínio em causa.
Assim sendo, sabendo-se que, no caso em apreço, em 25/08/1995, reuniu pela primeira vez o denominado “Condomínio do prédio sito na Rua ..., Bloco ...- número cento e seis, em ...”, conforme documento junto a fls. 280, nessa reunião tendo sido eleito administrador P. P., assim se tendo criado um condomínio parcelar do Bloco ..., irrelevante é que não conste dos autos que tivesse havido qualquer deliberação do condomínio global a permitir essa autonomização.
Diz-se, porém, na sentença recorrida:
Mas, ainda que assim fosse, a questão em apreço tem uma outra particularidade que terá de ser tida em conta. Com efeito, a questão que está aqui em causa diz respeito a um terraço de cobertura do Bloco .... Contudo, tal como configurada a ação e tendo em conta os factos provados, esse terraço pertence, ou pelo menos está no uso exclusivo, de um condómino de uma fração que pertence ao Bloco ..., que é a fração “AF” (cfr. pontos de facto 9º, 10º e 11º).
Consequentemente, mesmo a admitir-se a existência de um condomínio autónomo no Bloco ..., esse condomínio nunca poderia deliberar sozinho uma questão que diz também respeito a uma fração de um outro Bloco. E, apurou-se que a deliberação de propositura da presente ação foi tomada apenas pelos condóminos que compõem o denominado Bloco ... (ponto 21º dos factos provados).
Mais uma vez, e em tese, essa deliberação teria de ser tomada ou pelo condomínio global ou pela união dos dois Blocos ... e ..., por dizer respeito a ambos.
Da prova produzida resulta também que a fração do réu (“AF”) faz parte integrante do denominado Bloco ..., sendo que o mesmo nunca foi chamado à assembleia de condóminos do Bloco ... (cfr. factos 5º e 21º).
Deste modo, carece aquele condomínio autor de poderes para demandar o réu na presente ação.
O primeiro dos aduzidos argumentos não tem qualquer validade.
Por absurdo, a ser como se refere na sentença recorrida, nunca um condomínio poderia deliberar propor ação contra um terceiro alegadamente causador de danos nas partes comuns da zona do edifício autonomizada para efeitos de gestão se o lesante não fosse, também ele, um dos condóminos da dita parte autonomizada.
O que releva é a invocação, para efeito de sustentação do pedido ora em apreço, de danos nas partes comuns que farão parte apenas da estrutura do Bloco ..., sendo, nessa medida, os demais condóminos alheios à administração de tais partes, por delas não poderem, por natureza, beneficiar, sendo de todo incompreensível dizer-se que, fazendo a fração do réu (“AF”) parte integrante do denominado Bloco ..., o mesmo teria de ser chamado à assembleia de condóminos do Bloco ....
Se bem ou mal dirigida a ação contra o proprietário/possuidor de determinada fração por dela alegadamente fazer parte o terraço de onde provêm as infiltrações é outra questão, de que infra se tratará.
Assiste, pois, nesta matéria, razão ao Apelante.
Já não assim no que à responsabilidade do Réu concerne.
Defende o Recorrente que na qualidade de proprietário e possuidor, o recorrido tem a obrigação de reparar os danos provocados pelas infiltrações e escorrências que ocorrem através do terraço/clarabóia para o interior do Bloco ... e, bem assim, de realizar os trabalhos destinados a obstar que continuem a verificar-se, nomeadamente, ao abrigo do disposto no nº 1, do art. 493º, do Código Civil que, aliás, prescreve a presunção de culpa daquele que tem a coisa em seu poder, in casu, o recorrido (que o afirma na sua contestação), presunção que não foi ilidida.
Vejamos.
Nos termos do art. 493º, nº 1, do Código Civil, “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Esta norma estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de uma coisa, móvel ou imóvel.
A respeito deste normativo, “Brandão Proença, em anotação ao acórdão do STJ de 20.02.2006 (in “Balizas perigosas e responsabilidade civil”, Cadernos de Direito Privado n.º 17, pág. 37), situa o eixo da responsabilização na falta de controlo decorrente de um agir danoso, no sentido de que a presunção de culpa não se baseia na própria coisa mas na situação do homem relativamente a ela: o dano causado pela coisa só ocorre por força de um comportamento indevido do seu guarda.
Isso mesmo se acentua, por exemplo, no Acórdão da Relação do Porto de 20.03.2003, onde se pode ler que a responsabilidade do detentor se funda na ideia de que este não tomou as cautelas necessárias para evitar o dano.
Também para Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, “a perigosidade é uma condição que as coisas em geral podem assumir, verificadas determinadas circunstâncias de facto. Coisas em si inócuas, podem, descurados os cuidados devidos, tornar-se perigosas, funcionando como causa de lesões”. O cerne da imputação está, pois, na inobservância da vigilância necessária. (in “Responsabilidade Civil por violação de Deveres no Tráfego” pág. 364).
Este autor critica a, por ele indicada como sendo a orientação dominante, que “confina a primeira previsão do art. 493º às coisas perigosas, com a perversa consequência jurídica de remeter para as regras gerais da culpa provada os eventos lesivos causados por coisas consideradas não perigosas”, dando como exemplo a decisão do STJ de 12.02.2004 que não considerou a aludida previsão a respeito da utilização de uma escavadora por uma empreiteira da construção civil que cortou vários cabos telefónicos (obra citada, pág. 386), tendência esta, aparentemente, reafirmada no Acórdão do STJ de 30.09.2014, onde se considerou expressamente requisito da aplicação da referida previsão normativa a “especial aptidão da coisa, pela sua natureza, estrutura ou qualidades, para causar danos a terceiros”.
Todavia, se analisarmos a recente jurisprudência vemos que várias são as decisões que contrariam a apontada tendência, sendo a este respeito elucidativo o célebre caso das “balizas perigosas” (tratado em Acórdão do STJ de 26.02.2006), resolvido por integração do caso na previsão do art. 493º, nº 1, do Cód. Civil, onde se concluiu que “um clube desportivo que mantém instalações acessíveis a crianças dessa faixa etária (com idades próximas dos 12 anos), necessariamente tem que vigiar as balizas (coisas em si mesmas não perigosas) que lhes põe ao dispor por forma a que elas não possam cair, seja pelas incidências do próprio jogo, seja pela natural irreverência dos utilizadores do campo desportivo”.
Mais recentemente, em idêntico caso de aparente inocuidade da coisa em causa, no Acórdão do STJ de 20.11.2014, (Abrantes Geraldes), considerou-se que “a concessionária de uma rede de telecomunicações é responsável, nos termos do art. 493º, nº 1, do CC, pelos danos causados a terceiros decorrentes das respetivas estruturas”, já que “o facto de a rede de telecomunicações de que o cabo era parte integrante ter sido afetada recentemente por um incêndio florestal obrigava a concessionária a um especial dever de vigilância, designadamente para evitar que a queda de algum elemento da sua estrutura afetasse direitos de terceiros”.
No Acórdão do STJ de 02.03.2011 (Relator Nuno Cameira) também se integrou na previsão do art. 493º, nº 1, a situação de uma árvore que se abateu sobre uma viatura.
Na esteira da referida jurisprudência, também nós temos por certo que o que releva, para efeito do citado normativo, é a perigosidade das coisas que lhes foi aportada pela ausência dos cuidados exigidos pelas particulares circunstâncias de cada caso concreto.
Por outro lado, no já citado o Acórdão do STJ de 02.03.2011 defende-se que “a presunção de culpa estabelecida no art. 493.º, n.º 1, do CC é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar; por isso, provando-se que uma árvore que se abateu sobre a viatura (…) pertencia à ré, esta responde civilmente pelos danos ocasionados se não ilidir aquela presunção”.
Neste caso, o Supremo entendeu ser suficiente para desencadear o funcionamento da presunção prevista no art. 493º, nº 1, a demonstração de que a árvore não estava em bom estado biomecânico e fitossanitário (árvore pesada com raízes que apresentavam sinais de degradação, com pouca capacidade de fixação ao solo e inclinada sobre a estrada), o que significa a aceitação de que, por vezes, “as próprias condições em que se deu a lesão corporizam a violação do dever no tráfego e a sua causalidade na produção do evento lesivo”.
Assim, cremos também que nada impede que a partir do particular contexto em que se produziram determinados danos se conclua, sem mais, pela violação do dever de vigilância relativamente a uma coisa.
Mas tal não basta.
Numa outra perspetiva, importará saber a quem são exigíveis – e em que termos – os cuidados com as coisas, perspetiva que se torna particularmente relevante no caso em apreço por o proprietário e o utilizador da coisa (o terraço/cobertura) serem diferentes, a cada um deles competindo, como infra melhor se verá, deveres de cuidado distintos e complementares relativamente a essa mesma coisa.
A respeito da responsabilidade do Réu, pode ler-se na sentença recorrida:
Seja como for, dúvidas não restam de que a estrutura do terraço/telhado é parte comum do edifício.
E, sendo parte comum, a sua reparação é uma obrigação do condomínio e não de um único condómino (cfr. art. 1424º do CC).
Assim, nunca o réu poderia ser responsabilizado, isoladamente, pela sua reparação.
É que, no caso concreto, além do que dissemos supra, verifica-se que as infiltrações ocorrem sobretudo na claraboia existente no terraço. Apurou-se também que essa claraboia se destina a permitir a entrada de luz para as frações do Bloco ... e respetiva escada e zonas comuns aí existentes. Ou seja, a claraboia não é, nem pode ser própria de um condómino. É uma parte comum (como o é a estrutura do terraço, pela função que desempenha). Tanto assim é que também se apurou que pelo menos por duas vezes foi colocado pelo denominado condomínio do Bloco ... silicone na claraboia para tentar parar as infiltrações.
Assim sendo, resta-nos concluir pela improcedência da ação.
Desde já se dirá que, no caso concreto, a conclusão no sentido de o Réu não poder ser responsabilizado pela reparação do terraço (e pelos danos causados, segundo o Autor/Recorrente, pelasinfiltrações nas partes comuns do Bloco ...) se afigura correta, mas é um pouco mais complexo o caminho a percorrer para a alcançar, havendo, para o efeito, que fazer a interligação entre aquilo que se veio de dizer a respeito do invocado art. 493º, nº 1, do Cód. Civil e as questões relacionadas com o regime da propriedade horizontal.
Em primeiro lugar, é de assinalar que nem as circunstâncias de na constituição da propriedade horizontal constar que a fração AF engloba também o terraço-cobertura do Bloco ... e tal terraço ter sido objeto de aquisição pelo Réu, nem o facto de o mesmo ter estado, como é pacífico que esteve, todos os anos que antecederam a propositura da presente ação, afeto ao uso exclusivo da fração do Réu alteram em nada a natureza comum que lhe é própria.
Na verdade, “uma coisa é a propriedade de tal parte comum, outra, com ela inconfundível, é a afectação, em uso exclusivo, do terraço” (cfr. acórdãos de 5 de Março de 2009, revista nº 217/09, e de 13 de Setembro de 2011, proc. nº 2095/07.7TBPHF.P1.S1, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, pág. 420), já que, como salientam os referidos autores (obra e local citados), embora a maior parte das coisas comuns sejam, em regra, usadas por todos os condóminos, essa correlação natural não obsta a que sejam consideradas comuns coisas cujo uso se encontra afeto apenas a alguns deles, desde que as mesmas pertençam à estrutura da construção, pela “razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos”.
Assim, um terraço afeto à utilização exclusiva de uma fração “não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção”.
Pode, portanto, concluir-se que o terraço em causa nos autos, quer à luz da al b) do nº 1 do artigo 1421º do Código Civil vigente à data da outorga do título constitutivo da propriedade horizontal, quer à luz do mesmo preceito, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 267/94, vigente à data da aquisição da fração pelo Réu, é imperativamente parte comum do edifício e é-o, independentemente de estar afeto à utilização pelo Réu, não tendo validade a sua inclusão na fração deste, não havendo necessidade de declaração judicial da nulidade parcial do título (arts. 294º e 286º do Código Civil), como expressamente se refere no Acórdão do STJ de 12.10.2017 (Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), que se apoia em igual entendimento assumido nos acórdãos de 3 de julho de 2003, revista nº 1984/03, e de 16 de Outubro de 2003, revista nº 2567/03 (Relator Luís Fonseca), in Sumários de Acórdãos, www.stj.pt .
Por outro lado, é certo que “o órgão condomínio, entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos relativos às partes comuns do edifício responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes”, cabendo ao condomínio “reparar os danos produzidos numa fração autónoma e provenientes de uma parte comum, sendo até aplicável in casu a presunção de culpa a que alude o disposto no art. 493º, n.º 1, do C. Civil, para os danos causados por coisas”. (Acórdão desta Relação de Guimarães de 10.01.2019 - Relator: A. F. José Saúde Barroca Penha).
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 23.04.2018 (Relator: Jorge Seabra): “A realização de obras urgentes de reparação das partes comuns em ordem a evitar danos em fracção autónoma do edifício incumbe ao condomínio enquanto conjunto composto por todos os condóminos e enquanto contitulares dos direitos relativos a essas partes comuns e responsáveis pela respectiva conservação e reparação”.
Assim, a exata questão que, no caso, se deve colocar – e que a sentença recorrida não colocou – é a de saber se, sendo, como é, parte comum mas estando afeto ao uso exclusivo do proprietário de determinada fração, devem os condóminos do prédio a que serve de cobertura ser responsáveis pelas obras necessárias à conservação do terraço em causa ou se, pelo contrário, tais obras devem ser realizadas pelo aludido proprietário que detém o uso exclusivo do dito terraço: por outras palavras e na perspetiva do que vínhamos referindo sobre a aplicação do art. 493º, nº 1, do Cód. Civil, impõe-se saber sobre quem, em tais casos, recai o dever de cuidar da coisa (terraço/cobertura) e, consequentemente, a responsabilidade decorrente de eventual violação desse dever de vigilância para efeito do disposto no citado art. 493º, nº 1.
Com efeito, importa desde já frisar que não se nega o dever de vigilância que incide sobre o Réu na qualidade – não de proprietário (que já vimos que não é) – mas de exclusivo usufruidor do terraço em questão.
No sentido de que sobre os condóminos recai o dever de vigilância, quer da sua fração, quer de eventuais partes comuns afetas ao seu gozo exclusivo, como permite o nº 3 do artigo 1421º do Código Civil, aponta, por exemplo, o Acórdão do STJ de 12.10.2017 (Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza).
Importa, porém, saber o exato conteúdo desse dever, a fim de determinar quais os cuidados a que estava obrigado aquele que, como o Réu, não sendo sequer condómino do Bloco (Bloco ...) cujas partes comuns se mostram afetadas pelos danos invocados nestes autos, goza com exclusividade do uso de um terraço que é parte comum do condomínio do aludido Bloco ..., o que implica responder à questão de saber se ao mesmo incumbia realizar, no terraço de que usufruía com exclusividade, as obras de reparação que se mostrassem necessárias à não ocorrência de danos como os invocados nos autos.
Ora, como se dá nota no Acórdão desta Relação 9 de abril de 2015 (Relatora - Ana Cristina Duarte), aquela questão não tem sido pacífica e vem dividindo as opiniões de quem a tem estudado.
Seguindo a explanação ali feita, importa reter que “o princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício é o da proporcionalidade – cada condómino paga na proporção do valor da sua fracção, sendo este o valor que resulta da aplicação do disposto na parte final do art. 1418º do C. Civil. As despesas necessárias à conservação (por exemplo, limpeza e pintura do prédio, substituição de elevadores etc..), à fruição das partes comuns (despesas com electricidade, água, artigos de limpeza etc…) e ao pagamento de serviços de interesse comum (portaria, manutenção de elevadores e jardins etc…) são pagas pelos condóminos, na dita proporção. E essa obrigação é, como afirma a generalidade da doutrina (ver, por todos, Henrique Mesquita, Rev. Direitos Sociais, ano XXIII, p. 130, Pires de Lima e Ant. Varela, Código Civil anotado, III, p. 432) uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio. Já relativamente às despesas relativas aos lanços de escada e às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos, o legislador entendeu estabelecer que as mesmas deveriam ficar a cargo, exclusivamente dos que delas se servem, conforme evidencia o citado nº 3 do art. 1424º.”
Todavia, como se enfatiza no Acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2008 (citado no aresto que, neste ponto, nos vem servindo de referência) “no âmbito excepcional da previsão desse segmento normativo também só podem caber as despesas de conservação e manutenção estritamente relacionadas com o uso normal e específico dessas partes. As que excederem esse campo, por envolverem, por exemplo a fachada ou a cobertura do prédio ou estiverem relacionadas com a estrutura do mesmo, já têm de ser integradas no regime geral consagrado no nº 1”.
Daí que “considerado, nestes termos, o terraço como parte comum do edifício, a sua afectação ao uso exclusivo de um condómino, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à sua conservação e manutenção”. (Acórdão desta Relação de 04.01.2011, proferido no processo n.º 2209/07.7TBVCT.G1).
Consequentemente, afirma-se noutros arestos que “as obras de impermeabilização do terraço de cobertura competem a todos os condóminos na proporção das respectivas quotas» (Acórdão da Relação de Lisboa de 29.06.1989, in CJ, ano XIV, tomo III, pág. 159).
Isto porque “o terraço de cobertura não serve exclusivamente o autor pois a sua função primordial é (…) “a de ser parte estrutural” do edifício a que pertence”; “tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto estabelecido na disposição em causa (nº3 do artigo 1424º), mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, sendo por isso mesmo tais despesas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos. (Acórdão da Relação de Guimarães, de 23.10.2008)
Ora, no caso, mesmo perante o alegado e o peticionado, as obras não realizadas e necessárias a evitar os danos ocorridos em partes comuns e próprias do Bloco ... estavam relacionadas com infiltrações provenientes do terraço, deficiente impermeabilização na ligação da cobertura com o tubo da queda das águas pluviais e infiltrações provenientes da claraboia ali existente, sendo, pois, obras destinadas a garantir a finalidade do terraço enquanto elemento de cobertura do prédio, isto é, elemento da estrutura essencial do prédio, servindo tais obras o interesse de proteção de todo o bloco interior perante os fatores climatéricos ou atmosféricos, e, portanto, obras a cargo do condomínio, e não obras destinadas a evitar ou reparar danos causados por um mau uso do terraço ou por inadequada limpeza do mesmo, obras, em suma, relacionadas com a respetiva utilização como mero terraço (neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2008, já citado).
Ao proprietário da fração à qual está afeto o uso do terraço compete apenas mantê-lo “regularmente limpo, dele fazendo um uso normal”, não lhe competindo, pois, “aí realizar obras estruturais de impermeabilização, pois essas são da responsabilidade do condomínio”.
Aqui chegados podemos, finalmente, concluir que, no caso, não estando em causa, como não estão, infiltrações derivadas do incumprimento daquela restrita obrigação do utilizador do terraço, forçoso é considerar que o Réu não estava obrigado a proceder às obras que fossem necessárias a impedir aquela ocorrência e, assim sendo, os danos causados não inserem no âmbito do disposto no art. 493º, nº 1, do Código Civil, não havendo qualquer fundamento para lhe imputar os prejuízos advenientes da situação em apreço nos autos.
Improcede, pois, a apelação.
*
Sumário:
I – A constituição de um condomínio relativamente a parte de um edifício com vista à administração autónoma dessa mesma parte depende apenas da aprovação dos condóminos proprietários das frações inseridas na zona do prédio que justifica uma gestão separada das demais;
II - O cerne da imputação prevista no art. 493º, nº 1, do Código Civil, está na inobservância da vigilância necessária: o que releva é a perigosidade das coisas que lhes foi aportada pela ausência dos cuidados exigidos pelas particulares circunstâncias de cada caso concreto;
III – Por vezes, para efeito do citado normativo, as próprias condições em que se deu a lesão corporizam a violação do dever no tráfego e a sua causalidade na produção do evento lesivo, não tendo, por isso, o lesado, que demonstrar diretamente a concreta violação de determinado cuidado com a coisa na origem dos danos;
IV - A afetação ao uso exclusivo de uma fração de um terraço de cobertura de um prédio, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à conservação e manutenção do aludido terraço, como parte comum do edifício que aquele é, pelo que as obras necessárias a impedirem infiltrações no prédio a partir do terraço a todos os condóminos competem;
V – Ao proprietário da fração à qual está afeto o uso do terraço compete apenas mantê-lo regularmente limpo, dele fazendo um uso normal;
VI – Estando em causa danos causados por ocorrência de infiltrações, não se pode dizer que o dever de vigilância que recai sobre aquele que usufrui com exclusividade do terraço de cobertura abranja os cuidados destinados a evitá-los, não podendo, pois, imputar-se-lhe tais danos por aplicação do disposto no art. 493º, nº 1, do Cód. Civil.
IV. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 10.07.2019
Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues