INSOLVENTE
CRÉDITOS
ACÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário

I – Nenhuma norma legal impede o credor do insolvente de intentar contra ele acção declarativa para reconhecimento do seu crédito, desde que o faça em momento temporal posterior ao encerramento desta, mormente se a exigibilidade desse crédito se fundar em acto interpelativo igualmente ulterior ao encerramento da insolvência.
II – Exercendo o credor o seu direito de resolução do contrato donde emerge juridicamente a responsabilidade dos RR. pessoas singulares, enquanto fiadores da sociedade que incumpriu o contrato de utilização de loja em Centro Comercial, apenas em  Dezembro de 2014/Janeiro de 2015, quando o processo de insolvência daqueles já havia então sido declarado encerrado – através de decisão judicial datada de 11 de Abril de 2014 –, não há fundamento para a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.
III – Não é aplicável na situação sub judice a doutrina constante do acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013, nos termos do qual: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil”, na medida em que o mencionado acórdão uniformizador pressupõe a pendência da acção judicial, no âmbito da qual se verifica a declaração de insolvência do Réu, e não a sua interposição após o trânsito da decisão que julgou encerrado esse mesmo processo de insolvência.
IV - Não faz sentido que, uma vez encerrado o processo de insolvência, o respectivo devedor continue indefinidamente escudado e absolutamente protegido contra todo o tipo de acções que contra ele possam ser dirigidas, desde que tenham alguma relação temporal (ainda que lateral ou indirecta) com as circunstâncias, factos e vicissitudes que o levaram a recorrer ou a ser sujeito a esse processo especial.
V - Tratar-se-ia, inclusivamente, a perfilhar-se com tal solução, de um verdadeiro impedimento da parte ao seu direito fundamental de acesso ao direito, consagrado, em termos gerais, no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, o que não é naturalmente aceitável.
VI – Estaríamos, nesse caso, na presença de um direito subjectivo concedido pelo sistema jurídico, assente factos constitutivos claros e devidamente alegados pelo interessado, mas a que não corresponderia nenhuma acção judicial suspectível de o tornar efectivo, real e minimamente proveitoso ou útil para o respectivo titular.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção)
I – RELATÓRIO
Intentou A., acção declarativa contra B., C. e D.
A acção deu entrada em juízo em 19 de Novembro de 2015.
A A. alegou, essencialmente:
Celebrou com a Ré  B., um contrato de utilização de loja em centro comercial, o qual veio a ser incumprido por esta dando motivo ao exercício pela A. do respectivo direito de resolução.
Os RR. C. e D. foram intervenientes no contrato a título de fiadores.
Em 22 de Outubro de 2012, as partes outorgaram um acordo de reconhecimento e regularização da dívida, havendo a 1ª Ré confessado estar em incumprimento.
O débito ficou reduzido ao valor de € 47.281,39 que a 1ª Ré se obrigou a pagar em trinta prestações mensais e sucessivas.
A 1ª Ré não pagou a prestação que se venceu em 15 de Janeiro de 2013, nem nenhuma das prestações que se venceram posteriormente.
Em 24 de Janeiro de 2013 a A. foi surpreendida com carta da 1ª Ré informando que tinha sido dado início a um Processo Especial de Revitalização e que, neste processo, fora aprovado um plano de pagamento aos credores.
Nessa carta, mais se referia que os RR. C. e D. apresentaram um PER pessoal, o que os impedia de assumir este tipo de responsabilidade.
No processo especial de revitalização dos RR. C. e D. verificou-se a recusa pelo Tribunal de homologação do acordo de revitalização.
Em 23 de Dezembro de 2014, a A. enviou carta à 1ª Ré, com conhecimento aos RR. C. e D., denunciando a persistência da situação de incumprimento, advertindo que caso a 1ª Ré não regularizasse a quantia total em dívida ficaria sem efeito o Acordo de Regularização da Dívida.
A 1ª Ré não respondeu a este comunicação, nem regularizou o saldo devedor.
No dia 15 de Janeiro de 2015, a A. enviou carta à 1ª Ré, com conhecimento dos restantes RR., na qual a interpelava para a regularização das prestações contratuais em dívida, sob pena de imediata resolução do contrato.
Tal carta foi recepcionada em 16 de Janeiro de 2015, respondendo a 1ª Ré ter intenção de cumprir na íntegra o acordo de regularização da dívida com início em Janeiro de 2013.
O que não veio a acontecer, tornando-se eficaz a resolução do contrato com efeitos a partir de 26 de Janeiro de 2015.
Os RR. C. e D. são igualmente responsáveis pelos pagamentos em falta, solidariamente com a devedora (1ª Ré), na sua qualidade de fiadores, não gozando do benefício da excussão prévia.
Conclui pela condenação de todos os RR., solidariamente, nas quantias que entende encontrarem-se em dívida e que discrimina.
Foram os RR. devidamente citados.
Apresentaram contestação, na qual, para além do mais, referiram que a Ré B. foi objecto de um processo especial de revitalização, no qual a A. não reclamou os seus créditos; Os RR. C. e D. foram declarados insolventes através de sentença datada de 1 de Julho de 2013, no âmbito do processo nº 1145/13.2T2AVR, que correu termos na 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Aveiro.
A A. não reclamou os seus créditos no processo de insolvência dos RR. C. e D. nem instaurou qualquer acção de verificação ulterior de créditos nos termos e para os efeitos do artigo 146º do CIRE.
Os mesmos não foram incluídos no Plano de Insolvência que veio a ser aprovado pela maioria dos credores e que foi homologado através de sentença de 27 de Janeiro de 2014.
Pelo que não pode agora, através da presente acção, vir reclamar esses valores.
Sempre os créditos da A. seriam pagos nos termos descritos no Plano de Insolvência.
Foi junta certidão da sentença que declarou a insolvência dos RR. (cfr. fls. 364 a 371 e 410 a 487).
A 1ª Ré foi declarada insolvente por sentença judicial datada de 29 de Abril de 2016 (cfr 366 a 371).
Os RR. C. e D. foram declarados insolventes por sentença datada de 1 de Julho de 2013 (cfr. fls. 480 a 482).
O processo de insolvência dos RR. C. e D. foi declarado encerrado, na sequência do trânsito em julgado da decisão que homologou o plano de insolvência/recuperação e o conteúdo deste, por decisão judicial datada de 11 de Abril de 2014 (cfr. fls. 483).
Entretanto, veio a A. arguir a nulidade dos seguintes actos processuais praticados pelos RR. C. e D.:
- Omissão de formulação de pedido reconvencional; não especificação das excepções peremptórias  (cfr. requerimento junto a fls. 394 a 405, entrado em juízo em 15 de Setembro de 2017);
- Apresentação pelos RR. do requerimento de resposta junto a fls. 491 a 493 (cfr. requerimento junto a fls. 494 a 496, entrado em juízo em 14 de Março de 2018).
Foi proferida a seguinte decisão, datada de 8 de Janeiro de 2019, com o seguinte teor:
“Compulsados os autos, verifica-se que encontramo-nos na fase final dos articulados, cumprindo-nos, nesta fase, entre outras finalidades, designar data para realização da audiência prévia.
 Sucede, porém, que resulta das contestações dos RRs a informação que a Ré B., inicialmente submetida a um Processo Especial de Revitalização previsto no CIRE e que correu termos na secção do tribunal de comércio, distribuído com o n.º 1086/12.0T2AVR, veio a ser declarada insolvente, com caracter pleno, no dia 29-04-2016, no âmbito do processo 878/16.6T8AVR, que correu termos no J1 da 1ª secção do comércio da instância central de Aveiro, por sentença transitada em julgado a 1905-2016 (certidão fls.365 a 372).
 Por seu turno, a aqui A reclamou os seus créditos, em discussão nestes autos, nesse processo de insolvência (fls. 382 a 390).
  Cumpre apreciar:
 Dispõe o artigo 85.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo D.L. n.º 53/2004, de 18 de Março, alterado pelo D.L. n.º 200/2004, de 18 de Agosto) que: 
 «1 - Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
· - O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
· - O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária».
 Note-se que, por via da presente acção pretende o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe determinada quantia.
 Trata-se de acção que visa o pagamento de uma quantia pecuniária, que fica prejudicada face à declaração de insolvência, a qual, em caso de procedência, afectará necessária e coercivamente, o património da falida.
 Contudo, importa considerar que, atento o disposto no artigo 128.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – onde se dispõe que, «a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento» - mesmo que a presente acção viesse a ser julgada integralmente procedente, sempre a autora dos presentes autos teria de reclamar tal crédito na falência/insolvência, pelo que, a decisão que porventura fosse proferida nos presentes autos, não seria oponível no processo de falência.
 Ora, dispõe o artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil que «a instância extingue-se com (...) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide».
 Em tal caso, o juiz não deverá proferir sentença de mérito, com absolvição ou condenação - salvo quanto a custas - mas simplesmente, deverá declarar extinta a instância.   Com efeito, a declaração de insolvência da Ré torna impossível a continuação da lide de uma acção declarativa (neste sentido, vejam-se os acórdãos da RL de 14-11-2001 e RP de 07-02-2002 in www.dgsi.pt), pois, ainda que a acção declarativa viesse a ser julgada procedente – e, em consequência, ser nessa acção reconhecido o crédito da autora - sempre a mesma teria de o reclamar no processo de falência e a decisão proferida na acção declarativa, não faria ali caso julgado.
 Foi esse o entendimento do STJ consagrado no Ac. Uniformizador de Jurisprudência de 08-05-2013 (publicado a 15/02/14 no DR, I SÉRIE, Nº 39, 25.02.2014) nos termos do qual “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.” 
 Assim, no presente caso, a declaração de insolvência da Ré acarreta a inutilidade superveniente da lide. 
 Relativamente à responsabilidade tributária inerente aos presentes autos importa ter presente o que dispõe o artigo 536.º, n.º 3, do Código de Processo Civil sobre a matéria: «Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor ou requerente, salvo se a impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que este é responsável pela totalidade das custas».
 Ora, no presente caso, a declaração de insolvência é posterior à instauração dos presentes autos e à citação da Ré.
 Assim, a inutilidade superveniente é de imputar à Ré, a qual, assim, suportará as custas inerentes ao presente pleito.
 Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Valor da acção: 217.550,49              Notifique e registe.
Resulta também dos autos que os Réus C. e D. foram declarados insolventes a 1-07-2013, no processo 1145/13.2T2AVR,J3 da então 1ª secção de comércio da instância central de Aveiro e posteriormente apresentaram plano de insolvência que veio a ser por maioria homologado a 27-01-2014.
 Oficiosamente foi solicitada certidão da Insolvência dos 2 e 3 RRs, donde resulta que a sentença de insolvência dos mesmos transitou em julgado a 22-07-2013, e a sentença que homologou o plano apresentado a 30-07-2013, transitado em 17-02-2014 e ainda o despacho de encerramento do processo proferido a 11-04-2014 transitou a 5-05-2014.
 Veio a A pugnar pelo prosseguimento dos autos, alegando que o seu credito so ficou vencido depois da data da declaração da insolvência, pelo que a partir do encerramento do processo não estava a A vedada de exercer os seus direitos contra os Réus , mormente através da propositura desta acção.
Cumpre apreciar:
Compulsados os elementos juntos, verifica-se que a sentença que declarou a insolvência dos aqui 2º e 3º Réus, foi decretada com carácter pleno, tendo concedido aos credores um prazo de 30 dias para reclamarem os respectivos créditos. 
Mais se verifica que a Autora não procedeu à reclamação do crédito correspondente às quantias em divida pelos RRs, naquele prazo, no referido prazo, por alegadamente os créditos aqui peticionados apenas se tornaram exigíveis após a declaração de insolvência dos réus, sendo que parte dos mesmos se constitui após esta data - artigo 12º do Req. do A de 21.02.2018 e porque, na sua óptica a circunstancia de não ter reclamado créditos no processo de insolvência não preclude o direito de, após o encerramento daquele processo, o credor exercer o seu direito em acção proposta contra a insolvente.
Urge então perguntar:
Implicará esta ausência da reclamação do crédito no âmbito do processo de insolvência a utilidade do prosseguimento dos presentes autos ou os mesmos perderam o seu efeito útil com tal declaração de insolvência?
Ao contrário do que acontece com as acções executivas, relativamente às quais o legislador do CIRE veio no respectivo artigo 88.º, n.º 1, determinar expressamente os efeitos da declaração de insolvência, não existe norma semelhante relativamente às acções declarativas pendentes em que seja demandada a entidade declarada insolvente, no concernente às quais não decorre directamente de qualquer disposição do referido Código, a obrigatoriedade de declaração da inutilidade superveniente da lide.
 Nesta senda e concordando com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 15-12-2016, processo n.º 270/14.7TBOLH.E1, transcreve-se o mesmo, de seguida:
“Assim, a decisão há-de encontrar-se em face da interpretação dos preceitos legais que regem o processo insolvencial, estribada nos ensinamentos doutrinários e na jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, mormente da resultante do Acórdão de
Uniformização de Jurisprudência de 8-05-2013, do STJ, processo n.º 170/08.0TTALM.L1.S1 , 4ª SECÇ contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
 Ora, tendo presentes estes ensinamentos, cremos que, em face de toda a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, proferida quer antes quer após o referido Acórdão Uniformizador, e atento o respectivo segmento uniformizador, a resposta não poderá deixar de ser a de que o presente processo comum, para pagamento de quantia certa (artigo 550.º, n.º 1, do CPC), perdeu o seu efeito útil em face da declaração de insolvência da Ré, cuja condenação a pagar a quantia peticionada se pretende obter com a presente acção, devendo consequentemente ser declarada a inutilidade superveniente da presente lide.  De facto, conforme resulta dos termos da própria formulação legal constante do artigo 1.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, “[o] processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.”.
Ora, com a alteração introduzida pela reforma de 2012, é a finalidade de satisfação dos credores que norteia todo o processo, erigindo-se como verdadeira alternativa para esse efeito a recuperação da empresa e, só quando a mesma não se afigura possível, a liquidação do património do devedor. Quando esta é a possibilidade, tendo presente o carácter universal do processo de insolvência, e para que esta característica própria de execução universal seja assegurada, são legalmente consagrados vários procedimentos que visam acautelar o tratamento igualitário dos credores.
Precisamente por se tratar de um processo de execução universal, nele são chamados a concorrer todos os credores, porquanto são estes que o processo de insolvência visa tutelar, satisfazendo os mesmos, na medida do possível, com a repartição por eles do produto obtido com a liquidação do património do insolvente.
Assim, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 128.º do CIRE, que sob a epígrafe «reclamação de créditos» dá início ao título e capítulo dedicados à «verificação de créditos», a verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, à custa da massa insolvente, acrescentamos.
Por isso que, só releva a reclamação realizada nesse próprio processo. É isso mesmo que decorre “da articulação do n.º 1 com o n.º 3, primeira parte, do artigo em anotação resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação.   A formulação ampla da primeira parte do n.º 3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o n.º 3 do art.º 188.º do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderem ser pagos no processo, à custa da massa insolvente”(cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Reimpressão, Quid Iuris, 2009, pag. 448). 
 Acresce que, relativamente aos efeitos processuais derivados da declaração da insolvência sobre as acções pendentes, determina o artigo 85.º, n.º 1, do CIRE que, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, (…) são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
 Como afirmam os citados autores “no n.º 1 do art.º 85.º a mais significativa diferença em relação à lei anterior é a inclusão, no leque das acções apensáveis, das de «natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor». Para além disso, a oportunidade da apensação passou a ser aferida não apenas em função da sua conveniência para a «liquidação», mas para os «fins do processo», alargando-se, assim, o campo de aplicação do preceito”, e impondo o n.º 2 da citada disposição, a obrigatoriedade de o juiz requisitar “ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens do insolvente” [ob cit pag. 354].
 Prosseguindo ainda o excurso pelas disposições legais que enunciam claramente a ideia de o processo de insolvência é um processo de execução universal, e consequentemente, declarada a insolvência, os credores do insolvente passarem a ser credores da massa insolvente, resulta também do artigo 47.º, n.º 1, do CIRE que “declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio”.  Assim, em consonância com o exposto, o artigo 90.º do CIRE estabelece que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”, sendo esta “a solução que se harmoniza com a natureza e função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art. 1.º do Código”[ob cit pag. 364].
 Por seu turno, não será despiciendo lembrar que esta forma imperativa de exercício dos direitos dos credores no âmbito do processo de insolvência, está ainda relacionada com o princípio da igualdade dos credores, previsto no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE, ressalvadas excepções assentes em “diferenciações justificadas por razões objectivas”.
 Deste modo, e com a devida vénia, fazendo nossas as conclusões expressas no citado Acórdão do STJ de 20-09-2011, «face a estes dispositivos, parece-nos claro que deles resulta que todo e qualquer credor da insolvência, deve reclamar o seu crédito no processo de insolvência, de forma a aí poder ser ressarcido dele. Consequentemente, declarada a insolvência, aberto o incidente de qualificação com carácter pleno e fixado o prazo da reclamação de créditos, se as acções declarativas pendentes contra o devedor insolvente (em que se discutem direitos patrimoniais) prosseguirem, estar-se-á a desrespeitar o comando dos preceitos legais atrás indicados, com particular relevo para o art. 90º, porquanto aqueles credores da insolvência estariam, na pendência desta, a exercer os seus direitos por meios processuais alheios ao CIRE.
 Por tudo o exposto, somos em crer, que transitada em julgado a declaração de insolvência do devedor e aberta a fase processual de reclamação de créditos, com vista à sua ulterior verificação e graduação – frisa-se, sempre no âmbito do respectivo processo de insolvência –, deixa de ter qualquer interesse e utilidade o prosseguimento de acção declarativa instaurada com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito do demandante, pois estes sempre teriam de ser objecto de reclamação no processo de insolvência. De nada servirá, assim, a sentença proferida na acção instaurada contra o devedor, se o credor não reclamar o crédito no processo de insolvência, porquanto jamais poderá tal decisão ser dada à execução para cumprimento coercivo, até porque, de acordo com o dito art. 88º, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência».
Aplicando estes ensinamentos ao caso vertente, conclui-se que, haja ou não decisão judicial transitada a reconhecer o crédito nesta instância declarativa, nem por isso o credor estaria dispensado de ter que reclamar o crédito no processo de insolvência, por força dos normativos legais supra enunciados, não havendo consequentemente interesse processual na prossecução da mesma para efeitos de prova do crédito, a verificar e graduar na insolvência.   Acresce que tendo já decorrido o prazo para a reclamação de créditos assinado na sentença que declarou a insolvência, a credora aqui autora dispõe ainda e unicamente da possibilidade de ver reconhecido o respectivo crédito através da acção de verificação ulterior de créditos a que alude o artigo 146.º, n.º 1, do CIRE.
E sublinhando o que deixámos exposto, sendo agora a autora credora da massa insolvente e não da sociedade insolvente, é compreensível que assim seja, isto porque «visando o processo de insolvência a colocação de todos os credores em posição de igualdade jurídica perante o património da insolvente, mediante o chamado concurso universal de credores, a afirmação e reconhecimento de direitos de crédito sobre a insolvente (com efeitos no processo de insolvência, como a consideração da sua verificação) através de acções declarativas de condenação em que apenas um dos vários credores é parte, estaria aberto o caminho a situações de conluio e favorecimento entre alguns dos vários credores ou de falsos credores, por um lado, e a empresa à beira da insolvência ou já insolvente, por outro, através de simples expedientes como a não contestação das acções, omissão de apresentação de prova, confissão dos factos ou do pedido, etc., tudo com prejuízo manifesto dos restantes credores não intervenientes na acção declarativa»[ac Rl de Lisboa, proc. 424/06.0TTVFX.L1-4].
 Destarte, sendo certo que a declaração de insolvência obsta à instauração de qualquer acção executiva contra a massa insolvente, em face do preceituado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, isso significa que, mesmo no caso de procedência da presente acção declarativa com a confirmação da sentença recorrida, tal decisão não pode ser dada à execução para cumprimento coercivo, porque a tal obsta o referido preceito legal, tornandoa consequentemente inútil.
 Acresce que, de acordo com o previsto no n.º 3 do artigo 128.º, do CIRE, o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento, o que reforça a aludida inutilidade do prosseguimento da presente lide.
 Em suma, no caso vertente, se não for pedida a apensação desta acção ao processo de insolvência, nos termos previstos no artigo 85.º, n.º 1, do CIRE, e não tendo o crédito da autora sido reclamado no prazo fixado na sentença que declarou a insolvência, nos termos e com o formalismo previsto no artigo 128.º da referida codificação, pretendendo ver o seu crédito reconhecido, por força do artigo 90.º, a credora apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, in casu, lançando mão da acção de verificação ulterior de créditos, não existindo qualquer utilidade da decisão que viesse a ser proferida nestes autos, porquanto «o credor ficará “inibido”, por via do sistema imperativo resultante do CIRE, de executar uma eventual sentença que julgue procedente o seu pedido (no âmbito da acção declarativa) contra o devedor insolvente».
 Nestes termos, conclui-se pela aplicação ao caso vertente da interpretação expressa no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, que preconizou ocorrer necessariamente inutilidade da lide com o trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência com carácter pleno, ao estabelecer que «Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º do CPC»,” o que se decide.
Decisão 
Pelo exposto, em face do trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência plena dos Réus, julga-se a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 277.º do CPC.
Notifique e Registe.
Atendendo a que foi solicitado apoio judiciário pelos RRs, oficie à Segurança Social informação sobre a decisão que recaiu sobre tal pedido a fim de se apreciar se as custas serão ou não pela Massa Insolvente”.
Veio a A. a interpor recurso contra esta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 527).
Juntas as competentes alegações, a fls. 505 a 515, formulou o apelante as seguintes conclusões:
 • Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
· Na sentença recorrida, verifica-se a omissão de pronúncia sobre as nulidades assacadas pela Autora, ora Apelante, à contestação, mediante requerimento apresentado em 04.02.2016 e na resposta às exceções (Ref. Citius 21762386 e 26767471).
· O tribunal a quo também não se pronunciou sobre a nulidade do requerimento apresentado pelos Réus em 05.03.2018 (Ref. Citius 28396726), a qual foi arguida pela Autora em 14.03.2018 (Ref. Citius 28521071).
· A Autora tinha legitimidade para arguir as mencionadas nulidades, o que fez expressamente e em tempo (cf. artigos 195.º, n.º 1, 197.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 200.º, n.º 3 do C.P.C.).
· A omissão de pronúncia sobre questão submetida pelas partes ao tribunal configura uma violação do artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte do C.P.C.  e fere a sentença de nulidade.
· Nestes termos, deverá a sentença seja declarada nula por omissão de pronúncia sobre as nulidades arguidas pela Apelante (cf. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do C.P.C.).
• Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
· O tribunal recorrido assenta a sua conclusão no pressuposto de que a Apelante podia, querendo, ter reclamado créditos no processo de insolvência, fazendo tábua rasa dos argumentos expendidos pela Apelante no sentido de que os créditos se constituíram ou, pelo menos, se tornaram exigíveis após o encerramento do processo de insolvência.
· A imposição da fundamentação das decisões dos tribunais resulta do artigo 205.º da C.R.P., sendo tal princípio constitucional concretizado nos artigos 154.º e 607.º, n.º 4 do C.P.C.
· A fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
· Apenas dessa forma se assegura a transparência decisória e o exercício esclarecido do direito ao recurso. Não pode fazer-se o destinatário arcar com o fardo da descoberta das razões da decisão, devendo antes ser convencido, pelos fundamentos, que a decisão é justa.
· Omitida a necessária fundamentação sobre a bondade da sentença recorrida, deverá a mesma ser declarada nula, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., sob pena de inconstitucionalidade, por violação do dever de fundamentação consignado no artigo 205.º, n.º 1 da C.R.P. e concretizado nos artigos 154.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, ambos do C.P.C.
• Da solução de Direito
· A Apelante reconhece o mérito da sentença no que respeita à inutilidade superveniente da lide em relação à 1.ª Ré, fundada na insolvência da mesma, a qual foi declarada e transitou em julgado na pendência da presente ação.
· Em relação ao 2.º Réu e à 3.º Ré, ora Apelados, a Apelante entende que se impunha uma solução diferente por se tratar de uma situação materialmente distinta. Enquanto a insolvência da 1.ª Ré foi declarada na pendência dos presentes autos, o processo de insolvência dos Apelados já tinha sido encerrado, por despacho transitado em julgado, quando a ação declarativa sub judice foi proposta.
· Sendo a insolvência anterior à propositura da presente ação, não se compreende como é que poderia ditar a perda do efeito útil dos presentes autos. Apenas se perde aquilo que um dia que já se teve.
· A jurisprudência de que a decisão recorrida se socorre, em concreto o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.12.2016 (processo n.º 270/14.7TBOLH.E1) - o qual, por sua vez, remete para o acórdão de 20.09.2011 do Supremo Tribunal de Justiça e para o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 424/06.0TTVFX.L1-4 - parte de uma premissa que não se verifica in casu
· Nesses casos, a insolvência da parte foi declarada na pendência da ação declarativa (em recurso), sendo-lhe, consequentemente, superveniente.
· Somente a pendência do processo de insolvência (no momento em que os tribunais superiores declararam a instância extinta por inutilidade superveniente da lide) justifica a invocação da natureza e função de execução universal da insolvência propugnados no artigo 1.º do C.I.R.E.
· A pendência de um processo de insolvência constitui o impedimento ao prosseguimento da lide declarativa; e nunca a circunstância de, no passado, a parte ter sido declarada insolvência em processo que já chegou ao seu termo.
· Caso o processo de insolvência já tivesse sido encerrado, também careceria de sentido a menção ao artigo 85.º do C.I.R.E. e à apensação da ação declarativa por iniciativa do administrador da insolvência.
· Esta é também a lógica que presidiu ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no dia 08.05.2013, cuja tema decidendum se centra nos «[…] efeitos processuais da declaração de falência/insolvência sobre os processos pendentes aquando da sua decretação […].
· Não é demais referir que a insolvência dos Apelados não é um facto novo ocorrido na pendência dos presentes autos. A presente ação foi proposta quando o processo de insolvência já estava encerrado há mais de um ano. Não tendo o crédito peticionado nos presentes autos sido reconhecido no âmbito da insolvência, a Apelante não tem título para executar, não o podendo obter por outra via. Neste sentido, a ação declarativa mantém o efeito útil, permitindo dirimir a litigiosidade que envolve o direito de crédito invocado pela Apelante.
· Considerar que o credor que não viu os seus créditos reconhecidos em processo de insolvência encerrado perde a faculdade de obter o reconhecimento judicial do seu direito conduziria, na prática, a uma caducidade que não encontra acolhimento no texto da lei.
· Nos termos do artigo 90.º do C.I.R.E., as restrições ao exercício dos créditos sobre a insolvência verificam-se durante a pendência do processo de insolvência (e não depois).
· Encerrado o processo de insolvência, retorna à esfera dos credores a faculdade de exercerem os seus direitos de crédito contra o insolvente (cf. artigo 233.º, n.º 1, alínea c) do C.I.R.E.).
· Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.05.2014 (processo n.º 190/12.0TTSTS.P1), que explica: «O CIRE não determina que o credor da insolvência que no âmbito do processo de insolvência não reclamou o seu crédito, fique impedido, numa fase posterior, e já fora desse mesmo âmbito, de o fazer em acção própria. A sua inércia não implica a renúncia ao crédito.»
· A interpretação contrária conferiria ao processo de insolvência o papel de «livre trânsito», colocando o insolvente a salvo ad eternum de qualquer ação judicial. A interpretação consignada na decisão recorrida afronta, nessa medida, o acesso ao direito e aos tribunais salvaguardado no artigo 20.º, n.º 1 e 5 da C.R.P.  
· É também discutível se impenderia sobre a Apelante o ónus (não o dever) de apresentar reclamação de créditos no âmbito da insolvência dos Apelados. Na tese produzida na contestação, foram alegadamente feitos pagamentos ao abrigo do Acordo durante o ano de 2014, ou seja, já após a declaração de insolvência dos Apelados, em 01.07.2013. A Apelante enviou interpelação admonitória, alertando para os efeitos do incumprimento do Acordo, somente em 23.12.2014 (cf. DOCS. 38 a 40 da petição inicial). Logo, no período de tempo em que decorreu o processo de insolvência dos Apelados (i.e. entre julho de 2013 e maio de 2014), o crédito da Apelante ainda não era exigível. Quando o Acordo foi declarado definitivamente incumprido, em janeiro de 2015, o processo de insolvência dos Apelados já havia sido declarado encerrado há oito meses.
· Acresce que as quantias peticionadas a título de penalidades contratuais, indemnização por lucros cessantes, indemnização por danos emergentes e as faturas juntas como DOCS. 67 a 127 apenas se venceram após o encerramento do processo de insolvência, pelo que nunca poderia a Apelante ter reclamado estes valores (que, nessa altura, não estavam na sua esfera jurídica) na insolvência, nem estão os mesmos abrangidos pelo plano de recuperação homologado.
· Em qualquer caso, mesmo que prevalecesse o entendimento de que a Apelante estava vinculada ao plano de recuperação e, consequentemente, à alteração dos prazos de pagamento regulada no dito plano de revitalização - o que se equaciona por mero dever de patrocínio e sem conceder - nunca poderia a mesma prescindir do prévio reconhecimento judicial do seu direito de crédito (litigioso). Saliente-se que os Apelados nunca fizeram (o que também não invocam) qualquer pagamento à Apelante ao abrigo do plano de recuperação, apesar de o primeiro pagamento aos credores comuns se ter vencido em abril de 2015.
· Por todas as razões acima expostas, deveria o tribunal recorrido, independentemente da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente à 1.ª Ré, ter ordenado o prosseguimento da ação declarativa contra o 2.º Réu e a 3.ª Ré, ora Apelados, para julgamento do mérito da causa.
Ao declarar a instância extinta por inutilidade superveniente da lide em relação aos Apelados, o tribunal a quo violou as normas vertidas nos artigos 277.º, alínea e) do C.P.C., 90.º e 233.º, n.º 1, alínea c) do C.I.R.E. e 20.º, n.º 1 e 5 da C.R.P.
Contra-alegaram os apelados, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida
Apresentou as seguintes conclusões:
· Suscita a Recorrente a existência de nulidade da sentença dado que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões submetidas à sua apreciação. 
· Cremos que a sentença ora recorrida não enferma de qualquer nulidade, não assistindo à Recorrente qualquer razão.
· Como bem refere a Recorrente, dispõe o artigo 608.º, n.º 2 que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…) ”. 
· Em ordem à excepção invocada pelo referido preceito, ao determinar a inutilidade superveniente da lide ab initio, e a consequente extinção da instância nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) CPC, a decisão de qualquer outra questão suscitada perante o tribunal revelar-se-ia prejudicada.
· Sem prejuízo, sempre se dirá que em ordem aos princípios gerais do processo civil, maxime o princípio da gestão processual, e em sintonia com a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil vigente, “Importa-se para o processo comum o princípio da gestão processual, consagrado e testado no âmbito do regime processual experimental, conferindo ao juiz um poder autónomo de direcção ativa do processo, podendo determinar a adopção dos mecanismos de simplificação e de agilização processual que, respeitando os princípios fundamentais da igualdade das partes e do contraditório, garantam a composição do litígio em prazo razoável”. 
· A pronúncia do tribunal a quo pelas questões suscitadas antes de determinar a inutilidade superveniente da lide, além de não produzir qualquer efeito útil, apenas contribuiria para o atraso na decisão da causa, decisão essa que, perante os elementos fornecidos aos autos, conduziria necessariamente à extinção da instância.
· Vem, ainda, a Recorrente discordar com a sentença proferida pela primeira instância, de inutilidade superveniente da lide, em relação aos 2.º e 3.º Réus. 
· Não se vislumbra qualquer justificação para tal, a não ser a de que a ora Recorrente tem somente interesse na manutenção do presente pleito dado que, em sede própria, não reclamou os seus créditos no processo de insolvência dos ora Recorridos, frustrando-se assim qualquer tentativa de ressarcimento dos mesmos. Senão vejamos:
· A Recorrente alega, quanto aos aqui Recorridos que, por desconhecimento do processo de insolvência, a Recorrente não reclamou créditos, 
· A verificação de créditos “tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento (…) Por isso que, só releva a reclamação realizada nesse próprio processo”.  
· Permitir que qualquer credor que não tenha reclamado créditos no devido tempo e lugar, possa vir posteriormente (e após o encerramento do processo de insolvência) intentar uma acção de condenação sob a forma de processo comum extravasa a finalidade intrínseca e inerente do processo de insolvência. 
· Sem prejuízo, sempre se dirá que o processo de insolvência é público. 
· Nesta senda, não pode a Recorrente afirmar, como afirmou, que não teve conhecimento do mesmo para tentar justificar o prosseguimento dos presentes autos, apenas para tentar colmatar uma falha que por sua responsabilidade e apenas a si diz respeito.
Face ao exposto, deve negar-se provimento ao recurso interposto a fls., confirmando-se integralmente a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.

II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Nulidades da sentença arguidas pela recorrente (artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil).
2 – Ordenada extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil. Acção declarativa interposta contra os RR. insolventes após o trânsito em julgado da decisão que declarou encerrado o seu processo de insolvência.
Passemos à sua análise:
1 – Nulidades da sentença arguidas pela recorrente (artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil).
Invoca a apelante a existência de duas nulidades na decisão recorrida, subsumíveis nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
Por um lado, refere que a sentença é nula por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil), uma vez que não se pronunciou sobre as nulidades assacadas pela Autora, ora Apelante, à contestação, mediante requerimento apresentado em 4 de Fevereiro de 2016 e na resposta às excepções, nem sobre a nulidade do requerimento apresentado pelos Réus em 5 de Março de 2018, a qual foi arguida pela Autora em 14 de Março de 2018.
Por outro, invoca igualmente a nulidade da sentença por falta de fundamentação (artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil), uma vez que o tribunal recorrido assentou a sua conclusão no pressuposto de que a apelante podia, querendo, ter reclamado créditos no processo de insolvência, fazendo tábua rasa dos argumentos expendidos pela Apelante no sentido de que os créditos se constituíram ou, pelo menos, se tornaram exigíveis após o encerramento do processo de insolvência, com violação do artigo 205.º da C.R.P, princípio constitucional concretizado nos artigos 154.º e 607.º, n.º 4 do C.P.C.
Apreciando:
Não assiste razão à apelante quanto às arguições de nulidade a que procedeu.
Quanto à omissão do conhecimento das arguições de nulidades suscitadas em relação a articulados apresentadas pela Ré, a mesma ficou obviamente a dever-se à declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ordenada pelo juiz a quo ao abrigo do disposto no artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, a qual, logicamente, prejudicou desde logo, automaticamente, a apreciação de quaisquer outras matérias suscitadas nos autos.
Ou seja, tendo tido lugar a extinção da presente instância deixou de fazer sentido a apreciação de quaisquer outros actos praticado pelas partes, que apenas se compreendem e justificam enquanto o processo subsistir e tiver o seu normal prosseguimento.
O seu termo ocasiona necessariamente a absoluta inutilidade de todo o processado – regular ou irregular.
Pelo que a sua eventual apreciação redundaria, neste contexto, na prática de um acto absolutamente inútil e contraproducente, o que é vedado nos termos do artigo 130º do Código de Processo Civil.
No que respeita à dita nulidade da sentença por falta de fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, cumpre salientar que este vício formal da sentença abrange unicamente a absoluta falta de fundamentação da decisão judicial, não integrando as situações de fundamentação meramente deficiente, imperfeita ou mesmo errónea.
Para esse efeito dispõe o interessado a ampla possibilidade de a impugnar por via de recurso, sendo no âmbito do conhecimento do mérito deste que se aquilatará do bem ou mal fundado da interpretação perfilhada pelo juiz a quo.
Com efeito, o artigo 615º, nº 1, do Código de Processo Civil, nas suas diversas alíneas, apenas cuida de vícios formais da decisões recorrida e não de questões de discordância de fundo do recorrente quanto ao teor do decidido, como é evidentemente o caso.
Improcedem, portanto, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos, as nulidades arguidas pela apelante.
2 – Ordenada extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil. Acção declarativa interposta contra os RR. insolventes após o trânsito em julgado da decisão que declarou encerrado o seu processo de insolvência.
A questão essencial que se coloca no presente recurso tem a ver com a produção dos efeitos associados à sentença de declaração de insolvência do devedor e aprovação do respectivo Plano de Insolvência (homologado judicialmente) relativamente à tramitação de uma acção declarativa instaurada pelo credor após o trânsito em julgado da decisão judicial que declarou o encerramento do processo de insolvência respectivo.
Vejamos:
Adiante-se, desde já, que assiste, a nosso ver, inteira razão à apelante.
A declaração de insolvência dos RR. C. e D. (fiadores no contrato de utilização de loja em centro comercial, cujo incumprimento a A. acusa e que serve de causa de pedir à petição inicial) não se verificou durante a pendência da presente causa.
Bem pelo contrário, esta acção judicial deu entrada em juízo (em 19 de Novembro de 2015) quando já se encontrava há muito definitivamente encerrado o processo de insolvência dos RR. C. e D., no âmbito do qual teve lugar a aprovação do respectivo Plano de Insolvência (por decisão judicial de encerramento do processo de insolvência datada de 11 de Abril de 2014). 
Ora, nenhuma norma legal impede o credor do insolvente de intentar contra ele acção declarativa para reconhecimento do seu crédito, desde que o faça em momento temporal posterior ao encerramento desta, mormente se a exigibilidade desse seu crédito se fundar em acto interpelativo igualmente ulterior ao encerramento da insolvência.
No caso concreto, o exercício do direito de resolução do contrato em apreço donde emerge juridicamente a responsabilidade dos RR. pessoas singulares, enquanto fiadores da sociedade que incumpriu o contrato de utilização de loja em Centro Comercial, operou apenas em 26 de Janeiro de 2015, na sequência da comunicação/interpelação admonitória realizada pela A. em 23 de Dezembro de 2014, sendo certo que o mencionado processo de insolvência já havia então sido declarado encerrado – através de decisão judicial datada de 11 de Abril de 2014, isto é, mais de oito/nove meses antes.
Esta interpretação do regime legal aplicável – que afasta a opção jurídica adoptada em 1ª instância de ordenar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, relativamente aos RR. fiadores C. e D. -  resulta expressa e directamente do disposto no artigo 233º, nº 1, alínea c), do CIRE, quando neste preceito se prevê que: “Encerrado o processo (de insolvência) (...) os credores poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos (...)”.
Escreve sobre esta matéria Alexandre de Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina, 2015, página 350:
“Um dos efeitos da declaração de insolvência do devedor é o de obrigar os credores da insolvência a exercerem os seus direitos em conformidade com o disposto no CIRE enquanto estiver pendente o processo de insolvência (artigo 90º). Lembre-se, também, que a declaração de insolvência vai obstar à instauração de acções executivas pelos credores da insolvência contra o insolvente (artigo 88º, nº 1).
Uma vez encerrado o processo de insolvência, os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor. Tanto mais que, como resulta do artigo 100º, um dos muitos efeitos da sentença de declaração de insolvência é precisamente o de suspender “todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante do decurso do processo””.
A este respeito, vide Catarina Serra in “O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução”, Almedina, 2005, 3ª edição, página 69: “Com o encerramento do processo (de insolvência) cessam quase todos os efeitos da declaração de insolvência. Sendo os seus efeitos, na sua maioria, instrumentais em relação ao processo, é natural que se mantenham durante o seu curso e que cessem automaticamente aquando do seu encerramento”.
(vide também sobre este ponto Luís Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, Almedina, 2011, 3ª edição, a página 316).
Por outro lado, os artigos 90º e 91º do CIRE, que obrigam a que os credores do insolvente tenham de exercer os seus créditos apenas no âmbito do processo de insolvência e em conformidade com o CIRE, reportam-se unicamente às situações verificadas na pendência do processo de insolvência, não abrangendo o exercício de direitos em momento posterior, quando tal processo já se encontrava definitivamente concluído, como se nos afigura lógico e razoável.
Da mesma forma, o artigo 146º do CIRE que versa sobre a verificação ulterior de créditos ou de outros direitos pressupõe precisamente a pendência do processo de insolvência, não impedindo os credores de recorrer aos meios comuns para exigir dos seus devedores os seus créditos quando teve lugar o encerramento do processo de insolvência (que deixou essencialmente de produzir efeitos fora do restrito âmbito do Plano de Insolvência aprovado e judicialmente homologado).
(Neste preciso e exacto sentido, vide os seguintes arestos:
- acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Maio de 2014 (relator António José Ramos) -contendo um voto de vencido - , publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Março de 2018 (relatora Teresan Sá Lopes), publicado in www.dgsi.pt;
- acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Fevereiro de 2017 (relator Alberto Ruço ), publicado in www.dgsi.pt).
Na situação sub judice, evidencia-se a particular circunstância de a resolução do negócio que desencadeia juridicamente o direito de acção contra os RR. fiadores e ora apelados, tornando exigível contra eles o crédito em causa que constitui o pedido deduzido na presente acção, ter tido igualmente lugar em momento posterior ao encerramento do seu processo de insolvência, quedando assim incompreensível a razão de ser para a decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.
Afigura-se-nos ainda inequívoco não ser aplicável na situação sub judice a doutrina constante do acórdão uniformizador nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013, nos termos do qual: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil”.
Nesse aresto enfatizou-se que “…não dispondo a A., ao tempo da declaração de insolvência da R., de sentença proferida na acção pendente, a mesma, enquanto credora da insolvente, apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código (CIRE) e durante a pendência deste processo, como prescreve o seu artigo 90º”.
O mencionado acórdão uniformizador pressupõe, naturalmente e como resulta da sua simples leitura, a pendência da acção judicial, no âmbito da qual se verifica a declaração de insolvência do Réu, e não a sua interposição após o trânsito da decisão que julgou encerrado esse mesmo processo de insolvência.
A situação de facto sobre que concretamente versa reporta-se a uma acção declarativa intentada em 4 de Março de 2008, tendo ocorrido a declaração de insolvência da Ré em 20 de Janeiro de 2011.
No mesmo sentido, define-se a questão decidenda nos seguintes termos: “Ante o exposto, importa então saber se, após a declaração de insolvência da R. – decretada na pendência da presente acção, por sentença transitada em julgado, e em cujo processo (de insolvência) a recorrente reclamou créditos que aqui peticiona/va – subsiste alguma utilidade ou fundada razão, juridicamente consistente, que justifique a prossecução da acção, maxime até ao posterior momento da sentença de verificação de créditos, como a recorrente propugna”.
Não se abordou nesse aresto uniformizador qualquer situação de facto similar à presente, na qual o facto gerador da exigibilidade do crédito relativamente aos RR fiadores e a acção declarativa condenatória destinada precisamente a fazê-lo reconhecer são cronologicamente posteriores ao próprio encerramento do processo de insolvência dos devedores.
Logo, não é possível avocar a doutrina desse acórdão para determinar ou influenciar a decisão a proferir nestes autos.
De resto, na situação sub judice constitui, a nosso ver, um paradoxo invocar-se a extinção superveniente da lide por inutilidade superveniente, na medida em que, durante a pendência do processo de insolvência, a mesma não se havia sequer iniciado.
Logo a declaração de insolvência não poderia, à partida, tornar inútil algo que pura e simplesmente não existia ao tempo dessa mesma declaração (e mesmo do encerramento do respectivo processo).
Outrossim não faz sentido algum que, uma vez encerrado o processo de insolvência, o respectivo devedor continue indefinidamente escudado e absolutamente protegido contra todo o tipo de acções que contra ele possam ser dirigidas, desde que tenham alguma relação temporal (ainda que lateral ou indirecta) com as circunstâncias, factos e vicissitudes que o levaram a recorrer ou a ser sujeito a esse processo especial.
Tratar-se-ia, inclusivamente, a perfilhar-se com tal solução, de um verdadeiro impedimento da parte ao seu direito fundamental de acesso ao direito, consagrado, em termos gerais, no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, o que não é naturalmente aceitável.
Com efeito, assistindo à ora A. o direito de crédito sobre os RR. fiadores, que inclusive reconhecem expressamente o não pagamento pela sua afiançada de prestações relacionadas com o contrato de utilização de loja em Centro Comercial, a perfilhar-se a posição adoptada na decisão recorrida, aquela jamais poderia fazê-lo reconhecer judicialmente, embora o processo de insolvência - invocado como única forma e justificação para a exoneração prática da responsabilidade contratual pelos devedores – tenha deixado há muito de produzir os seus efeitos (para além dos relacionados, em termos circunscritos, com o Plano de Insolvência aprovado).
Estaríamos nesse caso na presença de um direito subjectivo concedido pelo sistema jurídico, assente factos constitutivos claros e devidamente alegados pelo interessado, mas a que não corresponderia nenhuma acção judicial suspectível de o tornar efectivo, real e minimamente proveitoso ou útil para o respectivo titular.
Trata-se, como se compreende, de um paradoxo e de uma incongruência que não poderá perfilhar-se.
A apelação procede, portanto.

IV - DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos autos relativamente aos RR. C. e D.
Custas pelos RR. apelados.

Lisboa, 2 de Julho de 2019.
Luís Espírito Santo
Conceição Saavedra
Cristina Coelho