EXECUÇÃO
VENDA
DIREITO DE REMIÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Sumário

I – O artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil prevê a anulação da venda em processo executivo por invalidade de um acto processual que se integra sequencialmente nessa fase e for concretamente relevante para esse desfecho, ou seja, para a transmissão do bem ao adquirente, viciando-o sem possibilidade de sanação.
II - Com vista ao pleno e cabal exercício de todos os direitos de defesa que legitimamente lhe assistem enquanto executada nos autos, era absolutamente crucial que lhe tivesse sido validamente comunicado o despacho judicial de autorização da venda do imóvel penhorado através de negociação particular.
III - Só a partir daí a executada ficaria a saber que a venda do imóvel penhorado iria efectivar-se nessa modalidade e a breve trecho, sendo-lhe, só nessa altura, conferidas condições objectivas para exercer nos autos, plena e cabalmente, todos os seus direitos de defesa, designadamente no sentido de impedir ou paralisar os efeitos da venda do imóvel penhorado em favor do adquirente/exequente que a tal se candidatava.
IV - Mormente o direito de remição só poderia ter sido exercido até o momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
V - Ora, para o exercício desta faculdade era absolutamente essencial e decisivo que a executada tivesse conhecimento do despacho judicial que autorizou a realização da venda na modalidade referida (negociação particular) e tendo por referência o preço oferecido.
VI - Não o tendo sido, ficou óbvia e decisivamente prejudicada quanto ao exercício de uma faculdade legal que a lei especialmente lhe reservava, havendo lugar, nos termos do artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, à anulação da venda realizada através de negociação particular.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).
I – RELATÓRIO.
Nos presentes autos de execução em que é exequente A., e são executados B. e C., foi proferida a seguinte decisão datada de 3 de Dezembro de 2018, na sequência do requerimento apresentado pela executada C., entrado em juízo em 17 de Outubro de 2018, onde se pede a anulação da venda realizada em 27 de Junho de 2017 do imóvel penhorado, através de negociação particular, pelo facto de, alegadamente, desde o mês de Maio de 2016, altura da renúncia ao mandato por parte da advogada constituída pela executada, não ter tido conhecimento dos actos processuais sucessivamente praticados nos autos, quer pelo agente de execução, quer pelo tribunal, tendo-lhe sido negada a possibilidade de reação contra os mesmos:
“Nos presentes autos de execução em que é exequente A........que sucedeu à inicial exequente ......) e executados C. e B., aquela executada, até 9 de Abril de 2014, foi representada pelo patrono nomeado Dr. J.M..
 Em 29 de Novembro de 2011, o Dr. J.M, notificado para o efeito, pronunciou-se sobre a modalidade de venda do imóvel penhorado e respetivo valor de venda, tendo proposto a venda mediante propostas em carta fechada pelo valor de € 330.000,00.
 Por notificação de 6 de Dezembro de 2011, o Dr.J.M. foi notificado da decisão do agente de execução de venda do imóvel penhorado por propostas em carta fechada e pelo valor base de € 295.800,00.
Em 9 de Abril de 2014, a Dr.ª S. F. juntou aos autos procuração forense outorgada pela executada C.
 Por despacho de 22 de Abril de 2016, foi designado o dia 24 de Maio de 2016 para a abertura das propostas.
Por notificação de 28 de Abril de 2016, a Dr.ª S. F. foi notificada do teor do referido despacho de 22 de Abril de 2016.
Com o seu requerimento de 3 de Maio de 2016, a Dr.ª S. F. declarou renunciar ao mandato conferido pela executada C..
 Por notificação expedida a 4 de Maio de 2016, por carta registada, a executada C. foi notificada do teor do referido requerimento de 3 de Maio de 2016 e ainda para, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário nos autos.
Por notificação de 2 de Maio de 2016, o agente de execução notificou a Dr.ª S. F. do dia designado para a abertura das propostas (24 de Maio de 2016), informando que “ Os bens serão adjudicados a quem melhor preço oferecer em carta fechada acima do valor de 251.430,00 euros, correspondente a 85% do valor base de 295.800,00 euros (…).”
Como consta do respetivo auto de abertura de propostas, no dia 24 de Maio de 2016 não foi apresentada qualquer proposta pelo que, por despacho ali exarado, foi ordenada a venda do imóvel penhorado por negociação particular, “mantendo-se o valor mínimo anunciado”.
Por notificação de 25 de Maio de 2016, o agente de execução notificou a Dr.ª S. F. do teor do referido auto de abertura de propostas onde o agente de execução sugeriu ser o próprio nomeado como encarregado da venda.
Em 23 de Junho de 2016 e 24 de Junho de 2016, o agente de execução notificou, respetivamente, a executada C. e o Dr. J. M. do seguinte: “Fica V. Exa. notificado(a) (…) do teor do requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do exequente de que se junta cópia e para, querendo, se pronunciar no prazo de DEZ DIAS, sobre a oferta de 199.100,00 euros.”
 Após requerimento do agente de execução, foi proferido, em 14 de Março de 2017, o seguinte despacho: “A venda por negociação particular constitui uma das modalidades de venda prevista no processo executivo visando a satisfação do interesse do credor e é adoptada quando se frustre a venda por propostas em carta fechada. No caso, a venda por negociação particular foi determinada em sede de abertura de propostas em carta fechada, datada de 24 de Maio de 2016, por ausência de propostas de compra do imóvel. O valor constante da única proposta apresentada até á data é inferior ao valor correspondente a 85% do valor base anteriormente fixado. Acresce que devidamente notificadas as partes não se opuseram à aceitação de tal proposta e inexistem quaisquer credores reclamantes. Pelo que fica dito, atenta a inexistência de qualquer outra proposta com vista à aquisição do bem, o lapso temporal decorrido e não se obtendo, entretanto, melhor preço, autoriza-se a venda do imóvel pelo preço sugerido. Notifique.”.
Tal despacho foi notificado em 21 de Março de 2017 ao Dr. J. M.. 
Em 20 de Junho de 2017, o agente de execução notificou o Dr. J. M. de que “Na sequencia do douto despacho judicial, fica V. Exa. notificado(a) que foi decidido aceitar a proposta de venda do bem penhorado apresentada pelo Ilustre Mandatária do exequente, pelo valor de 199.100,00 euros”.
Em 27 de Junho de 2017 foi realizada a escritura pública de compra e venda do imóvel penhorado, sendo comprador a exequente pelo preço de € 199.100,00.   
Em 28 de Junho de 2017, o agente de execução notificou a executada C. e o Dr. J. M.
 de que “Fica V.ª Exa. notificado(a) do instrumento da venda elaborado nos termos e para os efeitos dos artigos 832º alínea d) e 833º ambos do Código de Processo Civil, no cartório Notarial de E.M.F. assim como nota de liquidação efectuada para, querendo se pronunciar no prazo de dez dias”.
Com os seus requerimentos de 10 e 13 de Julho de 2017, a executada C. requereu que sejam anulados todos os atos praticados no processo em data posterior à apresentada declaração de renúncia pela Dr.ª S. F..
Com o seu requerimento de 2 de Outubro de 2017, a exequente pugnou pela manutenção da realizada venda. 
Em 15 de Junho de 2018, a Dr.ª M. T. juntou aos autos procuração forense outorgada pela executada C..    
 Em 28 de Junho de 2018, no apenso E, a Dr.ª M. T. juntou aos autos substabelecimento dos poderes forenses a favor, designadamente, da Dr.ª C. M.  com o seu requerimento de 17 de Outubro de 2018, a executada C. reiterou o seu pedido de anulação da realizada venda.
Cumpre decidir
Para fundamentar a sua pretensão de anulação dos referidos atos processuais, incluindo a anulação da realizada venda, a executada C. alegou, no essencial, o seguinte.
   “(…) as notificações efectuadas pelo AE, quer ao Dr. J. M.M. patrono nomeado que cessou funções aquando da constituição da mandatária (9 de Abril de 2014) quer à então mandatária constituída Dra. S. F., que posteriormente renunciou ao mandato em 3 de Maio de 2016, são ilegais, nulas e ineficazes, tendo como consequência a nulidade de todos os actos praticados posteriormente e subsequentes. Assim, a Executada não foi notificada, como é obrigatório por lei, da designada venda e muito menos da data em que a mesma iria ser realizada. Ora, a omissão dessa notificação e o decorrente desconhecimento da modalidade e da data designada para a venda impediu a Executada de proceder em defesa dos seus interesses e permitiu que fosse apresentada uma proposta por valor inferior ao do imóvel em causa, com evidente prejuízo para ela. A falta dessa notificação tem como consequência o anular de todo o processado, pelo menos desde o despacho que designa dia e hora para a venda e abertura de propostas e demais condições e a própria venda. A venda de bem penhorado, realizada no âmbito de um processo de execução, pode ser inválida por motivos substanciais ou formais. A invalidade substancial respeita aspectos relacionados com a vontade de adquirir o bem ou com a titularidade deste; enquanto que a invalidade formal decorre de fundamentos processuais. Estabelece o artigo 839.º do Código de Processo Civil que: “1. Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:(...) b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 4 do artigo 851º; c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º; (...).” Claramente a situação factual do caso concreto sub judice enquadrase na previsão constante do citado normativo, razão pela qual subsiste a invalidade da venda efectuada e do processado dos autos. Aliás, como bem refere o artigo 201.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, o que manifestamente sucedeu no caso em análise. 
Assim, desde pelo menos o mês de Maio de 2016, altura da renúncia de mandato da Dra. S. F., que a Executada, não teve efectivo e integral conhecimento do teor de todos os actos processuais sucessivamente praticados naqueles autos, quer pelo tribunal quer pelo agente de execução, tendo-lhe sido negado a possibilidade de reacção aos actos praticados. Tendo sido violados os artigos 188.º e ss do CPC, bem assim como os direitos constitucionais consagrados da Executada (cfr. art.º 20.º e ss da CRP). E, consequentemente, a falta de notificação desses mesmos actos processuais, como é óbvio e indiscutível, consubstancia uma nulidade, a qual, nos termos da lei, é insanável. (…).”
 O NCPCivil dispõe nos seus arts. 838.º, n.º 1, e 839.º, n.º 1, alíneas a) a d), do CPCivil, que, se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda; além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito: a) se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada; b) se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 4 do artigo 851.º; c) se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º; d) se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
 Em 9 de Abril de 2014, a Dr.ª S. F. juntou aos autos procuração forense outorgada pela executada C.. 
 É manifesto que, a partir desta data – 9 de Abril de 2014 - cessou o patrocínio então exercido pelo Dr. J. M. que deixou, desde então e definitivamente, de representar a executada C..  
 Assim, a partir de 9 de Abril de 2014, as notificações efetuadas ao Dr. J. M. são nulas, não produzindo quaisquer efeitos. 
 A prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa; quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes. - art. 195.º, n.º 1 e 2, do CPCivil.  
 Com o seu requerimento de 3 de Maio de 2016, a Dr.ª S. F. declarou renunciar ao mandato conferido pela executada C..
 Por notificação expedida a 4 de Maio de 2016, por carta registada, a executada C. foi notificada do teor do referido requerimento de 3 de Maio de 2016 e ainda para, no prazo de 20 dias, constituir novo mandatário nos autos.
 Apenas em 15 de Junho de 2018, a executada C. constituiu nova mandatária (a Dr.ª M. T.).    
Assim, a sequência de notificações válidas é a seguinte:
· em 29 de Novembro de 2011, o Dr. J. M., notificado para o efeito, pronunciou-se sobre a modalidade de venda do imóvel penhorado e respetivo valor de venda, tendo proposto a venda mediante propostas em carta fechada pelo valor de € 330.000,00;
· por notificação de 6 de Dezembro de 2011, o Dr. J. M. foi notificado da decisão do agente de execução de venda do imóvel penhorado por propostas em carta fechada e pelo valor base de € 295.800,00;
· por despacho de 22 de Abril de 2016, foi designado o dia 24 de Maio de 2016 para a abertura das propostas;
· por notificação de 28 de Abril de 2016, a Dr.ª S. F. foi notificada do teor do referido despacho de 22 de Abril de 2016;
· por notificação de 2 de Maio de 2016, o agente de execução notificou a Dr.ª S. F. do dia designado para a abertura das propostas (24 de Maio de 2016), informando que “ Os bens serão adjudicados a quem melhor preço oferecer em carta fechada acima do valor de 251.430,00 euros, correspondente a 85% do valor base de 295.800,00 euros (…).”
· por notificação de 25 de Maio de 2016, o agente de execução notificou a Dr.ª S. F. do teor do referido auto de abertura de propostas onde o agente de execução sugeriu ser o próprio nomeado como encarregado da venda.   
· em 23 de Junho de 2016, o agente de execução notificou a executada C. do seguinte: “Fica V. Exa. notificado(a) (…) do teor do requerimento apresentado pelo Ilustre Mandatário do exequente de que se junta cópia e para, querendo, se pronunciar no prazo de DEZ DIAS, sobre a oferta de 199.100,00 euros.”;
· em 28 de Junho de 2017, o agente de execução notificou a executada C. de que “Fica V.ª Exa. notificado(a) do instrumento da venda elaborado nos termos e para os efeitos dos artigos 832º alínea d) e 833º ambos do Código de Processo Civil, no cartório Notarial de E. M. F. assim como nota de liquidação efectuada para, querendo se pronunciar no prazo de dez dias”. 
 Considerando a sequência de notificações validamente efectuadas, constata-se que a arguida nulidade da realizada venda deve improceder.
Assim, a executada desde cedo expressou nos autos que o imóvel penhorado deveria ser vendido por propostas em carta fechada.
 Frustrada a venda por propostas em carta fechada, foi ordenada, por despacho proferido nos autos, a venda do imóvel penhorado por negociação particular, conforme legalmente previsto. 
 A executada C. foi oportunamente notificada para se pronunciar sobre o preço oferecido pela exequente no âmbito da negociação particular em curso, nada tendo dito no prazo assinalado pelo agente de execução.
Dos factos atrás elencados resulta que a executada C., por intermédio do seu patrono e mandatárias (nos termos atrás expostos) ou por si, teve conhecimento atempado dos atos processuais relevantes para poder influenciar a realizada venda do imóvel penhorado, designadamente no que respeita à modalidade da venda utilizada e ao respetivo preço.
 Atenta a factualidade provada, atrás exposta, conclui-se pela irrelevância no caso concreto dos demais meios de prova apresentados (testemunhas e declarações de parte), sendo certo que a executada não negou que recebeu a aludida notificação de 23 de Junho de 2016.    Face ao exposto, quanto aos referidos requerimentos da executada C., decide-se:
· declarar a nulidade das notificações efetuadas ao Dr. J. M. a partir de 9 de Abril de 2014;
· na parte restante, indeferir totalmente o requerido, designadamente, indeferir a requerida anulação da venda do identificado imóvel. 
 Custas do incidente pela executada C., fixando-se a taxa de justiça em duas UCs.” (cfr. fls. 26 a 33).
Apresentou a executada  C. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 34).
Juntas as competentes alegações, a fls. 36 a 45, formulou a apelante as seguintes conclusões:
A. A Recorrente assenta a interposição do seu recurso nos seguintes fundamentos, a saber - a 03.12.2018 foi proferida douta decisão a:
- “(...) declarar a nulidade das notificações efectuadas ao Dr. J. M. a partir de 09-04-2014;
- na parte restante, indeferir totalmente o requerido, designadamente, indeferir a requerida anulação da venda do identificado imóvel.”
A. Ora, considera-se que não se verifica a existência de fundamentos no caso concreto, pelo que deveria ter sido doutamente anulada e venda do imóvel melhor identificado nos autos.
B. Foi apresentado um incidente de Anulação da Venda Judicial a 25.06.2018 pela Recorrente - que ora se dá como transcrito – e a 10.07.2017 dera entrada uma Reclamação de Actos do Agente de Execução  pela mesma parte – que também se dá como reproduzida.
C. Ora, no âmbito do processo supra mencionado, veio a ser nomeado patrono da Recorrente o ilustre advogado Dr. J. M. M., o qual se manteve em funções até a Recorrente ter constituído sua mandatária a ilustre advogada Dr. S. C. F., conforme requerimento e procuração juntas aos autos em 09/04/2014.
D. Assim, e como sabemos, se depois de nomeado patrono oficioso, o mandatário constituído vier juntar procuração forense aos autos, cessa de imediato o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento dos seus honorários, que lhe havia sido concedido.
E. Pelo que, para todos os efeitos legais e processuais o Dr. J. M. deixou de ter qualquer relação com o processo, passando a Recorrente a ser única e exclusivamente representada nesse processo pela Dra. S. F..
F. Tanto mais assim é que, a partir dessa constituição como mandatária o Sr. Agente de Execução, como é de lei, passou a fazer todas as notificações e endereçar todas as comunicações à Dra. S. F. e não mais ao Dr. J. M..
G. Isso mesmo foi reconhecido pelo douto tribunal a quo, quando diz:
“(...) Em 09-04-2014, a Dr.ª S. F. juntou aos autos procuração forense outorgada pela executada C..
É manifesto que, a partir desta data – 09-04-2014 – cessou o patrocínio então exercido pelo Dr. J. M. que deixou, desde então e definitivamente, de representar a executada C..(...)(negrito e sublinhado nosso)
G. Acontece que, em 03/05/2016 a Dra. S. F. veio a renunciar ao mandato anteriormente conferido, conforme notificação enviada pelo tribunal à A..
H. Sendo que, como é evidente e notório essa renúncia passou a ser do conhecimento geral e oficioso tanto do tribunal como do Sr. Agente de Execução.
I. Não obstante tal realidade factual, devidamente comprovada, o Sr. Agente de Execução continuou a remeter as notificações e informações referentes ao processo para a mandatária renunciante.
J. Sendo tais notificações ilegais, nulas e ineficazes, o que tem como consequência a nulidade de todos os actos praticados posteriormente e subsequentes.
K. Acontece que, veio o tribunal a quo na decisão proferida e ora em crise a considerar na “sequência de notificações válidas” – “(...) por notificação de 25-05-2016, o agente de execução notificou a Dr.ª S. F. do teor do referido auto de abertura de propostas onde o agente de execução sugeriu ser o próprio nomeado como encarregado da venda.(...)” (negrito e sublinhado nosso)
L. O que não corresponde de todo à realidade!
O. Tal notificação, nunca e em tempo algum, poderia ter sido julgada como válida, como o foi!
P. Isto porque, e conforme o próprio tribunal a quo reconheceu na decisão ora objecto de recurso a Dra. S. F. renunciou ao mandato conferido pela então executada C. por requerimento de 03-05-2016.
Q. E ainda, que “(...) Por notificação expedida a 04-05-2016, por carta registada, a executada C. foi notificada do teor do referido requerimento de 03-05-2016 (...).”(negrito e sublinhado nosso)
R. Sendo que, o art.º 39.º, do CPC, sob a epígrafe “Revogação e renúncia do mandato” preceitua nos seus n.ºs 1, 2 e 3:
1 - A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.
2 - Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no número seguinte.
3 - Nos casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias (...).”
S. Ora, no caso em apreço a Recorrente, então Executada, foi notificada da renúncia do mandato pela sua então mandatária e sendo obrigatória a constituição de mandatário, era-lhe concedido um prazo de vinte dias para constituir novo mandatário.
T. O que nunca veio a suceder.
U. Assim, a Recorrente ficou desprovida de qualquer representação no processo em causa, o que nos termos do artigo supra citado, mais concretamente do seu  número 4, deveria ter levado o tribunal a - “Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.
V. Razão porque tais actos processuais praticados pelo Sr. Agente de Execução e igualmente pelo douto Tribunal a quo, são nulos e ineficazes, inquinando assim todo o processado.
W. Logo, a omissão da notificação ao executado do despacho que designa a data, valor base, modalidade e local da venda, por ser susceptível de influir na decisão da causa, constitui uma nulidade processual.(cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/29/2011, in www.dgsi.pt)
X. Como resulta da própria comunicação do Sr. Agente de Execução (vide Doc.4), a notificação da Recorrente do despacho que designou a modalidade e a data da venda, foi efectuada num momento em que esta já não se encontrava representada pela mandatária judicial em tempo constituída, por renúncia da mesma, e em razão dessa constituição de mandatário a nomeação do patrono anterior havia cessado de per si.
Y. A propósito das notificações às partes que não constituíram mandatário, dispõe o n.º 1, do artigo 249.º, do C.P.C., que “as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou domicilio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
Z. Sustenta ainda a Recorrente que foram omitidos actos que a lei prescreve, a saber, a sua notificação do despacho que designou a modalidade e o dia para realizar a venda, violando o 249.º do Código de Processo Civil, relativo ao modo e às formalidades que devem ser observadas nas notificações às partes, mais argumentando que tal omissão teve influência no exame e decisão da causa, nomeadamente, “impediu a executada de proceder em defesa dos seus interesses e permitiu que fosse apresentada uma proposta por valor inferior ao do imóvel em causa, com evidente prejuízo para a executada”.
AA. E, assim sendo, dúvidas não podem restar de que não tendo sido remetido para a residência da Recorrente, a notificação não produziu os seus efeitos, ou seja, não pode ter-se como realizada.
BB. Pelo que, e sem margem para dúvida, verifica-se que a Recorrente foi gravemente prejudicada pelos actos e omissões praticados pelo Sr. Agente de Execução e pelo douto Tribunal a quo.
CC.Por conseguinte, dúvidas não restam, nem podem restar, de que a
Recorrente, então executada não foi notificada, como é obrigatório, da designada venda e muito menos da data em que a mesma ia ser realizada.        
DD.Aliás, o desconhecimento da modalidade dessa venda e da data designada impediu a então executada de proceder em defesa dos seus interesses e permitiu que fosse apresentada uma proposta por valor inferior ao do imóvel em causa, com evidente prejuízo para a Recorrente/ Executada.
EE. Consultando o Citius, não se descortina nos registos do processo em causa qualquer decisão sobre esta matéria, mas constata-se que foram efectuadas diligências de venda e adjudicação sem que nada lhe fosse notificado.
FF. Não se entendendo a notificação ora recebida, em 30/06/2017 datada de 28/06/2017, e a omissão por parte do Agente de Execução, das notificações pessoais à Executada, ora Recorrente.
GG.Ora, a omissão dessa notificação e o decorrente desconhecimento da modalidade e da data designada para a venda impediu a Recorrente de proceder em defesa dos seus interesses e permitiu que fosse apresentada uma proposta por valor inferior ao do imóvel em causa, com evidente prejuízo para ela.
HH.Isto porque, a notificação dos executados a informá-los da venda designada e da modalidade e demais condições é requisito essencial, pelo que a sua omissão constitui nulidade.
II. Assim, a falta dessa notificação tem como consequência o anular de todo o processado, pelo menos desde o despacho que designa dia e hora para a venda e abertura de propostas e demais condições e a própria venda.
JJ. O art.º 195.º, do C.P.C., contém a regra geral das nulidades do processo, para todos os casos não abrangidos nas nulidades especificamente previstas, designadamente, nos art.ºs 186.º a 194.º da lei processual civil.
KK. De acordo com tal regime geral das nulidades do processo, previsto no artigo 195.º do C.P.C., a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade, desde que a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
LL. Ora, como se refere em Acórdão desta Relação - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo nº 213/06, “a influência que as irregularidades processuais referidas no art.º 201.º [atual 195.º] possam ter relativamente ao “exame e discussão da causa”, de modo a emergirem como nulidades, deve ser vista em abstracto, porque se a lei quisesse que a mesma fosse aferida em concreto, não diria “possa influir” (vale dizer, susceptível de influir), mas diria “tenha influído”.
(...)
Mas se assim é, há que ponderar que interesses é que a notificação que se omitiu, se destinava a assegurar.
E esses são, à partida, os do executado, em poder não concordar com o valor proposto para a venda, e, o de, em alternativa, poder sugerir, de imediato, ou em prazo razoável, outro preço e outros interessados, na consecução do seu normal objectivo de ver, tanto quanto possível, valorizado, o seu património penhorado.
Mas, também o do regular exercício da remição.
É que, a notificação em causa, tendo permitido ao executado saber que a venda se iria realizar por um determinado preço, permitir-lhe-ia também, poder informar familiares seus, susceptíveis de exercerem o direito de remição, para que estes, querendo e podendo, o viessem a exercer por esse valor.
Repare-se que o direito de remição não visa proteger directamente interesses das pessoas a quem é atribuído – cônjuge do executado que dele não esteja separado de pessoas e bens e seus ascendentes e descendentes – e tão pouco os do executado, mas o mais genérico e social da protecção do património familiar do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados. “É um benefício a favor do executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução” – Amâncio Ferreira, “Curso do Processo de Execução”, 7ª ed , 345 – já que se traduz no direito daquelas pessoas poderem haverem para si, na acção executiva, os bens adquiridos ou vendidos, pelo preço da adjudicação ou da venda (842.º CPC).
“Quer evidenciar-se com o que se referiu, que se é certo que, diversamente do que sucede com os titulares do direito de preferência, os titulares do direito de remição não são notificados para o exercer na execução”, (...) atenta a falta de publicidade da venda por negociação particular, “seguramente, e mais do que nunca, o legislador terá contado com o conhecimento do executado relativamente às condições da venda, para informar os seus familiares, titulares daquele direito (obra citada 346)”.
MM.A venda de bem penhorado, realizada no âmbito de um processo de execução, pode ser inválida por motivos substanciais ou formais. A invalidade substancial respeita a aspectos relacionados com a vontade de adquirir o bem ou com a titularidade deste; enquanto que a invalidade formal decorre de fundamentos processuais.
NN.Estabelece o artigo 839.º do Código de Processo Civil que:
“1. Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
(...) b) Se toda a execução for anulada por falta ou nulidade da citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 4 do artigo 851º;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º; (...).”
OO.Claramente a situação factual do caso concreto sub judice enquadra-se na previsão constante do citado normativo, razão pela qual subsiste a invalidade da venda efectuada e do processado dos autos.
PP. Os autos estão inquinados de vício, porquanto nem à Executada, ora Recorrente, foram enviadas as notificações de decisões que pudessem afectar os seus direitos.
QQ.Aliás, como bem refere o artigo 201.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, o que manifestamente sucedeu no caso em análise.
RR. Assim, desde pelo menos Maio de 2016, altura da renúncia de mandato, que a Recorrente, então Executada, não teve efetivo e integral conhecimento do teor de todos os actos processuais sucessivamente praticados naqueles autos, quer pelo tribunal quer pelo agente de execução, tendo-lhe sido negado a possibilidade de reação aos actos praticados.
SS. Tendo sido violados os artigos 188.º e ss do CPC, bem assim como os direitos constitucionais consagrados da Recorrente, então Executada (cfr. art.º 20.º e ss da CRP).
TT. E, consequentemente, a falta de notificação desses mesmos actos processuais, como é óbvio e indiscutível, consubstancia uma nulidade, a qual, nos termos da lei, é insanável.
UU.Assim, à luz dos argumentos acabados de expender, cuja profunda consistência se reconhece, dúvidas não restam de que a omissão de uma notificação válida e regular do executado, da data, do valor base, do local e da modalidade da venda, mostra-se susceptível de influenciar o exercício dos aludidos direitos que assistem ao Executado, no caso da Recorrente, bem como, de influir no exercício do direito de remição, constituindo, por isso, nulidade processual, pois que, se o executado o tivesse sido, poderia ter providenciado pela obtenção de melhores propostas ou até contactar os legítimos e potenciais remidores no sentido de estes virem a ponderar o exercício do direito deles, designadamente, as respectivas condições do ponto de vista pratico-processuais.
VV. Pelo que, existe vício, formal e/ou substancial, a apontar à venda executiva efectuada, pelo que assiste fundamento legal à ora Recorrente, então Executada, para anular a referida venda (cfr. artigo 195.º em conjugação com as alíneas b) e c) do n.º 1, do artigo 839.º, ambos do CPC).
WW. Face a todo o exposto, conclui-se que, pelas razões invocadas, adecisão do Juízo de Execução de Oeiras não deveria ser de indeferimento da anulação da venda do identificado imóvel, mas admissão da mesma.
XX. A recorrente goza do benefício de proteção jurídica na dispensa de pagamento de custas judiciais.
Não houve resposta.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra,
isto é,
os descritos na decisão recorrida e ainda que, por despacho judicial datado de 4 de Outubro de 2018, foi decidido: “(...)reqs. da executada C. de 10-7-2017 e 13-7-2017 – Tais requerimentos não se mostram subscritos por advogado em violação do disposto no artigo 40º, nº 1, alínea a) do CPCivil. Contudo, tendo aquela executada constituído mandatária nos autos, considera-se sanado o apontado vício.”.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
 Pedido de anulação da venda de imóvel realizada em processo executivo (artigo 839º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil. Renúncia ao mandato. Efeitos (artigo 47º do Código de Processo Civil). Arguição de nulidades. Ausência de notificação à executada da decisão judicial que autorizou a realização da venda do bem imóvel penhorado através de negociação particular.
Passemos à sua análise:
A recorrente pretende  a anulação, por omissão de notificação válida de actos processuais que tinha o direito de conhecer, de todos os praticados nos autos de execução, quer pelo agente de execução, quer pelo juiz a quo, desde a notificação da renúncia ao mandato apresentada pela advogada por si constituída, Dr. S. F., o que sucedeu em 4 de Maio de 2016, e especialmente a venda por negociação particular que foi realizada no dia 27 de Junho de 2017, atendendo a que a ora apelante só voltou a constituir nos autos nova mandatária judicial em 15 de Junho de 2018.
Vejamos:
Dispõe o artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil:
“Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
(...) se for anulado o acto de venda, nos termos do artigo 195º;”..
Por sua vez, estabelece o artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil:
“Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa”. 
Esta disposição legal prevê a anulação da venda em processo executivo por invalidade de um acto processual que se integra sequencialmente nessa fase e for concretamente relevante para esse desfecho, ou seja, para a transmissão do bem ao adquirente, viciando-o sem possibilidade de sanação.
O presente  recurso de apelação assenta parte da sua fundamentação no facto de, segundo a apelante, após a renúncia apresentada em 3 de Maio de 2016 pela sua ilustre mandatária judicial da executada, a Drª S. F., ter ficado sem representação judicial, constituindo tal circunstância uma nulidade processual susceptível de inquinar todos os actos posteriormente praticados na execução.
Sucede que o regime legal aplicável à situação sub judice não confere, neste ponto, respaldo à sua interpretação jurídica e consequente pretensão.
Vejamos:
A renúncia da ilustre mandatária judicial constituída pela executada, a Drª S. F., foi apresentada em 3 de Maio de 2016.
No dia seguinte – em 4 de Maio de 2016 – a executada foi notificada dessa renúncia ao mandato nos termos do artigo 47º, nº 1, do Código de Processo Civil, com expressa advertência de que:
- a renúncia produzia os seus efeitos a partir dessa notificação (artigo 47º, nº 2, do Código de Processo Civil);
- sendo obrigatória a constituição de mandatário, competia à executada constituí-lo dentro do prazo de vinte dias a contar dessa notificação (artigo 47º, nº 3, do Código de Processo Civil);
- sendo a falta de constituição de novo mandatário judicial da parte da executada, o processo prosseguiria os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado - que veio a renunciar ao mandato - (artigo 47º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Civil).
Ora, não havendo a executada constituído nos autos de execução novo mandatário judicial no referido prazo de vinte dias, o processo prosseguiu naturalmente os seus termos, aproveitando-se tudo o que foi processado pela advogada renunciante.
Ou seja, foi a executada expressamente informada que arcaria com as consequências processuais associadas ao facto de não ter advogado por si constituído – sendo neste contexto expressamente avisada de que disporia do prazo de vinte dias para o efeito -, bem como que a execução não se sustaria pela dita inexistência da relação de mandato judicial.
Cumpre referir, a este propósito, que sendo a mandante devidamente notificada da renúncia da sua advogada, é óbvio que não existia fundamento legal para a nomeação de um defensor oficioso nos termos do artigo 47º, nº 4, do Código de Processo Civil, que pressupõe, precisamente, que a executada não tivesse sido notificada da dita renúncia.
A lei não dá assim a menor cobertura à alegação produzida pela apelante quando afirma que a Recorrente ficou desprovida de qualquer representação no processo em causa, o que nos termos do artigo supra citado, mais concretamente do seu  número 4, deveria ter levado o tribunal a - “Sendo o patrocínio obrigatório, se o réu, o reconvindo, o executado ou requerido não puderem ser notificados, é nomeado oficiosamente mandatário, nos termos do n.º 3 do artigo 51.º.”, razão porque tais actos processuais praticados pelo Sr. Agente de Execução e igualmente pelo douto Tribunal a quo, são nulos e ineficazes, inquinando assim todo o processado”.
Ao invés, tais actos processuais são plenamente válidos e eficazes, não padecendo de qualquer vício.
Pelo que, com tal fundamento, improcederia inevitavelmente a presente apelação.
Sem prejuízo do que se referiu, encontra-se insofismavelmente demonstrado nos autos que a executada não teve conhecimento do teor da notificação do despacho judicial, proferido em 14 de Março de 2017, efectuada apenas ao defensor oficioso J. M. M. quando o mesmo já não exercia tais funções, face à ulterior constituição como mandatária judicial da executada, Drª S. F., e que, portanto já não a representava a título algum.
Consta desse referido despacho:
“A venda por negociação particular constitui uma das modalidades de venda prevista no processo executivo visando a satisfação do interesse do credor e é adoptada quando se frustre a venda por propostas em carta fechada. No caso, a venda por negociação particular foi determinada em sede de abertura de propostas em carta fechada, datada de 24 de Maio de 2016, por ausência de propostas de compra do imóvel. O valor constante da única proposta apresentada até á data é inferior ao valor correspondente a 85% do valor base anteriormente fixado. Acresce que devidamente notificadas as partes não se opuseram à aceitação de tal proposta e inexistem quaisquer credores reclamantes. Pelo que fica dito, atenta a inexistência de qualquer outra proposta com vista à aquisição do bem, o lapso temporal decorrido e não se obtendo, entretanto, melhor preço, autoriza-se a venda do imóvel pelo preço sugerido. Notifique.”
 Ao invés, e por outro lado, já a executada foi devidamente notificada dos seguintes actos processuais:
· Requerimento apresentado pelo exequente nos seguintes termos “para, querendo, se pronunciar no prazo de DEZ DIAS, sobre a oferta de 199.100,00 euros.”, que foi notificado pessoalmente à executada C. em 23 de Junho de 2016, conforme é bem sublinhado na decisão recorrida.   
· instrumento da venda elaborado nos termos e para os efeitos dos artigos 832º alínea d) e 833º ambos do Código de Processo Civil, no cartório Notarial de E. M. F. assim como nota de liquidação efectuada para, querendo se pronunciar no prazo de dez dias que foi notificado à executada C. em 28 de Junho de 2017.
Foi ainda e também a executada devidamente notificada dos seguintes actos que, nessa medida se devem considerar como válidos:
- notificação da executada para se pronunciar acerca da modalidade de venda (em 29 de Novembro de 2011, na pessoa do defensor oficioso nomeado);
- notificação da decisão do agente de execução quanto à venda do imóvel penhorado e respectivo valor de venda, com a venda mediante propostas em carta fechada e pelo valor de € 330.000,00 (em 6 de Dezembro de 2011, na pessoa do seu defensor oficioso);
- notificação da abertura de propostas com designação do dia 22 de Abril de 2016, para esse efeito (em 28 de Abril de 2016, realizada na pessoa da sua advogada Drª S. F.);
- notificação do agente de execução quanto ao dia designado para a abertura de propostas – 24 de Maio de 2016 – (em 2 de Maio de 2016, na pessoa da sua advogada S. F.)
Apreciando:
Quanto à discutida relevância da falta de comunicação à executada da decisão judicial de autorização judicial da venda do imóvel através de negociação particular (e pelo preço oferecido pelo exequente que o viria a adquirir), sendo inegável a invalidade da notificação efectuada a um defensor oficioso que já exercia tais funções nessa ocasião, dir-se-á:
Está em causa a notificação do despacho que autoriza a venda do imóvel através de negociação particular pelo valor correspondente a  85% do valor base anteriormente fixado e a notificação da aceitação pelo agente de execução da proposta de venda do bem penhorado pelo exequente pelo valor de € 199.100,00.
Invoca, a recorrente, quanto a esta matéria, que:
A omissão dessa notificação e o decorrente desconhecimento da modalidade e da data designada para a venda impediu a Recorrente de proceder em defesa dos seus interesses e permitiu que fosse apresentada uma proposta por valor inferior ao do imóvel em causa, com evidente prejuízo para ela.
Isto porque, a notificação dos executados a informá-los da venda designada e da modalidade e demais condições é requisito essencial, pelo que a sua omissão constitui nulidade.
Assim, a falta dessa notificação tem como consequência o anular de todo o processado, pelo menos desde o despacho que designa dia e hora para a venda e abertura de propostas e demais condições e a própria venda.
Assiste manifesta e indiscutivelmente razão à apelante.
Com efeito, com vista ao pleno e cabal exercício de todos os direitos de defesa que legitimamente lhe assistem enquanto executada nos autos, era absolutamente crucial que lhe tivesse sido validamente comunicada a autorização da venda do imóvel penhorado através de negociação particular.
Só a partir daí a executada ficaria a saber que a venda do imóvel penhorado iria efectivar-se nessa modalidade e a breve trecho, sendo-lhe, só nessa altura, conferidas condições objectivas para exercer nos autos, plena e cabalmente, todos os seus direitos de defesa, designadamente no sentido de impedir ou paralisar os efeitos da venda do imóvel penhorado em favor do adquirente/exequente que a tal se candidatava.
Mormente o direito de remição só poderia ter sido exercido até o momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Ora, para o exercício desta faculdade era absolutamente essencial e decisivo que a executada tivesse conhecimento do despacho judicial proferido em 14 de Março de 2017 que autorizou a realização da venda na modalidade referida (negociação particular) e tendo por referência o preço oferecido (€ 199.100,00).
Não o tendo sido, ficou óbvia e decisivamente prejudicada quanto ao exercício de uma faculdade legal que a lei especialmente lhe reservava.
 O que só por si determinada a anulação da venda realizada no âmbito do presente processo executivo, uma vez que tal situação preenche claramente a previsão do artigo 839º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
Sobre esta matéria, vide os seguintes arestos:
- acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Fevereiro de 2017 (relator António Magalhães), publicado in www.dgsi.pt, onde se refere que no caso de venda por negociação particular de imóveis, o direito de remição pode ser exercido até à assinatura do título de venda que, neste caso, corresponde à escritura pública.
- acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Março de 2019 (relator Rui Machado e Moura), publicado in www.dgsi.pt, onde se concluiu que “a fim  de viabilizar o exercício do direito de remição, o agente de execução deve comunicar ao executado o despacho de adjudicação, bem como as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde será concretizada a venda por negociação particular dos imóveis em discussão”.
- acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de Junho de 2008 (relator Gomes da Silva), publicado in www.dgsi.pt, onde se conclui que, tratando-se de venda por negociação particular, tem de haver-se por indispensável que o remidor tenha conhecimento do acerto do preço de venda, bem como dos encargos a suportar com o acto, para ser-lhe exigível que disponha dos meios adequados ao resgate.
Pelo que, com este fundamento jurídico, procederá inevitavelmente a presente apelação, anulando-se a venda do bem penhorado na presente execução.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
 
IV - DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e anulando-se a venda do imóvel penhorado, concretizada através da negociação particular que teve lugar, por escritura pública, no dia 27 de Junho de 2017.
Custas pelo exequente (que pugnou pelo indeferimento das arguições de nulidade suscitadas pela executada).

Lisboa, 28 de Maio de 2019.
 
Luís Espírito Santo
Conceição Saavedra
Cristina Coelho