PENHORA
LIMITES
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
VENDA EXECUTIVA
Sumário

· O princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, consagrado no Art. 752.º 2 do C.P.C., é um limite à penhora de bens indicados pelo exequente e tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (Art. 62.º da C.R.P.) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas. A natureza gravosa da penhora deve assim limitar-se ao que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas.
· A penhora deve iniciar-se pelos bens de mais fácil execução, em respeito pelo princípio da adequação (Art. 751.º n.º 1 do C.P.C.), passando depois para os demais, desde que respeitem os princípios da proporcionalidade e os limites estabelecidos em normas imperativas (Art. 751.º n.º 2 do C.P.C.). Finalmente, ainda que não se adeque, por excesso, é admissível a penhora de imóveis ou estabelecimentos comerciais, respeitados que sejam os limites objetivos estabelecidos nas alíneas do n.º 3 do Art. 751.º do C.P.C..
· Encontrando-se o crédito do exequente a ser satisfeito pela penhora no vencimento do executado, revela-se excessiva e desproporcionada a penhora do imóvel que serve de casa de habitação do executado, que tem um valor patrimonial muito superior ao da dívida exequenda, custas e encargos prováveis da execução, considerando que esse imóvel tem duas hipotecas com registo anterior à penhora e a probabilidade de o exequente obter qualquer satisfação efetiva do seu crédito pela venda judicial desse bem ser por isso diminuta.
Considerando que o executado está a cumprir os créditos garantidos pelas hipotecas com registo anterior à penhora, a possibilidade de venda judicial do imóvel que lhe serve de casa de habitação constituiria para o executado um dano excessivamente gravoso, que não se traduziria num ganho efetivo para o credor exequente, havendo assim violação do princípio da proporcionalidade (Art. 751.º n.º 2, 2.ª parte, do C.P.C.).

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A., executado nos autos principais, veio deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa, por embargos de executado, contra exequente, B., invocando a inexequibilidade do título executivo e que a liquidação da obrigação apresentada pelo exequente apresentava incorreções por excesso. Cumulativamente deduziu oposição à penhora, alegando que o imóvel penhorado é a sua casa de habitação, tem o valor patrimonial de €56.426,95, havendo excesso de penhora pois o valor da execução é de €30.189,54. Relevou ainda que existem duas hipotecas sobre o imóvel e o produto da venda não chegará para pagar as hipotecas, sendo que seria mais natural que a penhora se iniciasse pelo veículo automóvel objeto do contrato de crédito a que se reporta a dívida exequenda.
A exequente, ora embargada, contestou defendendo a liquidação da dívida exequenda e a sua exequibilidade e que não se verifica excesso de penhora.
Findos os articulados, foram os mesmos objeto duma primeira decisão final, em despacho saneador-sentença, que julgou a oposição por improcedente. Mas, dessa decisão veio a ser interposto recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 22 de março de 2018, anulado a sentença recorrida, ordenando que fosse convocada audiência prévia para os fins aí mencionados.
Realizada a audiência prévia, veio a ser proferido novo despacho saneador-sentença de fls 149 a 156, datado de 3 de outubro de 2018, que julgou parcialmente procedentes os embargos e extinta a execução quanto ao montante de €38,25 relativos à taxa de justiça, mas julgou totalmente improcedente a oposição à penhora.
É deste último segmento decisório da sentença, relativo ao julgamento da improcedência da oposição à penhora, que o embargante não concorda, interpondo recurso de apelação do qual sobrelevam as seguintes conclusões:
A) Em 19/02/2014, o ora recorrido/exequente interpôs ação executiva para pagamento de quantia certa contra o ora recorrente/executado, pela qual reclama o pagamento da quantia de 27.445,04€, acrescida dos competentes juros de mora e demais encargos do processo (vd. requerimento executivo);
B) Foram indicados pelo exequente como bens a penhorar: o recheio da casa de habitação do executado e o veículo automóvel, Volkswagen Pólo 1.4, matrícula 4...;
C) Em 18/03/2014, a Sra. Agente de Execução notificou a entidade patronal do executado/recorrente, no caso a sociedade “S., SA”, para efeitos de penhora do vencimento do executado (vd. notificação junto aos autos);
D) Em 06/04/2015, a Sra. Agente de Execução procedeu à penhora do imóvel/casa de habitação do executado/recorrente, ao qual foi atribuído o valor patrimonial de 48.750,00€ e sobre o qual estão inscritas duas hipotecas a favor do Novo Banco, S.A. (vd. auto de penhora de 06/04/2015 junto aos autos);
E) Em 29/04/2015, o ora recorrente deduziu oposição à execução (mediante embargos) e oposição à penhora à ação executiva que lhe foi movida pelo embargado/recorrido, B. nos termos do disposto nos artigos 728º e ss e 784º e ss. do CPC;
F) Relativamente à oposição à penhora (vd. auto de penhora de 06/04/2015), o executado/opoente baseou a sua pretensão na inadmissibilidade da penhora (artigo nº 784º, nº 1, al. a) do C.P.C.);
G) Encontra-se em curso a penhora do vencimento do executado/recorrente, no valor (líquido) de 340,00€/mês (vd. auto de penhora de 08/02/2017);
H) Em 24/02/2017, o executado/opoente requereu que fossem suspensas as diligências de venda do seu imóvel/casa de habitação, até à decisão final sobre os embargos deduzidos;
I) Em 15/05/2017, foi penhorado o reembolso de IRS do executado, relativo ao ano de 2016, no valor de 2.209,92€ (vd. auto de penhora de 15/05/2017);
J) Em 21/01/2018, foi proferida despacho de retificação da sentença proferida no apenso B/reclamação de créditos, que julgou procedente a reclamação promovida pelo executado/recorrente e graduou o crédito reclamado (74.821,84€) em 1º lugar e o crédito exequendo (30.189,54€) em 2º lugar;
K) Em 03/04/2018, veio o credor reclamante informar os autos principais que o valor base para a venda do imóvel penhorado se deveria fixar em 63.868,00€;
L) Em 03/05/2018, foi proferido despacho que decretou a suspensão da venda do imóvel penhorado, até à decisão final dos embargos;
M) Em 02/10/2018, a Sra. agente de execução informa os autos e as partes que tinha sido penhorado (até essa data) a quantia total de 9.009,92€;
N) Em 04/10/2018, foram as partes notificadas da sentença ora em crise, que julgou parcialmente procedente a oposição à execução e totalmente improcedente a oposição à penhora deduzida pelo executado/opoente;
O) Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião, de acordo com os factos carreados para os autos e nos termos do direito aplicável ao caso sub judice, não pode o ora recorrente concordar com o entendimento da Mm.ª Juíza a quo, relativamente à decisão de julgar improcedente a oposição à penhora deduzida pelo executado/recorrente;
P) Em primeiro lugar, impõe-se referir que resultou provado nos autos que o imóvel penhorado constitui a casa de habitação do executado e do seu agregado familiar, que é composto pela sua companheira, SM e pela filha menor de ambos, MM (vd. despacho de 03/05/2018);
Q) Assim sendo, importa recordar que a Lei nº 60/2012 de 09/11 reforçou a tutela do direito à habitação efetiva dos executados, conforme resulta do disposto no artigo 751º, nº 1 e nº 3, alíneas a) e b) do CPC;
R) Mais estipulou o legislador que “a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados do crédito do exequente” (vd. artigo 751º, nº 1 do CPC);
S) A preocupação do legislador com o justo equilíbrio entre as partes está também expressamente consagrado no artigo 735º, nº 3 do CPC que dispõe: “a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (…)”;
T) Reportando-nos ao caso em apreço, constata-se que o crédito exequendo se fixou em 30.189,54€ e que o exequente indicou como bens a penhorar o recheio da casa de habitação do executado e uma viatura automóvel;
U) Posteriormente, em 18/03/2014, a Sra. Agente de Execução notificou a entidade patronal do executado, para efeitos de penhora do vencimento por este auferido;
V) Não satisfeito, o exequente/recorrido solicitou também à Sra. agente de execução que procedesse à penhora do imóvel/casa de habitação do executado, o que veio a suceder em 06/04/2015, tendo sido atribuído ao bem o valor patrimonial de 48.750,00€ (vd. auto de penhora de 06/04/2015);
W) Ora, o imóvel/casa de habitação do executado (e respetivo agregado familiar), encontra-se onerado com duas hipotecas a favor do credor hipotecário, Novo Banco, SA (vd. auto de penhora 06/04/2015);
X) Este facto foi desde logo mencionado pelo executado/recorrente em sede de oposição à penhora, tendo o mesmo alegado que atento o valor patrimonial do imóvel e o montante global dos créditos hipotecários devidos ao credor hipotecário, o exequente/oposto jamais poderia ver o seu crédito satisfeito através da venda judicial da casa de habitação do ora recorrente, pelo que estamos perante uma penhora claramente desadequada e desproporcionada, logo, inadmissível, nos termos do disposto no art. 784º, nº 1, al. a) do CPC;
Y) De facto, em sede de reclamação de créditos o credor hipotecário reclamou créditos no valor global de 74.821,84€, tendo a sentença proferida graduado os créditos reclamados em 1º lugar e o crédito exequendo (30.189,54€) em 2º lugar (vd. sentença do apenso B);
Z) Ao contrário do mencionado na sentença recorrida, foi também requerido nos autos (no caso pelo credor hipotecário, Novo Banco, SA) que o valor patrimonial a indicar para efeitos de venda do imóvel penhorado se deveria fixar em 63.868,00€;
AA) Ou seja, para além das penhoras inicialmente requeridas, na presente execução foi também penhorado um bem imóvel (no caso a casa de habitação do executado) cujo valor ascende a mais do dobro do crédito exequendo e cuja venda judicial não trará ao exequente qualquer satisfação (total ou parcial) do seu crédito;
BB) Até à presente dada, e num espaço de 1 ano e meio, encontra-se penhorado à ordem dos autos principais a quantia pecuniária global de 9.009,92€, sendo certo que o capital em dívida indicado no requerimento executivo se cifrou 12.197,93€;
CC) Conclui-se, pois, que a penhora do imóvel/casa de habitação do executado/opoente traduz-se, objetivamente, numa situação de excesso de penhora, sendo legítimo ao executado/opoente opor-se à mesma, com fundamento na inadmissibilidade da extensão com que a mesma foi realizada, o que significa que a sentença recorrida violou o disposto no art. 784º, nº 1, al. a) do CPC;
DD) De facto, sabendo-se que o ato de constituição da garantia patrimonial em que a penhora assenta está submetido a um princípio estrito de proporcionalidade e devendo essa diligência limitar-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda (e demais encargos do processo), a sentença recorrida violou o disposto no art. 735º, nº 3 do CPC, bem como o princípio da adequação vertido no art. 751º, nº 1 do CPC;
EE) Impõe-se, pois, ao Julgador garantir o processo executivo se norteie por um “imperativo de otimização”, que consiga o melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes do exequente e do executado, pelo se exige que a penhora de bens seja apropriada para a efetiva reintegração do direito do credor, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo, o que manifestamente não sucede no caso da penhora do imóvel/casa de habitação do executado/recorrente;
FF) No que diz respeito ao disposto no art. 751º, nº 3, al. c) do CPC (norma na qual a sentença recorrida também se baseia para indeferir a oposição à penhora do executado) a mesma não deve ser aplicada ao caso em apreço, tanto mais que o imóvel penhorado constitui a casa de habitação do executado, circunstância que a sentença, estranhamente, não teve em conta aquando da aplicação da referida norma;
GG) A decisão de não levantamento da penhora existente sobre o imóvel/casa de habitação do executado, não só não irá satisfazer o crédito do exequente, como também originará graves e irreparáveis prejuízos ao executado e respetivo agregado familiar, pondo em causa a tutela do direito à habitação previsto no art. 65º da CRP;
HH) Face ao supra exposto, deve o incidente de oposição à penhora ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida e ordenando-se o levantamento da penhora existente sobre o imóvel/casa de habitação do executado/recorrente.
O embargado apresentou contra-alegações e, mesmo não apresentando conclusões, pugnou pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, em termos sucintos a questão a decidir é se há excesso de penhora relativamente ao imóvel que serve de casa de morada de família do executado.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida deu por provados nos seguintes factos:
1. O exequente instaura a execução dando como título executivo a sentença de fls. 38 e segs. da execução da qual consta o seguinte dispositivo: “condeno A. a pagar ao B., a quantia que se vier a liquidar em execução se sentença, correspondente às prestações de capital não pagas (no total de 75- 10.ª a 84.ª), acrescidas de juros moratórios à taxa anual de 15,39%, desde 10 de Novembro de 2007 até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo, absolvendo-o do demais peticionado.
2. O exequente no requerimento executivo procede à liquidação, contabilizando os juros à taxa de 15,39% desde 10.11.2007.
3. Na execução o exequente faz constar da liquidação o valor da taxa de justiça paga na execução - €38,25 – incluindo esse valor na quantia peticionada.
4. O executado requereu na ação declarativa onde foi proferida a sentença a retificação da mesma, o que foi indeferido por despacho de 3.5.2016, certificado a fls.60 dos autos.
5. Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em recurso no âmbito da execução, foi decidido que o exequente poderia proceder à liquidação da obrigação no requerimento executivo.
6. Na execução foi penhorada, em 6.4.2015, a fração autónoma letra G do prédio urbano sito na Rua ..., em Setúbal, correspondente ao 1.º andar posterior direito com porta C, descrita na CRP de Setúbal sob o n.º1...
7. Do auto de penhora consta como valor da fração €56.426,95.
8. A penhora foi registada pela ap. 707 de 2015/04/06.
9. Sobre a fração penhorada estão registadas, com data anterior à penhora, duas hipotecas a favor do Banco Espirito Santo S.A..
10. Este BES reclamou créditos na execução que forma reconhecidos pelo montante de €74.821,84 acrescido de juros.
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Foi ainda apurado, por informação prestada pelo Tribunal “a quo” através do agente de execução que:
11. A penhora no vencimento do executado na firma S. ascende à data de 12/3/2019 ao valor total de €11.049,92 (cfr. fls 199);
12. Foram adjudicados ao exequente valores da penhora no vencimento do executado no montante de €2.222,80, sendo ainda €512,29 para pagamento de honorários e despesas do agente de execução e €2.534,83 aos cofres do Estado a título de sanção pecuniária compulsória (cfr. fls 199);
13. Mantém a penhora no vencimento do executado, tendo sido descontado mensalmente no vencimento do executado a quantia de €340,00, passando ao valor de €400,00 por mês desde março de 2019 (cfr. fls 199 e 204);
14. A fração autónoma penhorada ainda não foi objeto de venda (cfr. fls 199);
15. O executado nunca deixou de cumprir com as prestações mensais devidas pelo empréstimo hipotecário a que se reporta o crédito do reclamante, Novo Banco, S.A. (cfr. fls 204 e 205).
16. Não foi penhorado o recheio da habitação do executado (cfr. fls 213 e 214);
17. Não foi registada qualquer penhora sobre o veículo de matrícula 4..., que não foi solicitada pelo exequente (cfr. fls 213 e 215);
18. Foi penhorado o direito ao reembolso de IRS do executado referente ao ano fiscal de 2016 no valor de €2.209,92 (cfr. fls 213 e 216).

Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A única questão objeto da presente apelação é apenas saber se no caso concreto dos autos haveria fundamento para determinar o levantamento da penhora sobre a casa de morada do executado, por existirem bens penhorados suficientes para garantir o pagamento da dívida exequenda.
Nos termos do Art. 784.º n.º 1 al. a) do C.P.C. é fundamento de oposição à penhora: «a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada.».
Por regra todos os bens do devedor, suscetíveis de penhora, respondem pela dívida exequenda (Art. 735.º n.º 1 do C.P.C. e Art. 601.º do C.C.), embora a penhora se deva limitar aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para efeitos de realização da penhora, e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante este caiba na alçada do tribunal de comarca, a exceda até ao limite de quatro vezes esse valor, ou seja ainda superior a quatro vezes o valor da alçada do tribunal de comarca, respetivamente (Art. 735.º n.º 3 do C.P.C.).
Mas, a estes normativos acresce o disposto no Art. 751.º do C.P.C., onde se estabelece, na parte que nos interessa:
«1 - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
«2 - O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior.
«3 - Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que:
«a) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
«b) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 18 meses, no caso de a dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
«c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos.
A finalidade prosseguida pela regra estabelecida no n.º 1 do Art. 751.º do C.P.C. é a celeridade da execução, devendo a execução começar pelos bens que permitam a satisfação do crédito exequendo pela via mais rápida e simples, sem prejudicar desnecessariamente o executado (vide: Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in “A Ação Executiva Anotada e Comentada”, 2.ª Ed., 2017, pág. 313).
Não existe nenhuma norma legal que proíba a penhora do imóvel que serve de casa de habitação do executado. Como se viu, por regra, todos os bens do executado são penhoráveis, incluindo, portanto, os bens imóveis, mesmo que afetos ao seu uso habitacional.
No entanto, a particular afetação de um imóvel à satisfação duma necessidade humana básica, como seja a habitação, merece cuidados especiais, tendo em atenção a tutela constitucional estabelecida no Art. 65.º n.º 1 da C.R.P., ligada às condições de vida, conforto e intimidade da vida pessoal e familiar que devem ser asseguradas a todos os cidadãos.
Neste quadro pode nascer um evidente conflito entre o direito à habitação do executado e o direito do exequente a ver satisfeito o seu crédito, o qual é resolvido pelos princípios da proporcionalidade e adequação.
O que se pretende com estes princípios é proteger o executado de eventuais abusos na execução do seu património, impedindo a penhora de bens ou direitos de valor superior ao necessário para o pagamento da dívida exequenda, custas e demais encargos da execução (vide: Marco Carvalho Gonçalves in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, pág.283 a 284).
Nas palavras de Teixeira de Sousa (in “Ação Executiva Singular”, LEX, 1998, pág. 33): «A agressão do património do executado só é permitida numa medida em que seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente. A natural e indispensável prevalência dos interesses do exequente não pode determinar um completo desrespeito dos interesses do executado, pois que a posição jurídica do credor, embora prevalente, não pode ser considerada absoluta.»
Conforme refere Rui Pinto (in “A Ação Executiva”, 2018, pág. 536) o princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da suficiência, consagrado no Art. 752.º 2 do C.P.C., é um limite à penhora de bens indicados pelo exequente e tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (Art. 62.º da C.R.P.) que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada de situações jurídicas ativas privadas. A natureza gravosa da penhora deve assim limitar-se ao que seja necessário para a satisfação do crédito exequente e das custas. Por isso, deve começar a penhora pelos bens de mais fácil execução, em respeito pelo princípio da adequação (Art. 751.º n.º 1 do C.P.C.), passando depois para os demais, desde que respeitem os princípios da proporcionalidade e os limites estabelecidos em normas imperativas (Art. 751.º n.º 2 do C.P.C.) e, finalmente, ainda que não se adeque, por excesso, é admissível a penhora de imóveis ou estabelecimentos comerciais, respeitados os limites objetivos estabelecidos nas alíneas do n.º 3 do Art. 751.º do C.P.C. (idem pág.s 538 a 541).
É esta leitura escalonada que deve ser feita do Art. 751.º do C.P.C., de tal modo que se forem violados os princípios estabelecidos de forma prevalente nos n.º 1 e 2 deste preceito, irrelevam os limites objetivos estabelecidos no n.º 3.
No caso, a sentença recorrida julgou a oposição à penhora por improcedente considerando que para efeitos de penhora o montante a ter em conta pelo Agente de Execução seria de €30.189,50, sendo que a penhora não seria excessiva, atento ao valor do imóvel e que o mesmo se encontrava onerado por duas hipotecas, sendo que, em qualquer caso, o executado não provou que tivesse outros bens penhoráveis que permitissem a satisfação integral do crédito no prazo de 6 meses, atento ao disposto no Art. 751.º n.º 3 al. c) do C.P.C..
Não se discute que o valor a considerar para efeitos de penhora é de €30.189,50, em função dos critérios do Art. 735.º n.º 3 do C.P.C.. Mas, assim sendo, a penhora da fração que serve de casa de habitação ao executado é excessiva, já que o seu valor patrimonial é de €56.426,95.
A tal acresce o facto de estar a ser cumprida uma penhora no vencimento do executado, em resultado da qual já se encontram à ordem do processo o valor de €11.049,92 (cfr. fls 199), continuando todos os meses a ser depositados mais €400,00 (cfr. fls 204). Ou seja, o pagamento de mais de 1/3 da dívida exequenda e custas prováveis já está garantido.
É certo que, ao contrário do que foi afirmado pelo executado, não foi penhorado o recheio da sua habitação, nem foi penhorado o veículo de matrícula 4... (cfr. fls 213 a 215), mas também já foi penhorado o direito ao reembolso de IRS do executado referente ao ano fiscal de 2016 no valor de €2.209,92 (cfr. fls 213 e 216). Pelo que, existem evidências nos autos de que tudo se encaminha para que o crédito do exequente venha a ser plenamente satisfeito pela penhora de valores monetários que continuam a fluir com regularidade para o processo.
Nessa medida, julgamos violar o princípio da proporcionalidade a penhora da casa que serve de habitação ao executado, quando sobre esse imóvel incidem 2 hipotecas, que têm privilégio de pagamento sobre o crédito do exequente (Art 686.º do C.C.). Para mais quando o executado está a cumprir pontualmente os créditos garantidos pelas hipotecas, sem prejuízo dos descontos que estão a decorrer no seu vencimento.
A manutenção da penhora para efeitos da venda judicial do imóvel que lhe serve de habitação constituiria assim um dano inutilmente gravoso para o executado, que evidentemente se encontra numa situação económica difícil, mas está a desenvolver esforços “hercúleos” para conseguir satisfazer os seus credores.
A ponderação dos valores em confronto permite-nos admitir que a possibilidade de venda desse imóvel se irá traduzir num dano excessivamente gravoso para o executado, do qual o exequente muito provavelmente não iria obter qualquer ganho no que se refere à satisfação efetiva do seu crédito.
Concluímos assim que foi violado o Art. 751.º n.º 2, 2.ª parte”, do C.P.C. e o princípio da proporcionalidade, devendo a oposição à penhora com esse fundamento merecer acolhimento nos termos do Art. 784.º n.º 1 al. a) “in fine” do C.P.C., procedendo as conclusões apresentadas neste sentido.
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V- DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, por provada, revogando a sentença recorrida na parte que julgou improcedente a oposição à penhora, que assim é substituída pela decisão de ordenar o levantamento da penhora de 6/4/2015 incidente sobre o bem imóvel do executado referente à fração autónoma letra G do prédio urbano sito na Rua ..., em Setúbal, correspondente ao 1.º andar posterior direito com porta C, descrita na CRP de Setúbal sob o n.º1...
- Custas pela Apelada (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).

Lisboa, 18 de junho de 2019

Carlos Oliveira
Diogo Ravara
Ana Rodrigues da Silva