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BUSCA DOMICILIÁRIA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário
I - A busca é permitida apenas quando estritamente indispensável para salvaguardar o interesse do Estado na perseguição do crime, materializando o princípio da proporcionalidade (proibição do excesso) que se desdobra em três subprincípios, o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito, ou da racionalidade. II - Os indícios a que se refere o n.º 2 do artigo 174.º do Código de Processo Penal como pressuposto de autorização de uma busca serão sinais que tenham um mínimo de consistência racionalmente demonstrada, de forma a suportarem a probabilidade de existência em determinada residência de objetos relacionados com o crime cuja prática se pretende provar. III - Autorizar a busca no caso em apreço seria apenas porque em abstrato pode o denunciado ter na sua residência documentos que estejam relacionados com a prática do crime em investigação, não porque haja algum indício de que o denunciado tenha efetivamente algum documento na sua residência que esteja relacionado com o eventual crime em investigação; por isso, não deverá ser autorizada a busca.
Texto Integral
Recurso Penal n.º 5463/18.5T9MTS-B.P1
Comarca do Porto
Acordam em conferência na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
RELATÓRIO
Em 19.03.2019 foi proferida decisão no Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – J3, da Comarca do Porto, processo (inquérito) nº 5463/18.5T9MTS, no sentido de não autorizar a realização de busca domiciliária à residência de B…, sita na Rua …, .., …, …, Matosinhos.
Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o MºPº interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES[1]:
1. Uma vez que uma busca domiciliária prevista nos arts. 174º e 177º C.P.P. é um meio de obtenção de prova, a sua realização não está subordinada a condições de antecipada mobilização probatória que se enquadrem na categoria dos chamados “indícios suficientes”.
2. O conceito de indícios a que se refere o art.º 174 nº 2 C.P.P. não tem o mesmo alcance dos “indícios suficientes” exigidos no art.º 283º, nº 1 para a acusação e no art.º 308 nº 1 para a pronúncia, e a autorização judicial para realizar uma busca domiciliária não obedece a uma necessidade de completamento da prova que raríssimas vezes existe no início do inquérito.
3. Na medida em que o processo penal se movimenta na fase de inquérito em juízos de mera probabilidade, e a investigação é uma atividade heurística que tem por objetivo a descoberta da verdade, a existência de uma participação formal circunstanciada feita pela Ordem dos Advogados em que é denunciado a prática do crime de usurpação de funções p. e p no art.º 358º, al. b) do Código Penal, com indicação de prova testemunhal e documental, ainda que não possua valor probatório dos factos que nela consta, deve tal denúncia ou participação ser integrada no conceito de “indícios” a que se refere o art.º 174º nº 2 C.P.P.
4. Está assim justificada a realização de uma busca domiciliária a casa do suspeito para apreensão de documentação, que constitua elemento de prova da prática de atos próprios de advogados e do corpo de delito do crime de usurpação de funções, tanto mais que o denunciado tem averbado desde o ano de 1996 seis processos disciplinares na Ordem dos Advogados.
5. Neste quadro, o direito constitucional à inviolabilidade do domicílio protegido pelo art.º 34º da C.R.P. deve ceder temporariamente, e no mínimo indispensável, perante o dever do Estado de administrar justiça investigar o crime denunciado, promover o processo e descobrir a verdade material.
6. O despacho recorrido interpretou e aplicou incorretamente os arts. 48º, 246º, nº 3, 269º, nº 1, c), 174º, nº 2, 177º, nº 1 do CP.P. e bem assim os arts. 34º e 27º da Constituição da República.
Termina dizendo dever ser revogado o despacho e substituído por outro que autorize a realização da busca domiciliária promovida.
O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado (este apenso), e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
Foi cumprido o disposto no art.º 416º do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
* FUNDAMENTAÇÃO
Conforme vêm considerando a doutrina e a jurisprudência de forma uniforme, à luz do disposto no art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, em que resume as razões do pedido, sem prejuízo, naturalmente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
Aquilo que importa apreciar e decidir é saber se a busca que foi promovida pelo MºPº deve ser autorizada.
Vejamos.
O MºPº promoveu a realização de buscas, dizendo o seguinte:
«Dos mandados de busca domiciliária:
Investiga-se nos presentes autos a prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo art.º 358º nº 1 al. b) do Código de Penal.
Segundo os indícios já recolhidos nos autos, resulta que o denunciado B…, apesar de ter sido expulso da Ordem dos Avogados, continua a intitular-se perante outros como Advogado e a praticar atos próprios como Advogado.
*
Ora, preceitua o art.º 174º nº 2 do Código de Processo Penal que: “Quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca”.
Considerando o acima exposto, entende-se existirem indícios de que poderão ser encontrados na posse do denunciado, na sua residência, seus anexos e garagens documentos relacionados com a sua prática de atos de Advogados, pelo que julga-se, por oportuno e pertinente, com a finalidade da sua apreensão, sejam efetuadas, nos termos dos arts. 174º n.ºs 2 e 3 e 177º n.º1 do Código de Processo Penal, buscas domiciliárias na residência do denunciado.
Pelo exposto, conclua de imediato os autos ao Exmo.(a) Juiz de Instrução criminal, promovendo-se a emissão de mandados de busca domiciliária e apreensão, nos termos dos arts. 174º n.ºs 2 e 3 e 177º nº 1 do Código de Processo Penal, a realizar na morada do arguido, sita na Rua …, .., …, …, Matosinhos.
Caso haja concordância com o presente requerimento de obtenção de prova, remeta os respetivos mandados à PSP de Matosinhos para cumprimento, juntamente com o presente inquérito.»
Foi de seguida proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte, tendo espelhado o desenvolvimento processual relevante:
A fls. 158 e ss., o Ministério Público veio promover a emissão de mandados de busca e apreensão, a realizar no domicílio de B…, suspeito da prática de factos suscetíveis, em abstrato, de configurarem um crime de usurpação de funções p. e p. pelo artigo 358.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (doravante CP), por considerar que poderão ser encontrados na posse do denunciado, na sua residência, seus anexos, garagens e veículos automóveis documentos relacionados com a prática de atos de advogado.
Funda juridicamente a sua promoção nos artigos 174.º, nºs 2 e 3 e 177.º, do CPP.
*
Apreciando.
Os autos tiveram início com a denúncia apresentada pela Ordem dos Advogados, nos termos da qual se refere que o suspeito, depois de ter sofrido pena disciplinar de expulsão, continua a arrogar-se na qualidade de advogado e a praticar atos próprios de advogado.
Foram juntos com a referida participação documentos – entre eles um escrito epigrafado de “procuração” – requerida a inquirição de duas testemunhas – C… (suposto cliente do denunciado) e D… (advogada) –, requeridas buscas e apreensões ao domicílio do denunciado e a notificação aos Serviços de Finanças para virem indicar aos autos todas as entidades que lhe efetuaram pagamentos, por forma a identificar os seus clientes e a proveniência dos seus rendimentos profissionais.
*
Foram inquiridas as testemunhas indicadas pela participante.
Consta de fls. 55 o auto de inquirição da testemunha D…, advogada, do qual se extrai, com pertinência para o caso, o seguinte:
- que foi contactada pelo Senhor C… a propósito de um sinistro que este havia sofrido e que no decurso desse contacto, tendo tomado conhecimento de que havia advogado constituído, lhe transmitiu que nada poderia fazer a não ser entrar em contacto com o seu colega, para o que lhe solicitou os dados profissionais.
- que não conseguiu chegar à fala com o seu colega;
- que ligou para o DIAP de Valongo e que por referência ao processo referente ao sinistro ali em investigação lhe disseram que não havia advogado constituído;
- que contactado o Tribunal de Torre de Moncorvo, foi informada de que o denunciado havia patrocinado aquele cliente noutros processos, mas que já estariam arquivados;
- que ligou para a seguradora “E…” e que lhe foi transmitido que não existia procuração no processo respetivo, tendo tal assunto sido tratado diretamente com o Senhor C…, sem auxílio de qualquer advogado.
- que não lhe foi exibido qualquer recibo ou fatura de trabalhos prestados pelo denunciado.
Consta de fls. 143 o auto de inquirição da testemunha C…, do qual se extrai, com pertinência para o caso, o seguinte:
- que assinou “uma série de documentação ao Sr. B… para este poder exercer a sua atividade de advogado e negociar junto da seguradora uma indemnização a que (…) tinha direito”
- que lhe foi transmitido pelo denunciado que não havia chegado a acordo com a seguradora e que “tinham de ir para tribunal resolver o assunto”.
- que afinal o mesmo “não efetuou qualquer negociação com a seguradora”
*
Da conjugação destes depoimentos julgamos ser seguro concluir que o único indício que existe no processo, eventualmente suscetível de demonstrar a prática do crime pelo denunciado, se resumiria ao documento apresentado nos autos, intitulado de procuração, mas não se extrai desse documento o estabelecimento da correspondência do advogado “B1…” ao denunciado “B…”.
Pelo que, em rigor, nenhum indício existe ainda nos autos da prática do crime em apreço.
Sublinha-se que dos depoimentos das testemunhas já inquiridas nos autos se infere que denunciado não juntou procuração ao processo para o qual, eventualmente, a testemunha C… lhe a outorgou (sendo certo que em rigor também não se encontra estabelecida a correspondência do advogado “B1…” ao denunciado “B…”, como se disse), e ainda que nem tampouco contactou a seguradora em questão nesses autos, em representação daquele, ou na qualidade de seu advogado.
*
Ora, nos termos do artigo 174º, nº 2 do Código de Processo Penal, quando houver indícios de que os objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
Acrescenta o nº 3 do mesmo preceito legal que “as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência”.
Da conjugação dos artigos 177º e 269º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, retira-se que é da competência exclusiva do juiz a autorização de busca domiciliária.
Atenta a especial proteção do domicílio de cada cidadão conferida pela Constituição da República Portuguesa nos termos ínsitos nos artigos 32º, nº 8 e 34º, nº 1, o legislador ordinário optou por estabelecer um regime especial para as buscas domiciliárias, exigindo a intervenção de um juiz, como verdadeiro garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, exigindo que seja ponderado, por um lado, o direito à inviolabilidade do domicílio que assiste a todos os cidadãos e, por outro, a eficiência da justiça criminal.
Destes considerandos decorre que apenas deverá ser autorizada a realização de uma busca domiciliária, nos casos excecionais, em que se constate que tal meio de produção de prova é necessário para a descoberta da verdade material e desde que observado o princípio da
proporcionalidade, previsto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, enquanto critério fundamental para a decisão.
Nesta senda, o juiz (de instrução, delineado no atual CPP como o “juiz das liberdades”) deve garantir que a busca domiciliária requerida cumpre os seguintes corolários ou subprincípios do princípio da proporcionalidade em sentido amplo:
- Ser idónea ou adequada à finalidade legal daquele meio de obtenção de prova, ou seja, possibilitar o acesso a objetos relacionados com um crime ou que possam servir para a prova do mesmo ou a detenção de arguido ou outra pessoa que deva ser detida, pressuposta que seja a existência de indícios da prática de um crime e de que os objetos ou pessoas a procurar se encontram no local visado pela diligência.
- Ser a busca necessária, exigível ou indispensável, no sentido de não ser concretamente adequado outro meio de prova ou de obtenção de prova que, sendo menos intrusivo para o titular do direito à inviolabilidade do domicílio em crise (que, como é pacificamente entendido, não tem que ser suspeito da prática do crime), esteja na disponibilidade da entidade que preside à investigação, sem que do recurso à diligência probatória alternativa resulte prejuízo relevante para o interesse público na investigação e perseguição dos crimes.
- Ser a busca proporcional em sentido restrito, o que depende de a violação do domicílio inerente à busca domiciliária não constituir sacrifício excessivo, face à gravidade do crime em investigação e da relevância probatória concreta da coisa a procurar.
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No caso sobre o qual nos debruçamos verifica-se que não é sequer seguro que o denunciado tenha praticado o crime que se pretende ver investigado, o que logicamente nos impossibilita, desde logo, de considerar que na sua posse possam ser encontrados documentos relacionados com a prática do mesmo.
Acresce que a diligência probatória requerida também não se nos afigura essencial (rectius, imprescindível) para a descoberta da verdade material, designadamente por existirem outras menos gravosas e similarmente eficazes, mormente as requeridas notificações à Autoridade Tributária, ou mesmo averiguar-se se no Tribunal de Torre de Moncorvo existem, efetivamente, processos em que o denunciado patrocinou a testemunha C…, numa altura em que já não detinha cédula profissional de advogado.
Vale o mesmo por dizer que atentos os direitos em conflito, em face do exposto, não se mostra proporcional, adequado ou necessário sobrelevar o interesse da investigação face aos direitos fundamentais e iminentemente pessoais da pessoa visada pelo pedido de busca domiciliária (direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e inviolabilidade do domicílio – artigos 26.º e 34.º e 32.º, n.º 8 da CRP).
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Nestes termos e em face do exposto, decide-se, ao abrigo do disposto nos artigos 26º e 34º, 32º, nº 8 e 18º, da CRP, 17º, 174º, n.º 2 a contrario sensu, e 269º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, não autorizar a realização de busca domiciliária à residência de B…, sita na Rua …, .., …, …, Matosinhos.
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Devolva os autos ao Ministério Público.
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A busca encontra-se prevista no art.º 174º do Código de Processo Penal, sendo um meio de obtenção de prova que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo, os quais se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.
Cumpre desde logo referir que a prática de determinados atos processuais necessários à investigação criminal, a serem praticados nas fases preliminares do processo, exigem a intervenção do juiz de instrução, sendo o caso, em regra, da busca domiciliária (cfr. art.º 177º, nº 1 do Código de Processo Penal)[2].
Por outro lado, ressalta desde logo que a realização de uma busca contende com direitos fundamentais constitucionalmente previstos.
Vejamos os preceitos constitucionais envolvidos.
O art.º 26º, nº 1 da CRP reconhece a todos o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
No art.º 32º, nº 8 da CRP (cfr. art.º 126º do Código de Processo Penal) é estabelecido que são nulas as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
O art.º 34º da Constituição da República Portuguesa consagra a inviolabilidade do domicílio, fazendo depender a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade de uma ordem emanada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei.
E, com especial relevância, na ponderação dos normativos concernentes ao meio de prova em causa – a busca – importa a consideração do art.º 18º da CRP, que estipula, que «os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas» e que «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos».
Decorre, deste preceito na sua conciliação com os normativos que permitem a realização da busca, que esta apenas é permitida quando estritamente indispensável para salvaguardar o interesse do Estado na perseguição do crime, materializando o princípio da proporcionalidade (proibição do excesso) que se desdobra em três subprincípios, o da adequação, da necessidade, e o da proporcionalidade em sentido restrito, ou racionalidade.
A adequação significa que a medida eleita se deve revelar adequada ao fim visado pela norma; a necessidade significa que os fins visados pela lei não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos sacrificados ou restringidos; a racionalidade implica que as medidas legais restritivas e os fins obtidos se situem numa “justa medida”.
Assim, o requisito da proporcionalidade funciona como uma garantia da não aniquilação do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, pois a existência de uma restrição «arbitrária», «desproporcionada», é um índice da ofensa do núcleo essencial[3].
Todavia, o tribunal ao aferir se no caso concreto a realização da busca domiciliárias é estritamente indispensável para salvaguardar o interesse do Estado na perseguição do crime, não pode esquecer que o Código de Processo Penal reconhece a busca domiciliária, no âmbito da investigação criminal, como um meio de obtenção de prova, com vista à descoberta e apreensão de objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova.
A questão passa por perceber a que indícios se refere o art.º 174º do Código de Processo Penal quando diz houver indícios de que objetos … se encontram em lugar…
Na falta de definição legal a jurisprudência vem trazendo uma definição prática do que deve ser entendido por indícios:
Assim, no acórdão do STJ de 09.03.2006[4], escreveu-se que: «os indícios a que se refere o art.º 174º do CPP, no que se refere às buscas (art.º 177.º do CPP) são os de que na residência em causa estão quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, o que se basta com a informação recolhida pela polícia e prestada nos autos de que aí guardaria os arguido objetos relacionados com o tráfico de droga de que seria um dos patrões naquela freguesia.»
No acórdão do TRC de 15.02.2006[5], por sua vez, diz-se que «…enquanto para ser deduzida a acusação se exige a verificação de “indícios suficientes” (art.º 283º, n.º 1 do CPP) e para decretar a prisão preventiva a lei impõe se reconheça a existência de “fortes indícios” da prática do crime doloso (art.º 200º, n.º 1 do CPP), para se ordenar a realização de uma busca a lei exige apenas a existência de indícios de objetos no domicílio relacionados com um crime ou que possam servir de prova (art.º 174º, nº 2 do CPP). Não definindo a lei o que deve entender-se por indício deve entender-se que este é uma indicação, sinal ou vestígio de algo».
No acórdão do TRC de 03.03.2010[6] sufragou-se o entendimento de que «…a materialização da suspeita ou dos indícios não tem de coincidir forçosamente com a existência prévia de prova mas com um estado de coisas que indique, em face das regras da experiência, que essa prova é possível, como seja uma queixa apresentada e devidamente circunstanciada, vigilância efetuada pelas entidades policiais que dê conhecimento de factos integradores de crime e possa posteriormente materializar-se em prova, testemunhos recolhidos informalmente que posteriormente se possam materializar em prova e obviamente meios de prova previamente produzidos. Ou seja, é perante a existência de uma suspeita consistente da prática de um crime que se pode e deve concluir pela necessidade de uma busca e que se pode concluir pela sua adequação e racionalidade. E bem se compreende que assim deva ser, não obstante as citadas garantias constitucionais, porque exigir mais do que uma suspeita fundamentada ou se se quiser mais do que indícios, seria negar à busca o que dela se pretende e a sua razão de ser, a obtenção de prova».
Já no acórdão do TRC de 08.02.2017[7], considerou-se que indício não é sinónimo de mera suspeita, tem que ser algo mais que esta, sob pena de não se conseguir evitar a proibição do excesso, tendo a suspeita que estar objetivada em indícios, em sinais que tenham um mínimo de consistência racionalmente demonstrada, de forma a suportarem a probabilidade da existência do crime que se pretende provar, a identificação do seu autor e a apreensão dos objetos com aquele relacionados.
Temos, pois, que não se pode ter uma visão muito apertada do que seja indício para este efeito, sob pena de se negar à busca o que dela se pretende e a sua razão de ser – a obtenção de prova –, mas também não se pode ter uma visão muito ampla, sob pena de se postergarem as garantias constitucionais.
Deste modo, tendo presente que o nº 2 do art.º 174º do Código de Processo Penal, não fala de indícios da prática do crime, mas de indícios de que os objetos … se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, concluímos que esses indícios serão sinais que tenham um mínimo de consistência racionalmente demonstrada, de forma a suportarem a probabilidade da existência de objetos relacionados com o crime cuja prática se pretende provar em determinada residência.
No caso em apreço, encontra-se em investigação a prática de um crime de usurpação de funções previsto e punível pelo artigo 358.º, n.º 1, al. b), do Código Penal.
Conforme resulta das regras da experiência comum, e da denúncia apresentada, importa colher elementos que demonstrem que o denunciado apesar de ter sido expulso da Ordem dos Avogados, continua a intitular-se perante outros como advogado e a praticar atos próprios como advogado.
O MºPº promoveu a emissão de mandados de busca domiciliária e apreensão, nos termos dos arts. 174º nºs 2 e 3 e 177º nº 1 do Código de Processo Penal, a realizar na morada do arguido, sita na Rua …, .., …, …, Matosinhos, para apreensão de “documentos relacionados com a sua prática de atos de advogado”, sem especificar que tipo de documentos sejam.
É verdade que, como refere o recorrente, a atividade de advocacia manifesta- se também por escritos, e, sendo de crer não dispor de escritório (o que infere do facto de ter sido expulso da Ordem dos Advogados em 2014), é de admitir em abstrato que caso o denunciado disponha de “documentos relacionados com a sua prática de atos de advogado” os possa ter na sua residência, e que nesse caso, mas só nesse caso, haveria interesse na sua apreensão.
A questão está em saber se na realidade há indícios de que o denunciado tenha algum documento na sua residência que esteja relacionado com a eventual prática do crime em investigação.
A testemunha C…, nascido em 1933, referiu, quando inquirida, que assinou uma série de documentos ao Sr. B… para este poder exercer a sua atividade como advogado, e negociar junto da seguradora uma indemnização que o depoente tinha direito, indemnização essa que se reporta a acidente ocorrido em data posterior à expulsão do denunciado da Ordem dos Advogados (11.09.2014, como se alcança do respetivo auto de participação junto, por cópia, aos autos).
Todavia, não está precisado o que foi assinado ao certo, podendo ter sido documentos relacionados com a seguradora [por exemplo formulários a preencher pelo sinistrado] que não é de esperar estejam em casa do denunciado.
Do depoimento da Sra. Drª D…, extrai-se que junto da seguradora (processo relacionado com o acidente sofrido por C…) não existe procuração passada a favor do denunciado, o mesmo sucedendo no processo do DIAP de Valongo.
Assim, afigura-se-nos que não se pode considerar o depoimento de C… um indício de que o denunciado detenha documentos relacionados com a eventual prática do crime em investigação na casa que habita.
O despacho recorrido refere que poderiam ser realizadas outras diligências, as requeridas notificações à Autoridade Tributária, ou mesmo averiguar-se se no Tribunal de Torre de Moncorvo existem, efetivamente, processos em que o denunciado patrocinou a testemunha C…, numa altura em que já não detinha cédula profissional de advogado.
Não se nos afigura que estas substituam a busca, pois, a verificar-se a prática do crime em investigação, não é de crer que com elas se obtenha alguma eficácia (caso se verifique a prática de crime nada terá sido comunicado à Autoridade Tributária e nenhuma procuração terá sido entregue após a expulsão nalgum tribunal, sendo isso que nos dizem as regras da experiência comum).
Todavia, autorizar a busca, in casu, seria apenas porque em abstrato pode o denunciado ter na sua residência documentos que estejam relacionados com a prática do crime em investigação, não porque haja algum indício de que o denunciado tenha efetivamente algum documento na sua residência que esteja relacionado com a eventual prática do crime em investigação.
Em suma, embora não se concorde que não se autorize a busca porque, como diz a decisão recorrida, não é sequer seguro que o denunciado tenha praticado o crime, pela simples razão de que os factos estão (ainda) em investigação, já se concorda que não é adequado, proporcional e necessário, em face dos elementos disponíveis, autorizar a mesma, pois uma busca apenas pode ser realizada quando houver indícios de que objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, e no caso não resultam esses indícios.
Deste modo, será de considerar improcedente o recurso, confirmando-se o sentido do despacho recorrido.
*** DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão de não autorizar a realização de busca domiciliária à residência de B….
Sem tributação o recurso.
Notifique. (texto processado e revisto pelo relator, impresso em frentes e versos)
Porto, 26 de junho de 2019
António Luís Carvalhão
Borges Martins
______________ [1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes, sublinhados e a ortografia utilizada. [2] Havendo competência exclusiva do juiz de instrução criminal, não está obviamente vinculado ao promovido pelo titular do inquérito. [3] Vd. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Vol. I, págs. 392 a 395. [4] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 06P461. [5] Publicado na CJ, Ano XXXI, Tomo I/2006, págs. 50 e 51. [6] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 359/09.4GBOBR-A.C1. [7] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 360/16.1GASEI-A.C1.