CITAÇÃO
DUPLA NACIONALIDADE
RESIDÊNCIA
ADITAMENTO À MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I.– O facto de o Réu invocar ter dupla nacionalidade, não altera as regras de obrigatoriedade da correta manutenção da sua residência em quaisquer dos Estados respetivos e de, em cada uma delas, se considerar devidamente citado nas moradas que pelo mesmo ali forem fornecidas (em cada um daqueles Países), como sendo a sua residência.

II.– Esta realidade – morada atualizada de cada cidadão -, nada tem que ver com a indicação da residência fiscal a observar, em cada País, apenas atendível para efeitos fiscais, como a própria designação sugere: trata-se de uma forma de evitar a dupla tributação de rendimentos.

III.– Todos os efeitos negativos decorrentes da incorreta morada do Réu - pela sua não atualização por parte do mesmo -, apenas podem ser imputáveis ao próprio Réu uma vez que este tem a obrigação de manter a sua residência atualizada em território português, seja junto dos serviços de identificação civil, da segurança social e/ou de outros serviços estaduais.

IV.– O pedido de aditamento de nova matéria de facto, em sede de recurso, é uma faculdade que pressupõe a existência de factos no processo que, por alguma razão, não tenham sido atendidos pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

V.– O direito de defesa não é um direito absoluto, antes devendo reger-se pelo rigor da prova produzida, na qual o recorrente deve sustentar-se para pedir a alteração da prova fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Texto Parcial

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


A. intentou ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 534.378,34 acrescida de IVA à taxa legal, bem como dos juros de mora vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que foi mandatado pelo Réu para proceder à regularização perante as autoridades angolanas de uma sociedade na qual o Réu detinha uma quota de 30%, obtendo o registo daquela quota em seu nome, e para proceder à venda dessa quota, serviços que o A. prestou, sem que o Réu lhe tenha pago os honorários devidos, no montante peticionado, que corresponde a 7,5% do valor do assunto que foi confiado ao A.

Perante a impossibilidade de se proceder à citação pessoal do Réu, realizadas as diligências previstas na lei, foi o mesmo citado editalmente e representado pelo Ministério Público, que não contestou a ação.

Procedeu-se à realização da Audiência Final tendo sido proferida sentença que julgou a ação procedente e que, em consequência, condenou o Réu a pagar ao A. a quantia de € 534.378,34 (quinhentos e trinta e quatro mil trezentos e setenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), acrescida de IVA e dos juros de mora vincendos desde aquela data e até integral pagamento, às taxas legais que vierem a vigorar.

Dias depois, o Réu apresentou-se na secretaria do Tribunal tendo-lhe sido entregue cópia da petição inicial e da sentença proferida.

Após, o Réu veio suscitar incidente de nulidade de falta de citação pedindo que o Tribunal declare nulo todos os atos processuais realizados depois da entrada da petição inicial em Juízo, determinado ainda a citação daquele mesmo Réu na morada atualizada que ali indica.

O A. deduziu Oposição a este incidente, concluindo pela improcedência do incidente e pela validade da citação do Réu realizada no processo.

Veio ainda o Réu, em requerimento autónomo, e por se mostrar inconformado com o decidido na sentença proferida, da mesma interpor recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

I.– Vem o ora Recorrente interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo versando, o mesmo, sobre matéria de facto, por incorretamente julgada;

II.– A consagração legislativa dos artigos 640º e 662º do CPC, visou dotar os tribunais de segunda instância dos meios indispensáveis à formação e expressão da sua convicção em matéria fáctica, com total autonomia;

III.– Nos presentes autos procedeu-se à gravação da prova oralmente produzida;

IV.– A aplicação dos princípios da livre apreciação e da aquisição processual permitem ao Tribunal da Relação de Lisboa reponderar às questões de facto em discussão e expressar o seu resultado, confirmando a decisão ou alterando-a;

V.– Este poder de reapreciação (artigo 662º do CPC) pode ser utilizado quando todos os elementos de prova de que o Tribunal recorrido fez uso constem do processo;

VI.– Constam do processo os elementos que serviram de base à formação da convicção do julgador, podendo a mesma ser, nesses termos e em conformidade com o disposto nos artigos supra mencionados, sindicável;

VII.– No entendimento do ora Recorrente, ficou demonstrado nos autos que (i) o Recorrido não tem direito ao recebimento do valor que peticiona nestes autos, (ii) que o valor peticionado para além de não ser devido, não se afigura adequado e justo face às diligências efetuadas pelo Recorrido, e que, (iii) o Tribunal a quo aplicou e apreciou erradamente os critérios legais para a fixação dos honorários do Recorrido, recorrendo, inadequadamente, ao critério da equidade para sua fixação;

VIII.– Nesse sentido, entende o ora Recorrente que o Tribunal a quo julgou, erradamente, o que resulta de forma óbvia do depoimento das testemunhas TG., Dra. CA. e Dr. LG. e das declarações de parte do Recorrido proferidas em sede de primeira sessão de audiência de julgamento ocorrida em 18.10.2013,

IX.– Bem como, erradamente valorou a prova documental carreada para os autos;

X.– Pelo que, estamos perante uma situação de erro de julgamento (error in judicando), resultante de uma distorção da realidade factual e, em consequência, da aplicação do direito subjacente;

XI.– O direito ao recebimento de honorários por parte do Recorrido encontra-se prescrito nos termos do artigo 317º do CC;

XII.– O Tribunal a quo tinha conhecimento data da cessação dos serviços prestados pelo Recorrido, assim como tinha da data da entrada da ação de honorários;

XIII.Por se tratarem de factos de que o Tribunal a quo teve conhecimento por virtude do exercício das suas funções, deveriam os mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 412º do CPC, ter sido devidamente valorados, absolvendo-se o Recorrente na totalidade do pedido;

XIV.Acresce que, em face das concretas passagens dos depoimentos prestados pelas Testemunhas TG, Dra. CA., Dr. LG. e das declarações de parte do Recorrido, em sede de primeira sessão da audiência final ocorrida em 18.10.2013, a saber:

a)- O depoimento da testemunha TG. (passagens 10:41 a 11:03; 11:07 a 11:50; 13:51 a 13:59; 19:50 a 20:56);
b)- O depoimento da Testemunha Dra. CA. (passagens 1:02.40 a 1:03.32; 41:30 a 42:15);
c)- O depoimento da testemunha Dr. LG. (passagens 1:22:10 a 1:22:30; 1:19:19; 1:20:40 a 1:20:52; 1:21:11 a 1:21:35; 1:28:43 a 1:30:09), bem como,
d)- As declarações de parte do Recorrido (passagens 1:49:30 a 1:49:47; 1:53:50;

XV.– Bem como dos documentos carreados para os autos,

XVI.Terá que:

a)- Ser declarada a prescrição do direito a honorários do Recorrido; sem prescindir,
b)- Ser declarada a existência de litispendência, entre estes autos e os autos que correm termos no Juízo Central Cível de Lisboa – J1, sob o processo n.º 28037/15.8T8LSB; sem prescindir,
c)- Ser revogada a sentença recorrida por ser ilegítima a interpretação realizada pelo Tribunal a quo, quanto ao artigo 1158º, n.º 2, do CC, bem com por ser ilegítima a interpretação que o Tribunal a quo realizou sobre o artigo 105º do EOA, aplicando, inadequadamente, o critério da equidade, sobre preço que deu como provado não ter sido recebido pelo Recorrido;

d)- Ser dados como não provados os seguintes factos (12., 13., 20., 21., e 24. dos factos provados):

1.– Para além disso, sabendo que a irmã do R., TG., com a qual o R. não mantinha relações, podia ter interesse na aquisição daquela quota, uma vez que era já proprietária dos restantes 70%, o A. entrou em contacto com o mandatário da mesma, Dr. LG., para averiguar do seu real interesse naquela aquisição;

1.– O A. estabeleceu o início da negociação com vista à aquisição daquela quota com o seu colega Dr. LG., que lhe confirmou o interesse da sua cliente naquela aquisição, não obstante o corte de relações e a desavença pessoal existente entre irmãos, à data;

1.– Nessa reunião, o A. transmitiu ao R. que a proposta da sua irmã para aquisição da sua quota era pelo preço de € 7.125.044,53 (correspondente a USD 8.000.000,00);

1.– Nessa reunião, o R. aceitou vender a sua quota pelo preço indicado, mas incumbiu o A. de obter uma proposta formal e escrita daquela intenção de compra por parte da sua irmã TG., por não se contentar com aquele compromisso que havia sido feito entre advogados; e

5.– O A. obteve a proposta formal de aquisição da quota do R. pelo valor 8.000.000,00 USD, a ser pago na sua totalidade em Portugal, recebendo o R. o montante de 4.000.000,00 USD, na data de assinatura do contrato-promessa de cessão de quotas, sendo os restantes 4.000.000,00 USD pagos no prazo máximo de 5 (cinco) meses;

e)- Ser aditado ao ponto II., 2.1, da sentença sob sindicância, o seguinte facto, que passaria a ter o número 34.:

34.– Que o R. procedeu à revogação do mandato conferido ao A., o que era do conhecimento deste.

XVII.– Em virtude deste aditamento, deve a Recorrida ser absolvida do pagamento da quantia de que vem condenada,

XVIII.– Da incorreta apreciação da prova carreada para os autos resultou a inadequada aplicação do direito à matéria controvertida.

XIX.– Submete-se, desata forma, o presente à apreciação dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa relativamente ao erro de julgamento sobre a matéria de facto e subsequente aplicação do direito tida por pertinente.

Concluiu, assim, pela revogação da sentença proferida.

O A. contra-alegou sustentando a manutenção da decisão proferida.

Após, o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão em que julgou como não verificada a invocada nulidade de falta de citação do Réu.

Novamente inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1.– O aqui Recorrente, deduziu, em 07.01.2019, incidente de nulidade de falta de citação, por ter sido indevidamente empregue a sua citação edital;

2.– O Recorrente, teve conhecimento, em dezembro de 2018, de que, contra si, tinha sido instaurada ação de condenação, bem como que, tinha já sido proferida sentença, que o condena no pagamento, ao A., aqui Recorrido, da quantia de € 534.378,34 (quinhentos e trinta e quatro mil trezentos e setenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos).

3.– À data da arguição da nulidade de falta de citação (07.01.2019), não teve o Recorrente qualquer intervenção no processo;

4.– O Tribunal a quo julgo improcedente a arguida nulidade;

5.– À data das diligências de citação, o Recorrente residia no Brasil, aí tendo a sua residência declarada e conhecida em território nacional até 31 de dezembro de 2016;

6.– A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu declaração que atesta que: “ (...) face aos elementos disponíveis no sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que o(a) requerente B., NIF 1..., teve a residência no estrangeiro, Brasil no período de 2015-01-01 a 2016-12- 16.”

7.– O Recorrente cumprir com diligência e cuidado todas as suas obrigações perante as entidades Portuguesas, nomeando um representante fiscal, bem como registando a sua morada de residência no Brasil;

8.– A citação edital tem lugar quando o citando se encontre ausente em parte incerta ou quando sejam incertas as pessoas a citar (artigos 240º e 243º do CPC);

9.– O Recorrente não interveio nos autos antes de arguir a nulidade de falta de citação;

10.– O Recorrente estava em prazo e tinha legitimidade para deduzir o incidente de nulidade de falta de citação;

11.– Razão pela qual a douta sentença do tribunal a quo violou os já mencionados artigos 239º, 240º, 243º e 188º, todos do CPC;

12.– Face a todo o exposto, deve ser julgado nulo o ato de citação, nos termos do artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do CPC., tendo como consequência a anulação de todo o processo (cfr. artigo 187.º, alínea a), do CPC), revogando-se o douto despacho, e determinando-se a repetição da citação pessoal do R., aqui Recorrente.

Concluiu, assim, pela nulidade da decisão proferida e, caso assim não se entenda, pela nulidade do ato de citação, revogando-se o despacho em causa e determinando-se a repetição da citação pessoal do Recorrente.

O A. contra-alegou sustentando a manutenção da decisão proferida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–FACTOS PROVADOS

1.– O A. dedica-se à atividade de prestação de serviços jurídicos, estando inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses desde 06.11.2000;

2.– O R. é advogado, quer no Brasil, quer em Portugal, encontrando-se inscrito na Ordem dos Advogados Portugueses desde 20.02.1995;

3.– O R. era titular de uma quota de 30% do capital social da sociedade denominada F. – Importação e Exportação, Limitada, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Luanda sob o número 6..., com o NIF 5...;

4.– O R. mandatou o A. para proceder o registo daquela quota em seu nome;

5.– O R. mandatou, ainda, o A. para proceder à venda daquela sua quota;

6.– O A. aceitou aquele mandato, de que foi incumbido pelo R;

7.– O A. deu início a várias diligências com vista ao registo, em Angola, da titularidade daquela quota em nome do R.;

8.– Para o efeito, o A. efetuou contactos com o advogado da sociedade F. em Angola;

9.– O A. apenas concluiu os seus serviços quando obteve certidão comercial daquela sociedade já com o registo da inscrição da quota em nome do R.;

10.– O A. deu, ainda, início a diligências junto da sua rede de contactos profissionais, a fim de averiguar da existência de potenciais interessados na aquisição daquela quota;

11.– Nesse âmbito, o A. efetuou algumas reuniões e contactos telefónicos com alguns interessados naquele negócio;

12.– Para além disso, sabendo que a irmã do R., TG., com a qual o R. não mantinha relações, podia ter interesse na aquisição daquela quota, uma vez que era já proprietária dos restantes 70%, o A. entrou em contacto com o mandatário da mesma, Dr. LG., para averiguar do seu real interesse naquela aquisição;

13.– O A. estabeleceu o início da negociação com vista à aquisição daquela quota com o seu colega Dr. LG., que lhe confirmou o interesse da sua cliente naquela aquisição, não obstante o corte de relações e a desavença pessoal existente entre irmãos, à data;

14.– O A. realizou reuniões presenciais e telefónicas com o seu colega Dr. LG., a fim de negociar as condições daquela venda;

15.– As reuniões presenciais tiveram lugar, por vezes, no escritório do A. e, por outras, no escritório do seu colega Dr. LG.;

16.– O A., em conjunto com o seu colega Dr. LG., procedeu à redação do contrato-promessa de cessão de quotas que estaria subjacente àquela negociação;

17.– O A. negociou com o seu colega Dr. LG. o teor de cada uma das cláusulas do referido contrato;

18.– O A. foi informando o R. de todas as evoluções que aquela negociação ia tendo com o seu colega;

19.– Quando as negociações se encontravam concluídas entre advogados, o A. teve uma reunião com o R. e sua mulher, a quem transmitiu que conseguira obter uma proposta por parte do advogado de TG. para aquisição da sua quota;

20.– Nessa reunião, o A. transmitiu ao R. que a proposta da sua irmã para aquisição da sua quota era pelo preço de € 7.125.044,53 (correspondente a USD 8.000.000,00);

21.– Nessa reunião, o R. aceitou vender a sua quota pelo preço indicado, mas incumbiu o A. de obter uma proposta formal e escrita daquela intenção de compra por parte da sua irmã TG., por não se contentar com aquele compromisso que havia sido feito entre advogados;

22.– O R. exigiu a apresentação de uma proposta escrita, na qual se contemplasse o valor oferecido e as condições de pagamento por si exigidas, isto é, o recebimento pelo R. do preço em curto espaço de tempo e que o pagamento fosse realizado em Euros e pago em banco português;

23.– O A. assentiu à incumbência que lhe fora feita pelo R. naquela reunião, assim retomando os contactos com o seu colega Dr. LG., a quem solicitou a emissão de uma proposta formal;

24.– O A. obteve a proposta formal de aquisição da quota do R. pelo valor 8.000.000,00 USD, a ser pago na sua totalidade em Portugal, recebendo o R. o montante de 4.000.000,00 USD, na data de assinatura do contrato-promessa de cessão de quotas, sendo os restantes 4.000.000,00 USD pagos no prazo máximo de 5 (cinco) meses;

25.– Desde o momento em que tomou conhecimento daquela proposta de interesse por parte da sua irmã, e que lhe foi transmitida pelo A., o R. não mais contactou o A. nem devolveu qualquer tentativa de contacto deste;

26.– O A. tentou contactar por e-mail e telefonicamente o R., sem nunca ter conseguido chegar à palavra com o mesmo;

27.– O A. remeteu ao R. a proposta escrita e formal daquele interesse da sua irmã na compra da sua quota no capital social da sociedade F., Lda.;

28.– O A. nunca mais conseguiu contactar o R., tendo todos os seus telefonemas, cartas e e-mails ficado até hoje sem resposta;

29.– O A. tomou conhecimento de que o R. vendeu, efetivamente, a sua quota a TG., mas pelo valor de € 6.679.729,25 [correspondente a USD 7.500.000,00];

30.– Corre termos por este Juízo Central Cível – J1 uns autos de ação de processo comum, registados sob o n.º 28037/15.8T8LSB, que o aqui A. move contra o aqui R., nos quais pede a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia global de € 1.352.380,38, a título de honorários, juros de mora e penalização por incumprimento, e nos quais se encontra junto um documento que consubstancia um “acordo prévio de honorários”, datado de 23.10.2012, celebrado entre A. e R. relativo ao assunto “partilhas judiciais e/ou extra-judiciais por óbito de seu pai, Sr. JG.”, cuja cópia certificada se encontra a fls. 254 a 259 dos presentes autos e cujo teor se dá por reproduzido;

31.– Nos termos da cláusula 3.ª do acordo referido no número anterior, a faturação horária dos honorários seria feita de acordo com o anexo I, sendo o valor/hora do “Advogado Master” de € 200,00;

32.– Nos termos da cláusula 4.ª do mesmo acordo, os contraentes acordam «na Majoração dos Honorários previstos na cláusula anterior em Função do Resultado obtido no assunto ora confiado ao Primeiro Outorgante, o qual incidirá sobre a totalidade dos valores que venham a ser recebidos pelo Segundo Outorgante», sendo que «sendo o Assunto solucionado Judicialmente ou Extra-Judicialmente, acresce aos Honorários já supra fixados uma percentagem de 11,5% (...) sobre o resultado obtido»;

33.– Ainda no âmbito do processo referido no n.º 30 foi junta cópia de um parecer emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, tendo por objeto um pedido de laudo sobre honorários apresentado pelo ora R., cuja cópia consta de fls. 286 a 298 dos presentes autos, que se dá por reproduzida, e que concluiu que o “acordo prévio de honorários” supra referido é legítimo à luz do disposto no Estatuto da Ordem dos Advogados e não consubstancia um pacto de quota litis ou quota palmarium, sendo que a percentagem de 11,5% fixada para cálculo da majoração de honorários em função do resultado mereceu laudo favorável, por ter sido fixada previamente e de comum acordo entre as partes.

34.–Não se provou:

a)- que, para além do que consta do n.º 4 dos factos provados, o R. tenha mandatado o A. para proceder à “regularização legal” da sociedade F. – Importação e Exportação, Limitada, perante as autoridades angolanas;

b)- que a quase totalidade da quota do R. se encontrasse registada em nome da sua irmã e que, não obstante se encontrar assim registado junto das entidades competentes, tal não correspondesse à verdade dos factos;

c)- que, para além do que consta do n.º 8, o A. se tenha desdobrado em contactos com o escritório de advogados avençado daquela empresa em Angola;

d)- que na reunião referida nos n.ºs 19 a 22, o R. tivesse informado o A. de que se iria ausentar por pouco tempo para o Brasil, a fim de aí resolver assuntos pessoais, já que era este o seu país de residência, e que o A. não tenha estranhado aquele facto;

e)- que a emissão da proposta formal a que se alude no n.º 23 não tenha sido uma tarefa simples e fácil e que o A. e o seu colega Dr. LG. só com muito esforço e empenho tenham conseguido que a irmã do R. assentisse àquela exigência;

f)- que o A. tenha atribuído o facto referido no n.º 26 à permanência do R. no Brasil e a alguma impossibilidade de o contactar e que tal já tivesse acontecido em situações anteriores;

g)- que o A. tenha sido surpreendido com uma carta do R. na qual rescindiu o contrato escrito de honorários que havia celebrado com o A., por conta de outros assuntos e “processos” que lhe havia adjudicado;

h)- que o R. nada tenha referido sobre o mandato para regularização legal da sociedade F. perante as autoridades angolanas e para proceder à venda daquela quota de 30% de sua titularidade;

i)- que o A. se tenha dedicado quase exclusivamente ao assunto referido nos factos provados, mesmo dado o curto espaço de tempo de que despendia;

j)- que a sociedade F. se encontrasse “irregular” face às autoridades competentes e que só os contactos e conhecimentos técnicos do A. tivessem permitido a boa resolução daquele assunto;

k)- que, habitualmente, os escritórios de advogados na área da Grande Lisboa recorram, na fixação dos seus honorários neste tipo de processos, à cobrança de uma percentagem fixada entre os 5% e os 10% sobre o valor do assunto que lhes foi confiado.

35.– Motivação apresentada para a materialidade de facto dada como Provada e Não Provada:

“A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados (ponto 2.1.), assentou:

- quanto aos n.ºs 1 a 3, no teor das certidões de fls. 219, 220 e 224 a 236;

- quanto aos n.ºs 4 a 29, na análise conjugada e crítica dos documentos de fls. 20, 37 a 47, 60 a 64, 68 a 74, 78 a 93, 97 a 100, 202 a 215 e 260 a 270; dos depoimentos das testemunhas TG. (irmã do R. e promitente-adquirente da quota do mesmo, que, por isso, revelou conhecimento directo da factualidade em causa – cfr., ainda, a informação escrita pela mesma prestada a fls. 200 e 201), CA. (advogada, que, trabalhando com o A. desde 2006, acompanhou os assuntos objeto do mandato em causa, assistindo a reuniões, efectuando contactos e redigindo minutas de contratos, revelando, por isso conhecimento directo dos factos, confirmando as comunicações electrónicas supra mencionadas) e LG. (advogado da irmã do R., TG., que confirmou, nomeadamente, os contactos e as negociações mantidas com o A. tendo em vista a cessão de quotas do R. à irmã); bem como das declarações de parte do A., que resultaram coincidentes com os referidos depoimentos e, por isso, credíveis;

- quanto aos n.ºs 30 a 33, o teor dos documentos de fls. 254 a 259 e 286 a 298 e a consulta do processo aí referido (cfr. acta da 2.ª sessão da audiência final).

O Tribunal não considerou provada a matéria de facto vertida no ponto 2.2 [Ponto 34 destes factos], por:

- quanto às als. a), c) e j), do depoimento a testemunha CA. e das declarações de parte do A. resultou, apenas, confirmado o que consta dos n.ºs 4 e 8 dos factos provados, não tendo sido demonstrada qualquer “irregularidade” da sociedade em apreço, mas apenas a necessidade de reposição, a nível de registo comercial, do trato sucessivo;

- quanto à al. b), a factualidade em causa não resulta comprovada da análise das inscrições de registo que constam da certidão de fls. 224 a 236;

- quanto às als. d), e), f), g) h), i) e k), tal factualidade não foi confirmada, nem pelo A., nem pelas testemunhas inquiridas, de forma clara e firme.

A demais matéria alegada na petição inicial é conclusiva e/ou de Direito”.

36.– No dia 27 de Fevereiro de 2019 o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância proferiu a seguinte decisão:

“O R. B. veio, por requerimento de 07.01.2019, arguir a nulidade decorrente da falta da sua citação, pedindo que se declarem, também, nulos todos os actos processuais praticados após a entrada em juízo da petição inicial (fls. 318 e segs).

Defende, em síntese, que ocorreu emprego indevido da citação edital.

O A. pronunciou-se (fls. 401 e segs.), propugnando pela improcedência da arguida nulidade.

Vejamos.

Para a decisão da questão em apreço, resultam provados os seguintes factos, decorrentes dos termos do próprio processo:

1.– Na petição inicial o A. indicou como domicílio do R. a Avenida...,  Estoril;

1.– A Secretaria remeteu carta de citação do R. (registada com aviso de recepção) para a referida morada, que veio devolvida com a menção “não atendeu”;

1.– Foi tentada a citação do R. por contacto pessoal do agente de execução na mesma morada, que não se realizou pelos motivos constantes da certidão negativa de fls. 127 dos autos, que se dá por reproduzida;

1.– Foi feita pesquisa nas bases de dados previstas no art. 236.°, n.° 1 do NCPC, tendo-se apurado que, para além da morada referida, constava da base de dados da Autoridade Tributária outra morada: Rua..., Lisboa;

5.– Foi tentada a citação do R., por carta registada com aviso de recepção, na morada referida no número anterior, que veio devolvida com a menção “não atendeu”;

5.– Foi tentada a citação do R. por contacto pessoal do agente de execução, na morada referida no n.° 4, que não se realizou pelos motivos constantes da certidão negativa de fls. 168 dos autos, que se dá por reproduzida;

5.– Foi solicitada a colaboração policial, com vista ao apuramento do paradeiro do R., tendo sido obtida a informação de fls. 150, nos termos da qual nada se logrou apurar sobre o paradeiro do R.;

5.– Foi, ainda, tentada a citação do R., por carta registada com aviso de recepção, numa morada que constava de um documento junto pelo A. aos autos como sendo a do domicílio profissional do R. no Brasil;

5.– A carta referida no número anterior foi recebida por terceiro, mas a notificação feita nos termos do art. 233.° do NCPC veio devolvida com a menção “ausente”, razão pela qual, por despacho de 11.09.2017, foi ordenada a citação edital do R.;

5.– Foram afixados editais em 03.10.2017 na morada referida no n.° 1 e foi publicado anúncio no dia 31.01.2017;

5.– O Ministério Público foi citado em representação do R. em 22.01.2018, não tendo apresentado contestação, nem tendo arguido qualquer falta, nulidade ou irregularidade da citação do R.;

5.– O R. apenas compareceu neste tribunal no dia 17.12.2018, declarando residir na Avenida ... Estoril, tendo-lhe, nessa data, sido entregue cópia da sentença final proferida no dia 21.11.2018.

Dos factos descritos, decorre, à evidência e inequivocamente, que foram observadas todas as formalidades previstas nos arts. 228.°, 231.°, 236.° do NCPC, não se tendo logrado a citação do R.

Por conseguinte, o R. foi, devidamente, considerado como estando ausente em parte incerta, razão pela qual foi determinada a sua citação do edital, à qual se procedeu, mais uma vez, com inteiro respeito pelas disposições legais aplicáveis.

Não se mostra, pois, preenchida a causa de falta de citação prevista no art. 188.°, n.° 1 al. c) do NCPC.

De resto, o MP, citando em representação do R., não arguiu qualquer nulidade relativa à citação do R. ou à falta dela.

Refira-se que do documento junto pelo R. sob o n.° 3 (fls. 335) apenas decorre que o R. teve residência no Brasil entre 01.01.2015 e 16.12.2016, mas não já que a morada que constava da base de dados da Autoridade Tributária (que é aquela que o tribunal tinha, por força da lei, que considerar) não fosse a supra indicada nos factos provados.

De resto, ainda que se pudesse dar por assente (com base no referido documento n.° 3) que o R. teve, efectivamente, residência no Brasil no período de tempo referido, o certo é que o mesmo não alterou o seu domicílio junto dos demais serviços oficiais portugueses, o que legitima o entendimento que o R. mantinha, simultaneamente, domicílio na Avenida ... (que, curiosamente, é aquele que ora indica como sendo o actual).

Pelo exposto, julgo improcedente a arguida nulidade.

Custas do incidente pelo R.

Notifique”.

III.–FUNDAMENTAÇÃO

O conhecimento das questões por parte deste Tribunal de recurso encontra-se delimitado pelo teor das conclusões ali apresentadas salvo quanto às questões que são de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

O conteúdo de tais conclusões deve obedecer à observância dos princípios da racionalidade e da centralização das questões jurídicas objeto de tratamento, para que não sejam analisados todos os argumentos e/ou fundamentos apresentados pelas partes, sem qualquer juízo crítico, mas apenas aqueles que fazem parte do respetivo enquadramento legal, nos termos do disposto nos artigos 5.º e 608.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil Revisto.

Neste processo foram submetidos à apreciação deste Tribunal de recurso duas questões distintas e a que correspondem dois recursos de Apelação, ambos interpostos pelo Réu e aqui Apelante: um deles, respeitante à invocada nulidade da sua citação e, um outro, respeitante à sentença proferida nos autos.

Por uma questão de lógica, este Tribunal de recurso conhecerá em primeiro lugar da invocada nulidade de citação do Réu e, decidida esta, conhecerá, ou não do objeto da segunda Apelação.

Quanto a este recurso cumpre ter presente a materialidade dada como Provada na decisão que incidiu sobre esta questão e que consta do Ponto 36 dos Factos Provados, a saber:

“1.- Na petição inicial o A. indicou como domicílio do R. a Avenida ... Estoril;

2.- A Secretaria remeteu carta de citação do R. (registada com aviso de recepção) para a referida morada, que veio devolvida com a menção “não atendeu”;

3.- Foi tentada a citação do R. por contacto pessoal do agente de execução na mesma morada, que não se realizou pelos motivos constantes da certidão negativa de fls. 127 dos autos, que se dá por reproduzida;

4.- Foi feita pesquisa nas bases de dados previstas no art. 236.°, n.° 1 do NCPC, tendo-se apurado que, para além da morada referida, constava da base de dados da Autoridade Tributária outra morada: Rua ...  Lisboa;

5.- Foi tentada a citação do R., por carta registada com aviso de recepção, na morada referida no número anterior, que veio devolvida com a menção “não atendeu”;

6.- Foi tentada a citação do R. por contacto pessoal do agente de execução, na morada referida no n.° 4, que não se realizou pelos motivos constantes da certidão negativa de fls. 168 dos autos, que se dá por reproduzida;

7.- Foi solicitada a colaboração policial, com vista ao apuramento do paradeiro do R., tendo sido obtida a informação de fls. 150, nos termos da qual nada se logrou apurar sobre o paradeiro do R.;

8.- Foi, ainda, tentada a citação do R., por carta registada com aviso de recepção, numa morada que constava de um documento junto pelo A. aos autos como sendo a do domicílio profissional do R. no Brasil;

9.- A carta referida no número anterior foi recebida por terceiro, mas a notificação feita nos termos do art. 233.° do NCPC veio devolvida com a menção “ausente”, razão pela qual, por despacho de 11.09.2017, foi ordenada a citação edital do R.;

10.- Foram afixados editais em 03.10.2017 na morada referida no n.° 1 e foi publicado anúncio no dia 31.01.2017;

11.- O Ministério Público foi citado em representação do R. em 22.01.2018, não tendo apresentado contestação, nem tendo arguido qualquer falta, nulidade ou irregularidade da citação do R.;

12.- O R. apenas compareceu neste tribunal no dia 17.12.2018, declarando residir na Avenida ..., Estoril, tendo-lhe, nessa data, sido entregue cópia da sentença final proferida no dia 21.11.2018.”

Cumpre decidir:

Como podemos verificar, a morada que o Réu/Apelante vem indicar como sendo a sua morada é aquela que foi a indicada pelo A./Apelado nesta ação e na qual foi tentada a sua citação pessoal, sem êxito, o que motivou a tentativa da sua citação por agente de execução, também ela frustrada – artigos 228.º e 231.º do Código de Processo Civil Revisto.

Note-se que o imóvel correspondente a esta morada é propriedade do próprio Réu – fls. 429/430 dos autos.

Consultadas as bases de dados comprovou-se também que a morada do Réu era aquela que constava da petição inicial (e que o Réu hoje também confirma) existindo ainda uma segunda morada em Portugal – indicada para efeitos fiscais -, na qual foi ordenada e realizada as tentativas de citação, também elas infrutíferas – fls. 145 dos autos.

Antes de determinada a citação edital, foi ainda solicitado às autoridades policias informação sobre o paradeiro do Réu, que resultou também infrutífera – artigo 236.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Revisto.

Através dos documentos juntos com a petição inicial, o Tribunal de 1.ª Instância apurou ainda uma outra morada do Réu, no Brasil, para a qual tentou a citação do mesmo e que não foi realizada eficazmente por uma das cartas registada com a/r ter sido devolvida com a menção de “recusado”, por parte do porteiro do prédio, e uma outra – enviada mais tarde para essa mesma morada -, conter agora a menção de “desconhecido” – fls. 20, 173 e 176 dos autos – artigo 233.º do Código de Processo Civil Revisto.

Só após a realização de todas estas diligências, que decorreram durante mais de um ano, é que foi ordenada a citação edital do Réu na morada que é aquela onde o próprio vem agora dizer que reside, muito embora alegue também que na altura da citação residia no Brasil, sem que indique sequer a morada naquele País – artigos 239.º, n.º 4, 240.º e 243.º do Código de Processo Civil Revisto.

Ora, o facto de o Réu invocar ter dupla nacionalidade (facto que se desconhece, até porque pode até ter três ou mais, uma vez que nasceu em Angola), não altera as regras de obrigatoriedade da correta manutenção da sua residência em quaisquer dos Estados respetivos e de, em cada uma delas, se considerar devidamente citado nas moradas que pelo mesmo ali forem fornecidas (em cada um daqueles Países), como sendo a sua morada.

Esta realidade – morada atualizada de cada cidadão -, nada tem que ver com a indicação da residência fiscal a observar, em cada País, apenas atendível para efeitos fiscais, como a própria designação sugere: trata-se de uma forma de evitar a dupla tributação de rendimentos, realidade que nada tem que ver com a obrigatoriedade de manutenção da residência atualizada por parte de cada cidadão nacional, tenha este ou não mais do que uma nacionalidade.

Dúvidas não podem ficar quanto ao facto de toda esta situação apenas poder ser imputável ao próprio Réu. Se este não residia em território nacional à data da sua citação – o que se desconhece -, certo é que tinha a obrigação de manter a sua residência atualizada em território português, seja junto dos serviços de identificação civil, da segurança social e de outros serviços estaduais. A ausência de qualquer informação nesse sentido é que motivou a sua citação edital, mas não antes da realização de várias diligências com vista à sua citação, como acima já se deixou referido.

Estamos, assim, perante um comportamento omissivo do Réu, que só ao mesmo pode ser imputável e em relação ao qual não pode este vir agora pretender retirar “vantagens” pessoais e processuais, como o pretende neste processo, através da invocação da “nulidade da sua citação” que, como vimos, não se verifica.

Conclui-se, pois, tal como o senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, pela inexistência de qualquer nulidade relativa à falta de citação do Réu.

No presente processo encontra-se também em apreciação um segundo recurso, respeitante à reapreciação da matéria de facto dada como Provada e Não Provada, de que decorre o posterior pedido de alteração da decisão de Direito, a incidir sobre a alteração daquela matéria de facto.

Impugna, assim, o Apelante a matéria de facto dada como Provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, quanto aos Pontos 12, 13, 20, 21 e 24, defendendo a sua inclusão nos Factos Não Provados. Defende ainda o aditamento à matéria de Facto dada como Provada de um facto – que passaria a ter o n.º 34 -, com a seguinte redação: “Que o R. procedeu à revogação do mandato conferido ao A., o que era do conhecimento deste”.

Para o efeito, refere que o Tribunal incorreu em erro de julgamento, tendo valorado erroneamente os depoimentos prestados pelas testemunhas TG., Dra. CA. e Dr. LG., assim como as declarações de parte prestadas pelo A. Dr. A., bem como apreciado e valorado de forma também errónea a prova documental existente no processo.

Sendo inquestionável que o pedido de alteração da matéria de facto inscreve-se como uma prorrogativa de que as partes gozam, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil Revisto, deve a sua impugnação obedecer ao cumprimento das regras processuais que disciplinam esta matéria.

Como é pacífico, nestas situações estamos perante uma reapreciação da prova que tem por escopo permitir que o Tribunal de recurso emita um juízo crítico sobre a adequação entre a prova realizada em 1.ª Instância e a matéria de facto dada como provada, cumprindo à parte reclamante expor a sua discordância por referência aos termos daquela decisão e fundamentação nos temos do disposto nos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil Revisto, para que a Relação possa proceder a uma nova reapreciação da matéria de facto e que vá “à procura da sua própria convicção”, por forma a assegurar o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – neste sentido, Ac. do STJ de 06.Dezembro.2016, proferido no âmbito do Proc. 437/11.0TBBGC.G1.S1, relatado pelo senhor Conselheiro Garcia Calejo, disponível em www.dgsi.jstj.pt.

Retenha-se que “o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure” - Ac. do STJ de 07.Setembro.2017, Proc. 959/09.2TVLSB.L1.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.jstj.pt., posição que é também sufragada no Ac. deste TRL de 30.Abril.2019, proferido no âmbito do Proc. 3640/16.2T8LSB.L1, em que é relatora a senhora Desembargadora Micaela Sousa e no Ac. deste TRL, de 24.Maio.2016, proferido no âmbito do Proc. 1393/08.7YXLSB.L1, em que é relatora a senhora Desembargadora Maria Amélia Ribeiro, disponível em www.dgsi.jtrl.pt.

Para que este conhecimento se possa realizar, o legislador impôs ao recorrente/apelante que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto, que previamente cumprisse o ónus que sobre o mesmo recai, estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil Revisto.

Assim sendo, parece-nos ser indiscutível que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve sempre indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, “com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
         
Nesta reapreciação da prova comungamos da preocupação do senhor Conselheiro Abrantes Geraldes quando refere que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo: “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que porventura influenciaram o juiz da 1.ª instância.

Na verdade, existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador” – Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4.ª Edição, Almedina, págs. 285 a 287.

Esta é uma fragilidade que devemos ter presente uma vez que, como o afirma este mesmo autor, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1.ª instância a perceção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os fatores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.

Neste enquadramento devemos ter presente que “a prova não é (nunca é) certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica). E isso significa que à vida em sociedade não escapa um certo nível de incerteza; havendo é que descortinar a partir de quando é que esse nível é aceitável; ou, ao invés, intolerável. Julgamos sempre que, se ao cidadão razoável e medianamente esclarecido não chocar tomar como certo um dado segmento de vida, é já consciencioso assumi-lo como provado; mas se ao invés a mesma consciência ainda ali se puder comportar como hesitante ou indecisa, só imprudentemente a prova pode ser assumida e afirmada.” – Ac. do TRP de 19.Dezembro.2012, proferido no âmbito do Proc. 1267/06.6TBAMT.P2, em que é relator o senhor Desembargador Luís Lameiras e que se mantém com plena atualidade, posição que é também firmada pelo senhor Desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, na sua obra “O Standard de Prova no Processo Civil e no Processo Penal”, publicado em https://blogippc.blogspot.pt/.

Concluindo, o que importa é que o controlo a realizar em sede de recurso, quanto aos factos dados como Provados e Não Provados, resultantes do princípio da livre apreciação da prova, esteja alicerçado numa prudente convicção [artigo 607.º do Código de Processo Civil Revisto] reanalisada pelo Tribunal de recurso, nos termos e com os limites a que acima fizemos referência - neste mesmo sentido, podemos ver o Ac. deste TRL de 21.Junho.2018, proferido no âmbito do Proc. 18613/16.7T8LSB.L1, em que é relatora a senhora Desembargadora Ondina Alves, disponível e www.dgsi.jtrl.pt.

No presente caso, e como acima já deixamos expresso, pretende o Apelante que, diversamente da avaliação da prova realizada pelo senhor Juiz do tribunal a quo, este Tribunal da Relação interprete de forma distinta os depoimentos que foram prestados em Audiência, bem como valore de forma distinta os documentos juntos aos autos, para que sejam dados como Não Provados os factos Provados constantes dos Pontos 12, 13, 20, 21 e 24 e que, para uma melhor compreensão se passam a transcrever:

“12.- Para além disso, sabendo que a irmã do R., TG., com a qual o R. não mantinha relações, podia ter interesse na aquisição daquela quota, uma vez que era já proprietária dos restantes 70%, o A. entrou em contacto com o mandatário da mesma, Dr. LG., para averiguar do seu real interesse naquela aquisição;

13.- O A. estabeleceu o início da negociação com vista à aquisição daquela quota com o seu colega Dr. LG., que lhe confirmou o interesse da sua cliente naquela aquisição, não obstante o corte de relações e a desavença pessoal existente entre irmãos, à data;

20.- Nessa reunião, o A. transmitiu ao R. que a proposta da sua irmã para aquisição da sua quota era pelo preço de € 7.125.044,53 (correspondente a USD 8.000.000,00);

21.- Nessa reunião, o R. aceitou vender a sua quota pelo preço indicado, mas incumbiu o A. de obter uma proposta formal e escrita daquela intenção de compra por parte da sua irmã TG., por não se contentar com aquele compromisso que havia sido feito entre advogados;

24.- O A. obteve a proposta formal de aquisição da quota do R. pelo valor 8.000.000,00 USD, a ser pago na sua totalidade em Portugal, recebendo o R. o montante de 4.000.000,00 USD, na data de assinatura do contrato-promessa de cessão de quotas, sendo os restantes 4.000.000,00 USD pagos no prazo máximo de 5 (cinco) meses”.

O Apelado opõe-se à pretendida alteração probatória com base nos indicados depoimentos, bem como com base na interpretação realizada em face dos documentos juntos ao processo, uma vez que, como refere em resumo, o Apelante procedeu a uma transcrição truncada daqueles meios de prova a analisar, desvirtuando, assim, o seu sentido, assim como olvidou o conteúdo dos documentos analisados pelo Tribunal.

Este Tribunal de recurso, após ouvir e analisar a restante prova constante dos autos, não pode deixar de estar plenamente de acordo com a leitura, interpretação e conclusões firmadas pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância em face daqueles meios de prova.

Com efeito, e como ponto prévio, cumpre deixar desde já expresso que, não obstante a consagração do princípio da cooperação e da boa-fé processual, a observar pelas partes em todo o processo - ínsitos nos artigos 7.º e 8.º do Código de Processo Civil Revisto -, este Tribunal de recurso não pode deixar de constatar que o aqui Apelante, para além de ter procedido a uma transcrição “truncada” de depoimentos, desinseridos do contexto em que foram prestados, acabou também por realizar uma interpretação que não tem correspondência com a leitura e interpretação que um qualquer homem médio faria perante esses mesmo depoimentos e dos textos analisados no processo.

Com efeito, Apelante e Apelado são advogados e, como tal, consideram-se pessoas experientes na área do Direito e da Vida, sabendo perfeitamente o alcance dos seus atos e a interpretação jurídica e/ou social decorrente dos mesmos. O acompanhamento jurídico que o Apelado vinha prestando ao Apelante, a pedido deste, vinha de longa data e o acordo quanto ao pagamento dos honorários estava já fixado para a resolução da questão jurídica que subjaz ao pedido formulado nesta ação, como claramente decorre das declarações de parte prestadas pelo Apelado e do depoimento da Dra. CA. O conhecimento desta testemunha assenta basicamente no facto de conhecer o A. desde 2006, tendo o mesmo sido seu patrono. Desde então que trabalha no mesmo escritório do A., agora como advogada, conhecendo o Réu desde 2012, na qualidade de cliente daquele escritório e, como tal, sabendo perfeitamente a forma como se desenrolaram os factos, mormente, a questão da fixação dos honorários e do tipo de trabalho jurídico que foi desenvolvido neste caso.

O Apelado, por sua vez, como advogado que exerce há vários anos a sua profissão, prestou um depoimento claro e convicto, não obstante ser parte no processo, circunstância que, por si só, não o pode desfavorecer, sob pena de várias das circunstâncias normais da vida, que se passam em circuitos mais privados, nunca poderem ser objeto de prova. Neste caso concreto, diga-se, o seu depoimento foi confirmado pelo depoimento prestado pela Sra. Dra. CA., nada havendo a apontar quanto à sua credibilidade.

Diga-se, aliás, que também os depoimentos prestados pelas testemunhas TG. e Dr. LG., são claros quanto à intervenção do A./Apelado em todo o processo negocial e sobre a valia jurídica da intervenção deste último neste contexto, tanto mais que a irmã do Réu, TG., foi parte ativa neste negócio.

O depoimento prestado pelo Sr. Dr. LG., que representou a testemunha TG., irmã do Réu, em todo o processo negocial e na formalização do mesmo, foi esclarecedor sobre os contornos de todo o trabalho desenvolvido pelo aqui A./Apelado, as diversas reuniões ocorridas perante o contrato promessa apresentado por este e as sucessivas alterações que foram sendo realizadas ao mesmo. Aliás, esta testemunha, crucial para se perceber toda a dinâmica ocorrida nestas negociações, acaba por confirmar o importante papel desempenhado pelo aqui A., no “desbravar” de toda a negociação, quer em Portugal, quer em Angola. “Não foi muito difícil”, são as palavras deste depoente, referindo-se ao ultimar deste processo com a intervenção de nova advogada constituída pelo aqui Réu, em finais de Setembro de 2013 [na afirmação da testemunha TG.], uma vez que todo o trabalho estava já feito [pelo aqui Apelado].

Também os documentos juntos ao processo a fls. 20, 37 a 47, 60 a 64, 68 a 74, 78 a 93, 97 a 100, 202 a 215 e 260 a 270 dos autos, corroboram a realidade dada como provada e aqui em discussão, não tendo sido apresentado pelo Apelante qualquer facto que permita uma leitura distinta dos mesmos.

Assim sendo, e tendo presente a realidade constante dos Factos Provados, é de fácil compreensão o momento temporal em que o Apelante deixa de contatar e/ou de poder ser contatado pelo Apelado, assim tentando evitar o pagamento dos honorários acordados. A intervenção da nova advogada do Apelante, na fase negocial em causa, para ultimar este negócio surge, assim, como uma forma de minorar os custos a suportar pelo Apelante, leitura que um qualquer cidadão normal faria de toda esta situação. Aliás, o Apelante “desaparece” e “aparece” no processo em momentos cirurgicamente bem determinados e sem que se perceba a sua oportunidade causal.

Também o pedido de aditamento de nova matéria de facto pretendido pelo Apelante é uma faculdade que pressupõe a existência de factos no processo que, por alguma razão, não tenham sido atendidos pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância. Ora, essa não é a realidade aqui em apreciação. O Apelante pretende o aditamento de um facto que não consta de qualquer meio de prova, seja testemunhal ou documental, antes se apresentando como um facto novo e, como tal, insuscetível de poder ser atendido.

Por fim, cumpre também deixar frisado que é incontornável que o Apelante, até pela sua formação jurídica, sabia perfeitamente o que estava a fazer quando deixou de contatar o Apelado, momento temporalmente coincidente com aquele em que tem já em seu poder um documento que lhe permitirá negociar a venda da sua quota [30% do capital social da sociedade F. – Importação e Exportação, Lda], através de um outro advogado. As consequências jurídicas desta atuação, por parte do aqui Apelante, não podem ser consideradas como desprovidas de um desvalor social e jurídico a que cumpre dar sentido.

Com o devido respeito, se há prova que não deixa de sustentar a decisão de facto proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância, é aquela que foi produzida no âmbito deste processo. A tentativa de infirmação desta realidade, apresentada pelo Réu/Apelante neste recurso, com alusão à transcrição de “frases soltas” e “desinseridas” do contexto, como já acima se frisou, apenas pode merecer a desaprovação deste Tribunal. O direito de defesa não é um direito absoluto, antes devendo reger-se pelo rigor da prova produzida, na qual o recorrente deve sustentar-se para pedir a alteração da prova fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Em consonância com o acima expendido, e tendo em conta o standard de prova que preside ao processo civil – o da probabilidade prevalecente -, deve aceitar-se que as provas produzidas, analisadas como supra se deixou explicitado, permitem afirmar que os factos dados como Provados e Não Provados assentam numa realidade sustentada na prova produzida e constante do processo, que foi corretamente analisada e valorada pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

Assim, improcede a impugnação da matéria de facto devendo manter-se inalterada toda a factualidade fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância, quer quanto aos Factos considerados como Provados, quer quanto aos que foram considerados como Não Provados.

Perante esta conclusão, outra também não poderia ser a decisão de Direito proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância.

Com efeito, a sentença proferida encontra-se perfeitamente fundamentada, quer sob o pronto de vista de facto, quer de Direito, não havendo qualquer censura e/ou reparo a fazer. Neste contexto, cumpre, tão-só, proceder à sua confirmação, com base em toda a fundamentação ali exarada e que aqui se dá por reproduzida.

Por fim sempre se dirá que todas as exceções invocadas pelo Réu/Apelante no presente recurso são extemporâneas, não sendo passíveis de ser conhecidas neste momento processual. Pretender utilizar o direito ao recurso para fundar o direito a uma “contestação” que não foi atempadamente apresentada – por falta inteiramente imputável ao Réu -, é, salvo o devido respeito, um procedimento processual inadmissível.

IV.–DECISÃO

Face ao exposto, julgam-se improcedentes as Apelações apresentadas pelo Réu/Apelante, confirmando-se as decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pelo Apelante.



Lisboa, 02 de Julho de 2019



Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
Maria da Conceição Saavedra