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INCOMPETÊNCIA MATERIAL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
LABORAÇÃO FÁBRICA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL MUNICÍPIO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário
I) - No âmbito da tutela cível da personalidade genericamente definida no artº. 70º do Código Civil, com fundamento em ameaça de ofensa ou em ofensa consumada dos direitos ao repouso, ao descanso e ao sono, a violação de prescrições administrativas, nomeadamente de proteção ambiental, de prevenção do ruído e poluição sonora ou de licenciamento da atividade comercial tida por ofensiva, traduz-se, de algum modo, num reforço da ilicitude civil, na medida em que tais prescrições contenham também níveis de proteção, ainda que indireta ou reflexa, dos interesses individuais, nomeadamente dos direitos de personalidade.
II) - A alegação de tais prescrições não retira a natureza cível da pretensão, quando centrada, em sede de causa de pedir, na ameaça de ofensa ou violação dos direitos de personalidade, visando obter medidas adequadas à sua prevenção, atenuação ou cessação, para o que são materialmente competentes os tribunais judiciais.
III) - É à jurisdição administrativa que incumbe julgar as ações em que é Réu, além de outros, o Município sendo pedida a sua condenação por responsabilidade civil extracontratual fundada na alegada inação ou inércia da sua parte, no âmbito da sua atividade administrativa e no exercício das suas competências e atribuições legais, em tomar as medidas necessárias e adequadas a proteger os habitantes vizinhos da fábrica pertencente aos demais Réus do ruído que esta emana para o exterior.
IV) - Não afasta a competência dos tribunais administrativos a eventualidade de o Autor pedir a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas serem competentes os tribunais comuns, caso em que a coligação passiva não é admissível, conduzindo, esta, à absolvição do Réu Município da instância.
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A. J. e E. P. intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:
1. X, Unipessoal Lda., 2. J. F. e mulher A. F., 3. Município de X, representado pelo Presidente da Câmara Municipal de X, pedindo a condenação dos Réus:
a) a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano identificado no artº. 1º da petição inicial;
b) a encerrarem ou a colocarem fora de serviço e sem laborar a fábrica de embalagem de terra vegetal detida pelos 1º e 2º Réus;
c) a pagarem sanção pecuniária compulsória de € 200,00 por cada infracção diária, até cumprimento cabal da decisão;
d) a pagarem a título de compensação por danos não patrimoniais a quantia de € 20.000,00.
Para fundamentar a sua pretensão, os AA., além da aquisição derivada do aludido prédio urbano por escritura de doação outorgada pelos seus pais e sogros, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião) do direito de propriedade sobre o aludido prédio.
Mais alegam que na confrontação sita a norte e nascente da sua casa de habitação, a uma distância de 55 metros desta, os 1º e 2º RR. laboram, diariamente e desde 1999, com uma fábrica de embalagem de terra vegetal, na qual colocaram uma máquina de embalagem de terra vegetal que, através do funcionamento da pá carregadora, do moinho de martelos e tapete rolante, produzia (e produz) um excesso de ruído altamente incomodativo, um barulho ensurdecedor ou perturbador, tornando quase impossível a permanência dos AA. e demais agregado familiar na sua casa de habitação.
As reiteradas queixas apresentadas pelos AA. levaram a que a 3ª Ré ordenasse, em 5/04/2002, uma avaliação ao ruído ambiente pelo Instituto da Soldadura e Qualidade, na qual se concluiu que “o estabelecimento em causa não cumpre os limites legais impostos pelo Regulamento Geral do Ruído, verificando-se a não conformidade com os parâmetros exigíveis”, recomendando que o moinho de martelos fosse selado pela Câmara Municipal ou retirado das instalações da fábrica.
Todavia, a 3ª Ré, além de não ter seguido esta recomendação, nada fez, tendo permitido que os 1º e 2º RR. continuassem a laborar com a fábrica em questão, com o dito moinho de martelos activado e em pleno funcionamento, até com uma maior carga horária.
Os AA. continuaram insistentemente a apresentar queixas à 3ª Ré, e só em Maio de 2012 conseguiram que a Junta de Freguesia de ..., com o conhecimento e concordância da 3ª Ré, deliberasse a construção de um muro para isolamento do ruído e um portão, e apesar de ter sido construído um muro exterior, os 1º e 2º RR. não permitiram que na entrada fosse colocado um portão, o que não impediu que o ruído continuasse bem audível, perceptível e incomodativo na casa de habitação dos Autores.
Referem, ainda, que como a dita fábrica de embalagem de terra vegetal continuou a laborar diariamente por acção dolosa dos 1º e 2º RR. e a produzir excesso de ruído, o A. marido continuou a apresentar queixas e reclamações à 3ª Ré relacionadas com o ruído ensurdecedor e muito perturbador proveniente da fábrica, e só após muitas insistências, é que a 3ª Ré informou o A. que, a expensas dele, podia ordenar uma medição sonora do ruído emitido pela instalação fabril em causa.
Tal medição foi feita no local pela empresa escolhida – … Laboratório de Estudos Ambientais – que elaborou o respectivo relatório de avaliação do ruído ambiente, no qual, tendo em conta o critério da incomodidade, concluiu que “… não se encontram para o período diurno, em conformidade com as exigências regulamentares uma vez que a diferença entre o ruído ambiente e o ruído residual excede os 7 dB (A) não cumprindo com o estipulado no Regulamento Geral do Ruído”.
Após a 3ª Ré ter conhecimento de tal relatório ambiental, em vez de impor aos prevaricadores o cumprimento e o respeito da lei, ao invés, por finais de 2016, deliberou notificar os AA. para que estes apresentassem orçamento da colocação de barreiras acústicas, cujo custo seria suportado pela 3ª Ré, o que os AA. fizeram, tendo contactado duas empresas que elaboraram dois orçamentos para a colocação das ditas barreiras acústicas, que os AA. entregaram em mão ao Presidente da 3ª Ré, ficando a aguardar que esta entidade assumisse os seus compromissos.
Acrescentam que a 3ª Ré dolosamente continua a protelar ou enredar a questão e a adiar a tomada de medidas legais concretas para proteger os vizinhos do ruído que emana da fábrica, contribuindo de uma forma decisiva, neste caso por omissão ou absoluta inacção, para que a vida diária dos AA. e do seu agregado familiar continue um inferno, com a agravante de ser do conhecimento da 3ª Ré que a laboração não está licenciada, nem possui alvará de funcionamento.
Apesar das constantes denúncias, queixas, exposições e reclamações que os AA. têm apresentado às entidades administrativas, policiais e aos próprios RR., os 1º e 2º RR. não se coíbem de pôr a fábrica a trabalhar a qualquer hora do dia, em especial, aos sábados, para além de que nunca realizaram qualquer obra de insonorização ou qualquer outra obra necessária para a minimização da poluição sonora que produzem.
Consideram os AA. que a actividade ruidosa levada a cabo pelos 1º e 2º RR., no interior da fábrica em questão, afecta não apenas o direito dos AA. ao descanso, ao sossego, ao repouso, ao sono, mas também o direito à saúde e à integridade física e psicológica, no quadro dos direitos de personalidade, a que acresce o dano substancial ocasionado pela flagrante inacção da 3ª Ré, ao longo deste largo lapso temporal e em matéria de licenciamento ou de fiscalização de actividades ruidosas, abstendo-se do uso dos mecanismos legais, optando, estranhamente, por comportamentos dilatórios ou atitudes de mera inércia geradoras de uma verdadeira denegação de direitos aos lesados.
Deste modo, concluem os AA. que os RR. devem ser responsabilizados civilmente e de forma solidária serem condenados a pagar-lhes, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 20,000,00.
O 3º R. apresentou contestação, invocando, na parte que aqui releva, a excepção da incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial para conhecer da presente acção, pois que, em seu entender, compete aos tribunais administrativos dirimir a presente acção, uma vez que os AA. pretendem a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil extracontratual do Município trata-se de matéria da competência exclusiva da jurisdição administrativa, nos termos do disposto no artº. 4º, n.º 1, al. f) e k) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF) – aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19/2, na versão mais recente que lhe foi atribuída pelo DL 214-G/2015 de 2/10 – não constituindo motivo impeditivo para que a acção fosse interposta no Tribunal Administrativo, de acordo com o artº. 4º, nº. 2 do mesmo diploma legal, o facto de serem demandados particulares e uma empresa privada juntamente com o Município.
Conclui o R. Município, no respeitante à excepção de incompetência material, pela sua absolvição da instância.
Os AA. vieram responder, pugnando pela improcedência da excepção e pela competência material dos tribunais judiciais, alegando, em suma, que a perspectiva em que fundamentalmente se estriba a presente acção é a do reconhecimento do direito de propriedade sobre a casa de habitação identificada no artº. 1º da petição inicial e a de tutela dos direitos de personalidade dos AA., afectados de forma reiterada, duradoura e relevante, pelas actividades ruidosas e omissões dolosas dos RR., visualizados, não na óptica do direito do ambiente ou no domínio das relações jurídicas reais de vizinhança, mas na óptica dos direitos fundamentais de personalidade.
Em 5/12/2019 foi proferida decisão a declarar a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo de Competência Genérica de X e, em consequência, a absolver os Réus da instância.
Inconformados com tal decisão, os Autores dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1. Em síntese, extrai-se da petição inicial que os AA alegaram factos tendentes a demonstrar, além do mais, que:
a) Serem os RR condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre o prédio urbano identificado em 1º do presente articulado, e, por conseguinte,
b) condenar os mesmos RR a encerrarem ou a colocarem fora de serviço e sem laborar a mencionada fábrica de embalagem de terra vegetal.
c) Condenar os RR a pagar sanção pecuniária compulsória de 200,00 € por cada infração diária, até cumprimento cabal da douta decisão.
d) Condenar ainda os RR a pagarem a título de compensação por danos não patrimoniais a quantia de € 20.000,00; 2. Ora, é pela petição inicial deduzida, que contem a causa de pedir e o pedido, que se deve analisar qual o Tribunal materialmente competente em razão da matéria. 3. Além de pedirem a condenação dos RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre a sua casa de habitação, invocam, ainda, factos que consubstanciam a ofensa ou lesão séria e continuada dos seus direitos de personalidade, 4. com fundamento na ofensa do direito ao repouso, descanso, ao sono, á tranquilidade de vida na sua única e própria casa de habitação, 5. resultante de um comportamento ilícito e causador de um dano real, efetivo e consumado na pessoa dos AA e agravado pela especial vulnerabilidade do A marido em função do estado de saúde, conforme se comprova pelos atestados médicos nos documentos 17 e 18 da petição. 6. Por tudo isto, sempre os AA beneficiam da tutela cível dos seus direitos de personalidade e de uma indemnização por danos não patrimoniais – Cfr. Acórdãos do STJ de 22/10/98 no p.97B1024, de 13/03/97 no p.96B557, de 17/01/02 no p.01B4140, de 26/06/2017 in CJ T.II a pág. 143-148 e de 15/12/2015 in CJ III a 267 -. 7. De resto, com similitude para o caso dos autos, o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.06.2017, publicado in CJ II a pág. 96- 101 decidiu que: “I- No âmbito da tutela cível da personalidade, com fundamento em ofensa dos direitos ao repouso, ao descanso e ao sono, a alegação da violação de prescrições administrativas, nomeadamente de proteção ambiental, de prevenção do ruído e poluição sonora ou de licenciamento da actividade comercial tida por ofensiva, traduz-se num reforço da ilicitude civil, na medida em que tais prescrições contenham proteção, ainda que indireta ou reflexa, dos direitos individuais, nomeadamente dos direitos de personalidade.
II- A alegação de tais prescrições não retira a natureza cível da pretensão, quando a causa de pedir é a ofensa ou violação dos direitos de personalidade, visando obter medidas adequadas á sua prevenção, atenuação ou cessação, para o que são materialmente competentes os tribunais judiciais.” 8. Ademais, e ao contrário do decidido, também é alegado que não estamos perante uma relação materialmente administrativa, entendida como a que, por via de regra, confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público, nem, tão pouco, a III RR aparece dotada de prerrogativas de autoridade pública ou está em discussão uma relação de direito público, só porque esta é um ente público autárquico. 9. Neste embarque, para o escopo pretendido, também se mostra que o despacho saneador – sentença em crise, está, com todo o respeito, deficientemente elaborado ao apoiar-se na alínea i) do art. 4º do ETAF na redação em vigor ao tempo dos factos, quando se devia ater somente ao momento da propositura da causa, e 10. sem fundamentação válida e eficaz, não citando qualquer jurisprudência, nem sequer justificando a aplicação do regime especifico da responsabilidade do Estado ao caso vertente. 11. Em face do exposto, tendo por referência a causa de pedir e o pedido, afigura-se que são materialmente competentes os tribunais judiciais em que se integra o tribunal a quo para a ação prosseguir com a sua normal tramitação. 12. Assim, não tendo decidido, a decisão recorrida violou o disposto nos invocados normativos.
Terminam entendendo que deve conceder-se provimento ao presente recurso, com a alteração da decisão recorrida.
O Réu Município contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 367.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pelos Autores, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se apenas à questão de saber se o Juízo de Competência Genérica de X – Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, onde foi intentada a presente acção, é competente em razão da matéria para conhecer da mesma.
Com interesse para apreciação da questão em causa há que ter em conta a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório.
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Apreciando e decidindo.
Na decisão sob censura declarou-se a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo de Competência Genérica de X para conhecer da presente acção, com fundamento no facto do R. Município ser uma entidade pública, encontrando-se investida numa relação jurídica administrativa, e ser-lhe aplicável o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, nos termos do disposto no artº. 1º, n.º 5 da Lei n.º 67/2007 de 31/12.
A este propósito refere-se naquela decisão o seguinte [transcrição parcial]:
«(…) A competência, à semelhança dos outros pressupostos processuais, é analisada à luz da conformação do processo que é dada pelo Autor, havendo que tomar em conta a forma como aquele configura a acção na dupla vertente do pedido e da causa de pedir.
Assim, conforme explanado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.04.2002, processo n.º 0141308, disponível em www.dgsi.pt, "importa ter presente a pretensão formulada pela autora e os fundamentos em que a mesma se baseia, pois, como dizia Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pag. 90-91), para decidir da competência do tribunal deve olhar-se aos termos em que a acção foi posta, seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. “É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.”
No caso vertente, estamos perante um litígio em que os Autores vêm invocar a responsabilidade civil, extracontratual, emergente do barulho de uma fábrica confrontante a Norte com o prédio destes.
Ora, a medida de jurisdição dos Tribunais Judiciais é residual, nos termos do disposto nos artigos 64.º do Código de Processo Civil e 40º, nº.1 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário).
Estabelece o artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações introduzidas sucessivamente, que os tribunais da jurisdição administrativa são os órgãos de soberania competentes para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas, em consonância com o imperativo constitucional estabelecido no artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
Por sua vez, o artigo 4.º do ETAF enuncia exemplificativamente os litígios sujeitos ao foro administrativo,
E, nos termos do art. 4º do ETAF veio o legislador indicar exemplificativamente os litígios que se encontram incluídos no âmbito da jurisdição administrativa, assim como aqueles que dela de encontram excluídos.
Ora e como resulta do nº1 al. i) deste art. 4º, na redacção em vigor ao tempo dos factos, compete aos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto, nomeadamente, a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público; Por outro lado, actualmente, para delimitar a competência material dos tribunais administrativos em matéria de responsabilidade civil extracontratual, há que ter presente a Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro sobre o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas.
Neste diploma, a respeito do âmbito de aplicação do referido regime preceitua o art. 1º, nº 5, o seguinte: “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo.”
Na prática, e tal como se tem vindo a entender, este nº 5 do art. 1º da Lei nº 67/2007 concretiza o princípio previsto no art. 4º, nº 1, alínea i) do ETAF, de que compete aos tribunais administrativos apreciar as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
O MUNICIPIO DE X (CAMARA MUNICIPAL) é uma entidade pública, encontrando-se investida numa relação jurídica administrativa e, consequentemente, se está sujeita à responsabilidade civil extracontratual do Estado.
Assim sendo, e nos termos do disposto no art° 1° n° 5 da Lei 67/2007 de 31 de Dezembro, é-lhe aplicável, o regime da responsabilidade civil extra-contratual do Estado e demais empresas públicas
A infracção das regras de competência em razão da matéria constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso que determina a incompetência absoluta do Tribunal e implica a absolvição do réu da instância, nos termos do disposto nos artigos 96.º, 99º, n.º 1, 577.º, alínea a), 578.º e 278.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil.
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Em face do exposto, decide-se declarar a incompetência em razão da matéria deste Tribunal, nos termos do disposto nos artºs 64º do Código de Processo Civil, 40º, nº. 1 da Lei nº. 62/2013 de 26/8 e 4º, n.º 1, al. i) do ETAF e, em consequência, a absolver os Réus da instância, em conformidade com os artºs 96º, 99º, n.º 1, 577º, al. a), 578º e 278º, n.º 1, al. a) todos do Código de Processo Civil.»
Insurgem-se os AA., ora recorrentes, contra a referida decisão, alegando que é pela petição inicial deduzida, que contém a causa de pedir e o pedido, que se deve analisar qual o Tribunal materialmente competente, sendo que além de pedirem a condenação dos RR. a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre a sua casa de habitação, invocam, ainda, factos que consubstanciam a ofensa ou lesão séria e continuada dos seus direitos de personalidade - direito ao repouso, ao descanso, ao sono e à tranquilidade de vida na sua própria casa – resultante das actividades ruidosas em espaço controlado pelos 1º e 2º RR., bem como das omissões dolosas, inacção ou inércia do 3º R., o que constitui um comportamento ilícito e causador de um dano real, efectivo e consumado na pessoa dos Autores.
Vejamos se lhes assiste razão.
No caso dos autos, a pretensão formulada pelos AA. inscreve-se, nuclearmente, no âmbito do reconhecimento do direito de propriedade sobre a sua casa de habitação descrita no artº. 1º da petição inicial, que arrogam ter e pretendem fazer valer (tendo em atenção a impugnação desta factualidade pelos 1º e 2º RR.), bem como da tutela dos direitos de personalidade, ainda que tenham sido também invocadas, a título marginal, a falta de licenciamento e de alvará de funcionamento da fábrica de embalagem de terra vegetal pertencente aos 1º e 2º RR. e a falta de cumprimento de regras respeitantes à prevenção e controlo do ruído.
Conforme se alcança dos autos, os ora recorrentes demandaram o Município de X, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual e em regime de solidariedade com os restantes Réus, com fundamento na flagrante inacção ou inércia do 3º R. ao longo do período temporal que referem, não obstante as reiteradas e insistentes queixas e reclamações feitas pelos AA. relacionadas com o ruído ensurdecedor e muito perturbador proveniente da fábrica dos 1º e 2º RR., em matéria de licenciamento ou de fiscalização de actividades ruidosas, tomando as medidas legais adequadas a proteger os habitantes vizinhos da dita fábrica do ruído que esta emana para o exterior.
Ora, na esteira das considerações iniciais da decisão recorrida que cita, e bem, a doutrina do Prof. Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 90-91) e o acórdão da RP de 8/04/2002 (proc. nº. 0141308, acessível em www.dgsi.pt), é pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, concretamente, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como configurada na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.
Dispõe o artº. 211º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”, cabendo, por usa vez, aos tribunais administrativos e fiscais, segundo o artº. 212º n.º 3 da CRP, “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Decorre também do artº. 64º do NCPC que os tribunais judiciais são competentes, em razão da matéria, para conhecer das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, e em sentido idêntico dispõe o artº. 40º, nº. 1 da Lei nº. 62/2013 de 26/01 (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que “os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
A competência material dos tribunais comuns é assim fixada em termos residuais.
Porque no caso “sub judice”, o confronto é delineado entre a competência dos tribunais comuns e a dos tribunais administrativos, importará conhecer qual é o âmbito da competência destes últimos.
Em conformidade com o comando constitucional estabelecido no artº. 212º, n.º 3, e no desenvolvimento do mesmo, o artº. 1º, nº. 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19/2, na versão republicada em Anexo ao DL 214-G/2015 de 2/10 (doravante ETAF), preceitua que “os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, entendendo-se como relação jurídico–administrativa “aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, é uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido”.
No ensinamento dos Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 815), a qualificação como relações jurídicas administrativas ou fiscais “transporta duas dimensões caracterizadoras: as acções e recursos incidem sobre relações jurídicas em que, pelo menos, um dos sujeitos é titular, funcionário ou agente de um órgão de poder público; as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico – civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico – administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo e/ou fiscal”.
Por seu lado, o artº. 4º do ETAF densifica o âmbito da jurisdição administrativa, no que aqui poderá interessar, nos seguintes termos:
1 – Compete aos tribunais da jurisdição administrativa (…) a apreciação dos litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas a:
a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais; f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo; i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime; n) Execução da satisfação de obrigações ou respeito por limitações decorrentes de actos administrativos que não possam ser impostos coercivamente pela Administração.
E o n.º 2 do artº. 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002 de 22/2, na versão republicada em Anexo ao mencionado DL 214-G/2015 de 2/10 (doravante CPTA), enumera como direito ou interesse legalmente protegido a que corresponde tutela adequada junto dos tribunais administrativos, entre outros:
i) A condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime.
Segundo o artº. 37º, n.º 1 do CPTA, seguem a forma de acção administrativa, entre outras, as pretensões de:
b) Condenação à prática de actos administrativos devidos, nos termos da lei ou de vínculo contratualmente assumido; h) Condenação à adopção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares; i) Condenação da Administração à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime.
Assim, com a Reforma do Contencioso Administrativo, alterou-se, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, o critério determinante da competência material entre jurisdição comum e jurisdição administrativa, que deixou de assentar na clássica distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, passando a jurisdição administrativa a abranger todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.
Nesta conformidade, todos os litígios emergentes de actuação da Administração Pública que constituam pessoas colectivas de direito público em responsabilidade civil extracontratual pertencem, portanto, à competência dos tribunais administrativos (cfr. acórdãos do STJ de 1/03/2018, proc. nº. 1203/12.0TBPTL e de 9/07/2014, proc. nº. 934/05.6TBMFR, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Os AA. estribaram a sua pretensão, fundamentalmente, em sede da tutela dos seus direitos de personalidade, sustentando que a actividade desenvolvida na fábrica controlada pelos 1º e 2º RR., sita a uma distância de 55 metros da casa de habitação dos AA., produz um excesso de ruído altamente incomodativo, um barulho ensurdecedor e perturbador, que afecta não apenas o seu direito ao descanso, ao sossego, ao repouso e ao sono, mas também o direito à saúde e à integridade física e psicológica, a que acresce o dano substancial ocasionado pela flagrante inacção ou inércia do 3º R., durante um largo período temporal, ao não tomar as medidas legais adequadas a proteger os habitantes vizinhos da dita fábrica do ruído que esta emana para o exterior, o que consubstancia uma violação daqueles direitos de personalidade, garantidos pelos artºs 25º, n.º 1 da CRP e 70º, n.º 1 do Código Civil.
Ora, de acordo com o citado artº. 70º, nºs 1 e 2 do Código Civil, a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral de qualquer pessoa é juridicamente susceptível de ser prevenida ou reprimida por medidas jurisdicionais adequadas a evitar a consumação da ameaça, ou a atenuar ou fazer cessar os efeitos de ofensa já cometida, sem prejuízo da reparação a que haja lugar a título de responsabilidade civil. E, como é sabido, no âmbito dos direitos de personalidade cabem, nomeadamente, os direitos ao descanso, ao sossego, ao repouso e ao sono, especificamente invocados pelos Autores.
Com se refere no acórdão do STJ de 1/06/2017 (proc. nº. 7712/16.5T8PRT-A, acessível em www.dgsi.pt), cuja doutrina aqui sufragamos: “No âmbito da tutela cível da personalidade genericamente definida no artigo 70.º do CC, com fundamento em ameaça de ofensa ou em ofensa consumada dos direitos ao repouso, ao descanso e ao sono, a violação de prescrições administrativas, nomeadamente de protecção ambiental, de prevenção do ruído e poluição sonora ou de licenciamento da actividade comercial tida por ofensiva, traduz-se, de algum modo, num reforço da ilicitude civil, na medida em que tais prescrições contenham também níveis de protecção, ainda que indirecta ou reflexa, dos interesses individuais, nomeadamente dos direitos de personalidade.
A alegação de tais prescrições não retira a natureza cível da pretensão, quando centrada, em sede de causa de pedir, na ameaça de ofensa ou violação dos direitos de personalidade, visando obter medidas adequadas à sua prevenção, atenuação ou cessação, para o que são materialmente competentes os tribunais judiciais”.
Reportando-nos ao caso em apreço, os AA./recorrentes fundamentaram o pedido de condenação do R. Município de X, em regime de solidariedade com os restantes Réus, na alegada inacção ou inércia da sua parte, no âmbito da sua actividade administrativa e no exercício das suas competências e atribuições legais, em tomar as medidas necessárias e adequadas a proteger os habitantes vizinhos da fábrica dos 1º e 2º RR. do ruído que esta emana para o exterior, o que determinaria a sua responsabilidade através do regime da responsabilidade civil extracontratual e, por conseguinte, a condenação solidária daquele Réu, com os restantes Réus, no pagamento de uma indemnização.
Ora, para efeitos de apuramento da responsabilidade civil extracontratual de pessoas colectivas de direito público por actos praticados no exercício da função administrativa existe um regime especial – o consignado na Lei n.º 67/2007 de 31/12, que regula a Responsabilidade Civil do Estado e demais Entidades Públicas.
Neste regime especial ficam expressamente incluídas "(…) as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” (artº. 1º, nº. 2).
Donde, uma alegada responsabilidade civil extracontratual do Município de X só poderá ser apreciada no quadro do exercício da sua actividade administrativa. Assim, tendo em atenção os critérios supra enunciados, é patente que a competência para conhecer da acção no que respeita ao ente público demandado (Município) incumbe aos tribunais administrativos, no quadro da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, o que se integra na previsão da al. f) do n.º 1 do artº. 4º do ETAF.
Ou seja, no caso concreto do Município, estamos perante um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa (cfr. artºs 1º, nº. 1 e 4º, nº. 1, al. a) e f) do ETAF) e daí a competência dos tribunais administrativos para conhecer de tal acção relativamente ao pedido formulado contra o mesmo.
Tal conclusão não é infirmada pela circunstância do Juízo de Competência Genérica de X ser o competente para conhecer da presente acção no respeitante aos demais Réus, recordando-se que a imputação da sua responsabilidade civil é fundamentada na alegada violação dos direitos de personalidade dos AA., garantidos pelos artºs 25º, nº. 1 da CRP e 70º do Código Civil, através da ofensa do direito ao descanso, ao sossego, ao repouso e ao sono, bem como do direito à saúde e à integridade física e psicológica.
Acolhe-se, aqui, a argumentação aduzida quanto a esta questão nos acórdãos do Tribunal de Conflitos de 29/06/2004 (processo n.º 01/04) e de 28/11/2007 (processo n.º 6/07), de onde resulta, em síntese, que não afasta a competência dos tribunais administrativos a eventualidade de o Autor pedir a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas ser competente “o tribunal comum”.
Por outro lado, tendo em atenção os contornos da presente acção, em que o objecto da pretensão formulada pelos AA., nas suas linhas essenciais consubstanciadas na causa de pedir e no pedido, se centra na alegada ofensa aos seus direitos ao repouso, ao descanso, ao sossego e ao sono, como dimensões específicas dos direitos de personalidade, entendemos não estar perante uma situação de litisconsórcio do lado passivo, mas antes de coligação de réus.
Ora, o artº. 37º, n.º 1 do NCPC determina que a coligação não é admissível quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia.
O artº. 96º, al. a) do NCPC estabelece que a incompetência do tribunal em razão da matéria determina uma incompetência absoluta.
E de acordo com as disposições conjugadas dos artºs 576º, nº. 2 e 577º, al. a) do NCPC, a incompetência absoluta do tribunal consubstancia uma excepção dilatória, o que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
Nesta conformidade, deverá o R. Município ser absolvido da instância, prosseguindo, no entanto, os presentes autos os seus termos quanto aos restantes Réus, por o Tribunal “a quo” ser materialmente competente para conhecer a presente acção intentada contra estes.
Assim sendo, procede parcialmente o recurso de apelação interposto pelos AA., devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:
a) julgue o Tribunal "a quo" incompetente em razão da matéria para conhecer a presente acção intentada contra o Município de X, absolvendo-se, consequentemente, este Réu da instância;
b) declare o Tribunal “a quo” competente materialmente para conhecer a acção em relação aos demais Réus, devendo a mesma, quanto a eles, prosseguir os seus termos.
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SUMÁRIO:
I) - No âmbito da tutela cível da personalidade genericamente definida no artº. 70º do Código Civil, com fundamento em ameaça de ofensa ou em ofensa consumada dos direitos ao repouso, ao descanso e ao sono, a violação de prescrições administrativas, nomeadamente de protecção ambiental, de prevenção do ruído e poluição sonora ou de licenciamento da actividade comercial tida por ofensiva, traduz-se, de algum modo, num reforço da ilicitude civil, na medida em que tais prescrições contenham também níveis de protecção, ainda que indirecta ou reflexa, dos interesses individuais, nomeadamente dos direitos de personalidade.
II) - A alegação de tais prescrições não retira a natureza cível da pretensão, quando centrada, em sede de causa de pedir, na ameaça de ofensa ou violação dos direitos de personalidade, visando obter medidas adequadas à sua prevenção, atenuação ou cessação, para o que são materialmente competentes os tribunais judiciais.
III) - É à jurisdição administrativa que incumbe julgar as acções em que é Réu, além de outros, o Município sendo pedida a sua condenação por responsabilidade civil extracontratual fundada na alegada inacção ou inércia da sua parte, no âmbito da sua actividade administrativa e no exercício das suas competências e atribuições legais, em tomar as medidas necessárias e adequadas a proteger os habitantes vizinhos da fábrica pertencente aos demais Réus do ruído que esta emana para o exterior.
IV) - Não afasta a competência dos tribunais administrativos a eventualidade de o Autor pedir a condenação solidária de entidades públicas e de entidades particulares e o facto de para o conhecimento do pedido formulado contra estas últimas serem competentes os tribunais comuns, caso em que a coligação passiva não é admissível, conduzindo, esta, à absolvição do Réu Município da instância.
III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Autores A. J. e E. P. e, em consequência, revogar a decisão recorrida declarando o Tribunal recorrido:
a) - incompetente em razão da matéria para conhecer a presente acção intentada contra o Réu Município de X, absolvendo-se este da instância;
b) - competente materialmente para conhecer a acção em relação aos demais Réus, devendo a mesma, quanto a eles, prosseguir os seus termos.
Custas a cargo dos recorrentes, na proporção do seu decaimento.
Notifique.
Guimarães, 27 de Junho de 2019
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Cristina Cerdeira)
(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)