EMBARGO DE OBRA NOVA
ÓNUS
JUSTO RECEIO
Sumário

1.– É ao embargado que incumbe alegar e provar que o procedimento cautelar foi intentado decorridos mais de 30 dias sobre a data em que o embargante teve conhecimento da obra, trabalho ou serviço novo que lhe causa ou ameaça causar prejuízo.

2.– No embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse.

3.– Deve, contudo, resultar da alegação e prova dos factos a demonstração da existência de um justo receio de lesão do direito do requerente.

SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.



RELATÓRIO:


Em 19.09.2018, A. intentou o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra B. pedindo que, sem audição da requerida: a) se ordene o embargo das obras de “beneficiação” do prédio, melhor identificadas no artigo 4º da PI, sendo lavrado o auto a que se refere o artigo 400º, nº 1 do CPC e notificado o dono da obra, ou, na sua ausência, o encarregado ou quem o substitua, para não a continuar, sob pena de, desrespeitando tal determinação judicial, poder ser destruída qualquer inovação abusiva e incorrer em responsabilidade penal pela prática de crime de desobediência qualificada, tal como prevê o artigo 375.º do CPC; e b) seja fixada uma sanção pecuniária compulsória, no valor de 5.000,00€ por cada dia em que a requerida, ou alguém a seu mando, executar obras nas partes comuns do prédio urbano melhor descrito no artigo 1º da PI.

A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese:
A requerente, que é possuidora e legítima proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, todas do prédio urbano, sito na Rua ..., concelho de Lisboa, constituído em propriedade horizontal, impugnou as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 29.6.2015, onde foi deliberado proceder à realização de obras de beneficiação do prédio, nomeadamente nas suas áreas comuns, vindo a ser proferida decisão (pelo Tribunal da Relação) que julgou a acção procedente e anulou a deliberação tomada na referida AC.

Em 22.3.2018, a requerente apresentou um procedimento cautelar de embargo de obra nova contra a requerida, que tinha por objecto embargar as obras que estavam a ser realizadas no prédio, e que se tinham iniciado em 20.2.2018 nas partes comuns do prédio, vindo a ser proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em virtude da CM de Lisboa, ter, entretanto, embargado a obra, paralisando-a.

Para absoluta surpresa da requerente, no dia 28.8.2018, foram retomadas as obras no prédio, e não obstante a requerente tenha feito denúncia à CM de tal facto, não obteve qualquer resposta.

As obras que foram retomadas pretendem alterar, profundamente, a estrutura e a fachada do prédio, elevando o pé direito da cobertura, construindo terraços, colocando clarabóias no tecto da escada comum e fenestrações nas fachadas, estando ser executadas, mas ainda não estão concluídas.

A requerente tem legitimidade e está em tempo, uma vez que tomou conhecimento da retoma das obras reportadas às partes comuns do prédio no dia 28.08.2018.

Caso a requerida fosse ouvida antes do decretamento da providência cautelar peticionada, o tempo que decorreria por força do imediato exercício do direito ao contraditório, colocaria em risco sério o fim ou a eficácia da mesma, uma vez que as modificações substanciais estão a escassas semanas de serem concluídas.

Foi proferido despacho a ordenar a citação da requerida.

A requerida deduziu oposição invocando a verificação de caso julgado, de litispendência, a caducidade da presente providência, a inexistência de dano jurídico, a inexistência de prejuízo material, e a desproporcionalidade e prejuízo do embargo.

Convidada a pronunciar-se sobre as excepções deduzidas, pugnou a requerente pela sua improcedência.

Realizada audiência, em 5.2.2019 foi proferida sentença que julgou verificada a excepção de caducidade invocada pela requerida e, em consequência, não decretou a providência cautelar de embargo de obra nova.

Não se conformando com o teor da decisão, apelou a requerente, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I Não se pode conformar a Recorrente com a douta decisão dos autos que julgou verificada a excepção de caducidade da providência requerida, que padece, salvo devido respeito, de erro de julgamento e de uma incorrecta interpretação das normas jurídicas subsumíveis à causa.
II Acresce, ainda, que no entender da Apelante, o Tribunal errou acerca do julgamento da matéria de facto, devendo ser-lhe aditado um concreto ponto de facto que não foi considerado provado.
III Constam dos autos elementos de prova que teriam permitido ao Tribunal a quo dar como provado que a Recorrente apenas teve conhecimento do reinício das obras no dia
28 de Agosto, quando regressou de férias do Algarve.
IV– Tais meios de prova, que em cumprimento do ónus estabelecido no art. 640º nº 1, al. a), b) e c) e do nº 2, al. a) da mesma disposição processual do C.P.C., se especificam, e que impunham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, consistem nas declarações da Requerente A. e nos depoimentos das testemunhas GU e SP, cujos excertos transcritos constam do corpo destas alegações de recurso.
V Tendo em conta tais meios de prova, entende-se que deve ser proferida decisão no sentido de ser aditada à matéria de facto que “A Requerente tomou conhecimento da retoma das obras, reportadas às partes comuns do prédio melhor descrito em 1., no dia 28-08-2018.” E, nessa senda, merecendo provimento o recurso sobre a matéria de facto nos termos expostos, nunca o Tribunal poderia ter dado como verificada a excepção de caducidade que determinou a improcedência desta providência cautelar.

VI Do vasto e transcrito acervo factual dado como provado pela
douta sentença recorrida, assumem particular e crucial interesse para a decisão do presente recurso, os que vêm enunciados nos pontos 25, 28 e 36, designadamente:
“25.- No período compreendido entre o dia 10 de Agosto e a véspera do feriado de 15 de Agosto de 2018, foram retomadas as obras no prédio referido em 1.”
“28.- À data da entrada da presente providência cautelar em Tribunal (18-09-2018), as obras continuam ser executadas, não estando concluídas.”
“36.- No dia 09 de Agosto, foi remetido e-mail ao dono da obra para que retomassem imediatamente as obras de recuperação do prédio, conforme e-mail -documento nº 6 junto com a oposição, tendo as obras se iniciado pouco dias depois, antes do feriado do dia 15 de Agosto.”

VII Nenhum outro facto se retira, do dito acervo, que possa ter tido influência decisiva para a fundamentação de direito sustentada pelo Tribunal a quo, designadamente, sobre a verificação da excepção de caducidade do prazo para apresentação do presente procedimento cautelar e que conduziu à improcedência total do pedido.
VIII Estabelece o nº 1 do artigo 397º, do C.P.C. que: “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.”
IX Tal prazo tem natureza substantiva e está sujeito à norma do art. 303º CC, ex vi art. 333º-2 C.C., pelo que a sua inobservância constitui excepção só arguível pelo requerido e que ele tem o ónus de provar.
X A Sentença recorrida não deu como provada qualquer data que corresponda ao conhecimento do facto (reinício das obras) por parte da Recorrente que constituiu a causa de pedir inerente à providência cautelar requerida.
XI Apenas se provou que “no período compreendido entre o dia 10 de Agosto e a
véspera do feriado de 15 de Agosto de 2018, foram retomadas as obras no prédio referido em 1.”
XII De acordo com o nº 1 do art. 397º do C.P.C., o prazo de caducidade do direito de propor o procedimento cautelar conta-se do conhecimento do facto por parte do titular desse direito.
XIII Não se tendo provado a alegação da recorrida, não podia o Tribunal decidir pela verificação da excepção invocada.
XIV Sempre deveria ter sido decretada a providência requerida, fundamentalmente, por se verificarem, in casu, todos os seus específicos requisitos, nomeadamente, a existência da obra nova; que tal obra consiste num facto ilícito; e que causa ou ameace causar prejuízo ao requerente.
XV– Na génese da obra ilicitamente levada a cabo pela recorrida, encontra-se uma deliberação de condomínio inválida, anulada através do douto Ac. TRE documentado nos autos, insusceptível de recurso e, por esse motivo, claramente ofensiva do direito de propriedade da Recorrente, aqui entendido como singular ou comum, abrangendo as situações de compropriedade, comunhão e propriedade horizontal, como sucede in casu
e, por conseguinte, ilícita.
XVI Quanto ao terceiro dos referidos requisitos, tanto a doutrina, como a jurisprudência, têm entendido que o prejuízo não carece de valoração autónoma, pois de alguma forma já está ínsito na ofensa do direito, não sendo necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico.
XVII– A douta sentença recorrida violou o art. 397, nº 1 do Cód. Processo Civil.
Termina pedindo que a sentença recorrida seja revogada e em sua substituição seja decretado o embargo judicial da obra nova em causa nos presentes autos, com todas as legais consequências.
A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e manutenção da sentença recorrida.

QUESTÕES A DECIDIR

Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), as questões a apreciar são:
a)- impugnação da decisão sobre a fundamentação de facto;
b)- da não verificação da excepção de caducidade;
c)- da verificação dos requisitos para decretar a providência cautelar requerida.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A requerente é possuidora e legítima proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras “B”, “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, todas do prédio urbano, sito na Rua ..., Lisboa, constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob nº 1..., da freguesia de Socorro e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1..., da freguesia de Santa Maria Maior, tudo conforme Docs. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13, que se encontram juntos com a petição inicial e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

2. A requerente em 09.07.2015, recebeu uma carta registada com aviso de recepção, com data de 07-07-2015, remetida por JJ, com o seguinte assunto: “COMUNICAÇÃO A CONDÓMINOS AUSENTES DA ASSEMBLEIA” e, a ela anexado, uma “ACTA AVULSA”, tudo conforme Docs. 14 e 15 juntos com o requerimento inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

3. Da “ACTA AVULSA”, consta que, “aos 29 dias de Junho de 2015, pelas 10:30, reuniu, em segunda convocatória, porquanto na primeira convocatória não se encontravam presentes todos os condóminos, no seu logradouro, Assembleia de condóminos do
prédio sito na Rua ..., em Lisboa, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
a)- Realização de obras de beneficiação do prédio, nomeadamente nas suas áreas comuns, para a qual será necessária maioria qualificada.” (vide doc. 14, fls. 2).

4. Nesta assembleia de condóminos ficou “aprovada por unanimidade dos presentes” a proposta apresentada por JJ, constante da ordem de trabalhos, que consistiu no seguinte: “realização de obras de beneficiação do prédio, nomeadamente nas suas áreas comuns, de acordo com o relatado na memória descritiva exibida na assembleia. Designadamente:
i.- Unificar a cobertura pela cota mais elevada, enquadrando o alçado principal, reconstruindo parcialmente a fachada poente ao nível do 2º piso e prolongando-a na continuidade das paredes existentes actuais. Para tanto serão utilizados acabamentos idênticos aos actuais preservando as características e linguagem arquitectónica existentes, nomeadamente a telha cerâmica portuguesa e o sistema etics/reboco pintado a tinta para exterior na cor existente.
ii.- Construção de terraços na cobertura para colocação e ocultação de equipamentos de climatização, com acesso por alçapão na zona comum.
iii.- Colocação de clarabóia para desenfumagem no tecto da escada comum por questões de segurança contra – incêndios.
iv.- Colocação de fenestrações nas duas fachadas para assegurar a iluminação natural e ventilação dos compartimentos interiores”.
(vide doc. 14, fls. 2 e 3).

6. Consta da citada “ACTA AVULSA”, que estiveram presentes, na qualidade de condóminos: GY e JJ.
7. Relativamente ao GY, o mesmo surge na qualidade de “proprietário da fracção A, correspondente à loja com o nº 206, representando 17,3% do capital total do edifício” (vide doc. 14, fls. 2; negrito nosso).
8. Relativamente a JJ, a mesma surge na qualidade de “proprietária da fracção H e I, correspondente ao 2º andar direito e esquerdo, respectivamente, representando 19,5% do capital total do edifício” (vide doc. 14, fls. 2;).
9. Nas descrições e inscrições prediais das referidas fracções, tanto a JJ como GY, não constavam como sendo os seus proprietários como ficou a constar da dita “ACTA AVULSA”, tudo conforme Docs. 16, 17, 18, 19, 20 e 21, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
10. Assim, e relativamente à fracção “A” do prédio referido em 1. encontra-se inscrito, na Conservatória do Registo Predial respectiva, como seu proprietário, o “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.”, que a adquiriu, por compra, em 2006-10-27 (vide doc. 20).
11. Da descrição e inscrição predial, consta a existência de uma “LOCAÇÃO FINANCEIRA”, celebrada pelo prazo de “15 anos”, “COM INÍCIO EM 2006/01/19”, entre o real proprietário, “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.”, e GY (vide doc. 20).
12. Que GY, não é o único locatário financeiro dessa fracção, sendo igualmente locatário financeiro da mesma, YC, aí melhor identificado (vide doc. 20).
13. Das descrições e inscrições prediais, relativamente às fracções “H” e “I” do prédio urbano referido no ponto 1, consta que o proprietário das mesmas é o “BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.”, que as adquiriu, por compra, em 2013-07-15 (vide docs. 16 e 18).
14. Encontra-se registada uma “LOCAÇÃO FINANCEIRA”, celebrada pelo prazo de “12 anos”, “COM INÍCIO EM 2013/07/18”, entre o real proprietário, “BANCO SANTANDER TOTTA, S.A.”, e JJ (vide docs. 16 e 18).
15. Perante tudo isto, entendeu a requerente que nem JJ nem GY tinham legitimidade para deliberarem o que quer que fosse na citada Assembleia de Condóminos, nem tão pouco havia quorum para esse efeito, e bem assim, ainda que houvesse, a deliberação em causa carecia da maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, daí que, deu entrada de uma acção de processo comum (acção de anulação de deliberações tomadas em assembleia de condomínios), que originou o processo n.º 23245/15.4T8LSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa, Juiz 11, onde foi peticionado que a deliberação fosse declarada nula ou anulada, entre outros, por violação dos artigos 1420º, nº 1 e 1425º, nº 1, por força do artigo 1433º, n.º 1 e 4, todos do CC.
16. Foi proferida Sentença, expedida, a qual decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julgo a presente acção improcedente por não provada e, consequentemente, decido absolver do pedido os RR., GY e JJ. Improcedem os pedidos de condenação como litigantes de má-fé. Valor da acção: 5.000,01 euros. Registe e notifique.”, tudo conforme Doc. 22, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
17. Dessa douta Decisão, foi interposto recurso, pela requerente, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que proferiu Acórdão datado de 15-02-2018, o qual decidiu o seguinte: “Nos termos supra expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que julga a acção procedente, anulando a deliberação que aprovou a realização de obras, nos termos constantes da acta da assembleia de condomínio que teve lugar no dia 29.6.2015”, tudo conforme Doc. 23, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
18. Após isto, concretamente no dia 07-03-2018, o ali recorrido GY deu entrada junto do Tribunal da Relação de Lisboa, em suporte físico, dum requerimento, no qual declarou o seguinte: “aceita a douta Decisão proferida por esta Nobre Relação, renunciando a qualquer prazo de recurso, tudo nos termos do artigo 632º do Código de Processo Civil. Assim, a douta Decisão proferida, no que tange à sua pessoa, deverá transitar imediatamente em julgado, daí que, carece a outra ré e recorrida de legitimidade para apresentar qualquer recurso da douta Decisão proferida nesta Nobre Relação, devendo, assim, o presente processo ser mandado baixar à 1ª Instância, dando-se como findo.”, tudo conforme Doc. 24, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
19. A ali recorrida JJ, inconformada com o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs recurso, o qual não foi admitido, por douto Despacho que considerou, além do mais, que não há valor de causa ou sucumbência, tudo conforme Docs. 25 e 26, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
20. Novamente inconformada, agora com esta douta Decisão, a ali recorrida JJ apresentou reclamação, a qual foi indeferida, por Acórdão proferido no dia 12-09-2018, pelo Supremo Tribunal de Justiça, tudo conforme Docs. 27 e 28, que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
21. No dia 22-03-2018, a requerente apresentou um procedimento cautelar de EMBARGO DE OBRA NOVA contra a requerida, que correu termos neste mesmo Tribunal e Juízo Central, no Juiz 10, sob o nº 6806/18.7T8LSB (Docs. 29 e 30).
22. Tal procedimento cautelar tinha por objecto embargar as obras que estavam a ser realizadas no prédio referido em 1. em razão da sua natureza manifestamente ilegal (essencialmente, por ilegitimidade), no que concerne às partes comuns do aludido prédio (vide doc. 14).
23. No âmbito de tal procedimento cautelar foi proferida Sentença, que decidiu o seguinte: “Considerando a requerente que a acção principal é uma acção que, à data da apresentação do requerimento inicial do presente procedimento cautelar, já estaria finda (cf. Artigo 19º do requerimento inicial), o embargo pela Câmara Municipal, mesmo que venha a ser temporário, parece melhor para as pretensões da requerente que o presente procedimento cautelar, pois não se vislumbra que efeito útil há a acautelar quando a acção principal está finda. (...) Assim, e nos termos do art. 277º al. e) do C.P.C, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Custas pela requerida (art. 536º nº3 do C.P.C.)” (Doc. 31).
24. A requerente havia realizado uma denúncia à Câmara Municipal de Lisboa, a qual surtiu efeito, tendo sido ordenado o embargo da obra, o que tudo ocorreu no âmbito do processo nº 1017/EDI/2015.
25. No período compreendido entre o dia 10 de Agosto e a véspera do feriado de 15 de Agosto de 2018, foram retomadas as obras no prédio referido em 1.
26. Em 04-09-2018, por e-mail, a requerente apresentou nova denúncia às autoridades, designadamente à Polícia Municipal e à Câmara Municipal, ambas de Lisboa, conforme Doc. 32, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
27. As obras têm como objectivo a elevação de parte do pé direito da cobertura, construindo terraços, colocando clarabóias no tecto da escada comum e fenestrações nas fachadas (cfr.doc. 14, fls. 2).
28. À data da entrada da presente providência cautelar em Tribunal (18-09-2018), as obras continuavam ser executadas, não estando concluídas.
29. Em 22 de Janeiro de 2019 Manuel Jesus da Silva foi notificado, na qualidade de chefe de equipa de que “o embargo nº 76/2018 referente às obras sitas no prédio referido em 1., mantém-se válido após o trânsito em julgado datado de 25.10.2018, no âmbito da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, referente ao processo nº 1314/18.9BELSB, conforme consta do email, enviado em 22/01/2019, a esta Policia, pelo Departamento Jurídico da Câmara Municipal de Lisboa, ao qual foi atribuído o registo 3858/2019.” (cfr. doc. de fls. 365)
29. As obras que estão a ser levadas a cabo pela requerida nas partes comuns do prédio urbano referido em 1.
30. A requerida demoliu e removeu a cobertura/telhado, já removeu o pavimento do 2º piso, que por sua vez constitui, simultaneamente, uma parte do tecto e cobertura do 1º piso, e já destruiu parte do alçado principal e da fachada.
31. A requerida já pavimentou o 2º piso, e encontra-se a fazer o isolamento térmico e acústico do mesmo, preparando-se para, em escassas semanas, além do mais: unificar a cobertura pela cota mais elevada, enquadrando-a no alçado principal; reconstruir parcialmente a fachada poente ao nível do 2º piso; altear as paredes existentes.
32. Em 13 de Julho do corrente ano, a requerida apresentou providência cautelar de suspensão imediata da eficácia de acto administrativo com decretamento provisório da providência, que corre termos sob o nº 1314/18.9BELSB, na 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
33. Com a respectiva acção requereu o levantamento do embargo de obra, aludindo, em súmula, a nulidade do respectivo embargo e invocando o perigo e prejuízo da suspensão das obras, conforme Documento nº 2 junto com a oposição.
34. No âmbito da mencionada providência cautelar em curso no Tribunal Administrativo, as obras foram retomadas com fundamento na prorrogativa legalmente consagrada da suspensão da eficácia do embargo, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
35. O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho em 08 de Agosto de 2018, junto com a oposição como Documento nº 5, onde concluiu que o “ (…) regime previsto no nº 1 do artigo 128º, do CPTA, de onde deriva a suspensão da eficácia do embargo de obra (…) constitui garantia bastante para impedir os efeitos que a Requerente pretende evitar com a adopção da providência, sobretudo, tendo em conta a natureza sindicável da resolução fundamentada, que venha a ser proferida pela Entidade Administrativa (…)”.
36. No dia 09 de Agosto, foi remetido e-mail ao dono da obra para que retomassem imediatamente as obras de recuperação do prédio, conforme e-mail -documento nº 6 junto com a oposição, tendo as obras se iniciado pouco dias depois, antes do feriado do dia 15 de Agosto.
37. As obras já realizadas no prédio referido em 1. e ainda a finalizar, beneficiam o prédio e as suas partes comuns.
38. Antes das obras, o prédio encontrava-se em estado de degradação apresentando fissuras.
39. A requerente, na qualidade de comproprietária das zonas comuns, irá gozar em toda a plenitude dos melhoramentos levados a cabo e os efeitos decorrentes dos mesmos, sem que para isso tenha contribuído.
40. Já foi colocada toda a estrutura metálica, todo o pavimento do 2º piso, estando a ser colocada a rede de esgotos.
41. A interrupção das obras no edifício apresenta perigo de entrada de água e frio que poderá afectar todo o edifício.
42. Com a interrupção da obra não fica acautelada a segurança e salubridade do edifício.
43. A requerente arrenda as fracções de que é proprietária, sendo que só no primeiro piso do respectivo prédio existem vários quartos.
*

E deu como não provado, para além de outros factos, o seguinte:
- As obras no prédio referido em 1., foram retomadas no dia 28-08-2018.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. A apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto pretendendo ver aditado à factualidade provada o seguinte facto, por si alegado no art. 45º do RI: “A requerente tomou conhecimento da retoma das obras, reportadas às partes comuns do prédio melhor descrito em 1., no dia 28.8.2018”.
Sustenta a sua pretensão nas suas declarações de parte, conjugadas com os depoimentos das testemunhas GU e SP.
Tendo dado cumprimento do disposto no art. 640º do CPC, cumpre apreciar e decidir depois de ouvidos todos os depoimentos prestados em julgamento, adiantando-se que, salvo o devido respeito por opinião contrária, não assiste razão à apelante.
Se é certo que a mesma afirmou em julgamento que teve conhecimento que a obra recomeçou no dia 28 de Agosto, quando regressou do Algarve, não menos certo é que tal declaração não resulta confirmada pelo depoimento das testemunhas GU e SP, ao contrário do que pretende a apelante.
A testemunha GU referiu que esteve de férias (e ausente de Lisboa) entre os dias 14 e 31 de Agosto, data em que constatou o reinício da obra [1], nada tendo dito quanto à data em que a apelante teve conhecimento desse facto.
Por outro lado, o que esta testemunha declarou quanto à data do reinício das obras não releva por resultar de depoimento indirecto (o que lhe terá dito um inquilino da apelante), e se revelar manifestamente pouco assertivo – a testemunha não se lembrava, sequer, quem lhe tinha dado a informação, e declarou que a pessoa lhe disse que “pensava” que a obra teria recomeçado dia 28.
A testemunha SP declarou que tinha tido conhecimento do reinício da obra através da apelante (“Eu soube pela D. Rosa, perto do final do mês de Agosto, no dia 28, mais preciso, pelas 14h, ela estava a vir do Algarve e ela disse que estava a ser reiniciada”), e questionado sobre quando teria a apelante tido conhecimento respondeu que não sabia, “achando” que tinha sabido quando veio do Algarve.
Acresce referir que concordamos com o tribunal recorrido quando, na motivação da sua decisão sobre a factualidade provada e não provada, refere que a prova testemunhal apresentada pela requerente não primou pela isenção e imparcialidade, notando-se nas testemunhas uma preocupação em afirmar que as obras no imóvel tinham recomeçado no dia 28 de Agosto de 2018.
Assim, para além do depoimento das referidas testemunhas não confirmar as declarações da apelante, não merecem credibilidade.
As declarações da apelante também não se nos afiguram credíveis - atenta a situação de conflito existente relativamente à obra em causa, nomeadamente a impugnação do embargo municipal junto do tribunal administrativo, do conhecimento da apelante, e a existência de inquilinos, trabalhadores e familiares da A. em contacto diário com o prédio-, e não encontram sustentação em qualquer outro meio de prova.
Improcede, pois, a pretensão da apelante, não se aditando à fundamentação de facto qualquer factualidade.
2. Dispõe o nº 1 do art. 397º do CPC que “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe causa ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente” (sublinhado nosso).
São requisitos fundamentais e cumulativos para que se decrete a providência cautelar em causa que a) o requerente seja titular de um direito, e b) que se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho, ou serviço novo, e que estes (obra, trabalho ou serviço novo) lhe causem ou ameacem causar prejuízo, incumbindo-lhe a prova destes requisitos (art. 342º, nº 1 do CC).
O prazo de trinta dias fixado na referida disposição legal é um prazo de caducidade (artº 298º, nº 2 do Cód. Civil), e o decurso do mesmo sem que o interessado requeira o embargo extingue o direito de posteriormente o requerer.
O embargo deve ser accionado no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do facto pelo requerente, ou seja, o termo inicial daquele prazo coincide com o conhecimento, por parte do interessado, de que a obra, trabalho ou serviço novo lhe causa ou ameaça causar prejuízo [2].
Estando em causa um facto extintivo do direito do requerente (de pedir o embargo da obra), é ao requerido que incumbe a sua alegação e prova (art. 342º, nº 2 do CC), ou seja, é ao embargado que incumbe alegar e provar que o procedimento cautelar foi intentado decorridos mais de 30 dias sobre aquele conhecimento [3].
No caso, a requerida/embargada invocou a excepção da caducidade do direito da requerente requerer o embargo de obra nova, porquanto teve conhecimento da obra no dia 13 de Agosto de 2018, tendo decorrido, pois, mais de 30 dias entre tal conhecimento e a propositura da presente providência cautelar em 19.9.2018.
Da factualidade provada não resulta assente tal factualidade, ou qualquer outra de onde se possa concluir ter a requerente tomado conhecimento do reinício da obra mais de 30 dias antes da data da propositura do presente procedimento cautelar, sendo certo que, nas contra-alegações a apelada na requereu a ampliação do âmbito do recurso (art. 636º, nº 2 do CPC), como podia e devia ter feito.
Como supra referido, aquele prazo de caducidade conta-se do conhecimento da obra e de que a mesma lhe causa prejuízo, e não do início da obra, como parece ter entendido o tribunal recorrido, em contradição com a doutrina que citou.
Não resultando da factualidade provada que o conhecimento do reinício da obra pela requerente ocorreu mais de 30 dias antes da entrada em juízo do presente procedimento cautelar, necessariamente tem de improceder a excepção invocada.
Assim se concluindo, procede a apelação nesta parte, devendo revogar-se a decisão recorrida que julgou verificada a excepção de caducidade invocada.
E, nessa sequência, deverá decretar-se o embargo da obra, como sustenta a apelante?
Afigura-se-nos que não, como explicaremos.

3. Sustenta a apelante que se verificam os requisitos para que seja decreta a providência cautelar requerida:
- a obra foi (re)iniciada e ainda não terminou;
- na génese da obra promovida pela requerida nas partes comuns do prédio está uma deliberação de condomínio inválida e que foi anulada, sendo, nessa medida, ofensiva do direito de propriedade (singular ou comum) da requerente;
- o prejuízo não carece de valoração autónoma pois está ínsito na ofensa do direito.
Contrapõe a apelada que não estão reunidos os pressupostos para ser decretada a providência requerida, porquanto:
- a embargada retomou as obras ao abrigo de uma prerrogativa legal, decorrente da apresentação de providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo, conforme decorre do ponto 34 da fundamentação de facto;
- não resulta para a embargante qualquer prejuízo material efectivo no que concerne ao desenvolvimento da obra, tendo, pelo contrário, ficado comprovado que a realização da obra beneficia a recorrente;
- estando a obra praticamente concluída, mesmo que se equacione a ocorrência de dano jurídico, sempre será de concluir que o mesmo não será agravado com a prossecução da obra.
Na sentença recorrida, não obstante se tenha julgado verificada a excepção de caducidade invocada, teceram-se, ainda, considerações sobre as restantes excepções invocadas e sobre o eventual mérito da causa, escrevendo-se que “ Embora, não se possa já conhecer do mérito da causa em virtude da verificação da caducidade, cumpre dizer que, mesmo que assim não se considerasse, nunca o pedido da requerente poderia proceder por falta de alegação e prova de elementos essenciais ao decretamento do embargo. Desde logo a completa ausência de  prova do prejuízo que neste momento a execução da obra causa à requerente, sendo que tendo o prédio sido todo ou quase todo reabilitado, ela sairá, indubitavelmente beneficiada com a conclusão das obras realizadas e que se encontram, ao que se apurou numa fase final”.

Vejamos.

Como supra referido, são requisitos cumulativos para que se decrete a providência cautelar em causa que o requerente seja titular de um direito, que se julgue ofendido no seu direito em consequência de obra, trabalho, ou serviço novo, e que estes (obra, trabalho ou serviço novo) lhe causem ou ameacem causar prejuízo.

A alegação e prova da verificação destes requisitos compete ao requerente, incumbindo-lhe, para tanto, alegar, de forma sumária, os factos de onde derivam o seu direito e a ilicitude da actuação do requerido, devendo indicar, de forma clara, em que consiste o seu direito, em que medida é que se julga ofendido nesse direito, que tipo de obra, trabalho ou serviço novo é que está a ser levado a efeito e que prejuízos a obra, trabalho ou serviço novo lhe causam ou ameaçam causar.

Para que proceda o embargo de obra nova é necessário, para além do mais, que a obra tenha já sido iniciada, mas não esteja ainda concluída e que consista num facto ilícito.

Só a ofensa de um direito subjectivo confere legitimidade para embargar obra nova.

A violação das normas do RGEU, ou do RJUE, ou do regulamento do PDM não justifica por si só o embargo de obra nova que esteja a ser levada a cabo, tal como é indiferente que a obra tenha sido autorizada por autoridade pública.

Não é o facto de uma construção não estar em conformidade com o respectivo regulamento que fundamenta o embargo de obra nova, exigindo-se, para o efeito, que essa obra, não obstante estar licenciada, viole ou ameace violar qualquer direito real ou pessoal de gozo do embargante (neste sentido, cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 19.10.2000, in CJASTJ, Tomo III, pág. 85).

L. P. Moitinho de Almeida, in Embargo ou Nunciação de Obra Nova, págs. 22 e 23, escrevia que “o segundo requisito do embargo é a existência de obra, trabalho ou serviço novo que cause ou ameace causar prejuízo, isto é, um facto ilícito ou ameaça de facto ilícito, ofensivo do direito do requerente que, ensina Alberto dos Reis (CPC Anotado, pág. 61; BMJ 3, pág. 60), constitui a causa de pedir do embargo e exprime o perigo de insatisfação do requerente”.

Alberto dos Reis, no CPC Anotado, Vol. II, 3ª ed. reimpressão, pág. 64, sustenta que ao requerente basta-lhe alegar e provar a lesão do seu direito de propriedade ou posse (ilicitude) pela realização de uma obra material, o que implica necessariamente o prejuízo, pois este consiste exactamente nessa ofensa [4].

Ou seja, no embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito do requerente ou da sua posse, e a função essencial da providência é o julgamento antecipado (embora provisório), de modo a evitar-se que aquela violação perdure (por período mais ou menos longo), ou como escreve Moitinho de Almeida na ob. cit., pág. 28, “o prejuízo, como requisito de embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, pois deriva sempre pura e simplesmente da própria violação do direito”.

Não obstante tal entendimento não seja unânime, revela-se maioritário na jurisprudência – entre outros, cfr. os Acs. da RL 25.03.93, P. 0056656 (Silva Salazar),  da RL de 16.11.1993, referido na nota 3, da RL de 20.3.1997, P. 0001766 (Arlindo Rocha), da RC de 02.11.2010, P. 77/10.0TBAGN.C1 (Moreira do Carmo), da RC de 31.1.2014, P. 3200/03 (Jorge Arcanjo), da RP de 19.02.2013, P. 1560/12.9TJPRT.P1 (Francisco Matos), da RP de 21.5.2013 , P. 2862/12.0TBOAZ.P1 (Anabela Dias da Silva), da RE de 9.12.2009, P. 602/09.0TBBJA.E1 (Maria Alexandra Santos), todos em www.dgsi.pt, e mesmo na doutrina.

José Lebre de Freitas, no CPC Anotado, Vol. II, pág. 141/142, escreve que “à primeira vista, o nº 1 exige, por um lado, que a obra nova ofenda o direito ou a posse e, por outro, que dessa ofensa resulte ou possa vir a resultar prejuízo. … Uma análise mais atenta do preceito leva, porém, a concluir que se trata do mesmo requisito e que a violação do direito ou da posse através da obra iniciada constitui, em si, o prejuízo a que o preceito se refere. … A obra é, pois, a causa do juízo do requerente sobre o prejuízo que ela lhe causará, constituindo, em si, prejuízo a ofensa do seu direito ou posse. É esta a interpretação racional: … A referência ao prejuízo explica-se por se ter querido vincar a ideia de que o embargo é admissível, quer como meio de reacção contra prejuízo (= ofensa) já produzido, quer como meio de prevenção contra prejuízo (= ofensa) eminente (…), isto é, fortemente provável (nos termos geralmente exigidos em sede de procedimento cautelar: art. 387º) em face da direcção que a obra está a tomar ou de outras circunstâncias do caso ”.

Prejuízo abrange toda e qualquer violação do direito de propriedade, ou posse.

Assim sendo, bastará a ilicitude do facto, ou seja, que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição, pois que o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa.

Trata-se de dano jurídico, isto é, de um dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição de outrem.

Deve, contudo, resultar da alegação e prova dos factos a demonstração da existência de um justo receio de lesão do direito do requerente [5].

Embora sufraguemos, no essencial, esta posição, afigura-se-nos, porém, que a mesma deve ser ponderada em face das circunstâncias do caso concreto, devendo o prejuízo resultar da violação do direito do requerente espelhado na factualidade concretamente alegada.

Embora possa não ser exigido ao requerente a alegação do um concreto prejuízo, da situação concreta de violação do seu direito deve resultar patente esse prejuízo.

Aproximando ao caso em apreço, dir-se-á que o requisito relativo à titularidade do direito não está em causa, resultando o mesmo do facto da requerente ser proprietária de várias fracções do prédio [6], e, consequentemente, condómina do mesmo, estando as obras a ser realizadas, também, em partes comuns do mesmo (pontos 27, 30 e 31 da fundamentação de facto).

A questão que se coloca é a da verificação do 2º requisito, que, atenta a factualidade indiciariamente dada como provada, se nos afigura não se verificar.

Embora a obra em questão (ponto 27 da fundamentação de facto) tenha na sua génese uma deliberação que foi anulada, deixando de ter o necessário suporte legal, o reinício da mesma, que fundamenta os presentes embargos, assenta em prorrogativa legal (pontos 32 a 35 da fundamentação de facto), sendo certo que o embargo administrativo era o único pendente (pontos 22 e 23 da fundamentação de facto).

Por outro lado, da factualidade provada não resulta que a requerente com as obras sofra prejuízo, antes resultando indiciariamente provado que as obras já realizadas, e ainda a finalizar, beneficiam o prédio e as suas partes comuns (encontrando-se o prédio, antes das obras, em estado de degradação, apresentando fissuras), indo a requerente, como condómina, beneficiar dos melhoramentos levados a cabo e os efeitos decorrentes.

E no imediato, não resulta demonstrado um prejuízo concreto, sendo que tal prejuízo antes resultaria da suspensão das obras, uma vez que resultou indiciariamente provado que com a interrupção da obra não fica acautelada a segurança e salubridade do prédio, apresentando tal interrupção perigo de entrada de água e frio que pode afectá-lo.

Resta referir que, se é certo que a obra não se encontra concluída, não menos certo se nos afigura que resulta da factualidade provada que eventual prejuízo [7] já se verificou (nas partes comuns), não sendo aumentado pela prossecução da obra (antes pelo contrário, atento o que se deixou escrito), nem eliminado pela sua suspensão [8].

Em face do que se deixa dito, conclui-se não ser de decretar o embargo requerido, nesta medida se confirmando a sentença recorrida, embora com diferente fundamento (tudo, claro, sem prejuízo da obra se encontrar suspensa por força de embargo administrativo - ponto 29 da fundamentação de facto -, e de eventual lesão dos direitos da apelante e direito ao seu ressarcimento a apurar e sede própria).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se, em consequência a decisão recorrida, que se substitui por outra a julgar improcedente o presente procedimento cautelar, não se decretando o embargo da obra.
Custas pela apelante e apelada, em partes iguais.
*


Lisboa, 2019.06.18


                                              
(Cristina Coelho)                                               
(Carla Câmara)
                                              
(Luís Filipe Pires de Sousa – vencido conforme voto que segue)                                              
As obras realizadas nas partes comuns do prédio são ilícitas porquanto realizadas sem precedência de válida deliberação aprovada pelos condóminos (cf. Art. 1425º, nº1, do CC).
Mesmo estando demonstrado nesta fase que as obras beneficiam o prédio (facto 37), não pode ser imposto tal benefício à requerente contra a sua vontade (invito non datur beneficium; cf. art. 447º, nº1, do CC). Ao interpor a providência, a requerente manifesta, inequivocamente, a sua vontade de não aceitar o “benefício”. Admitindo-se a imposição de tais obras à requerente, sem precedência de deliberação válida e contra a vontade desta, a requerente fica ainda sujeita a uma eventual futura ação de restituição por enriquecimento sem causa (cf. Artigo 473º do CC).
Conforme se refere em Geraldes, Abrantes/Pimenta, Paulo/Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 472, a lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos, de modo que, demonstrada a ofensa de direitos de natureza patrimonial, é indiferente a gravidade dos danos para a procedência do procedimento cautelar, ao contrário do que sucede no procedimento cautelar comum.
Assim, no meu entender, a providência deveria ser deferida mediante a obrigação de prestação de caução por parte da requerente (Artigos 374º, nº2 e 376º, nº2, do Código de Processo Civil).



[1]Pelo que, atenta a alegação da apelante, não pode ter sido a testemunha a dar-lhe conhecimento do reinício da obra.
[2]Como escreve Abrantes Geraldes, em Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. 3ª ed. rev. e actual., pág. 252, “O início da contagem do prazo de 30 dias faz-se a partir do “conhecimento do facto”. Mas como a norma alude a dois factos autónomos – por um lado, a realização da obra, trabalho ou serviço, por outro, a ocorrência do dano ou a constatação da ameaça -, consideramos que, pelo modo como o legislador se expressou e pelas razões que determinaram a fixação do prazo, o seu início se contará a partir do momento em que o titular do direito tenha efectivo conhecimento da verificação do dano ou do perigo da sua ocorrência”.
[3]Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. da RP de 16.5.1991, P. 9110107 (Lopes Furtado), da RL de 16.11.1993, P. 0067261 (Pereira da Silva), do STJ de 10.12.1998, P. 98B927 (Miranda Gusmão), e da RP de 21.11.2000, P. 0021013 (Marques de Castilho), todos em www.dgsi.pt.
[4]Não lhe incumbindo alegar e provar que a obra, trabalho ou serviço novo causam lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, conforme previsto no art. 362º do CPC, que não se aplica ao procedimento cautelar em apreço.
[5]Com interesse sobre esta matéria, cfr. Marco Filipe Carvalho Gonçalves, em Providências Cautelares, 3ª ed., págs. 285 a 287.
[6]Nomeadamente do 1º piso, cujo tecto e cobertura são directamente afectados pelas obras – ver ponto 30 da fundamentação de facto.
[7]A apurar e confirmar em sede da competente acção.
[8]Sumariou-se no Ac da RP de 10.1.2002, P. 0131319 (Pinto de Almeida), em www.dgsi, que “Destinando-se os embargos a suspender a obra, o seu emprego não se justifica se esta já estiver concluída, devendo considerar-se assim quando, mesmo que já verificado o prejuízo, este já não possa ser aumentado com a prossecução daquela, nem eliminado com a sua suspensão”. Com interesse, ver, também, o Ac. da RC de 7.2.2017, P. 126/16.9T8NZR.C1 (Maria João Areias), publicado na CJ on line.