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RECLAMAÇÃO PENAL
RECURSO
REJEIÇÃO
PRAZO DE RECURSO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROCESSO URGENTE
Sumário
Face à natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica, ainda que não haja arguidos presos, o prazo para interposição de recurso das decisões neles proferidas não se suspende no período de férias judiciais.
Texto Integral
I - Relatório
Reclamante: S. C. (arguido);
Reclamado: MºPº;
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S. C. veio reclamar do despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, datado de 20.05.2019, que lhe não admitiu o recurso por si interposto, com o fundamento na sua intempestividade.
Segundo o reclamante, o recurso não deveria ter sido rejeitado, por ter sido apresentado tempestivamente, argumentando que, muito embora se trate de um processo de violência doméstica que tem natureza urgente, o prazo de interposição de recurso não corre em férias.
II - Fundamentação
As incidências fáctico-processuais a levar em linha de conta são as constantes do Relatório supra e ainda o seguinte:
1. No âmbito do presente processo, foi condenado o arguido S. C., pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152°, n° 1, ai. a) e n°2, do Código Penal, na pessoa da ofendida, pena de 02 anos e 10 meses de prisão; mais foi condenado o arguido S. C., pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152°, n° 1, ai. d) e no 2, do Código Penal, na pessoa do filho F. M., na pena de 02 anos de prisão; e foi também condenado o arguido S. C., pela de um crime de violência doméstica, previsto e punido, pelo art. 152°, n° 1, ai. d) e n° 2, do Código Penal, na pessoa do filho Francisco Castro, na pena de 02 anos de prisão; destas penas resultou a condenação na pena única de 04 ano e 10 meses de prisão cuja execução se suspendeu por igual período de tempo, sujeita a regime de prova. 2. Realizado o julgamento, a sentença foi lida e depositada em 09.04.2019. 3. O recurso do reclamante foi remetido aos autos em 16.05.2019.
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A presente reclamação suscita a questão da tempestividade do recurso, mais especificamente, do prazo de interposição de recurso em processo relativo ao crime de violência doméstica.
Trata-se de problemática já por nós abordada no âmbito da Reclamação decidida nos autos de Processo nº 92/13.2GBPVL-A.G1 deste Tribunal da Relação e cujos fundamentos aí plasmados aqui se reiteram.
Com efeito, “[S]obre a epígrafe ‘Celeridade processual’ dispõe o artº 28º da Lei nº 112/2009, de 16.09, que:
«1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos. 2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal».
Ora, o regime deste nº 2, do artº 103º, do CPP, é o de consagrar uma excepcionalidade em relação à prática de actos processuais, ou seja, o de que estes são praticados, desde logo, dentro do período de férias e não fora desse período como estatui o seu nº1.
Logo, da conjugação dos citados preceitos do artº 28º, da Lei 112/2009, de 16.09, e do artº 103º, nº 2, do CPP, dada a natureza urgente do processo por crime de violência doméstica, resulta que os actos processuais a serem nele praticados, como seja o relativo à interposição de recurso da sentença, decorrem no período de férias judiciais.
Como tal, o prazo de contagem corre em férias.
Contrapõe, porém, a reclamante o inverso, alegando que o artº 104º, nº 2, do CPP, apenas determina o curso em férias da prática dos actos referidos nas alíneas a) a e), do nº 2, do artº 103º, do CPP.
Ou seja, não prevê a alínea g) deste mesmo normativo - que se reporta aos actos considerados urgentes em legislação especial (cuja redacção resultou da Lei nº 20/2013, de 21.02).
Todavia, importa não descurar que as normas de processo penal, v.g. as relativas ao tempo dos actos e contagem dos prazos, não podem deixar de ser interpretadas no sentido de coerência e unicidade de todo o sistema global de direito penal.
O mesmo é dizer que não é defensável que - tendo o legislador atribuído a natureza de urgente ao processo por crime de violência doméstica, estatuindo expressamente que neste tipo de processos os actos processuais são praticados durante as férias - a contagem dos prazos de tais actos processuais, como é o caso de interposição de recurso, não corram em férias, com o argumento linear de que o disposto no nº 2, do apontado artº 104º do CPP, não faz remissão para a assinalada alínea g), nº 1, do artº 103º, do CPP, a qual se reporta aos ditos actos considerados urgentes em legislação especial.
Como dito ficou, no que respeita aos processos por crime de violência doméstica, o acrescento deste normativo da alínea g), mais não traduz do que o já consagrado no redito artº 28º da Lei nº 112/2009.
Acresce que esta mesma alínea g) foi introduzida mais recentemente pela mencionada Lei nº 20/2013, de 21.02, sendo plausível que a sua não referência no artº 104º, nº 2, se deva a mero lapso do legislador (não decorre objectivamente desta alteração legislativa de 2013 que houve a intenção de afastar a aplicação do art.º 104º, n.º 2 do CPC aos processos por crime de violência doméstica como estabelece o art.º 28º da Lei n.º 112/2009)”.
Neste sentido, vide a posição do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/1/2017, Processo n.º 921/12.8S7LSB.C1, in www.dgsi.pt., onde se fundamenta que “a excepção da al. f) do mesmo preceito decorre da sua diferenciação em termos de actos dos mencionados nas alíneas anteriores e o constante de g) é do mesmo teor destes.
(…) a própria coerência do regime aplicável aos processos de natureza urgente, como foi classificado o crime de violência doméstica, implica que lhe sejam aplicáveis as normas especiais, designadamente quanto ao prazo de interposição de recurso.
E não faria qualquer sentido que assim não fosse, isto é, que se tivesse declarado a urgência do processo e não tivesse repercussão na sua tramitação”.
Nesta linha jurisprudencial apontam, aliás, os vários acórdãos citados no mesmo aresto, entre os quais os Acórdãos do TRC de 27/1/2016,Proc. 234/14.0GBFND.C1, e de 11.02.2015, Proc. 3/12.2PBCTB.C1.
De salientar ainda que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 158/2012, in D.R. n.º 92, Série II de 11/5/2012, pronunciou-se no sentido de não julgar inconstitucionais as normas do artº 28.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, quando interpretadas no sentido de que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões neles proferidas.
Por último resta dizer que, ao invés do argumentado pelo reclamante, o citado Acórdão do STJ de 03.03.3026, proc.768/10.6SMPRT.P1-A.S1 ,in dgsi.pt, proferido em recurso de fixação de jurisprudência, reforça inclusive a posição acima defendida, ao consignar-se neste que “A natureza urgente do processo por crime de violência doméstica deve cessar com o trânsito em julgado da respectiva decisão (…)”.
Ou seja, a contrario sensu, não tendo havido ainda o trânsito em julgado da decisão - como sucede no caso em apreço - por ser sido impugnada por via do recurso, a natureza urgente do processo por crime de violência doméstica mantém-se.
Assim, dado que o depósito da sentença ocorreu em 09.04.2019, o prazo de 30 dias para interposição de recurso já se encontrava esgotado em 16.05.2019 - data em que foi remetido o requerimento de recurso aos autos.
Motivo pelo qual a sua apresentação foi declarada extemporânea.
Porquanto se deixa aduzido, não procede a reclamação.
Sintetizando:
Face à natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica, ainda que não haja arguidos presos, o prazo para interposição de recurso das decisões neles proferidas não se suspende no período de férias judiciais
III. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, desatende-se a reclamação apresentada pela assistente S. C., mantendo-se a decisão da 1ª instância.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Guimarães, 19 de Junho de 2019.
O Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães,