I - A instrução constitui, nos termos do art. 286º, nºs 1 e 2, do CPP, uma fase facultativa do processo penal, através da qual se opera a fiscalização judicial da posição assumida pelo Ministério Público no final do inquérito, ou seja, a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito. No caso de arquivamento do inquérito, o assistente tem a faculdade legal de requerer a abertura da instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, quando se trate de crimes de natureza pública ou semipública, tendo em vista a submissão da causa a julgamento, nos termos do art. 287º, nº 1, b), do CPP.
II - O n.º 2 do art. 287º do CPP determina que o requerimento para abertura da instrução do assistente, além de expor as divergências relativamente ao despacho de não acusação, deve dar cumprimento ao disposto no nº 3, b) e c), do art. 283º, também do CPP, sendo este último referente à estrutura da acusação. Assim, por força deste preceito, o requerimento para abertura da instrução deve conter “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”; e deve conter ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.
III - A remissão para a disposição legal que regula a estrutura da acusação revela que o requerimento de abertura de instrução do assistente reveste a natureza jurídica de uma autêntica acusação, uma acusação em sentido material, desempenhando uma função idêntica à da acusação formal (a que é deduzida após o inquérito): a de fixação do objeto do processo, definindo vinculativamente o âmbito dos poderes de cognição do tribunal. O requerimento de abertura de instrução fixa, assim, o objeto da instrução, definindo e circunscrevendo o quadro temático em que o juiz de instrução pode agir no âmbito do seu poder de investigação autónoma, conforme resulta expressivamente do nº 4 do art. 288º do CPP.
IV - Nem poderia ser de outra forma, atendendo à estrutura acusatória do processo penal, que impõe que o juiz investigue ou julgue (conforme atue como juiz de instrução ou como juiz de julgamento) dentro dos limites que lhe são propostos por uma acusação deduzida por um órgão diferenciado. Na instrução requerida pelo assistente, é este o órgão encarregado de definir o objeto do processo. Sem uma precisa descrição fáctica da matéria imputada ao arguido no requerimento para abertura da instrução não haveria vinculação temática do juiz de instrução, nem consequentemente estariam asseguradas as garantias de defesa do arguido.
V - Maioritariamente tem-se entendido que o incumprimento do nº 3, b), do art. 283º se enquadra na “impossibilidade legal” a que se refere o nº 3 do art. 287º, ambos do CPP: uma impossibilidade legal por falta de um requisito imposto pela lei para a admissibilidade do requerimento (a narração dos factos), ou por tal omissão envolver a prática de um ato inútil, já que a realização da instrução conduziria inevitavelmente a um despacho de não pronúncia.
VI - Contudo, esta posição não deixa de suscitar dúvidas. É que a expressão “inadmissibilidade legal”, usada no nº 3 do art. 287º do CPP, aponta para os casos (e apenas esses) em que a lei exclui a própria possibilidade de ser requerida a instrução, expressamente, como acontece nas formas de processo especiais (art. 286º, nº 3, do CPP), ou implicitamente, como sucede quando falta a legitimidade ao requerente, quando a instrução é requerida contra desconhecidos ou contra pessoa ou quanto a factos que não foram investigados no inquérito, ou ainda quando é requerida pelo assistente em crime particular.
VII - Diferente é a situação em que a instrução pode ser requerida, por a lei conceder essa faculdade ao assistente, mas este comete uma nulidade ou irregularidade na formulação do requerimento, como a omissão de descrição dos factos imputados ao arguido.
VIII - A falta de cumprimento pelo requerimento de abertura da instrução do nº 3 do art. 283º do CPP constitui um vício equivalente ao da acusação formal que não cumpre esse preceito, dada a já assinalada similitude de funções entre ambos esses atos processuais.
IX - A falta de narração dos factos na acusação (formal) determina a sua nulidade e rejeição, por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311º, nºs 2, a), e 3, b), do CPP. A lei não prevê, porém, as consequências da falta de narração dos factos no requerimento de abertura de instrução. Trata-se de uma lacuna legal, que deverá ser preenchida por recurso à analogia, que não está vedada no caso, pois a analogia só está proscrita em processo penal quando dela resulta o enfraquecimento da posição ou a diminuição dos direitos do arguido, o que não sucede manifestamente na situação em análise. Há pois que aplicar à situação a mesma norma, ou seja, o citado art. 311.º, n.ºs 2, a), e 3, b), do CPP, devendo consequentemente o requerimento de abertura de instrução ser rejeitado por ser manifestamente infundado.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
Os presentes autos foram instaurados por queixa de AA contra BB, Juíza ..., imputando-lhe a prática dos crimes de favorecimento pessoal, falsificação de documento, abuso de poder e prevaricação, por atos por ela praticados, enquanto titular da ação cível nº 2506/07.1TBSTS, na qual a queixosa é autora, processada no Juízo Central Cível da ....
O inquérito decorreu nos serviços do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, por força do art. 12º, nº 3, a), do Código de Processo Penal (CPP).
Findo o inquérito, o mesmo foi arquivado por despacho de 21.2.2018 do sr. Procurador‑Geral Adjunto na Relação, com o seguinte teor:
Antes de mais cabe esclarecer que os presentes autos foram instaurados para averiguar eventual responsabilidade criminal da Dr.ª BB, juiz titular do processo, nomeadamente, se na condução do processo cometeu alguma infracção criminal.
A denunciante, a propósito das tentativas da notificação da testemunha CC, refere que a Dr.ª BB evita que tal testemunha deponha “em conluio com os restantes denunciados”.
Assim, refere que na sequência da determinação da sua notificação pessoal – para comparecer em audiência de julgamento designada para o dia 21.06.2016 – o funcionário judicial encarregue da notificação da testemunha CC “falsificou” a certidão negativa ao exarar que não a levou a efeito, “em virtude de no local e morada indicados ninguém me atender e junto de vizinhos ali moradores não consegui informação que me garantisse que o requerido ali reside efectivamente, pelo que nada mais fiz”.
Perante o teor do certificado por tal funcionário a aqui denunciante, autora na acção supra-referida, por requerimento dirigido a tal processo cível foi ali dizer, sob a anotação com a letra “A”, que o funcionário contactou o filho da testemunha a notificar, tendo com ele combinado “lavrar a certidão negativa”, “deixar cópia da notificação”, “instruir o filho da testemunha para apresentar atestado médico para justificar a falta” e, sob a letra “B”, que “a testemunha referiu que o funcionário se encontrava acompanhado de pessoa das relações do Réu e que não podia deslocar-se ao Tribunal nesse dia… não obstante conduzir diariamente o seu veículo de marca AUDI”, requerendo a comparência da testemunha sob detenção, ao abrigo do n° 4 do art. 508° do CPC e se instaurasse processo-crime por falsificação da certidão; no final de tal requerimento juntou “1 documento fornecido pela testemunha CC no dia 03.06.2016 à filha da requerente”.
Trata-se de um papel manuscrito como os seguintes dizeres: “DD Fotografias que CC tinha em seu poder”, juntando fotocópias do mandado de notificação.
No seguimento de tal requerimento a Juiz titular do processo, aqui denunciada, em 16.06.2016, exarou o seguinte despacho:
“Não consegue o tribunal perceber o teor do requerimento que antecede. Assim, e antes de mais – sem prejuízo do decurso do prazo do contraditório por parte da ré e intervenientes – deverá a autora esclarecer e identificar nos autos:
- no que concerne ao ponto “A” do seu requerimento, quem é “o filho da testemunha” (que terá sido contactado pelo Sr. Funcionário do Tribunal);
- no que concerne ao Ponto “B”, quem é “a testemunha” que referiu que o aludido funcionário estaria acompanhado de pessoas das relações do réu. Notifique”
Na denúncia refere-se, a propósito de tal despacho, que “a denunciada BB, no favorecimento dos demais denunciados, ao invés de ordenar a detenção da testemunha para depor, «acolitou-se» na tese do Réu EE, perante a evidência de que a CC fora entregue a notificação, pelo que a certidão negativa era falsa”.
E acrescenta que, “para o julgamento designado para o dia 17.01.2017, para que a testemunha não comparecesse, ao invés da notificação pessoal, voltou-se a notificar a mesma testemunha por carta”.
Finaliza a sua denúncia, referindo que “não se trata de sucessivos erros, mas de conluio óbvio e execução conjunta dos vários denunciados no favorecimento do réu EE que, como referiu supra, se opôs à notificação pessoal da testemunha, testemunha que, na tese da denunciante, acordou com o réu a usurpação do terreno (objecto destes autos) e, agora, na ocultação dessa concertação”
Finaliza, desejando procedimento criminal por “favorecimento pessoal”, “falsificação de documento”, “abuso de poder e prevaricação”.
Os presentes autos iniciaram-se a partir de uma certidão extraída do inquérito que se iniciou com a denúncia acabada de referir no DIAP da ... com vista a apurar-se a eventual responsabilidade criminal da Dr. BB, Juiz que tramitou o dito processo cível, ao menos naquela parte em qua a denunciante a “acusa” de grave conduta na condução do processo, em que estaria conluiada com os demais denunciados.
Assim, como acima referido e sublinhado no despacho proferido no DIAP da ... que ordena a remessa da certidão a esta Procuradoria-Geral Distrital, no presente inquérito só se conhece da eventual responsabilidade criminal da Dr.ª BB, uma vez que nada justifica que a mesma se estenda aos restantes denunciados, cujo conhecimento cabe no âmbito do processo pendente na 1ª instância.
(…)
Resulta dos autos que a denunciante atribui à Drª BB, na condução do dito processo cível, comportamentos que se reconduziriam a uma posição de parcialidade a favor do Réu, estando com ele "conluiado", porquanto, quando lhe foi dado conhecimento que o funcionário "falsificou a notificação" da testemunha, em vez de a mandar deter, como lhe foi pedido, perante a evidência de que a testemunha fora notificada, veio pedir esclarecimentos sobre o teor do requerimento que fizera e para indicar meios de prova.
Como se vê do requerimento em que a ali autora pede a comparência da testemunha sob detenção, invocando o disposto no art. 508º, n.º 4 do CPC, não resulta comprovado perante o teor do requerimento e dos documentos que o acompanhavam, só por si, que a notificação tivera lugar e que efectivamente o funcionário fizera constar uma falsa declaração no que respeita ao que consta da certidão negativa.
Face ao teor de tal requerimento, bem se compreende que a Mma. Juiz tivesse exarado despacho em quem que se pedia a identificação da "filha da testemunha" e "a testemunha" referidas nos pontos A e B daquele requerimento.
Aliás, perante o teor de tal requerimento, nós próprios só compreendemos totalmente o que se terá nele querido relatar, através do depoimento que a filha denunciante, DD, prestou nos presentes autos.
Ou seja, não podia a Mma. Juiz, sob pena de violação do disposto no invocado art. 508º, n.º 4 do CPC, ordenar a detenção da testemunha para comparecer no julgamento, que então se encontrava designado para o dia 21 de Junho, só com base no relato de uma das partes na acção — as autoras — sem ter a certeza do que se passara efectivamente.
É que como decorre do citado preceito legal, "o juiz ordena que a testemunha que sem justificação tenha faltado compareça sob custódia, sem prejuízo da multa aplicável, que é logo fixada em ata".
No caso, a Mma Juiz não podia dar como certo o relatado no requerimento, dando como incontestável a notificação da testemunha; por isso não podia/devia emitir mandados de comparência sob custódia, com vista a assegurar a sua presença no julgamento do dia 21 de Junho, como resulta claro da redacção do dito preceito legal.
Assim, é para nós evidente que de tal atitude da Mma Juiz não resulta qualquer favorecimento ao Réu e muito menos que com ele estivesse conluiado como, de forma extremamente gravosa, se imputa à Dr.ª BB.
A denunciante manifesta o desejo de procedimento criminal por "favorecimento pessoal", "falsificação de documento", "abuso de poder e prevaricação" (sic). Fá-lo englobando todos os denunciados.
Como já sublinhado, neste inquérito apenas cabe conhecer de eventual responsabilidade criminal da Dr.ª BB.
Como é evidente, a Dr.ª BB não praticou qualquer ilícito criminal.
Desde logo, porque, objectivamente, não praticou qualquer acto no processo contra direito ou sequer omitiu acto que se impusesse em face do legalmente determinado, mormente do Código de Processo Civil.
Pelo contrário, fá-lo-ia se, perante o requerimento da autora [aqui denunciante], fizesse comparecer a testemunha sob custódia, sem certificar que efectivamente tivera lugar a notificação.
Tanto basta para concluir que não praticou o crime de denegação de justiça e prevaricação pp. pelo art. 369° do C. Penal.
Muito menos que tenha praticado o crime de abuso de poder pp. pelo art. 382º do C. Penal porque, como vimos, usou dos poderes funcionais que lhe são facultados pelo processo, do modo que se impunha.
E também da sua actuação processual não resulta qualquer acto que, de forma concreta, resultasse qualquer tratamento de favor com vista a evitar que quem quer que seja fosse perseguido criminalmente, designadamente, o funcionário judicial encarregue da notificação.
Assim, também não descortinamos que se esteja perante o crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário pp. pelo art. 368º do C. Penal.
Como é evidente, não se mostra que a Dr.ª BB tenha, sob qualquer forma de autoria, incorrido na prática do crime de falsificação [que julgamos, aliás, que a denunciante quererá somente imputar ao funcionário judicial],
Assim, não estando presentes os pressupostos objectivos de qualquer dos ilícitos em causa nos autos, não resulta outra solução que não seja arquivar os autos.
Por isso mesmo, também não se enveredou pela constituição e interrogatório como arguida da Dr.ª BB.
Pelo exposto, por não se verificar a prática de qualquer crime por parte da denunciada, Dr.ª BB, determina-se o arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto no art. 277º, n.º l do CPP.
Inconformada com o despacho de arquivamento do inquérito, AA, ora assistente, apresentou o seguinte requerimento para abertura da instrução, ao abrigo do art. 287º do CPP:
I. Por discordância absoluta com o despacho de arquivamento
A. A Requerente mantém integralmente o teor da queixa e seus documentos inequívocos quanto aos factos e indícios suficientes do enquadramento legal dos crimes que imputou.
Na verdade, o despacho omite deliberadamente:
a) Os sucessivos requerimentos em que se escreveu:
- "a testemunha CC reside no lugar onde sempre residiu e consta da certidão de fls. 700 verso ...";
- "reside no ...";
- "Foi contactado pela autora em 07/02/2016, às 12h nessa morada e referiu recusar-se a depor neste processo face às instruções do antigo advogado do Sr. FF que, assim sendo, face a instruções do Réu, Dr. EE, pelo que, consequentemente, como a Autora não prescinde da testemunha terá de ser notificado para comparecer ou comparecer detida – nº.4 do art. 508º do CPC";
- Requerimento do Réu EE que "... como não foram indicada novas moradas nem nada requerido face às devoluções das notificações, nada mais haveria a ordenar e, nesse sentido, andou mal agora o Tribunal ao ordenar a notificação por contacto pessoal a fazer por funcionário judicial (sublinhado nosso) viola decisão anterior e as regras processuais" (sic);
- Requerimento da Autora que "terá de ser notificado por contacto pessoal através de funcionário nos termos ordenados na conclusão de 22/02/2016";
b) Dessa conjugação de sucessivos requerimentos da Autora contra a vontade do Réu EE que se opunha à notificação por contacto pessoal, nasce o despacho sobre a notícia da certidão negativa em que a Autora relata o ocorrido entre a testemunha CC e a filha da Autora em que o mesmo combinou com o funcionário (GG) e o filho da testemunha (filho de CC) o que veio a ocorrer:
- Afinal, o funcionário tinha encontrado a testemunha CC de tal modo que lhe deixou a notificação para comparecer;
- Afinal, era verdade que o funcionário sabia (conhecia) o lugar;
- Afinal, a notificação estava na posse de CC;
- Afinal, no dia em causa o filho fez entrega no Proc. 2506/07... do atestado médico a favor da testemunha CC;
- Afinal, o atestado médico, contraditoriamente, provava que CC tinha sido notificado;
- Afinal, a conversa gravada da filha da Autora com o CC e transposta para o requerimento em causa, bem como a fotografia da notificação eram coerentes com o ocorrido posteriormente, supra-referido e, saíram da boca de CC (antes da justificação da falta)...;
c) Consequentemente, não tinha a Arguida que desdenhar do requerimento da Autora (sobre a falsidade da certidão negativa) para que não fosse notificada a testemunha, pelo contrário, perante a não notificação (certidão negativa) teria que ordenar a sua comparência sobre custódia.
B. Os considerandos do arquivamento teriam de ser diferentes pois que, aqui, não falamos de incêndios onde não tivessem restado árvores que se sabem onde não chegou o fogo mas de factos que provam:
a) Uns que não são da responsabilidade da Arguida - devoluções de notificações postais, certidão negativa falsa lavrada por funcionário que deixou, ao mesmo tempo, notificação pessoal entregue a CC;
b) Outras que são da sua exclusiva responsabilidade:
- Não providenciar pela comparência da testemunha CC, que não tinha sido notificado face à certidão negativa (falsa ou verdadeira) junto aos autos;
- Pedir explicações à Autora sobre o teor do requerimento e acontecimentos sobre a certidão falsa questionando circunstâncias que só teriam interesse para a protecção do funcionário e absurdamente na tese do Réu EE que se opusera à notificação por contacto pessoal por funcionário (basta ler o requerimento supra);
- Outra, ainda, em face disso, levantando dúvidas (que não eram da sua conta) sobre a falsificação (se não sabia da falsificação e se, até, psicologicamente estivesse fora do âmbito da sua consumação...)
C. A Arguida podia - se tivesse sido inquirida - explicar o espanto de uma falsificação que não era sua, a que estivesse alheia, porventura com a candura do Magistrado que não saiba de falsificadores ou de falsificações por funcionários ou outros...
O que não fez a Arguida, quis fazer o autor do despacho do arquivamento ao escrever:
a) "só se conhece da responsabilidade criminal da Dra. BB", pois, antes do despacho do processo relativo à falsificação...;
b) "estando conluiada porquanto, quando lhe foi dado conhecimento que o funcionário falsificou a notificação veio pedir esclarecimentos" pois, diz "bem se compreende que a Meritíssima Juiz tivesse exarado despacho em que se pedia a identificação do filho da testemunha..." e, perguntamos nós para quê se a certidão era negativa e o que interessa ao Juiz da causa é saber se foi ou não notificada a testemunha para vir a Julgamento?
c) Para quê tanta explicação a exigir da Autora, a menos que se pretenda que todos sejam como a Arguida ou o autor do despacho de arquivamento que, para saber se alguma testemunha foi notificada, não lhe baste uma certidão negativa e para saber se é falsa (a certidão), desconfie de quem lhe apresenta a prova da notificação deixada ao notificando!!!
D. É óbvio que a fantasia exarada no despacho de arquivamento não tem qualquer sentido pois que "no caso, a Meritíssima Juiz, ao invés do referido, teria de dar como certo o relatado no requerimento, dando como incontestável o que ocorrera:
a) O que era incontestável é que a certidão negativa demonstrava a não notificação da testemunha;
b) O incontestável é que face a isso a Autora tivesse informado o Tribunal que, não tendo sido notificada a testemunha (apesar de ser falsa a certidão) se impunha a sua notificação para comparência sob custódia.
A Assistente não desce ao patamar do despacho de arquivamento nem quanto às omissões de todos os requerimentos, nem quanto às conclusões nem quanto à pressa do arquivamento a pretexto de que a falsificação da certidão negativa (negativa que impunha nova notificação) não era essencial à responsabilização da Arguida.
II. A Assistente requer que seja julgada a Arguida, Dra. BB, identificada nos autos, pois indiciam suficientemente os autos de que:
1. A arguida foi titular do proc. 2506/07.1TBSTS em que é Réu Joaquim EE e testemunha CC, testemunha indicada pela Assistente e imprescindível uma vez que na referida acção consta como adquirente do prédio da Autora, por usucapião face à omissão do Réu EE na sua demanda que demorou 10 anos a propor a acção em nome da Assistente.
2. No referido processo, o julgamento tem sido adiado sucessivamente desde 30/01/2013, com sucessivas delongas para o cumprimento de uma carta rogatória a Angola que o aí Réu tinha requerido e de que veio a desistir, apesar das sucessivas informações da impossibilidade do cumprimento até por videoconferência em 16/11/2011.
3. Em 2016, faltava notificar a testemunha CC que era pretexto para sucessivos adiamentos e em que, sucessivamente, a Autora referia em requerimentos ao processo que:
a) "vive no mesmo lugar";
b) "se recusava a comparecer, pedindo-se a sua detenção";
c) "ordenada a sua notificação pessoal, opôs-se o aí Réu EE";
d) "não cumprida a notificação veio o funcionário GG a falsificar a certidão negativa";
e) "perante a notícia dirigida ao processo de que a certidão, embora falsa, provava a não notificação da testemunha, a Assistente requereu nova detenção da testemunha, perante a evidência de que ao CC fora entregue a notificação (com a junção de fotografia da notificação facultada pelo mesmo para a fotografia)";
f) "perante a evidência da não notificação constante da certidão negativa", a Arguida, ao invés de ordenar a notificação por qualquer meio para fazer comparecer a testemunha lavrou despacho a pedir explicações sobre a não notificação da testemunha e circunstâncias da certidão negativa.
4. À Arguida era tão só exigível que fizesse comparecer a testemunha por qualquer meio legal uma vez que a essa data não lhe era exigível tecer considerações sobre a certidão negativa mas apenas sobre a não notificação muito menos pedir explicações à Autora sobre as circunstâncias da falsificação da certidão que não era da sua conta, se não eram da sua responsabilidade, sobre quem não cabia a responsabilidade de averiguar a sua falsidade e a autoria ou identificação dos comparticipantes.
5. Ao exigir à Autora explicações sobre a falsificação, omitindo-se na notificação da testemunha para o seu comparecimento a Arguida vinculou-se ao comportamento falsário do funcionário GG e na estratégia do Réu EE que se opusera, sucessivamente, à notificação da testemunha CC por detenção e, depois disso, até por contacto pessoal por funcionário, em requerimentos sucessivos que demonstravam a vontade conjugada em não fazer comparecer a testemunha que era, obviamente, incómoda para a sua tese de Réu, uma vez que essa testemunha tinha adquirido o terreno da Autora face à inércia do Réu (como então advogado da Autora) na demora na propositura dessa acção durante 10 longos anos.
6. Os sucessivos requerimentos da Autora, face à não notificação da testemunha CC e o ocorrido no acto da notificação da testemunha constante da certidão negativa, impunham à Arguida o dever funcional de assegurar a sua notificação, aliás, em função de despacho anterior que substituíra a detenção por notificação por funcionário judicial, diversamente do que fez a Arguida, no favorecimento do comportamento do Réu que se opunha até à notificação pessoal, acto a que a Arguida aderiu, no favorecimento da tese do Réu.
7. A Arguida não desconhecia a ilicitude da sua conduta nem que, com a mesma prejudicava a Assistente e favorecia o Réu naquele processo, e no despacho em crise teve a intenção de assim proceder.
8. A Arguida cometeu pelo exposto, o crime de prevaricação (p.p.p. 369º CP) por violação de notificação da testemunha em causa pela forma que a mesma anteriormente decidira e, com essa violação de despacho seu, o crime de favorecimento (p.p.p. 367º CP) do réu EE que a tal notificação obstava em sucessivos requerimentos seus no seu interesse pois, testemunha embaraçosa para a sua tese como Réu.
Este requerimento foi indeferido pela sra. Juíza-Desembargadora da Relação do Porto, atuando como juíza de instrução, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do art. 287º, nº 3, do CPP.
É o seguinte o teor desse despacho:
A instrução constitui uma fase judicial facultativa através da qual se opera o controlo judicial da posição assumida pelo Ministério Público no final do inquérito, ou seja, a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, nos termos do artigo 286.º, n.º 1 e 2, do Código Processo Penal.
No caso de arquivamento do inquérito o assistente tem a faculdade legal de requerer a abertura de instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, quando se trate de crimes de natureza pública ou semipública, tendo em vista a submissão da causa a julgamento, nos termos das disposições dos artigos 286.º, n.º 1, e 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
O requerimento de abertura de instrução deve conter as razões de facto e de direito de discordância em relação ao despacho final do inquérito, a indicação dos atos de instrução a realizar, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar.
Depois, tratando-se de caso em que o impulso processual é assumido pelo assistente, o requerimento de abertura de instrução deve ainda obedecer ao preceituado no artigo 283.º, n.º 3, alínea c), do Código Processo Penal, isto é, deve incluir a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (cf. artigo 287.º, n.º 2, do Código Processo Penal).
No caso presente, o requerimento de abertura de instrução tem a estrutura seguinte:
- no ponto I. a ora assistente manifesta a sua discordância relativamente ao despacho de arquivamento, questionando os fundamentos invocados no aludido despacho;
- no ponto II. procede à descrição dos factos que considera indiciados, nos termos seguintes:
A Assistente requer que seja julgada a Arguida, Dra. BB, identificada nos autos, pois indiciam suficientemente os autos de que:
1. A arguida foi titular do proc. 2506/07.1TBSTS em que é Réu EE e testemunha CC, testemunha indicada pela Assistente e imprescindível uma vez que na referida acção consta como adquirente do prédio da Autora, por usucapião face à omissão do Réu EE na sua demanda que demorou 10 anos a propor a acção em nome da Assistente.
2. No referido processo, o julgamento tem sido adiado sucessivamente desde 30/01/2013, com sucessivas delongas para o cumprimento de uma carta rogatória a Angola que o aí Réu tinha requerido e de que veio a desistir, apesar das sucessivas informações da impossibilidade do cumprimento até por videoconferência em 16/11/2011.
3. Em 2016, faltava notificar a testemunha CC que era pretexto para sucessivos adiamentos e em que, sucessivamente, a Autora referia em requerimentos ao processo que:
a) "vive no mesmo lugar";
b) "se recusava a comparecer, pedindo-se a sua detenção";
c) "ordenada a sua notificação pessoal, opôs-se o aí Réu EE";
d) "não cumprida a notificação veio o funcionário GG a falsificar a certidão negativa";
e) "perante a notícia dirigida ao processo de que a certidão, embora falsa, provava a não notificação da testemunha, a Assistente requereu nova detenção da testemunha, perante a evidencia de que ao CC fora entregue a notificação (com a junção de fotografia da notificação facultada pelo mesmo para a fotografia)";
f) "perante a evidência da não notificação constante da certidão negativa", a Arguida, ao invés de ordenar a notificação por qualquer meio para fazer comparecer a testemunha lavrou despacho a pedir explicações sobre a não notificação da testemunha e circunstâncias da certidão negativa.
4. À Arguida era tão só exigível que fizesse comparecer a testemunha por qualquer meio legal uma vez que a essa data não lhe era exigível tecer considerações sobre a certidão negativa mas apenas sobre a não notificação muito menos pedir explicações à Autora sobre as circunstâncias da falsificação da certidão que não era da sua conta, se não eram da sua responsabilidade, sobre quem não cabia a responsabilidade de averiguar a sua falsidade e a autoria ou identificação dos comparticipantes.
5. Ao exigir à Autora explicações sobre a falsificação, omitindo-se na notificação da testemunha para o seu comparecimento a Arguida vinculou-se ao comportamento falsário do funcionário GG e na estratégia do Réu EE que se opusera, sucessivamente, à notificação da testemunha CC por detenção e, depois disso, até por contacto pessoal por funcionário, em requerimentos sucessivos que demonstravam a vontade conjugada em não fazer comparecer a testemunha que era, obviamente, incómoda para a sua tese de Réu, uma vez que essa testemunha tinha adquirido o terreno da Autora face à inércia do Réu (como então advogado da Autora) na demora na propositura dessa acção durante 10 longos anos.
6. Os sucessivos requerimentos da Autora, face à não notificação da testemunha CC e o ocorrido no acto da notificação da testemunha constante da certidão negativa, impunham à Arguida o dever funcional de assegurar a sua notificação, aliás, em função de despacho anterior que substituíra a detenção por notificação por funcionário judicial, diversamente do que fez a Arguida, no favorecimento do comportamento do Réu que se opunha até à notificação pessoal, acto a que a Arguida aderiu, no favorecimento da tese do Réu.
7. A Arguida não desconhecia a ilicitude da sua conduta nem que, com a mesma, prejudicava a Assistente e favorecia o Réu naquele processo, e no despacho em crise teve a intenção de assim proceder.
Termina a descrição com a incriminação nos termos seguintes:
8. A Arguida cometeu pelo exposto, o crime de prevaricação (p.p.p. 369º CP) por violação de notificação da testemunha em causa pela forma que a mesma anteriormente decidira e, com essa violação de despacho seu, o crime de favorecimento (p.p.p. 367º CP) do réu EE que a tal notificação obstava em sucessivos requerimentos seus no seu interesse pois testemunha embaraçosa para a sua tese como Réu.
No mesmo ponto II. indica também a prova.
Conforme decorre do explicitado supra, dado não lhe anteceder uma acusação que delimite o objeto da pronúncia, o requerimento do assistente para abertura de instrução deve ser estruturado de acordo com as exigências legais aplicáveis àquela peça acusatória, em obediência ao disposto no n.º 2, do artigo 287.º, do Código Processo Penal.
Outrossim, resulta da lei que a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objeto da instrução e resultem do requerimento do assistente, posto que o objeto do processo, no caso de arquivamento do inquérito, fica delimitado pelo conteúdo do mesmo requerimento (cf. artigos 308.º e 309.º do Código Processo Penal).
A imposição legal relativa ao requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, quanto à narração dos factos e à indicação das disposições legais aplicáveis, funda-se nas garantias de defesa do arguido e na estrutura acusatória do processo penal, com consagração constitucional no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, como assinalado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 358/2004 de 19 de Maio, «A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa.
Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe, como se deixou mencionado, uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287.º, n.º 2, remeta para o artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.
Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre, como se deixou demonstrado, de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada».
A lei comina com nulidade a decisão instrutória que pronuncie o arguido por factos que integrem alteração substancial dos descritos no requerimento para abertura da instrução formulado pelo assistente, nos termos do artigo 309.º, n.º 1, do Código Processo Penal.
Assim, quando o inquérito termine com o arquivamento, o requerimento deduzido pelo assistente para abertura de instrução deve integrar a descrição dos factos concretos que, contrariamente ao entendimento do Ministério Público, o requerente considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da investigação requerida.
A atividade instrutória incide sobre os factos narrados no requerimento de abertura de instrução e a final o Juiz de Instrução Criminal decide sobre se foram ou não reunidos os indícios suficientes desses factos, se os mesmos preenchem ou não os ilícitos criminais imputados, pelo assistente, ao arguido.
Acresce que está excluída a possibilidade de o Juiz de Instrução Criminal permitir que o assistente preencha a omissão de descrição factual detetada no requerimento de abertura de instrução, em consonância com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2005, no qual o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º/2 C. P. Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
Igualmente se pronunciou o Tribunal Constitucional quanto à inexigibilidade da formulação de tal convite ao «não julgar inconstitucional a norma contida conjugadamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 287.º do CPP, na interpretação segundo a qual, não respeitando o requerimento de abertura de instrução as exigências essenciais de conteúdo impostas pelo n.º 2 do artigo 287º do CPP, e não ocorrendo nenhuma das causas de rejeição previstas no n.º 3 do mesmo preceito, cabe rejeição imediata do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente (não devendo antes o assistente ser convidado a proceder ao seu aperfeiçoamento para suprir as omissões/deficiências constatadas)».
Neste seguimento, constitui entendimento uniforme da jurisprudência que se verifica inadmissibilidade legal da instrução quando o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente enferme de omissão ou deficiência na descrição factual e/ou incriminação, sendo fundamento para a rejeição, nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do Código Processo Penal.
No presente caso, o requerimento de abertura de instrução contém a indicação das razões de discordância da assistente quanto à decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito e inclui também a descrição factual da matéria considerada indiciada, bem como a incriminação.
Sucede, porém, que a narração dos factos indiciados não integra factos suficientes para o preenchimento dos elementos típicos dos ilícitos que são imputados à arguida.
De acordo com a incriminação vertida no requerimento de abertura de instrução, os crimes em causa são o crime de prevaricação e o crime de favorecimento pessoal, previstos e puníveis, respetivamente, pelos artigos 369.º e 367.º do Código Penal.
No concernente ao crime de prevaricação a conduta típica do n.º 1 do artigo 369.º do Código Penal refere-se a diversas modalidades, ao jeito dos tipos mistos alternativos, todas filiadas num étimo comum: agir contra direito.
A intenção de prejudicar ou beneficiar alguém a que alude o n.º 2 do mesmo preceito legal, com eficácia qualificativa, corresponde, como elemento subjetivo do tipo de ilícito, ao denominado dolo específico.
Em conformidade com a orientação do Supremo Tribunal de Justiça, não é a prática de qualquer acto que infringe regras processuais que se pode, sem mais, reconduzir a um comportamento contra o direito, com o alcance definido no n.º 1 do artigo 369º do Código Penal; é preciso que esse desvio voluntário dos poderes funcionais afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. Ou seja, não basta, pois, que se tenha decidido mal, incorrectamente, contra legem, sendo necessário que quem assim decidiu tenha consciência de que, desviando-se dos seus deveres funcionais, violou o ordenamento jurídico pondo em causa a administração da justiça.
O crime de favorecimento pessoal pressupõe sempre o cometimento por outra pessoa de um crime, designado por crime pressuposto ou facto referencial, sendo essencial ao preenchimento da tipicidade do ilícito que o agente atue com a intenção ou com consciência de evitar que a pessoa em benefício da qual age seja submetida a pena ou medida de segurança (n.º l), ou que o agente atue com a intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada (n.º 2).
No primeira situação a ação típica consiste em impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva, na segunda hipótese a punição estende-se à prestação de auxílio a outra pessoa que cometeu um crime pelo qual foi condenada, visando impedir, frustrar ou iludir a execução de pena ou de medida de segurança aplicada. Assim, na previsão legal do n.º 1 abrange-se o favorecimento na fase de prossecução penal e no n.º 2 inclui-se o favorecimento na fase de execução penal.
Relativamente ao favorecimento pessoal na fase inicial do processo, como se declara no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012, mediante diverso tipo de atividades, o agente deste crime procura criar obstáculos à perseguição penal que está a ser levada a cabo pela autoridade competente, prestando desse modo auxílio a quem cometeu um crime, de forma a evitar que o agente seja submetido a uma pena ou medida de segurança.
Em todo o caso, se não existe crime pressuposto falta tipicidade ao favorecimento pessoal.
Além disso, quer o crime de prevaricação quer o crime de favorecimento pessoal são crimes dolosos, isto é, são ilícitos somente puníveis se demonstrada a atuação dolosa do agente, nos termos dos artigos 13.º e 14.º do Código Penal.
Acresce ainda que no crime de prevaricação a previsão legal aponta para a exclusão do dolo eventual, face à expressão "conscientemente", conforme é entendimento uniforme da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. Também no crime de favorecimento pessoal a previsão típica, ao exigir que o agente atue "com intenção ou com consciência", revela a insuficiência do dolo eventual relativamente ao âmbito restrito do favorecimento.
Ora, no requerimento de abertura de instrução em análise a atuação ilícita imputada à arguida, quanto ao aspeto objetivo, consta da descrição da matéria indiciada sob os itens 3. f), 4., 5., 6, e na vertente subjetiva integra o item 7.
Acontece que os factos ali descritos que materializam a ação e a omissão imputadas à arguida, sob a perspetiva objetiva, não incluem conduta que seja enquadrável na previsão legal do tipo de crime de prevaricação, ou seja, não se subsumem a um comportamento contra direito, de harmonia com a interpretação que resulta da supracitada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
No que respeita ao crime de favorecimento pessoal os factos apontados como indiciados são omissos quanto à prática de crime por parte da pessoa que é referida como favorecida pela imputada conduta da arguida. Mais resulta da narração da matéria indiciada total omissão de factos que possam consubstanciar conduta atribuída à arguida que se traduza em impedir, frustrar ou iludir actividade probatória ou preventiva da autoridade competente no âmbito da investigação criminal, ou que consubstancie a prestação de auxílio a quem cometeu um crime, com vista a impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido imposta.
Relativamente ao elemento subjetivo dos dois tipos de ilícitos a descrição factual é manifestamente insuficiente, pois que não inclui a narração de factos tendentes à imputação dos elementos intelectual e volitivo do dolo.
Na realidade, a descrição é omissa quanto à representação ou previsão pela arguida dos factos ilícitos típicos (elemento intelectual do dolo), bem assim quanto à vontade de realização dos mesmos factos ilícitos, depois de ter representado ou previsto os elementos típicos objetivos (elemento volitivo do dolo), uma vez que as concretas menções vertidas no item 7 do requerimento de abertura de instrução aludem à consciência da ilicitude por parte da arguida e à intenção de prejudicar a assistente e de favorecer o Réu no processo cível, mas não corporizam a matéria de facto cuja omissão se deteta.
Assim, os factos descritos no requerimento de abertura de instrução são insuscetíveis de integrar os elementos típicos dos crimes de prevaricação e de favorecimento pessoal, que na mesma peça processual são imputados à autoria da arguida.
Ademais, importa ainda ter presente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 1/2015, de 20-11-2014, que fixou jurisprudência nos termos seguintes: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP.», dado que assinala a essencialidade da descrição factual do elemento subjetivo do tipo de crime na peça acusatória, a que equivale o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente de acordo com o explanado, e declara a insusceptibilidade de superação dessa omissão por iniciativa do tribunal, na fase de julgamento mas cuja argumentação é transponível, com as necessárias adaptações e mediante a convocação da norma aplicável (309.º, n.º 1 do Código Processo Penal), para a fase de instrução.
Assim sendo, uma vez que, no caso concreto, o requerimento de abertura de instrução não cumpre as imposições legais acima referidas, as falhas ou omissões detetadas não são suscetíveis de ser superadas por intervenção judicial.
Por conseguinte, verifica-se inadmissibilidade legal da instrução, o que constitui motivo para rejeição do requerimento de abertura de instrução, nos termos do artigo 287.º n.º 3 do Código Processo Penal.
Em conformidade com o exposto, rejeita-se o requerimento de abertura de instrução apresentado por AA.
Deste despacho interpôs a assistente o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
I. Questão formal de rejeição do RAI:
Refere-se no despacho recorrido que “falta a descrição dos elementos subjectivos do crime…”
Integra tal invocação o pretexto para a rejeição do RAI que só tem fundamento nos termos do nº. 3 do art. 287º CPP por extemporâneo, incompetência do Juiz ou inadmissibilidade legal sendo que este último só integra os casos em que a Lei não permite a instrução, ou seja, nos processos especiais.
II. A rejeição só podia ocorrer no pretexto de falta de alegação de:
- “Factos que materializem a acção e a omissão imputados sobre a perspectiva objectiva, conduta enquadrável no tipo de crime de prevaricação”;
- “São omissos quanto à prática do crime por parte da pessoa que é referida como favorecida pela imputada conduta da arguida”.
A- É manifesto que, não obstante o esforço imenso na defesa da pessoa da Arguida que nem foi constituída Arguida, o que manifesta o desagrado no contexto corporativo, não satisfaz a exigência imposta num Estado de Direito em que estes tipos de crime foram previstos expressamente para código de conduta dos Juízes e não como se as condutas não pudessem existir ou os Juízes estivessem acima ou fora da previsão da Lei.
O despacho é, nessa parte, absolutamente nulo pois não alega, não corporiza, não especifica, não concretiza qual o facto concreto que falta na imputação à arguida e fá-lo (dizemos nós…) pois não falta nenhum facto:
- Nenhum facto que imputasse à arguida a omissão de conduta, nenhum facto de imputação por acção contra a Lei;
- No favorecimento, nenhum facto foi omitido quanto a quem é favorecido pois expressamente referidos o aí Réu, J. EE.
B- Nem bem, nem mal, antes pelo contrário diria o Prof. Marcelo Caetano, digo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa…
Os factos estão repetidamente soletrados e cantados como na escola primária, embora sem a música celestial Bach ou Maindelson nos órgãos de Bento XVI ou do Cónego Ferreira dos Santos na Igreja da Lapa ou na Universidade Católica do Porto:
“II. A Assistente requer que seja julgada a Arguida, Dra. BB, identificada nos autos, pois indiciam suficientemente os autos de que:
1. A arguida foi titular do proc. 2506/07.1TBSTS em que é Réu EE e testemunha CC, testemunha indicada pela Assistente e imprescindível uma vez que na referida acção consta como adquirente do prédio da Autora, por usucapião face à omissão do Réu EE na sua demanda que demorou 10 anos a propor a acção em nome da Assistente.
2. No referido processo, o julgamento tem sido adiado sucessivamente desde 30/01/2013, com sucessivas delongas para o cumprimento de uma carta rogatória a Angola que o aí Réu tinha requerido e de que veio a desistir, apesar das sucessivas informações da impossibilidade do cumprimento até por videoconferência em 16/11/2011.
3. Em 2016, faltava notificar a testemunha CC que era pretexto para sucessivos adiamentos e em que, sucessivamente, a Autora referia em requerimentos ao processo que:
a) “vive no mesmo lugar”;
b) “se recusava a comparecer, pedindo-se a sua detenção”;
c) “ordenada a sua notificação pessoal, opôs-se o aí Réu EE”;
d) “não cumprida a notificação veio o funcionário GG a falsificar a certidão negativa”;
e) “perante a notícia dirigida ao processo de que a certidão, embora falsa, provava a não notificação da testemunha, a Assistente requereu nova detenção da testemunha, perante a evidencia de que ao CC fora entregue a notificação (com a junção de fotografia da notificação facultada pelo mesmo para a fotografia)”;
f) “perante a evidência da não notificação constante da certidão negativa”, a Arguida, ao invés de ordenar a notificação por qualquer meio para fazer comparecer a testemunha lavrou despacho a pedir explicações sobre a não notificação da testemunha e circunstâncias da certidão negativa.
4. À Arguida era tão só exigível que fizesse comparecer a testemunha por qualquer meio legal uma vez que a essa data não lhe era exigível tecer considerações sobre a certidão negativa mas apenas sobre a não notificação muito menos pedir explicações à Autora sobre as circunstâncias da falsificação da certidão que não era da sua conta, se não eram da sua responsabilidade, sobre quem não cabia a responsabilidade de averiguar a sua falsidade e a autoria ou identificação dos comparticipantes.
5. Ao exigir à Autora explicações sobre a falsificação, omitindo-se na notificação da testemunha para o seu comparecimento a Arguida vinculou-se ao comportamento falsário do funcionário GG e na estratégia do Réu EE que se opusera, sucessivamente, à notificação da testemunha CC por detenção e, depois disso, até por contacto pessoal por funcionário, em requerimentos sucessivos que demonstravam a vontade conjugada em não fazer comparecer a testemunha que era, obviamente, incómoda para a sua tese de Réu, uma vez que essa testemunha tinha adquirido o terreno da Autora face à inércia do Réu (como então advogado da Autora) na demora na propositura dessa acção durante 10 longos anos.
6. Os sucessivos requerimentos da Autora, face à não notificação da testemunha José CC e o ocorrido no acto da notificação da testemunha constante da certidão negativa, impunham à Arguida o dever funcional de assegurar a sua notificação, aliás, em função de despacho anterior que substituíra a detenção por notificação por funcionário judicial, diversamente do que fez a Arguida, no favorecimento do comportamento do Réu que se opunha até à notificação pessoal, acto a que a Arguida aderiu, no favorecimento da tese do Réu.
7. A Arguida não desconhecia a ilicitude da sua conduta nem que, com a mesma prejudicava a Assistente e favorecia o Réu naquele processo, e no despacho em crise teve a intenção de assim proceder.
8. A Arguida cometeu pelo exposto, o crime de prevaricação (p.p.p. 369º CP) por violação de notificação da testemunha em causa pela forma que a mesma anteriormente decidira e, com essa violação de despacho seu, o crime de favorecimento (p.p.p. 367º CP) do réu EE que a tal notificação obstava em sucessivos requerimentos seus no seu interesse pois, testemunha embaraçosa para a sua tese como Réu.”
Consequentemente:
a) A conduta contra o Direito (prevaricação) constava dos factos provados documentalmente:
- Certidão negativa da não notificação da testemunha;
- Da prova da falsificação pela junção da nota de notificação a que não podia corresponder uma certidão negativa do funcionário;
- Da omissão da ordem para deter a testemunha, face ao exposto, para se proceder aos Julgamento;
b) No crime de favorecimento alegadamente refere-se que faltava a identificação da pessoa favorecida, o que também colide com a fastidiosa narração da Assistente dos factos ocorridos que, como na tabuada e na falta de tábua correctiva se repete:
- “O Réu EE e CC, testemunha indicada pela Assistente e aí imprescindível uma vez que, na referida acção, consta como adquirente do prédio da Autora”;
- “Face à omissão do Réu EE na sua demanda contra CC que demorou 10 anos a propor a acção em nome da Assistente”;
- “Por isso, repetiu sucessivamente que vivia no mesmo lugar, se recusava a comparecer, se pedia a sua detenção, ordenada a notificação pessoal a que se opôs o réu EE”;
- “Em vez de ordenar a detenção (face à não notificação, certidão negativa falsa e prova da falsificação) pediu explicações à Autora”.
C- é assim, inteiramente falso que a Assistente tenha omitido:
- Na narração de factos de onde resultasse a conduta ilícita contra o Direito (que a obrigava a fazer comparecer a testemunha CC) e não a provocações a exigir à autora explicações inúteis face a essa prova;
- Na narração de factos quanto a quem era favorecido (o Réu EE contra quem é movida a acção e contra o Réu que deveria ter sido demandado pelo Réu EE e não o foi – CC.
III. Dolo específico
O Dolo é um conceito que, como tal, integra uma conclusão.
No caso, não está em causa o hálito ou o cheiro do criminoso que faça a prova da intenção da prática do crime sem testemunhas em que o cadáver não depõe e o “criminoso” não presta declarações para evitar extrapolações.
No caso, é a vontade de não (omissão) de deter a testemunha para vir depor (face ao pressuposto de não comparência, de certidão falsificada face a entrega da notificação, de nota de notificação junta aos autos, antes da data desse despacho em que, obviamente, está identificada a pessoa favorecida, M. EE e CC.
Mais não se deve explicar sob pena de termos de chamar filólogos como já o fizemos noutra ocasião com a Prof. Dra. Nair Castro Soares, Helena Rocha Pereira e Rocha Pimpão que, afinal, liam como nós aprendemos no 4º grau.
Exclamaremos, tão só, como o fez o Prof. Alfredo Pimenta que, derrubado pelo filho de Eça de Queirós no Chiado, alegadamente por desvirtuar as obras do Sr. seu pai, respondeu ao Guarda Noturno que lhe perguntava o que desejava o cavalheiro daquele senhor: “Que, de futuro, escrevesse melhor”.
Tanto processo e tantas palavras para justificar a função judicial que não julga em 2019 um processo de 2007 em que pretende repor o direito da Autora à indemnização pela perda do prédio entregue à testemunha, CC, por omissões da acção do aí Réu, J. EE.
EM RESUMO E CONCLUSÃO,
1. O RAI não podia ser rejeitado e a matéria da incriminação só podia ser decidida após debate instrutório em que a Arguida tivesse sido constituída como Arguida e ainda não o foi.
2. Refere-se no despacho recorrido que “falta a descrição dos elementos subjectivos do crime…”.
3. Integra tal invocação o pretexto para a rejeição do RAI que só tem fundamento nos termos do nº. 3 do art. 287º CPP por extemporâneo, incompetência do Juiz ou inadmissibilidade legal sendo que este último só integra os casos em que a Lei não permite a instrução, ou seja, nos processos especiais.
4. É manifesto que, não obstante o esforço imenso na defesa da pessoa da Arguida que nem foi constituída Arguida, o que manifesta o desagrado no contexto corporativo, não satisfaz a exigência imposta num Estado de Direito em que estes tipos de crime foram previstos expressamente para código de conduta dos Juízes e não como se as condutas não pudessem existir ou os Juízes estivessem acima ou fora da previsão da Lei.
5. O despacho é, nessa parte, absolutamente nulo pois não alega, não corporiza, não especifica, não concretiza qual o facto concreto que falta na imputação à arguida e fá-lo (dizemos nós…) pois não falta nenhum facto:
- Nenhum facto que imputasse à arguida a omissão de conduta, nenhum facto de imputação por acção contra a Lei;
- No favorecimento, nenhum facto foi omitido quanto a quem é favorecido pois expressamente referidos o aí Réu, J. EE.
6. Os factos estão repetidamente soletrados e cantados:
“II. A Assistente requer que seja julgada a Arguida, Dra. BB, identificada nos autos, pois indiciam suficientemente os autos de que:
1. A arguida foi titular do proc. 2506/07.1TBSTS em que é Réu EE e testemunha CC, testemunha indicada pela Assistente e imprescindível uma vez que na referida acção consta como adquirente do prédio da Autora, por usucapião face à omissão do Réu EE na sua demanda que demorou 10 anos a propor a acção em nome da Assistente.
2. No referido processo, o julgamento tem sido adiado sucessivamente desde 30/01/2013, com sucessivas delongas para o cumprimento de uma carta rogatória a Angola que o aí Réu tinha requerido e de que veio a desistir, apesar das sucessivas informações da impossibilidade do cumprimento até por videoconferência em 16/11/2011.
3. Em 2016, faltava notificar a testemunha CC que era pretexto para sucessivos adiamentos e em que, sucessivamente, a Autora referia em requerimentos ao processo que:
a) “vive no mesmo lugar”;
b) “se recusava a comparecer, pedindo-se a sua detenção”;
c) “ordenada a sua notificação pessoal, opôs-se o aí Réu EE”;
d) “não cumprida a notificação veio o funcionário GG a falsificar a certidão negativa”;
e) “perante a notícia dirigida ao processo de que a certidão, embora falsa, provava a não notificação da testemunha, a Assistente requereu nova detenção da testemunha, perante a evidencia de que ao CC fora entregue a notificação (com a junção de fotografia da notificação facultada pelo mesmo para a fotografia)”;
f) “perante a evidência da não notificação constante da certidão negativa”, a Arguida, ao invés de ordenar a notificação por qualquer meio para fazer comparecer a testemunha lavrou despacho a pedir explicações sobre a não notificação da testemunha e circunstâncias da certidão negativa.
4. À Arguida era tão só exigível que fizesse comparecer a testemunha por qualquer meio legal uma vez que a essa data não lhe era exigível tecer considerações sobre a certidão negativa mas apenas sobre a não notificação muito menos pedir explicações à Autora sobre as circunstâncias da falsificação da certidão que não era da sua conta, se não eram da sua responsabilidade, sobre quem não cabia a responsabilidade de averiguar a sua falsidade e a autoria ou identificação dos comparticipantes.
5. Ao exigir à Autora explicações sobre a falsificação, omitindo-se na notificação da testemunha para o seu comparecimento a Arguida vinculou-se ao comportamento falsário do funcionário GG e na estratégia do Réu EE que se opusera, sucessivamente, à notificação da testemunha CC por detenção e, depois disso, até por contacto pessoal por funcionário, em requerimentos sucessivos que demonstravam a vontade conjugada em não fazer comparecer a testemunha que era, obviamente, incómoda para a sua tese de Réu, uma vez que essa testemunha tinha adquirido o terreno da Autora face à inércia do Réu (como então advogado da Autora) na demora na propositura dessa acção durante 10 longos anos.
6. Os sucessivos requerimentos da Autora, face à não notificação da testemunha CC e o ocorrido no acto da notificação da testemunha constante da certidão negativa, impunham à Arguida o dever funcional de assegurar a sua notificação, aliás, em função de despacho anterior que substituíra a detenção por notificação por funcionário judicial, diversamente do que fez a Arguida, no favorecimento do comportamento do Réu que se opunha até à notificação pessoal, acto a que a Arguida aderiu, no favorecimento da tese do Réu.
7. A Arguida não desconhecia a ilicitude da sua conduta nem que, com a mesma prejudicava a Assistente e favorecia o Réu naquele processo, e no despacho em crise teve a intenção de assim proceder.
8. A Arguida cometeu pelo exposto, o crime de prevaricação (p.p.p. 369º CP) por violação de notificação da testemunha em causa pela forma que a mesma anteriormente decidira e, com essa violação de despacho seu, o crime de favorecimento (p.p.p. 367º CP) do réu EE que a tal notificação obstava em sucessivos requerimentos seus no seu interesse pois, testemunha embaraçosa para a sua tese como Réu.”
7. Consequentemente, a conduta contra o Direito (prevaricação) constava dos factos provados documentalmente:
- Certidão negativa da não notificação da testemunha;
- Da prova da falsificação pela junção da nota de notificação a que não podia corresponder uma certidão negativa do funcionário;
- Da omissão da ordem para deter a testemunha, face ao exposto, para se proceder aos Julgamento;
8. No crime de favorecimento alegadamente refere-se que faltava a identificação da pessoa favorecida, o que também colide com a fastidiosa narração da Assistente dos factos ocorridos que, como na tabuada e na falta de tábua correctiva se repete:
- “O Réu EE e CC, testemunha indicada pela Assistente e aí imprescindível uma vez que, na referida acção, consta como adquirente do prédio da Autora”;
- “Face à omissão do Réu J. EE na sua demanda contra CC que demorou 10 anos a propor a acção em nome da Assistente”;
- “Por isso, repetiu sucessivamente que vivia no mesmo lugar, se recusava a comparecer, se pedia a sua detenção, ordenada a notificação pessoal a que se opôs o réu EE”;
- “Em vez de ordenar a detenção (face à não notificação, certidão negativa falsa e prova da falsificação) pediu explicações à Autora”.
9. É assim, inteiramente falso que a Assistente tenha omitido:
- Na narração de factos de onde resultasse a conduta ilícita contra o Direito (que a obrigava a fazer comparecer a testemunha CC) e não a provocações a exigir à autora explicações inúteis face a essa prova;
- Na narração de factos quanto a quem era favorecido (o Réu EE contra quem é movida a acção e contra o Réu que deveria ter sido demandado pelo Réu EE e não o foi – CC.
10. O Dolo é um conceito que, como tal, integra uma conclusão.
11. No caso, é a vontade de não (omissão) deter a testemunha para vir depor (face ao pressuposto de não comparência, de certidão falsificada face a entrega da notificação, de nota de notificação junta aos autos, antes da data desse despacho em que, obviamente, está identificada a pessoa favorecida, EE e CC.
12. Foi violado, nomeadamente, o disposto no art. 287º nº. 3 do CPP.
Respondeu o sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação desta forma:
I – INTRODUÇÃO:
A recorrente AA, não se conforma com a questão formal de rejeição do requerimento de abertura de Instrução, conforme o douto despacho de 29-11-2018, a fls. 1761 segs.
Considerou a Mma. Juíza Desembargadora "a quo" que "o requerimento de abertura de instrução não cumpre as imposições legais acima referidas, as falhas ou omissões detetadas não são suscetíveis de ser superadas por intervenção judicial.", pelo que se verifica a "inadmissibilidade legal da instrução, o que constitui motivo para rejeição do requerimento de abertura de instrução, nos termos do artigo 187.º n.º 3 do Código Processo Penal.".
É deste despacho que vem interposto o presente recurso.
II - DO MÉRITO DO PRESENTE RECURSO:
No caso vertente, a questão a apreciar resume-se a saber se o requerimento de abertura de Instrução apresentado, a fls. 145 e segs., pela recorrente AA observa os requisitos legalmente previstos para o efeito.
A pretensão manifestada pela Recorrente só poderia ter êxito, se não padecesse dos vícios que, muito judiciosamente, lhe são apontados no douto despacho em crise.
Aliás, em bom rigor, o despacho de indeferimento deste Tribunal da Relação não é passível da censura que a recorrente lhe quer imputar, dada a justeza e o rigor argumentativo nele inserto, na esteira da doutrina e jurisprudência dominante.
Tal como dele resulta, no requerimento de abertura de instrução não foram invocados quaisquer factos supervenientes de conhecimento público que hajam surgido "ex novo" e o que afasta um qualquer possível erro de qualificação e que padeça de correcção. Como também não foram solicitadas melhores diligências de prova.
Ora, não tendo os factos que foram enunciados no aludido requerimento o devido suporte no material probatório que fora colhido nos autos, durante a fase de Inquérito, não é possível imputar a prática de correlativa resolução criminosa por divergência com o anteriormente participado e investigado, em atenção ao princípio da legalidade, enquanto princípio da legalidade penal e da legalidade da infracção penal.
Daí que, tendo em conta o despacho de arquivamento prolatado pelo nosso Exmo. Colega, a fls. 125 e segs., impede que a assistente reformule o objecto do processo e nos termos em que o fez.
Mais se tem entendido que não se justifica a abertura da instrução, quando ocorre uma alteração da qualificação jurídica dos factos com o requerimento de abertura da instrução, quando dela resulta não ser previsível a emissão de um despacho de pronúncia ou, pelo menos, a não ter lugar um julgamento, por esses mesmos factos, e, como muito bem observou a Mma. Juíza Desembargadora recorrida.
Como se evidenciou no despacho "sub iudice", sempre que o requerimento se mostra inadequado à realização das finalidades legais da instrução, em ordem a submeter a causa a julgamento, deve ser rejeitado, pois os actos a praticar, nesta fase processual, seriam inúteis e, como tal, proibidos.
"In casu" o pedido da assistente sendo omisso na narração dos factos essenciais que integram os elementos constitutivos dos crimes que se pretendem imputar, pelo que, existirá uma condição de inadmissibilidade legal da instrução, em razão da nulidade prevista no art. 119.°, al. d), do C.P.P., por conter factos que não foram objecto do inquérito - Cfr. Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal”, Vol. III, Verbo, 2000, pág. 140, nota 1.
A este respeito, na doutrina, Ivo Miguel Barroso, in Algumas reflexões sobre o regime da alteração substancial de factos não autonomizáveis, na fase de instrução, in Estudos sobre o objecto do processo penal, Vislis, Lisboa, 2003, págs. 123-242, menciona que: "..., pode existir arquivamento por parte do Ministério Público e, por esta razão, não haver acusação formal. Nestes casos, o assistente poderá discordar da decisão, mas não pode reagir ordenando que o Ministério Público acuse; deverá então elaborar o requerimento de abertura de instrução, que o configura uma acusação implícita. Após o despacho de arquivamento pelo MP, requerendo a abertura de instrução, o assistente deixa de ser colaborador e subordinado da actividade do MP, com ele entra em conflito e, por isso, visa superar uma decisão que lhe é desfavorável. Note-se que não é uma acusação formal, pois, quanto ao assistente, a acusação não pode existir não subordinada ao Ministério Público. Neste caso de abstenção, o requerimento "consubstancia uma acusação que, nos mesmos termos que a acusação formal, condiciona e limita a actividade de investigação do juiz e a decisão instrutória"; assim, "define e limita o (...) objecto do processo, a partir da sua formulação, constituindo substancialmente uma acusação alternativa. Assim, (...) deverá dele constar descrição dos factos que fundamentam a eventual aplicação de uma pena ao arguido e a indicação das disposições legais incriminatórias" (Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Maio de 1997 176). Deste modo, deve descrever todos os factos concretos susceptíveis de integrar o crime imputado ao arguido. O requerimento de abertura de instrução, assim configurado, "equivale a acusação" (Acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Fevereiro de 2000). (O Acórdão da Relação de Lisboa, de 17 de Março de 1998 178, considerou que o art. 309.°, n.º 1, abarca apenas os casos em que o Ministério Público se abstém de acusar, sendo então o requerimento de abertura de instrução equivalente a acusação)", (referências bibliográficas eliminadas).
Na jurisprudência, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 13 de Setembro de 2017, se sumariou que: "I - Quando o assistente requer a abertura da instrução para comprovação judicial da decisão de arquivamento, em ordem a submeter a causa a julgamento, deve indicar não só as razões pelas quais entende que o Ministério Público não deveria ter arquivado o inquérito mas, ainda, os termos em que deveria ter deduzido acusação, por crime público ou crime semipúblico. II - A falta de descrição, no requerimento de abertura da instrução, dos elementos do tipo subjetivo do ilícito (dolo ou negligência), não pode ser integrada, no final da instrução, por recurso ao mecanismo previsto no art, 303.º do CPP. III- Se a instrução fosse admitida num caso em que do requerimento da abertura de instrução não consta a narração, pelo assistente, dos factos que pretende imputar ao arguido, designadamente referentes ao elemento subjetivo, qualquer descrição que se viesse a fazer numa eventual pronúncia não poderia ser suprida através do mecanismo da alteração não substancial dos factos constantes do requerimento ou da alteração substancial do requerimento. VI - Quando o requerimento [RAI] é inadequado à realização das finalidades legais da instrução, em ordem a submeter a causa a julgamento, deve ser rejeitado, pois os atos a praticar na fase da instrução seriam inúteis.".
Do exposto resulta que este Tribunal "a quo" decidiu com rigor e coerência as questões sobre as quais se tiveram de pronunciar e com a devida consideração da legislação em vigor, com invocação de razões formais para rejeitar o requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente, tendo em conta as apontadas deficiências no despacho "sub judice".
Assim, o presente recurso é manifestamente improcedente, devendo o despacho de rejeição que foi proferido nestes autos, a cujos fundamentos aderimos, ser mantido no ordem jurídica e nos seus precisos termos.
III - CONCLUSÕES;
1. A Mma. Juíza "a quo" decidiu com rigor e coerência as questões sobre as quais se tiveram de pronunciar, com a devida rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado pela assistente.
2. Deverá ser negado provimento ao presente recurso.
Respondeu também a denunciada BB, como segue:
O presente recurso foi interposto do douto despacho que rejeitou, por inadmissibilidade legal, o Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pela Assistente, concluindo em suma que:
(...) resulta da lei que a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objeto da instrução e resultem do requerimento do assistente, posto que o objeto do processo, no caso de arquivamento do inquérito, fica delimitado pelo conteúdo do mesmo requerimento.
(...) quando o inquérito termine com o arquivamento, o requerimento deduzido pelo assistente para abertura de instrução deve integrar a descrição dos factos concretos que, contrariamente ao entendimento do Ministério Público, o requerente considera indiciados ou que pretende vir afazer indiciar no decurso da investigação requerida.
(...) os factos descritos no requerimento de abertura de instrução são insuscetíveis de integrar os elementos típicos dos crimes de prevaricação e de favorecimento pessoal, que na mesma peça são imputados à autoria da arguida.
(...) Assim sendo, uma vez que, no caso concreto, o requerimento de abertura de instrução não cumpre as imposições legais acima referidas, as falhas ou omissões detetadas não são suscetíveis de ser superadas por intervenção judicial.
Nas suas, aliás doutas, alegações, considera a Recorrente sumariamente que:
(i) O RAI não podia ser rejeitado e a matéria da incriminação só podia ser decidida após debate instrutório em que a Arguida tivesse sido constituída como Arguida e ainda não o foi.
(ii) Refere-se no despacho recorrido que "falta a descrição dos elementos subjetivos do crime..."
(iii) O despacho é, nessa parte, absolutamente nulo pois não alega, não corporiza, não especifica, não concretiza qual o facto concreto que falta na imputação à Arguida (...).
(iv) É assim inteiramente falso que a Assistente tenha omitido:
- Na narração de factos de onde resultasse a conduta ilícita contra o Direito (...)
- Na narração de factos quanto a quem era favorecido (...).
O Recorrido pensa que o recurso deverá ser julgado improcedente, uma vez que o douto despacho a quo não sofre de nenhuma nulidade processual e fez correta interpretação das normas em apreço e, por isso, merece ser integralmente confirmado, como de seguida se procurará demonstrar.
A- Da questão formal de rejeição do RAI
1. A instrução constitui uma fase judicial facultativa através da qual se opera o controlo judicial da posição assumida pelo Ministério Público no final do inquérito, ou seja, a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, nos termos do artigo 286°, nos 1 e 2, do Código de Processo Penal.
2. No caso de arquivamento do inquérito o Assistente tem a faculdade legal de requerer a abertura de instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, quando se trate de crimes de natureza pública ou semipública, tendo em vista a submissão da causa a julgamento, nos termos das disposições dos artigos 286°, n° 1, e 287°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
3. Tal como referido no douto despacho recorrido, tratando-se de um caso em que (...) o impulso processual é assumido pelo Assistente, o requerimento de abertura de instrução deve ainda obedecer ao preceituado no artigo 283º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal, isto é, deve incluir a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada.
4. Em virtude de não lhe anteceder uma acusação pública ou particular que delimite o objeto da pronúncia, o requerimento do assistente para abertura de instrução deve ser estruturado de acordo com as exigências legais aplicáveis àquela peça acusatória, em obediência ao disposto no n° 2 do artigo 287º do Código de Processo Penal.
5. A imposição legal relativa ao requerimento de abertura de instrução formulado pelo Assistente, quanto à narração dos factos que constitui o elemento definidor do âmbito temático da instrução e à indicação das disposições legais aplicáveis, funda-se nas garantias de defesa do arguido e na estrutura acusatória do processo penal, com consagração constitucional no artigo 32°, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
6. A inadmissibilidade legal da instrução tem a ver essencialmente com requisitos de forma e não com a substância do requerimento, isto é, com os fundamentos de ser deduzido despacho de pronúncia ou não pronúncia.
7. O requerimento do Assistente para a abertura de instrução tem de configurar substancialmente uma acusação, devendo constar do mesmo a descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis (cf. artigo 283°, nº 3, al. b) e c), aplicável ex vi do artigo 287°, n° 2, do CPP).
8. Assim, a falta de narração, por parte do Assistente, Requerente da instrução, dos factos integradores do crime imputado, constituiu uma nulidade (artigo 283°, n.º 3), o que é facilmente compreensível, uma vez que o Requerimento de Abertura de Instrução, pelo Assistente, no caso de arquivamento por parte do Ministério Público, deve fixar o âmbito ou objeto do processo (vd. artigos 303° e 309°, do CPP).
9. Enferma, pois, o requerimento da Assistente, aqui Recorrente, da omissão da própria configuração do objeto da instrução, o que inviabiliza a sua abertura, tornando-a inexequível (cfr. escreve Souto Moura, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 120 e 121: Se o Assistente requer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível, ficando o Juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados.
10. Sendo o requerimento para a abertura de instrução nulo por falta de objeto, o mesmo tem de ser obrigatoriamente indeferido, não sendo admissível a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento, sob pena de violação dos citados artigos 287°, nº 3, e 283º, nº 3 (neste sentido cf., entre outros, douto Ac. da Relação de Lisboa, de 11.10.2001, in CJ, T. IV, pág. 141).
11. Por conseguinte, não faz qualquer sentido admitir uma instrução que, desde o início, está condenada ao insucesso.
12. Acresce que, como se faz notar no texto do douto despacho a quo (...) está excluída a possibilidade de o juiz de Instrução Criminal permitir que o Assistente preencha a omissão de descrição factual detetada no requerimento de abertura de instrução, em consonância com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2005, no qual o Colendo Tribunal decidiu que «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
13. E não se diga que a não formulação de tal convite viola os direitos de garantias de processo criminal, consignados no artigo 32°, da CRP, pois o douto Ac. do Tribunal Constitucional nº 175/2013, decidiu pela não inconstitucionalidade do artigo 287°, nº 2, com referência expressa ao artigo 283°, nº 3, alíneas b) e c), do CPP, segundo a qual não é admissível a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo Assistente e que não contenha o essencial da descrição dos factos imputados aos arguidos, delimitando o objeto fáctico da pretendida instrução.
14. Tal requerimento não constituiu substancialmente uma verdadeira acusação, mas deve imperativamente obedecer àqueles requisitos mínimos acima apontados, de modo a descrever os factos concretos de ordem objetiva e subjetiva suscetíveis de integrarem, neste caso, a prática pela denunciada, aqui Recorrida, dos crimes de "favorecimento pessoal", "falsidade de documento", "abuso de poder" e "prevaricação".
15. Sendo hoje entendimento uniforme da jurisprudência que se verifica a inadmissibilidade legal da instrução quando o requerimento de abertura de instrução formulado pelo Assistente enferme de omissão ou deficiência na descrição factual e/ou incriminação, sendo fundamento para a rejeição, nos termos do artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal. Neste sentido, vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2012, proc. nº 36/11.6YFLSB.S1, no qual se concluiu: «Visa a instrução a comprovação judicial da acusação, seja a do Ministério Público findo o inquérito, seja a acusação implícita no requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, em ordem à decisão sobre a submissão da causa a julgamento.»
16. Deste modo, secundando integralmente o entendimento espelhado no douto despacho recorrido, se da simples análise do requerimento de abertura de instrução, especialmente da parte em que é descrita a factualidade imputada ao denunciado, resultar que, mesmo a serem os factos comprovados, jamais se poderia seguir uma pronúncia em virtude de tais factos não integrarem qualquer tipo legal de crime, estaríamos perante uma instrução sem objeto. Conforme refere Germano Marques da Silva, «o requerimento do assistente tem que conformar uma verdadeira acusação e, por isso, o requerimento não é admissível se dele resultar falta de tipicidade da conduta, porque é o próprio procedimento que não pode prosseguir por falta dos pressupostos de objeto. Faltando no processo o seu objeto, o processo é inexistente (Curso de Processo Penal, III, 2000, Verbo, pp. 138-139).» E sendo assim, a abertura da instrução e a realização do debate instrutório sempre redundaria na prática de um acto inútil, tal como se afirmou no despacho recorrido.»
Sem conceder, sempre dirá o seguinte:
B- Do despacho de arquivamento
1. Os presentes autos foram instaurados para procedimento criminal contra a Recorrida, Juíza ..., a exercer funções no Juízo Central Cível da ....
2. O processo de inquérito foi arquivado por despacho de 21.02.2018.
3. A Recorrida foi ouvida na fase de inquérito, na qualidade de denunciada, e nunca mais teve qualquer intervenção no processo.
4. No que concerne aos demais denunciados no inquérito, a Recorrida apenas conhece o Dr. EE, na qualidade de Advogado, tendo com ele contactado em tribunal e sempre no âmbito funcional, desconhecendo a testemunha arrolada naqueles autos, CC e o funcionário judicial encarregue da sua notificação, cujo nome nem sequer está identificado na queixa apresentada.
5. É ainda do conhecimento funcional que o julgamento do dito processo 2506/07.1TBSTS, ainda não foi realizado, em virtude de sucessivos incidentes de suspeição deduzidos e pedidos de escusa formulados.
6. Como resultou claro do processo de inquérito, a Recorrida não praticou qualquer acto no processo contra o direito ou sequer omitiu acto que se impusesse em face do legalmente determinado, mormente do CPC.
7. Por conseguinte, não estando presentes os pressupostos objetivos de qualquer dos ilícitos em causa nos autos, não resultou outra solução que não fosse a de arquivar o processo, motivo pelo qual não se enveredou pela constituição e interrogatório como arguida, da ora Recorrida.
C- Conclusões
a) A inadmissibilidade legal da instrução tem a ver essencialmente com requisitos de forma e não com a substância do requerimento, isto é, com os fundamentos de ser deduzido despacho de pronúncia ou não pronúncia.
b) O requerimento do Assistente para a abertura de instrução tem de configurar substancialmente uma acusação, devendo constar do mesmo a descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis (cf. artigo 283º, nº 3, al. b) e c), aplicável ex vi do artigo 287º, nº 2, do CPP).
c) Assim, a falta de narração, por parte da Assistente, Requerente da instrução, dos factos integradores do crime imputado, constituiu uma nulidade (artigo 283º, nº 3).
d) E sendo o Requerimento para a Abertura de Instrução nulo por falta de objeto, o mesmo tem de ser obrigatoriamente indeferido, não sendo admissível a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento, sob pena de violação dos artigos 287°, nº 3, e 283º, nº 3.
e) Tal requerimento não constituiu substancialmente uma verdadeira acusação, mas deve imperativamente obedecer àqueles requisitos mínimos acima apontados, de modo a descrever os factos concretos de ordem objetíva e subjetiva suscetíveis de integrarem, neste caso, a prática pela denunciada, aqui Recorrida, dos crimes de "favorecimento pessoal", "falsidade de documento", "abuso de poder" e "prevaricação".
f) Sendo hoje entendimento uniforme da jurisprudência que se verifica a inadmissibilidade legal da instrução quando o requerimento de abertura de instrução formulado pelo Assistente enferme de omissão ou deficiência na descrição factual e/ou incriminação, sendo fundamento para a rejeição, nos termos do artigo 287°, nº 3, do CPP.
g) Por outro lado, e sem conceder, acresce que a Recorrida não praticou qualquer acto no processo contra o direito ou sequer omitiu acto que se impusesse em face do legalmente determinado, mormente do CPC.
h) Motivo pelo qual, sem que estivessem reunidos os pressupostos objetivos de qualquer dos ilícitos em causa nos autos, não restou outra solução ao Ministério Público que não fosse a de arquivar o processo.
i) Concluindo, o douto despacho ora recorrido decidiu com inegável acerto e perfeita observância dos factos e da lei aplicável, não podendo o pleito, conscientemente, ser resolvido doutra maneira.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
1. Da decisão instrutória proferida no Tribunal da Relação do Porto, no âmbito da qual se decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal da mesma, decisão datada de 29.11.2018, interpõe da mesma a assistente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em 23.01.2019, com as conclusões de fls. 204 e seguintes, as quais aqui se dão por reproduzidas.
2. A tal recurso responderam o Magistrado do MºP junto do TRP, a fls. 222 e a denunciada juiz de direito BB., ambos se pronunciando pela improcedência do recurso.
3. Verificada a tempestividade do mesmo e a legitimidade da recorrente, nada obsta ao conhecimento do recurso.
4. Atento o teor do Requerimento de Abertura de Instrução (RAI) formulado pela assistente, junto a fls. 145 dos autos, constituindo o R.A.I. uma acusação alternativa delimitadora do objeto do processo, o mesmo tem de conter obrigatoriamente a menção dos elementos subjectivo e objetivo dos crimes imputados pela assistente - crime de prevaricação, pp pelo art. 369º do CP e crime de favorecimento pessoal, pp pelo art. 367º do CP.
Tal como fundamentado no despacho ora sob recurso, nos termos do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2015 «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.»
E decorre da fundamentação do citado Acórdão: «A falta de indicação de factos integradores, seja do tipo objectivo de ilícito, seja do tipo subjectivo de ilícito, implicando assim o não preenchimento, a perfeição, do tipo de ilícito incriminador, deve, forçosamente, conduzir à absolvição do arguido, se verificada em audiência de julgamento”.
Caberá ainda referir que, nos termos do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2005 “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido. “
A jurisprudência citada, igualmente referenciada na decisão sob recurso, tem plena aplicação ao caso dos presentes autos por referência ao requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, e sobre o qual recaiu a decisão de rejeição, cujos fundamentos acompanhamos, razão pela qual nos pronunciamos igualmente pela improcedência do recurso.
Notificada nos termos do art. 417º, nº 2, do CPP, a recorrente respondeu assim:
AA, Recorrente melhor id. nos autos supramencionados, vem responder ao Parecer do Ministério Público dando por integralmente reproduzidas as suas alegações cujas questões foram omitidas pelo Ministério Público e não sabemos se pela Arguida uma vez que a Recorrente não foi notificada da contra-alegação que pudesse suportar a falta de requisitos na imputação do crime em causa.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
1. O recurso da assistente vem interposto do despacho que rejeitou o requerimento para abertura da instrução por ela formulado, após ser notificada do despacho de arquivamento, elaborado pelo Ministério Público, do inquérito instaurado com base na queixa por ela apresentada contra a denunciada, por atos por esta alegadamente praticados na direção da ação cível acima identificada.
O despacho recorrido fundou-se em “impossibilidade legal da instrução”, ao abrigo do art. 287º, nº 3, do CPP, por o requerimento não conter uma narração dos factos indiciados suficientes para o preenchimento dos elementos típicos dos crimes que são imputados à denunciada, ou seja, os crimes de denegação de justiça e prevaricação e de favorecimento pessoal, p. e p. respetivamente pelos arts. 369º e 367º do Código Penal (CP), sendo essa deficiência insuscetível de aperfeiçoamento, nos termos do Acórdão nº 1/2015, do Supremo Tribunal de Justiça.
Essas omissões reportam-se, no entendimento do despacho recorrido, essencialmente à indicação da “conduta contra direito”, no que se refere ao crime de prevaricação, e à prática de ato suscetível de frustrar a atividade probatória em sede penal ou de impedir a execução de pena, quanto ao crime de favorecimento pessoal; e ainda à omissão dos factos integradores do elemento subjetivo (dolo) relativamente a qualquer dos crimes.
Na sua petição de recurso, a recorrente esforça-se por demonstrar que os elementos julgados omissos no despacho recorrido estão na verdade inscritos no seu requerimento para abertura da instrução, quer quanto aos elementos objetivos, sendo a omissão de ordem de detenção de uma testemunha a “conduta contra direito”, repetidamente referida pela assistente; e estando também o “favorecido” (o réu na ação cível) repetidamente identificado; quer quanto ao dolo, “um conceito que, como tal, integra uma conclusão”.
2. A instrução constitui, nos termos do art. 286º, nºs 1 e 2, do CPP, uma fase facultativa do processo penal, através da qual se opera a fiscalização judicial da posição assumida pelo Ministério Público no final do inquérito, ou seja, a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito.
No caso de arquivamento do inquérito, o assistente tem a faculdade legal de requerer a abertura da instrução relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, quando se trate de crimes de natureza pública ou semipública, tendo em vista a submissão da causa a julgamento, nos termos do art. 287º, nº 1, b), do CPP.
O nº 2 do art. 287º do CPP determina que o requerimento para abertura da instrução do assistente, além de expor as divergências relativamente ao despacho de não acusação, deve dar cumprimento ao disposto no nº 3, b) e c), do art. 283º, também do CPP, sendo este último referente à estrutura da acusação. Assim, por força deste preceito, o requerimento para abertura da instrução deve conter “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”; e deve conter ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.
A remissão para a disposição legal que regula a estrutura da acusação revela que o requerimento de abertura de instrução do assistente reveste a natureza jurídica de uma autêntica acusação, uma acusação em sentido material, desempenhando uma função idêntica à da acusação formal (a que é deduzida após o inquérito): a de fixação do objeto do processo, definindo vinculativamente o âmbito dos poderes de cognição do tribunal. O requerimento de abertura de instrução fixa, assim, o objeto da instrução, definindo e circunscrevendo o quadro temático em que o juiz de instrução pode agir no âmbito do seu poder de investigação autónoma, conforme resulta expressivamente do nº 4 do art. 288º do CPP.
Nem poderia ser de outra forma, atendendo à estrutura acusatória do processo penal, que impõe que o juiz investigue ou julgue (conforme atue como juiz de instrução ou como juiz de julgamento) dentro dos limites que lhe são propostos por uma acusação deduzida por um órgão diferenciado. Na instrução requerida pelo assistente, é este o órgão encarregado de definir o objeto do processo. Sem uma precisa descrição fáctica da matéria imputada ao arguido no requerimento para abertura da instrução não haveria vinculação temática do juiz de instrução, nem consequentemente estariam asseguradas as garantias de defesa do arguido.
Vejamos então se a assistente cumpriu o disposto no art. 283º, nº 3, b), do CPP.
3. A conduta punível que a assistente imputa à denunciada, Juíza ..., teria sido cometida no âmbito da condução de uma ação cível de que a denunciada era (e é) titular (proc. nº 2506/07.1TBSTS), em que a assistente é autora e réu EE, sendo testemunha CC, indicada pela autora.
O que a assistente censura à denunciada é o facto de, perante a dificuldade em notificar a dita testemunha para julgamento, e nomeadamente face a uma certidão negativa redigida por um funcionário do tribunal, que a autora considerou “falsa”, tendo pedido a comparência dessa testemunha “sob custódia”, ao abrigo do nº 4 do art. 508º do Código de Processo Civil, perante tal situação, repete-se, a denunciada não ter ordenado a “custódia” dessa testemunha, antes ter lavrado despacho a pedir explicações sobre a não notificação da testemunha e sobre as circunstâncias da certidão negativa. Assim teria a denunciada, no entender da ora assistente, deixado de cumprir o dever de assegurar a notificação da testemunha, favorecendo os interesses do réu naquela ação, já que a testemunha era “imprescindível” para a defesa da posição da autora.
4. Estabelece o art. 369º do CP:
Denegação de justiça e prevaricação
1. O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir ou praticar ato no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias.
2. Se o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém, o funcionário é punido com pena de prisão até 5 anos.
Trata-se de um “crime específico próprio”: os agentes do crime são exclusivamente os “funcionários” com competência no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, contraordenacional ou disciplinar, incluindo-se nesse conceito evidentemente os juízes.
O bem jurídico tutelado é a (boa) administração da justiça, protegendo-a contra condutas desviantes praticadas por “agentes do sistema”.
A conduta típica objetiva é “agir contra direito”. Para ser criminalmente relevante o comportamento (ativo ou omissivo) terá de ser objetivamente contra o direito, pois só esse tem idoneidade para ofender o bem jurídico.
Isso significa que o comportamento deverá violar objetiva e inequivocamente as normas jurídicas convocáveis para a resolução da questão em presença.
E essa violação deverá ser consciente por parte do decisor.
Situações poderá haver em que uma pluralidade de decisões se apresenta à consideração do decisor. Nesse caso, dificilmente se admitirá que a assunção de qualquer delas se possa qualificar como decisão contrária ao direito.[1] A incriminação do art 369º do CP exige um comportamento estrita e frontalmente contrário ao direito.
Consequentemente se um comportamento (ato ou omissão) se mostrar como uma atitude defensável ou plausível à luz do conjunto de normas jurídicas convocáveis e perante o quadro fáctico que se apresenta, é de todo inadmissível qualificá-lo como contrário ao direito.
5. O comportamento questionado pela assistente é, como vimos, é omissivo: não ter ordenado, perante a certidão negativa da notificação, a comparência da testemunha em julgamento sob “custódia”.
A decisão pretendida pela ora assistente (a ordem de detenção da testemunha para comparência em julgamento) não era imposta pela lei. A faculdade de fazer comparecer a testemunha “sob custódia”, prevista no nº 4 do art. 508º do CPC[2], pressupõe que a testemunha tenha sido efetiva e regularmente notificada para julgamento. O que não terá sucedido no caso em análise, uma vez que foi lavrada certidão negativa da notificação.
A denunciada, como titular do processo, entendeu dever indagar previamente quais as circunstâncias e os motivos da certidão negativa. Essa decisão mostra-se completamente razoável e a mais adequada. Em caso algum, pode ser rotulada como contrária à lei.
Consequentemente, falha de todo no requerimento para abertura da instrução a indicação do elemento típico central do crime de denegação de justiça e prevaricação: o comportamento violador do direito.
6. Vejamos agora os factos descritos relativos ao crime de favorecimento pessoal.
Nessa parte, a assistente limita-se a afirmar que, com a violação do dever de assegurar a notificação da testemunha, a denunciada prejudicou a autora, ora assistente, e beneficiou o réu naquele processo.
Contudo, há um equívoco base na imputação desse crime. É que o crime previsto no art. 367º do CP tem como bem jurídico a realização da justiça criminal, e só desta. As outras áreas judiciais estão excluídas do âmbito dessa tutela. Este entendimento é inequívoco, face à leitura do preceito.[3]
Ora, o processo em que alegadamente foi praticado pela denunciada o “favorecimento” era uma ação cível, como sabemos.
Consequentemente, logo à partida, nenhum comportamento imputável à denunciada poderia ser subsumido ao crime do art 367º do CP. São portanto irrelevantes as considerações produzidas no requerimento para abertura da instrução nessa parte.
Assim se conclui, como no despacho sob recurso, que o requerimento para abertura da instrução não cumpre os requisitos enunciados no nº 3 do art. 283º do CPP.
7. O despacho recorrido rejeitou o requerimento com fundamento em “impossibilidade legal” da instrução, nos termos do art. 287º, nº 3, do CPP.
Será essa fundamentação a mais adequada?
Maioritariamente tem-se entendido que o incumprimento do nº 3, b), do art. 283º se enquadra na “impossibilidade legal” a que se refere o nº 3 do art. 287º, ambos do CPP: uma impossibilidade legal por falta de um requisito imposto pela lei para a admissibilidade do requerimento (a narração dos factos), ou por tal omissão envolver a prática de um ato inútil, já que a realização da instrução conduziria inevitavelmente a um despacho de não pronúncia[4].
Contudo, esta posição não deixa de suscitar dúvidas. É que a expressão “inadmissibilidade legal”, usada no nº 3 do art. 287º do CPP, aponta para os casos (e apenas esses) em que a lei exclui a própria possibilidade de ser requerida a instrução, expressamente, como acontece nas formas de processo especiais (art. 286º, nº 3, do CPP), ou implicitamente, como sucede quando falta a legitimidade ao requerente, quando a instrução é requerida contra desconhecidos ou contra pessoa ou quanto a factos que não foram investigados no inquérito, ou ainda quando é requerida pelo assistente em crime particular.
Diferente é a situação em que a instrução pode ser requerida, por a lei conceder essa faculdade ao assistente, mas este comete uma nulidade ou irregularidade na formulação do requerimento, como a omissão de descrição dos factos imputados ao arguido.
A falta de cumprimento pelo requerimento de abertura da instrução do nº 3 do art. 283º do CPP constitui um vício equivalente ao da acusação formal que não cumpre esse preceito, dada a já assinalada similitude de funções entre ambos esses atos processuais.
A falta de narração dos factos na acusação (formal) determina a sua nulidade e rejeição, por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311º, nºs 2, a), e 3, b), do CPP. A lei não prevê, porém, as consequências da falta de narração dos factos no requerimento de abertura de instrução. Trata-se de uma lacuna legal, que deverá ser preenchida por recurso à analogia, que não está vedada no caso, pois a analogia só está proscrita em processo penal quando dela resulta o enfraquecimento da posição ou a diminuição dos direitos do arguido, o que não sucede manifestamente na situação em análise.[5]
Há pois que aplicar à situação a mesma norma, ou seja, o citado art. 311º, nºs 2, a), e 3, b), do CPP, devendo consequentemente o requerimento de abertura de instrução ser rejeitado por ser manifestamente infundado.[6]
Assim, quer se enquadre a falta de narração dos factos no requerimento de abertura de instrução nos casos de “impossibilidade legal”, nos termos do nº 3 do art. 287º do CPP, quer se recorra, por analogia, ao art. 311º, nºs 2, a), e 3, b), do CPP, como será em nosso entender mais correto, é incontestável que a rejeição é a consequência inevitável do incumprimento assinalado, não havendo lugar a “convite” para correção ou suprimento da omissão.
Conclui-se pois pela improcedência do recurso.
III. Decisão
Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.
Vai a recorrente condenada em 5 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 19 de junho de 2019
Maia Costa (Relator)
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[1] Ver os acórdãos do STJ de 8.2.2007, proc. nº 4816/06; de 12.7.2012, proc. nº 4/11.8TRLSB.S1; e de 5.4.2017, proc. nº 16/16.5TRLSB.S1.
[2] É o seguinte o texto do preceito: “O juiz ordena que a testemunha que sem justificação tenha faltado compareça sob custódia, sem prejuízo da multa aplicável, que é logo fixada em ata.”
[3] É o seguinte o texto:
“1. Quem, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir atividade probatória ou preventiva de autoridade competente, com intenção ou com consciência de evitar que outra pessoa, que praticou um crime, seja submetida a pena ou medida de segurança, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. Na mesma pena incorre quem prestar auxílio a outra pessoa com a intenção ou com a consciência de, total ou parcialmente, impedir, frustrar ou iludir execução de pena ou de medida de segurança que lhe tenha sido aplicada.”
(…) (Itálico nosso)
[4] Ver nomeadamente os acórdãos do STJ de 12.3.2009, proc. nº 3168/08; de 13.1.2011, proc. nº 3/09.0YGLSB.S1; de 11.12.2012, proc. nº 36/11.6YFLSB.S1; de 12.6.2014, proc. nº 7/14.0YGLSB.S1; e de 11.2.2016, proc. nº 15/14.1YGLSB.S2.
[5] Ver Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições de 1988-9, pp. 68-69.
[6] Neste sentido, ver o acórdão do STJ de 11.1.2017, proc. nº 23615.0TRPRT.S1.