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VERDADE MATERIAL
PROVA INDISPENSÁVEL À DESCOBERTA DA VERDADE DA CAUSA
Sumário
Em processo penal, o Tribunal não tem por obrigação produzir toda a prova da verdade material, para que a decisão se ajuste, tanto quanto possível à realidade dos acontecimentos, só assim se procedendo à boa decisão da causa (artº 340º/1, do CPP). Esse dever implica o recebimento de todos os meios de prova pertinentes, ainda que não constantes dos autos, desde que se afigure que são convenientes, necessários ou indispensáveis à descoberta da verdade e da boa decisão da causa. Não há lugar à aplicação de sanção relativamente às provas que, podendo ter sido arroladas com a contestação, sejam indispensáveis à decisão da causa, porque elas sempre teriam que ser necessariamente produzidas, ou pela via da sua aceitação ou pela via da sua requisição.
Texto Integral
Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal:
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I – Relatório:
No decurso de julgamento a que foi sujeita, a arguida NM… foi condenada na multa de uma uc pela apresentação tardia de documentos.
A arguida recorreu desse despacho, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
« O Tribunal a quo condenou a arguida/recorrente NM…, no pagamento de uma multa, no montante de 1 U.C, ao abrigo do disposto no artº. 423 n°2 do C.P.C., aplicável por força do arts 4 do C.P.P., e no art° 27 nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, pela junção de documentos, tal como consta em Ata de Audiência de Discussão e Julgamento na Sessão, datada a 14-12-2018.
I-O Tribunal a quo admitiu a junção aos autos de documentos que considerou relevantes para a boa decisão da causa, mas sancionou com multa de 1 U.C a apresentação em audiência dos mesmos documentos, por intempestividade e a título de incidente.
II- O art° 340 do C.P.P, não prevê a condenação em multa no caso de formulação intempestiva de requerimento de prova,
III- Por outro lado, o art°27 do RCP, estipula os valores e regula critérios para a fixação da multa nas hipóteses em que a lei processual prevê a condenação em multa ou penalidade de algumas partes ou outros intervenientes, ou a condenação em litigância de má fé (nº 1,2,3 4 do preceito). Para além de proibir a condenação em multa e taxa sancionatória excecional e de regular o recurso da condenação em multa, penalidade e nessa sanção (nº5 e 6).
IV- Acontece que não existe na lei processual penal, norma que comine com multa a apresentação tardia de documentos, á semelhança do que sucede no âmbito da lei processual civil em que se prevê, no arº 423 nº2 do C.P.C, a. admissão de documentos posterior ao momento próprio, com a expressa menção de que a parte e condenada em multa, exceto se provar que os não pode oferecer com o articulado.
V- Porquanto, o artº 165 do CP.P., estabelece as condições a observar quarto à junção de documentos, e nenhuma referencia faz à possibilidade de penalizado pela apresentação tardia e não justificada dc documento. Para além disso tratando-se - como se trata.-de junção de documentos no decurso da audiência de Julgamento esta norma tem que ser vista em intima articulação com os princípios gerais reguladores da produção de prova em audiência, designadamente o princípio da verdade material consagrado pelo artº 340º do CP.P.
VI- E então das duas uma: se o documento é relevante para a descoberta da verdade deve ser junto aos autos a) pela parte sem penalização, ou b) por determinação do Tribunal nos termos do artº 340 do CP.P.
Se o documento não é relevante deve ser desatendido o pedido de junção feito pela parte.
VII- Neste âmbito a apresentação intempestiva de documentos por referência ao preceituado no artº 165 do CP.P. fica sujeito ao regime geral previsto para a formulação de qualquer requerimento de prova intempestivo, onde não tem assento a imposição de multa.
A única consequência para a apresentação tardia e injustificada de documentos, é o indeferimento, o que não foi o caso.
VIII- O Processo Penal deve assegurar todas as garantias de defesa, nos termos do artº 32 da C.R.P.
IX- Entende-se que o Tribunal à quo, incorre em erro na interpretação e aplicação das normas constantes dos art°s 165, 340, 511º do CP.P-, bem como art-423 nº:2 do C.P.C, assim como nos art°s 7 , 8º, 27º do RCP.
Violando todas estas normas, com a sua aplicação, neste caso concreta, de uma forma errada.
X- Com efeito, tendo em consideração a filosofia e axiologia subjacente ao processo penal, onde pontificam o valor da Liberdade e princípios da verdade material e da investigação com vista à boa decisão da causa, não se justifica qualquer condenação em multa no caso de aquisição de documento no decurso da audiência e respectiva admissão por o Tribunal o ter considerado necessário à descoberta da verdade. Neste sentido vide Ac. TRP de 03-11-2010, disponível em wwv dgsi.rct
XI- Por outro lado o despacho de que ora se recorre, quebra o princípio de igualdade de armas, pois o Ministério Público, em situação idêntica está isento do pagamento de multa – artº 522 n-1 do C.P.P,
XII- Assim sendo, deve ser revogado o despacho que condenou a arguida/recorrente no pagamento da multa em 1 U.C, e incidente suscitado [artº 27 nº 1 do RCP), porquanto os documentos por si apresentados no decurso da audiência de julgamento foram aceites em juízo, a coberto do disposto no artº 340 do C.P.P., Não devendo por isso, ser sancionado quem, afinal se bate pela consecução da verdade material.
Nestes termos, e nos demais de direito, deve o recurso merecer provimento por provado, e como consequência ser revogado o despacho recorrido de condenação da arguida em multa, por intempestiva apresentação de documentos.
Decidindo-se assim far-se-á a Costumada Justiça
Normas legais violadas:
- Artº 340º do C.P.P.
- Artº 32º do C.R.P.
- Artº 165º do C.P.P.
- Artº 515º do C.P.P.
- Artº 27º nº 1 RCP
- Artº 423º do C.P.C».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos:
« - O despacho ora impugnado sancionou com a aplicação de multa a junção tardia e injustificada de documentos que a recorrente sempre teve na sua posse e disponibilidade;
- tal viola o espirito da lei devendo tal acto ser censurado através da aplicação subsidiária do disposto nos artigos 423.° do Código de Processo Civil e 27° n°1 do Código das Custas Judiciais, ex vi do artigo 4.° do CPP.
Pelo exposto entende-se que o despacho ora impugnado não viola qualquer dispositivo legal.».
Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto declarou a sua adesão à contra-motivação.
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II- Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pela recorrente é a legalidade do despacho recorrido.
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III- Fundamentação de facto: Há que considerar que:
1- No decurso da audiência a recorrente requereu a junção de documentos aos autos.
2- Tal junção não teve oposição do MP nem demais mandatários.
3- Consta da acta que «Seguidamente e, ao abrigo do disposto no art° 340.º n.º 4, al a), do C.P.P., admitindo-se eventual pertinência para a decisão a proferir, por DESPACHO, o Mm° Juiz Presidente admitiu a junção aos autos, dos documentos apresentados pela arguida NM…, constantes de fts. 765 verso a 777, juntos aos autos em 08 de Dezembro de 2018, e ainda dos documentos de fls. 780 verso e 781, apresentados cm 09 de Dezembro de 2018.
Estes documentos destinam-se a contrariar factos constantes da acusação, de que a arguida NM… há muito tem conhecimento e, por outro lado, a arguida limitou-se a alegar conclusivamente só ter sido possível proceder agora á junção dos referidos documentos. Nesta medida, e pela junção tardia destes meios de prova, por DESPACHO, o Mm° Juiz Presidente, condenou a arguida NM… ao pagamento de multa, no montante de 1 UC, ao abrigo do disposto no artº 423 º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 4º. do Código do Processo Penal, e no artº 27.°, nº 1. do Regulamento das Custas Processuais».
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IV- Fundamentos de direito:
A questão aqui em causa é saber se o disposto no artigo 423º/2, do CPC, é aplicável em processo penal.
Sobre a oportunidade da junção de prova documental regula o artigo 165º/1, do CPP, estipulando que «o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência».
Em processo penal, o Tribunal não está limitado à prova trazida a juízo pelos intervenientes processuais mas, antes pelo contrário, tem por obrigação produzir toda a prova da verdade material, para que a decisão se ajuste, tanto quanto possível à realidade dos acontecimentos, só assim se procedendo à boa decisão da causa (artº 340º/1, do CPP). E esse dever implica o recebimento de todos os meios de prova pertinentes, ainda que não constantes dos autos, desde que desses se afigure que são convenientes, necessários ou indispensáveis à descoberta da verdade e da boa decisão da causa.
O despacho recorrido não qualifica a prova cuja junção se requereu, no âmbito da tripartição de que acima se fala. Disse apenas que a prova se destinava a contrariar factos constantes da acusação.
A acusação é a peça fulcral de todo o processo, na medida em que define quais os factos que podem ser objecto de julgamento, na medida em que vigora, no nosso processo penal, o princípio da vinculação temática do acusatório.
Da acusação devem constar apenas factos com interesse para a decisão da causa sejam eles relativos à subsunção da conduta do agente a um determinado tipo criminal ou às circunstâncias em que aqueles ocorreram (artigo 283º/b) do CPP).
Assumindo o Tribunal que os documentos visavam contrariar factos essenciais para a imputação do crime tem que se assumir que esses documentos são meios de prova indispensáveis à descoberta da verdade (artigo 340º/4-a), do CPP).
Ora o arguido não tem o dever de colaborar com a acusação. À acusação cabe a prova da existência do crime e nada impede que o arguido se limite aos actos que, em determinada altura, considera satisfatórios à sua defesa. Não tem obrigação de esgotar a sua defesa nem em sede de inquérito nem de instrução. E tem o direito de se defender de modo adequado à contradição da prova produzida em julgamento.
O exercício de tal direito pode determinar a necessidade de jogar mão de provas que até ali tenha julgado dispensáveis a essa defesa. E, na conformidade, deverá apresentá-las e o Tribunal aceitá-las, na prossecução do objectivo da descoberta da verdade material.
Aqui entra a distinção que o Tribunal terá que fazer, relativamente ao conteúdo das provas apresentadas nestes termos. E, claramente, o artigo 340º/4, do CPP impõe a admissão de provas indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa, em cujo âmbito temos que entender que se situa a prova oferecida pela arguida.
Assim sendo, não há lugar a qualquer sanção relativamente às provas que, podendo ter sido arroladas com a contestação, sejam indispensáveis à decisão da causa, porque elas sempre teriam que ser necessariamente produzidas, ou pela via da sua aceitação ou pela via da sua requisição.
Em face do exposto, declara-se a procedência do recurso, revogando a multa de uma uc em que a arguida foi condenada.
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VI- Decisão:
Acorda-se, pois, concedendo provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida que condenou a arguida na multa de uma uc pela apresentação tardia de documentos.
Sem custas
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Lisboa, 24/ 04/2019
Texto processado e integralmente revisto pela relatora.
Maria da Graça M. P. dos Santos Silva
A.Augusto Lourenço
[1] Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em B.M.J. 477º-271. [2] Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.