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CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
FACTURAS
PAGAMENTO
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
Sumário
- Celebrado um contrato de prestação de serviços e fornecimento de bens não pode a parte demandada ser condenada no pagamento de facturas, respeitantes a alegados serviços prestados e fornecimento de bens, em data anterior à data da celebração do contrato, sob pena de nulidade ( objecto diverso do pedido ).
Texto Integral
Acordam na 8ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa
A [ …. Metalúrgica & Metalomecânica, Unipessoal, Lda. ] , demandou B [ ……Serralharia de Ferro e Alumínios, Lda. ] , pedindo a sua condenação a pagar à autora a quantia de € 25.104,78 (K - € 20.445,83, juros - € 4.405,95 e outras quantias - € 100,00), relativa ao fornecimento de bens ou serviços, no período de 10/10/2017 a 30/9/2018.
Alegou, para tanto, ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços e fornecimento de bens, em 10/10/17, no âmbito do qual foram prestados os trabalhos solicitados e bens, os quais não foram objecto de qualquer reclamação.
Emitidas as facturas, com datas de 31/3/2015 a 28/9/2018, nada tendo sido pago até hoje.
Descriminou as facturas – data da sua emissão e valor correspondente, tendo referido no requerimento “que as restantes (facturas) serão descriminadas em requerimento a juntar por falta de espaço de caracteres neste documento”.
A ré, na oposição, excepcionou a ineptidão da p.i. por falta de causa de pedir – bens e serviços não estão minimamente descriminados, tendo a requerente no fim do seu requerimento, mencionado descriminar a posteriori –, impugnou a existência do contrato, concluindo pela absolvição da instância – fls. 3v e sgs.
Posteriormente, a requerente juntou o extracto da conta corrente, sem prejuízo de junção das facturas mencionadas, em sede de audiência de julgamento – fls. 6v e 8.
Em sede de audiência foram juntas as facturas mencionadas no requerimento inicial, extracto da conta corrente e comunicações efectuadas entre as partes – fls. 16 a 79.
Na audiência de julgamento, estavam presentes as partes e os respectivos mandatários – fls. 80/81.
Foi proferida sentença que, julgando improcedente a excepção de ineptidão da p.i., e procedente a acção, condenou a requerida no pagamento à requerente de € 20.445,83, acrescido de juros de mora comerciais, à taxa legal, vencidos sobre cada uma das parcelas (por referência à data de vencimento de cada uma das facturas) e vincendos, até integral e efectivo pagamento – fls. 80 e sgs.
Inconformada a requerida apelou, formulando as seguintes conclusões:
a) A sentença recorrida baseia-se na existência de um requerimento complementar ao requerimento injuntivo, que, contudo, nunca foi notificado à Recorrente, a qual ainda no presente momento desconhece o seu conteúdo;
b) Padecendo, por isso, a sentença recorrida de nulidade por violação do princípio do contraditório;
c) A sentença recorrida condenou com base em factualidade diversa da constante do requerimento injuntivo, porquanto neste era invocado ter sido celebrado um contrato de prestação de serviços e fornecimento de bens e, na sentença recorrida foi decidido que a Recorrida forneceu à Ré diversos bens e prestou-lhe diversos serviços, no período de 31.03.2015 a 28.09.2017;
d) No requerimento injuntivo não eram identificados todos os contratos/facturas, bem como os serviços, bens fornecidos e trabalhos efectuados não eram minimamente descritos;
e) Sendo indubitável a falta de causa de pedir para o pedido efectuado de condenação da Recorrente em € 20.445,83 a título de capital e juros no montante de € 4.405,95;
f) Padecendo, a petição de ineptidão – art. 186/2 a) do CPC, devendo a Recorrente ser absolvida da instância.
g) Assim, deve o recurso ser julgado procedente e, consequentemente a requerida absolvida da instância.
Não foram deduzidas contra-alegações. Factos que a 1ª instância considerou assentes:
1 - No âmbito da sua actividade, a Autora forneceu à Ré diversos bens e prestou-lhe diversos serviços, a pedido desta, tudo como discriminado e com os preços constantes das seguintes facturas, que foram recepcionadas por esta:
[Número de factura] [Data] [Valor em dívida (em €)]
- FA 203 2015 31-03-2015 1.197,77
- FA 271 2015 14-05-2015 1.564,81
- FA 362 2015 29-05-2015 1.551,15
- FA 457 2015 30-06-2015 835,79
- FA 481 2015 10-07-2015 356,70
- FA 502 2015 17-07-2015 410,21
- FA 516 2015 23-07-2015 345,02
- FA 539 2015 31-07-2015 457,56
- FA 561 2015 10-08-2015 316,73
- FA 577 2015 04-09-2015 30,75
- FA 598 2015 15-09-2015 373,92
- FA 624 2015 23-09-2015 338,25
- FA 632 2015 25-09-2015 1.091,63
- FA 642 2015 30-09-2015 46,13
- FA 678 2015 09-10-2015 381,61
- FA 697 2015 21-10-2015 402,83
- FA 742 2015 30-10-2015 282,90
- FA 736 2015 30-10-2015 304,43
- FA 810 2015 25-11-2015 424,35
- FA 827 2015 26-11-2015 640,83
- FA 848 2015 30-11-2015 73,80
- FA 906 2015 23-12-2015 354,86
- FA 907 2015 23-12-2015 870,23
- FA 908 2015 23-12-2015 1.642,05
- FA 28 2016 15-01-2016 1.603,31
- FA 86 2016 05-02-2016 686,96
- FA 100 2016 17-02-2016 250,92
- FA 118 2016 19-02-2016 709,71
- FA 140 2016 29-02-2016 147,60
- FA 162 2016 08-03-2016 107,63
- FA 215 2016 24-03-2016 333,58
- FA 236 2016 31-03-2016 492,00
- FA 257 2016 07-04-2016 113,78
- FA 375 2016 12-05-2016 67,65
- FA 420 2016 30-05-2016 64,58
- FA 446 2016 08-06-2016 485,85
- FA 467 2016 15-06-2016 55,35
- FA 581 2016 27-07-2016 195,57
- FA 582 2016 27-07-2016 36,90
- FA 643 2016 13-09-2016 79,95
- FA 853 2016 18-11-2016 233,70
- FA 854 2016 22-11-2016 83,03
- FA 868 2016 24-11-2016 145,14
- FA 889 2016 29-11-2016 73,80
- FA 461 2017 27-06-2017 46,13
- FA 465 2017 29-06-2017 30,75
- FA 484 2017 06-07-2017 36,90
- FA 676 2017 28-09-2017 70,73.
b) As facturas venceram-se nas datas elencadas.
c) Até hoje, a Ré não pagou os mencionados valores.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As questões a decidir - arts. 639 e 640 CPC - consistem em saber se há lugar:
a) Ineptidão da p.i (falta de causa de pedir)
b) Nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório
c) Nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido
Vejamos, então:
Antes de nos pronunciarmos sobre as questões colocadas, ex vi art. 662 CPC, aditam-se os seguintes factos, constantes do requerimento de injunção, sob as alíneas:
d) – O contrato de fornecimento de bens e serviços foi celebrado, em 10/10/17.
e) Período a que se refere o contrato – 10/10/17 a 30/9/18
a) Ineptidão da p.i
A palavra “excepção” tem sido empregue, quer na doutrina, quer na jurisprudência, quer na técnica legislativa, em várias acepções.
Em sentido mais amplo designa todo e qualquer meio de defesa do réu.
Em sentido mais restrito, compreende somente a defesa indirecta, mediante a alegação de qualquer facto impeditivo ou extintivo, como a excepção de simulação, de pagamento, de novação, de prescrição.
Em sentido ainda mais restrito, significa a alegação de factos impeditivos ou extintivos de que o juiz só pode conhecer se forem opostos pelo réu, como a prescrição, a incapacidade, o erro, o dolo, a coacção – cfr. A. Reis CPC Anotado, 3ª ed., vol. III, arts. 490 sgs.
Da análise dos arts. 571, 576 a 580 CPC, verificamos que a nossa lei processual usa a palavra excepção num sentido amplo; o nosso código usa o termo tanto para abranger os factos de carácter substancial como os de carácter meramente processual sendo que, segundo a nossa lei, as excepções compreendem tanto os factos de que o juiz só pode conhecer mediante alegação do réu, como os que ele pode invocar oficiosamente.
As excepções dilatórias não exercem influência alguma sobre o mérito da causa, conduzindo à absolvição do réu da instância, assentando sobre factos processuais, incumbindo ao juiz o conhecimento de quase todas as excepções dilatórias e de algumas peremptórias.
O que se discute nestes autos é o cumprimento de uma obrigação emergente de uma transacção comercial, de valor superior à alçada da Relação.
Quer na oposição, quer na sua alegação de recurso, a requerida defendeu a nulidade do processo – ineptidão da p.i. - com fundamento na falta de causa de pedir (excepção dilatória) – art. 186/1 e 2 a) CPC.
O tribunal a quo pronunciou-se no sentido da improcedência da ineptidão com fundamento no facto de ambos os requerimentos (requerimento inicial e complementar) consignarem cada uma das facturas e o respectivo valor, mencionando inexistência de violação do princípio do contraditório relativamente ao requerimento complementar – fls. 82/83.
É nulo todo o processo quando for inepta a p.i – art. 186/1 CPC.
É inepta a p.i. quando falte ou seja ininteligível … a causa de pedir – nº 2 a) cit. art.
Desconhecendo-se a causa de pedir, ou seja, qual o acto ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido, i. é, o fundamento da acção – art. 581/4 CPC - a p.i. é inepta.
O autor tem que alegar os factos que suportam o seu pedido, tem que especificar a causa de pedir, indicar a fonte desse direito, o facto ou acto que, no seu entender, o direito procede.
Esta nulidade tem lugar por omissão - a p.i. é totalmente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede - ou por obscuridade - a exposição do acto ou facto, fonte do pedido são de tal forma confusos, ambíguos ou ininteligíveis que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir.
A causa de pedir reporta-se ao facto jurídico concreto de que emerge o direito e não já ao facto jurídico abstracto, porquanto este não pode gerar o direito, tratando-se de uma abstracção, sem existência real - cfr. A. Reis CPC Anot., vol I, e Comentário ao CPC, vol. II- 359 e segs., Coimbra Editora.
O arts. 6/2 e 411 CPC (do poder de direcção do processo que incumbe ao juiz e do princípio do inquisitório) estipula que: “O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los”.
Refere ainda o art. 590/1 CPC que: “Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a: a) providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias, nos termos do art. 6/2, b) convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos nºs seguintes”.
No domínio da aplicação do CPC emergente da Reforma de 1995 - DL 329-A/95 de 12/12 e Lei 41/2013 de 26/6 – o legislador privilegiou a obtenção de uma decisão de fundo, que aprecie o mérito da pretensão deduzida, em detrimento de procedimentos que condicionam o normal prosseguimento da instância.
Pode ler-se no preâmbulo do DL cit. que: “importa consagrar, como regra, que a falta de pressupostos processuais é sanável”, prescrevendo-se “a possibilidade de sanação da falta de certos pressupostos processuais para além de expressamente se consagrar, como princípio geral, que incumbe ao juiz providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias susceptíveis de sanação, praticando os actos necessários à regularização da instância”, prevendo-se a “possibilidade de sanação da falta de certos pressupostos processuais, até agora tida como insanável”, e procurando, por outro lado, “obviar-se a que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio”.
“Uma das situações em que não é passível de suprimento é a da ausência de alegação da matéria de facto que se traduza na falta de indicação da causa de pedir, a qual, constituindo uma nulidade absoluta e que afecta todo o processo – art. 186/1 CPC -, é simultaneamente uma excepção dilatória típica – art. 577/1 b) CPC – emergindo da falta de um verdadeiro pressuposto processual formado pela necessidade de conformação do objecto do processo, que é indubitavelmente dever do autor.
É que, “tratando-se de vícios que afectam todo o processo, reconduzidos a uma excepção dilatória típica…a única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuações processuais decorre do art. 186/3 CPC. No que concerne às demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo ao juiz empreender qualquer diligência nesse sentido, face ao disposto no art. 6/2. Aliás, no tocante à ineptidão derivada da falta de causa de pedir, a limitação dos poderes do juiz – e do autor – emerge, desde logo, do disposto no art. 590/5 CPC, norma segundo a qual a alteração da matéria de facto está condicionada pelo disposto no art. 265 CPC.
Com a figura da ineptidão inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o tribunal seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de um pedido e de uma causa de pedir, ou de um pedido ou de uma causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis, visto só dentro dessas balizas se mover o exercício da actividade jurisdicional declaratória do direito.
O autor terá que formular na p.i. um pedido inteligível, quanto ao objecto mediato e imediato, indicando o facto genético do direito ou da pretensão que pretende fazer valer, não lhe sendo, todavia, exigido que faça, desde logo, uma exposição completa do elemento factual. Verdadeiramente só haverá falta de indicação de causa de pedir determinante da ineptidão quando, de todo em todo, falte a indicação dos factos invocados para sustentar a pretensão submetida a juízo, ou seja, quando se não puder determinar, em face do articulado do autor, qual o pedido e a causa de pedir por falta absoluta da respectiva indicação ou por ela estar feita em termos inaproveitáveis por insanáveis ou contraditórios. Se essa indicação existe, embora seja insuficiente, irregular ou deficiente, susceptível de comprometer o êxito da acção, não ocorre o vício da ineptidão, podendo o juiz convidar o autor a completá-la ou a corrigi-la, apresentando uma nova em prazo fixado” – cfr. AC STJ de 30/4/03, relator Araújo de Barros, in www.dgsi.pt.
Com esta acção a autora pretende ser ressarcida do fornecimento de bens e serviços por si prestados à ré e não pagos.
Socorrendo-se do processo de injunção - DL 269/98 de 1/9, relativo ao cumprimento de obrigações pecuniárias – preencheu o respectivo requerimento - nele mencionou o fornecimento de bens e serviços, solicitou o pagamento de uma determinada quantia (somatório das facturas), acrescida dos juros vencidos/vincendos e enunciou as facturas – alegando, in fine, “que as restantes (facturas) serão descriminadas em requerimento a juntar por falta de espaço de caracteres neste documento”, o que veio a fazer em sede de audiência de julgamento.
Na p.i o autor exporá sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos, devendo expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão - art. 1/1 e 10/2 d) DL cit.
Por seu turno a ré, na oposição, impugnou a celebração do contrato e arguiu a excepção dilatória de ineptidão da p.i.
Apesar da p.i, não ter sido mais minuciosa – exposição mais pormenorizada dos factos que fundamentam a sua pretensão, nomeadamente, referir quais os bens e serviços contratados, fornecidos e não pagos, a que se reportavam as facturas -, não olvidando, que a injunção traduz uma nova forma de procedimento especial para a exigência do cumprimento de obrigações pecuniárias, obedecendo o requerimento a uma determinada forma – no entanto, certo é, que a ré interpretou convenientemente a petição, impugnando a existência do contrato (não celebração) e, consequentemente, não ser devido o valor das facturas.
Acresce, que em sede de audiência foram apresentadas as facturas protestadas juntar, bem como o extracto de conta (no qual estão elencadas as facturas enumeradas no extracto constante do requerimento complementar), tendo a ré, devidamente patrocinada, tomado conhecimento dos documentos em questão.
Destarte, falece a pretensão da ré – nulidade da p.i. com fundamento na ineptidão da p.i, por falta de causa de pedir – quando, na oposição, demonstrou ter interpretado convenientemente a p.i, ex vi art. 186/3 CPC.
b) Nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório
Defende a requerida a nulidade da sentença com fundamento na violação do princípio do contraditório porquanto, não tomou conhecimento do requerimento complementar por não lhe ter sido notificado.
O art. 3/3 CPC surgiu com a reforma do CPC introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 constando do preâmbulo que: “Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem…”
Dispunha o art. que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”.
Com o DL 180/96 de 25/9, substituiu-se a expressão “agindo com a diligência devida”, pela de “salvo manifesta desnecessidade”, passando a ter a seguinte redacção: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
A substituição da expressão “agindo com a diligência devida” pela de “manifesta desnecessidade”, não significa, face aos princípios gerais que enformam o nosso código, que tivesse aliviado as partes de usarem a diligência devida para alcançarem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão que virá a ser tomada – cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, I - 33 e Abílio Neto – anot. ao art. 3; Lebre de Freitas, CPC Anot., I-9.
Daqui decorre que o Tribunal não deve apenas assegurar que seja cumprido o princípio do contraditório, no sentido do atempado e recíproco conhecimento dos actos processuais e das questões suscitadas como deve o Tribunal, ele próprio, observá-lo.
Estabeleceu-se um dever do Tribunal em cada momento do decurso do processo decidir questões de facto ou de direito, ainda que cognoscíveis ex officio, após ter facultado a respectiva pronúncia às partes, salvo em caso de manifesta desnecessidade.
A reforma de 96, reforçou o princípio da audição complementar das partes nas questões que o juiz oficiosamente entenda decidir, no entanto, subjacente às mesmas existe um núcleo essencial – a audição e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando surjam questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, na decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, mantendo-se a mesma linha de orientação no actual CPC (Lei 41/2103 de 26/6).
Na nossa lei existem muitos preceitos que apontam para a ideia de que após a discussão – factual e jurídica – se sucede a apreciação e decisão pelo tribunal, deixando a convicção de que, quanto a esta, o tribunal decide – aproveitando ou não o teor dessa discussão – sem que se abra nova disputa, ainda que situada em campo diferente.
Vejam-se os arts. 5 – “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito…” - 607 – “concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo concluso ao juiz, que proferirá a sentença dentro de 30 dias” - 607/3 – “seguem-se os fundamentos da sentença devendo o juiz …interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” - e 639/2 “enquanto impõe ao recorrente que indique as normas jurídicas violadas e o sentido como devem ser interpretadas e aplicadas sem que se preveja que constitua deficiência a omissão do que vier a ser relevante na decisão”.
De ressalvar, que o princípio segundo o qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação do direito – art. 5 CPC – deve ser compatibilizado com as proibições absolutas das decisões surpresa – art. 3/3 CPC – devendo, antes da prolação da sentença, ser facultado às partes o exercício do contraditório, sempre que a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a um determinado instituto não correspondam à previsão das partes, expressa ao longo do processo – cfr. Lopes do Rego – ob. cit. e Abílio Neto – anotação ao art. 664 CPC, CPC Anot., 20ª ed. – 901.
Daqui se extrai, que o princípio do contraditório deve ser observado – facultar a pronúncia das partes -, salvo em caso de manifesta desnecessidade.
Não obstante o alegado pela apelante (não notificação do requerimento complementar), conforme referido supra, em sede de julgamento, que teve lugar, em 7/3/19, foram apresentados documentos pela apelada (facturas e extracto), sendo que no extracto se encontram elencadas as facturas referidas no requerimento suplementar cuja falta de notificação é agora suscitada.
A apelante tomou conhecimento dos mesmos, através do seu mandatário, sem que tenha requerido ou suscitado qualquer nulidade, nomeadamente, a omissão de notificação do requerimento complementar, só vindo a fazê-lo em sede recursória, i. é, em 12/4/19.
A sentença foi prolatada, em 7/3/19.
Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa - art. 195/1 CPC.
O prazo para a sua arguição é de 10 dias (art. 149 CPC), estabelecendo o art. 199 CPC a regra geral sobre o prazo da sua arguição – Se a aparte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto ao acto não terminar; se não estiver, o prazo conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
In casu, face ao extractado supra, admitindo-se que a apelante só, em sede de julgamento (2ª audiência agendada), tomou conhecimento da não notificação do requerimento complementar, (a audiência fora adiada uma vez, adiamento esse em que esteve presente o mandatário da apelante - fls. 14), deveria, agindo com a devida diligência, ter arguido de imediato a nulidade ou dentro dos 10 dias facultados pela lei.
Assim, tendo em conta as datas de audiência e interposição de recurso – 7/3/19 e 12/4/19, respectivamente – precludida está a arguição da nulidade.
Destarte, falece a pretensão da apelante.
c) Nulidade da sentença por condenação em objecto diverso do pedido
Sustenta o apelante a nulidade da sentença porquanto esta condenou em objecto diverso do pedido uma vez que no requerimento injuntivo foi invocado um contrato de prestação de serviços e fornecimento de bens e na sentença foi decidido que a apelada forneceu à apelante diversos bens e prestou-lhe diversos serviços, no período de 31/3/2015 a 28/9/2017.
A sentença do juiz deve corresponder à acção, i. é, deve pronunciar-se sobre tudo o que se pedir e só sobre o que for pedido, tomando por base todos os elementos de facto que forem fornecidos pelas partes – art. 608 CPC.
O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes.
Aos limites da actividade de conhecimento fixados no art. 608 CPC acrescem os limites do poder de condenação constantes no art. 609 CPC.
“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” – art. 615/1 e) CPC.
Ao juiz também está vedado, na decisão que proferir sobre as questões suscitadas pelas partes, ultrapassar em quantidade e em qualidade, os limites constantes dos pedidos formulados pelas partes.
Se o autor pede a condenação do réu a pagar-lhe 200,00 euro, o juiz não pode condená-lo a pagar 300,00 euro, ainda que nos autos exista prova de que o réu deva ao autor 500,00 euro; pode condenar em menos mas nunca em mais (quantidade).
Se o autor pede que o juiz condene o réu a pagar-lhe uma quantia certa, 500,00 euro, o juiz não pode condenar o réu a prestar um facto ou a entregar-lhe determinada coisa (não pode modificar a qualidade).
Se a sentença infringir este preceito a consequência é a sua nulidade – art. 615/1 CPC.
In casu, a apelada alicerçada no contrato de fornecimento de bens e serviços, celebrado, em 10/10/17, pelo período 10/10/17 a 30/9/18, solicitou o pagamento das facturas descriminadas.
A sentença condenou a ré/apelante no pagamento à autora da quantia peticionada sustentada nos diversos serviços prestados e fornecimento de bens, no período de 31/3/2015 a 28/9/2017.
Ora, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir constata-se que a decisão condenou em objecto diverso do pedido pelo que é nula.
Na verdade, face aos factos apurados – contrato de prestação de serviços celebrado, em 10/10/17, pelo período compreendido entre 10/10/17 e 30/9/18 e a data aposta nas facturas, entre 31/3/2015 e 28/9/17, verifica-se que as datas apostas nas facturas pelos fornecimento dos alegados bens e serviços prestados não se subsumem ao alegado pela autora/apelada na sua p.i., ou seja, as datas apostas nas facturas são anteriores à celebração do contrato e período de vigência.
Destarte, não pode a apelante ser condenada no pagamento de facturas, respeitantes a serviços prestados e bens fornecidos, em data anterior à celebração do contrato. Concluindo:
- Celebrado um contrato de prestação de serviços e fornecimento de bens não pode a parte demandada ser condenada no pagamento de facturas, respeitantes a alegados serviços prestados e fornecimento de bens, em data anterior à data da celebração do contrato, sob pena de nulidade (objecto diverso do pedido).
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, consequentemente, revogando-se a sentença, absolve-se a apelante B do pedido.
Custas pela apelada.
Lisboa, 4 de JULHO de 2019
Carla Mendes
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes