PEDIDO DE ELEMENTOS POR PARTE DA ADC
DIREITO À NÃO AUTO INCRIMINAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
TRIBUNAL DA CONCORRÊNCIA
REGIME DA CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Sumário

I - As remissões realizadas na sentença para decisões estranhas ao processo não disponíveis para consulta não constituem qualquer nulidade desde logo porque a decisão basta-se a si própria, tem argumento próprios e não por remissão, os quais foram apreendidos e rebatidos pela recorrente no seu recurso.
II - O pedido de elementos por parte da AdC não constitui violação do princípio da não auto incriminação, princípio nemo tenetur se ipsum accusare, porquanto "a protecção constitucional atribuída ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare não goza de carácter absoluto, sendo possível a sua compressão em caso de conflito com valores constitucionalmente protegidos cuja defesa assuma particular prevalência no caso concreto" .
No âmbito da concorrência assume especial relevo a jurisprudência do TJCE, a qual tem contribuído para a concretização do alcance do direito à não auto-incriminação no cumprimento de deveres de colaboração para a defesa da integridade dos mercados, conforme os existentes relativamente à Comissão nos termos do disposto no art. 105° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao art. 85° do Tratado da Comunidade Europeia), aliado ao regime previsto no Regulamento n.° 1/2003.
III - Não há lugar á aplicação subsidiária do regime da constituição de arguido previsto em processo penal, nem existe qualquer nulidade decorrente da não constituição da recorrente como visada.
IV - Verifica-se omissão de pronúncia, que constitui nulidade, quando o Tribunal não se pronuncia sobre uma questão (e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente) que tenha sido suscitada ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir.

Texto Integral

Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

SB… Bebidas, SA. veio interpor recurso da sentença de 24 de janeiro de 2019 que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial de medidas administrativas interposto pela aqui recorrente, absolvendo a AC… AdC do pedido de declaração de invalidade e nulidade da decisão por si proferida, constante de fls. 363 e ss. de 03-08-2018, Ofício S-AdC/…/… no âmbito do processo PRC…/….
Notificada para juntar Conclusões dado que as que havia oferecido, além de prolixas, reproduziam as extensas motivações, veio a recorrente apresentar novas conclusões, que, não obstante se mostrarem longas e não sintéticas como se pretende, são compreensíveis, razão pela qual se admitem.
As CONCLUSÕES apresentadas são do seguinte teor:
1.  A aqui Recorrente apresentou impugnação judicial relativa a decisão interlocutória proferida pela Recorrida, tendo, no momento oportuno, requerido a produção de prova através da inquirição das testemunhas por si arroladas.
2. Em momento anterior à realização da audiência de julgamento, mas já após o seu agendamento, foi a Recorrente surpreendida pelo Despacho proferido pelo Juiz a quo, no qual o mesmo indefere a produção de toda a prova indicada pela Recorrente e, de moto próprio, sem que nada o fizesse prever, determina a inquirição de duas testemunhas que colaboram com a Recorrida para provar factos do conhecimento da Recorrente.
3. Notificada do despacho, a Recorrente apresentou requerimento aos autos no qual arguia:
(i)    A irregularidade do despacho por falta de fundamentação;
(ii)   A irregularidade do despacho face ao indeferimento da prova arrolada pela Recorrente; e
(iii) A inadmissibilidade da produção de prova oficiosamente determinada.
4.    No início da audiência de julgamento, foi proferido despacho que indefere as irregularidades arguidas e é, também, com este despacho que a Recorrente não pode, de todo em todo, concordar. Senão vejamos:
 5.    A aqui Recorrente havia sido notificada para indicar a matéria a que iriam ser prestados os depoimentos das testemunhas por si indicadas,
6.     Tendo, nessa sequência, indicado que os depoimentos recairiam sobre dois factos que a Recorrente reputava controvertidos – cfr. p. 24 da motivação.
7.     Da análise do despacho que indefere a produção de prova da Recorrente, com facilidade se verifica que o Tribunal a quo apenas se debruçou sobre um dos factos controvertidos,
8.     E ainda quanto àquele que se pronunciou fê-lo de forma sintética, e sem qualquer fundamentação jurídica quanto aos motivos subjacentes para o indeferimento da prova.
9.     Não se tendo pronunciado sobre a necessidade de produção de prova sobre o segundo dos factos controvertidos invocados pela Recorrente, ou seja, quanto à perturbação da laboração normal da Recorrente com a consequente afetação da sua atividade.
10.  Pelo que padece o despacho em crise de manifesta irregularidade por violação do n.º 5 do artigo 97.º do CPP, devendo a mesma ser declarada e, bem assim, revogado o despacho em causa e ser proferido outro que defira a produção de prova requerida pela Recorrente e relativamente aos dois factos controvertidos – cfr. pp. 32 e 33 da motivação.
 Mais ainda,
11.   Não contendo o referido despacho a indicação do motivo que leva ao indeferimento de tal prova, encontra-se, desta forma, violado o disposto no n.º 4 do artigo 340.º do CPP, aplicável por remissão do artigo 283.º do mesmo diploma legal.
12.   Entende a Recorrente, ao contrário do Tribunal, que aquele artigo tem que ter aplicação, sendo que o n.º 2 do artigo 72.º do RGCO apenas dá o poder ao Juiz de delimitar o âmbito da prova e não de a selecionar – cfr. pp. 36 a 40 da motivação
13.  Mais se refira que o meio de prova não é inadequado ou dilatório, na medida em que, conforme se explicitou ao Tribunal, é a única forma de provar que os colaboradores foram chamados às instalações da Recorrente e que a normal laboração desta foi perturbada com a realização das diligências de busca e apreensão por um período de 10 dias, não sendo também de obtenção impossível ou muito duvidosa.
14.  Claro está, conforme se adiantou na motivação do presente recurso (pp. 46 a 54), os factos em discussão não são estranhos ao objeto do processo – sendo o seu cerne –, nem foram já objeto de apreciação uniforme pelos tribunais,
15.  Refira-se ainda que, caso o Tribunal assim entendesse – isto é, tivesse qualificado aqueles factos como factos já provados, supérfluos ou irrelevantes – não teria sentido a necessidade de oficiosamente determinar a inquirição de duas testemunhas.
16.  Nem faria sentido a determinação de produção de qualquer prova sobre os factos em exame, fosse esta a prova oficiosa ou a prova requerida pela Recorrente.
17.  Assim, não cabendo a prova indicada pela Recorrente, em qualquer uma das previsões legais que permitem o seu indeferimento, está o despacho proferido ferido de irregularidade,
18.   Devendo ser substituído por outro que determine a inquirição das testemunhas indicadas pela Recorrente.
19.   Certo é que o momento em que tal decisão foi tomada não é o indicado para o efeito, sendo que tal determinação de produção de prova apenas poderia ocorrer em sede de Audiência de Julgamento.
20.  Isto porque, o Tribunal pode ordenar oficiosamente a produção de prova, de acordo com o estatuído no n.º 1 do artigo 340.º do CPP, sendo que este artigo se encontra inserido expressamente no capítulo do Julgamento,
21.  Tendo como objetivo apenas que o Juiz possa, terminada a produção de prova ou no decurso da sua produção, avocar a si a competência para determinar mais produção de prova, de forma a que possa chegar à verdade material.
22.   Contudo, não o poderá fazer sem que toda a prova a produzir esteja já em curso ou terminada, nem tão pouco o poderá fazer antes de iniciada a audiência.
23.  Tanto assim é que, desconhece naturalmente o Juiz do processo qual a prova que irá resultar do julgamento e só após a sua produção e a sua verificação poderá decidir da sua necessidade, conforme se verifica do texto do n.º 2 do referido artigo 340.º do CPP.
24.  Acresce que, tendo sido indeferida a produção de prova da Recorrente, não assiste qualquer motivo ao Tribunal para ordenar a produção de prova extra, na medida em que não foi produzida qualquer outra.
25.  E, também aqui, padece o despacho em crise de manifesta irregularidade oportunamente arguida e indeferida,
26.  Devendo o despacho em crise ser substituído por outro que admita a prova indicada pela Recorrente e que se abstenha de ordenar a produção de prova oficiosamente.
27.  Verificando-se a irregularidade do despacho que indefere a produção de prova, deverá, ainda, ordenar-se que sejam considerados sem efeito todos os atos praticados após esse momento, nomeadamente a audiência de julgamento realizada.
28.  Conforme já supra exposto, logo que a aqui Recorrente foi notificada da decisão de indeferimento da irregularidade do despacho arguida, de imediato interpôs daquela decisão recurso, sendo que o mesmo assume efeito suspensivo, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 408.º do Código de Processo Penal.
29.  O certo é que, ainda assim, o Tribunal a quo não proferiu despacho quanto ao recurso interposto, tendo entendido que deveria prosseguir com a audiência de julgamento,
30.   Tentou a Recorrente, por mais que uma vez, explicar quais os fundamentos de facto e de direito de que o Tribunal dispunha para suspender a audiência, sem que, contudo, os mesmos tenham sido verificados ou atendidos pelo próprio Tribunal, ou qualquer outro dos intervenientes processuais presentes na sala, nomeadamente o Ministério Público. Assim, determinou o Tribunal que deveria prosseguir com a audiência em causa.
31.  Terminada a produção de prova, deu o Tribunal a palavra para alegações, sendo que, nesta altura, a Recorrente, entendendo que o    julgamento não deveria continuar face à sua manifesta inutilidade se o recurso interposto fosse considerado procedente, requereu a interrupção da instância ao abrigo do disposto na alínea c do n.º 3 do artigo 328.º do Código de Processo Penal.
 32. Sucede que, também neste caso, entendeu o Tribunal a quo que não existia qualquer questão prévia a decidir ou que pudesse interferir com a boa decisão da causa e, nessa sequência, indeferiu o requerimento ditado pela Recorrente e ordenou que fossem proferidas as competentes alegações finais.
33.  A Recorrente, que estava há cerca de duas horas a lutar contra o desconhecimento geral dos efeitos de um recurso e de requerimentos de interrupção da instância, resignou-se a esse mesmo desconhecimento, proferindo as suas alegações e decidindo, nessa altura, que iria recorrer a final da decisão a ser proferida, bem como arguindo as ilegalidades ocorridas durante o julgamento.
34.  Não poderia o Tribunal a quo ter determinado o prosseguimento da audiência final, como o fez, porquanto o recurso em causa tem efeito suspensivo do processo, uma vez que dele depende a eficácia dos atos a serem praticados posteriormente.
35.  Nem fica o referido recurso prejudicado pela interposição do presente, porquanto a Recorrente mantém sério interesse na emissão de despacho quanto às questões nele apresentadas, o que aqui reitera em obediência ao disposto no n.º 5 do artigo 412.º do CPP.
Já que,
36.  A ser considerado procedente, sempre a audiência que teve lugar, bem como a sentença de que ora se recorre, ficarão feridas na sua eficácia,
37.  Tendo que ser, necessariamente, objeto de repetição, porquanto desprovidas de qualquer validade.
38.  Assim, a decisão tomada quanto ao prosseguimento da audiência final, está infirmada pela irregularidade oportunamente arguida e de cujo indeferimento se interpôs o competente recurso,
39.  Determinando, desta forma, a “Invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quanto tiver sido arguida pelos interessados (...)”, conforme disposto no n.º 1 do artigo 123.º do CPP.
40.  Irregularidade que, sendo insanável, obriga à revogação da sentença recorrida e à realização de nova audiência de julgamento, nos termos requeridos pela Recorrente.
Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se dirá o seguinte:
41.  A aqui Recorrente apresentou recurso, junto do Tribunal a quo, da decisão administrativa proferida pela AC…, na medida em que foram indeferidos os pedido de declaração nulidade de diversos atos praticados pela Recorrida – cfr. pp. 90 a 95 da motivação.
42.  Ora, entendeu o Tribunal a quo manter a decisão aplicada pela Recorrida, porque este Tribunal entende, para além de outros motivos elencados, que não lhe cabe a competência para verificar da legalidade do despacho que ordena as buscas e apreensões, e consequentemente, indefere o pedido de nulidade do referido despacho, abstendo-se de se pronunciar sobre parte das questões arguidas pela Recorrente.
43.  Desde logo, muito se espanta a Recorrente com a circunstância de o Tribunal a quo, na sentença impugnada, expressamente se reportar a outras duas decisões cuja pertinência aos presentes autos permanece desconhecida (pp. 99 a 104 da motivação).
44.  Para além disto, entende o Tribunal fazer referência a uma decisão proferida nos autos, relativa a um mencionado Apensado D, igualmente desconhecida da Recorrente.
45.  O que causa mesmo muita estranheza à aqui Recorrente é que o processo em causa – PRC/…/… – apenas respeita à Recorrente e a terceiros que a dada altura ocuparam cargos de chefia / direção na sua estrutura, desconhecendo-se outras entidades que estejam relacionadas com o mesmo.
 46. Ora, tem a Recorrente que concluir que:
(i.)   Ou o presente processo se encontra indevidamente apensado;
(ii.)  Ou há terceiros que tiveram acesso ao processo e a decisões sobre o mesmo tomado, sem que a Recorrente tivesse conhecimento, com manifesta violação do segredo de justiça a que o processo se encontrava sujeito.
47. Pelo que, não resta à Recorrente outra opção que não seja a de arguir a nulidade da sentença proferida com base na remissão que a mesma faz para processos e decisões que lhe são estranhas e das quais o Tribunal, ainda que as invocando, não lhe dá o devido conhecimento, nem as mesmas se encontram disponíveis para consulta, nem tão pouco se transcreve o seu conteúdo e o sentido de interpretação desse mesmo conteúdo.
Acresce que,
48. Ainda que mantenha a Recorrente o entendimento de que não assiste razão ao Tribunal a quo, relativamente ao teor da decisão proferida na parte em que se pronuncia sobre a legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca, exame e recolha realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público, nem por isso sairia prejudicada a análise das demais questões suscitadas pela Recorrente, cuja apreciação se impõe (pp. 112 e 113 da motivação).
49.  Na verdade, desde logo quanto à proporcionalidade das diligências de busca e apreensão face ao tempo que as buscas nas instalações de Leça do Balio demoraram e ao âmbito temporal da autorização não é afastada pela decisão daqueloutra, pois, é uma questão que vai para além do despacho que ordena as buscas e do respetivo mandado.
50.  O mesmo se diga relativamente às questões relativas à proporcionalidade das diligências de busca e apreensão face ao tempo que as buscas nas instalações de Leça do Balio demoraram e ao âmbito temporal da autorização, à regularidade, validade e legalidade das diligências de busca e apreensão, nomeadamente por impossibilidade de identificação concreta dos funcionários da AdC que participaram na diligência e à regularidade, validade e legalidade das diligências de busca e apreensão por excesso e desconformidade com o despacho de autorização do Ministério Público.
51.  A nulidade que ora nos ocupa é, de resto, corolário da primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC que estabelece o seguinte: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (com a interpretação expendida a pp. 122 a 124 da motivação).
52.   Ora, se se afigura plausível, face à improcedência da questão relativa à validade das buscas, que parte da análise das questões tenha ficado prejudicada, esse entendimento não poderá ser extensivo às questões já expostas relativas à inadmissibilidade constitucional de busca e apreensão de correio eletrónico num processo de contraordenação; à proibição de intromissão na correspondência ou nos meios de telecomunicação em processo de contraordenação; e à aplicação da Lei do Cibercrime em processo de contraordenação.
53.  Deste modo, deve considerar-se verificada a omissão de pronúncia quanto à questão do pedido subsidiário, e uma vez esta apreciada, deverá a mesma ser julgada procedente, nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento apresentado, no caso de não ser concedido provimento ao pedido principal.
54.   Concluindo-se, sem mais que o Tribunal a quo, não cumpriu com a determinação legal de conhecer de todas as questões alegadas pelas partes, o que acarreta, necessariamente, a nulidade da decisão (singular ou colectiva) por omissão de pronúncia, caso não a(s) tenha conhecido, nos termos do disposto na primeira parte da al. c) do n.º 1 do 379.º do CPP.
55.  Entende a aqui Recorrente, no que a este ponto em específico da sentença respeita, que o Tribunal a quo se pronunciou sobre questão diversa da que havia sido apresentada pela própria Recorrente,
56.  Na medida em que o mesmo apenas se pronuncia sobre a eventual falta de constituição da Recorrente como Visada (p. 131 da motivação).
57.   Na impugnação judicial apresentada, a Recorrente invocou que da factualidade relevante constante dos autos, verifica-se que no auto de notificação as menções realizadas à Recorrente se referem a esta na qualidade de notificada.
58.  Acresce que, do referido auto decorre ainda que “foi o notificado informado de que a não colaboração com a AC… ou a obstrução ao exercício dos poderes previstos, iter alia, no artigo 18.° da Lei n.° 19/2012, ou seja, dos poderes da realizar a acima referida diligência da busca, constituí contraordenação punível com coima que pode atingir 1% do volume de negócios do ano anterior da empresa, nos termos da alínea j) do n.° 1 do artigo 68.° e do n.° 3 do artigo 69.°, ambos da Lei n.° 19/2012”.
59.  Na verdade, apenas se pode colher (indiciária e) indiretamente a respetiva situação processual da Recorrente (mas sem certezas) através do despacho da Dig.ma Magistrada do Ministério Público, que ordenou a realização das buscas às instalações daquela.
60.   Ora, este facto assume particular relevo quanto aos direitos da Recorrente, considerando os limites que tal qualidade coloca quanto ao princípio da colaboração, designadamente, aqueles que decorrem do princípio da não autoincriminação.
61.   Refira-se, assim, que esta circunstância não tem (ou teve) uma influência meramente formal, visto que, no âmbito da busca realizada foram solicitados à Recorrente, quer documentos, quer computadores, que tiveram de ser (i.) ou elaborados para o efeito (ii.) ou trazidos para as instalações buscadas, respetivamente.
62.   Assim, sob pena de incorrer na prática de contraordenação, conforme determinado, em colaboração com a Recorrida, a Recorrente forneceu os referidos elementos.
63.   Ora, sem prejuízo do que vem expendido pela Recorrida, a este propósito no despacho de que se recorreu e sobre o qual versou a sentença aqui em crise, salienta-se que o que resulta do exposto pela Recorrente no requerimento apresentado é que, caso se verifique que a Recorrente é, efetivamente, “visada” no âmbito dos presentes autos de contraordenação, quer os elementos elaborados, quer o conteúdo dos computadores que não se encontravam nas instalações buscadas não poderão constituir meio de prova, considerando que o dever de colaboração cessa quando contende com os direitos da Buscada, nomeadamente com o seu direito à não autoincriminação.
64.   Veja-se que, se nos termos no artigo 18.º da Lei n.º 18/2003, de 11 de junho, se previa que:
 “1 - Sempre que a Autoridade (...) solicitar às empresas, associações de empresas ou a quaisquer outras pessoas ou entidades documentos e outras informações que se revelem  necessários, esse pedido deve ser instruído com os seguintes elementos:
a)     A base jurídica e o objectivo do pedido;
65.   Já nos termos do disposto no artigo 15.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, se dispõe, para o que interessa, que:
“1 - Sempre que a AC… solicitar, por escrito, documentos e outras informações a empresas ou quaisquer outras pessoas, singulares ou coletivas, o pedido deve ser instruído com os seguintes elementos:
a)    A base jurídica, a qualidade em que o destinatário é solicitado a transmitir informações e o objetivo do pedido;
66.   E a razão de ser é óbvia: sem indicação da qualidade em que é solicitada a transmitir informações, a entidade não estará na posse de todos os elementos necessários, para aferir onde começa o seu dever de colaboração e onde começa o seu direito à não autoincriminação.
67.   Portanto, contrariamente ao que vem sustentado na sentença de que se recorre incumbia à Recorrida especificar em que âmbito foram solicitados os elementos à Recorrente, sem que tal comportasse uma constituição formal de Visada, sob pena de constituírem prova claramente proibida.
68.   E nem se diga que essa referência apenas haverá de ser feita nas situações em que as informações sejam solicitadas por escrito, pois se nestas é exigida essa menção, nas situações em que são realizadas buscas, face à intrusão acrescida que estas representam, não se perspetivam quaisquer fundamentos que sejam suscetíveis de perfilhar esse entendimento.
69.   Mais se diga, a este respeito, que este mesmo argumento também nunca poderia colher, na medida em que, aqueles elementos, se não tivessem sido solicitados pela Recorrida, nunca constituíram objeto do despacho e consequente mandado emitido, pois aí apenas se previa buscas às instalações e computadores que se encontrassem nessas instalações, já não a outros elementos/meios/instrumentos/documentos que não se encontrassem nas instalações.
70.   De modo que, a entrega daqueles elementos resultou de um pedido formulado pela Recorrida à Recorrente no âmbito da realização das buscas, que por estar fora a do seu âmbito material (despacho que ordena as buscas e do mandado), sempre haverá de ser integrado no âmbito do pedido de informações.
71.   Afere-se, assim, que a sentença em causa não versou sobre o alegado pela Recorrente, tendo extravasado o âmbito do recurso apresentado, verificando-se que padece, mais uma vez, a sentença de nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal,
72. Devendo, assim, ordenar-se a elaboração de nova sentença que decida sobre a questão efetivamente alegada e controversa.
73. Também no que respeita à decisão proferida quanto à invocada violação do princípio da não autoincriminação, não poderão constituir meios de prova no âmbito dos presentes autos de contraordenação todos os elementos que podendo constituir autoincriminação [por violação do disposto, conjugadamente, do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, da alínea c) do n.º 1 do artigo 61.º do CPP ex vi do artigo 41.º do RGCO ex vi do n.º 1 do artigo 13.º da LdC]:
(i.)   Tenham sido elaborados no âmbito da “prestação de esclarecimentos” solicitados nas buscas;
(ii.)  Tenham sido recolhidos dos computadores que não se encontravam nas instalações da Recorrente e que foram solicitados pela Recorrida.
74. Efetivamente e desde logo, a colaboração ativa imposta à Recorrente tendo em vista a obtenção, ex novo, de elementos que não existiam, independentemente da sua vontade – a produção pelo seu punho de amostras de escrita manual –, colide com o seu direito à não autoincriminação.
75. Senão vejamos, com mais acuidade:
(i.) Sofre a Recorrente de uma coerção direta e imediata que lhe
é imposta pela Recorrida (sob a forma de uma aparente “colaboração ativa”) e, consequentemente, pelo Tribunal recorrido, porquanto, em face dos pedidos de elementos (documentos/computadores), e sob pena de sofrer uma coima até 1% do seu volume de negócios, a Recorrente não teve a opção de recusar a entrega dos elementos solicitados.
(ii.)  Encontra-se a Recorrente privada do exercício de quaisquer garantias processuais no corrente decurso destes processos, porquanto não pode sequer exercer, de forma útil, o seu direito ao contraditório, ou tentar dar a todos os elementos um significado diferente daquele que poderá ser dado pela Recorrida, e
(iii.) A disponibilização dos elementos comprometeu e atingiu, de forma irremediável, o direito da Recorrente à não autoincriminação porquanto, ao cumprir integralmente o que lhe foi determinado, a Recorrente poderá estar a ser levada a admitir, de forma não livre e involuntária, o cometimento de uma infração anti concorrencial que, repete-se, não cometeu.
76.  Recorde-se que a Recorrente não conhecia os factos em causa
nos presentes autos, na medida em que o processo se encontrava em segredo de justiça.
77.   Ademais, muito se espanta a aqui Recorrente com a suposta relação de ambivalência notada pelo Tribunal recorrido, quando a referida relação é, sobretudo, consequencial.
78.  Assim, quando declara «a ambivalência de apenas duas opções processuais capazes de afirmar tais garantias: recusa da entrega de todos os elementos solicitados ou aplicação uma coima até 1% do seu volume de negócios», melhor se diria, no juízo da Recorrente, “recusa (...) e aplicação”, pois que inexiste qualquer alternatividade entre as opções em debate.
79.  E nem se afirme, como entendeu o Tribunal a quo, que a coerção pressuposta no presente exame exige um potencial incriminador imediato, quando o mesmo Tribunal, em momento precedente, visivelmente prescindiu de uma nota incriminadora direta, admitindo a operatividade do princípio da não autoincriminação mesmo naqueles casos em que a incriminação se desvela de forma indireta (vide, a propósito, o trecho citado no p.60).
80.  E, o que só contribui para atestar a incoerência das proposições dimanadas daquele Tribunal, basta conferir a norma reproduzida na nota 3 da sentença objeto deste recurso para constatar do potencial incriminador dos elementos solicitados pela AdC,
81.   Por outro lado, os elementos solicitados pela Recorrida não eram documentos pré- constituídos, na medida em que, para dar cumprimento ao solicitado, a Recorrente teve de elaborar documentos, o que de resto resulta dos autos de apreensão, tratando e elaborando informação, por imposição da Recorrida e posteriormente à notificação em causa, para dar cumprimento ao mencionado pedido de elementos apresentado,
82.  Com efeito, é entendimento doutrinal (que se apela a este Tribunal para seguir) que “o privilégio da não auto-incriminação é aplicável à obtenção coerciva de prova documental através da colaboração activa do acusado, ainda que se trate de documentos preexistentes ou pré-constituídos e, portanto, que não careçam de ser produzidos na sequência da intimação ou por causa dela”.
83.  No que concerne aos computadores solicitados, mesmo admitindo que o âmbito do mandado também respeitava às instalações da Recorrente sitas em Leça do Balio, não poderão constituir objeto de prova quaisquer elementos que tenham sido apreendidos dos computadores que não se encontravam naquelas instalações, pelo que se considera ilegal/nula a prova apreendida dos computadores dos mencionados colaboradores.
84.  Aqui chegados, é manifesto o potencial significado incriminatório que podem advir daqueles elementos (sejam, porque tiveram de ser elaborados, sejam porque tiveram de ser trazidos para as instalações da Recorrente) – e posterior interpretação pela Recorrida – para que os mesmos assumam “carácter determinante para a produção de provas do carácter ilegal de comportamentos de empresas suscetíveis de as responsabilizar”.
85.  Tomando por apoio a delimitação das perspetivas sobre o direito à não autoincriminação sugerida pelo Tribunal recorrido, entende a Recorrente que não subsistem razões para aderir a uma noção restrita do princípio (p. 203 ss. da motivação),
86.  Não se ignore que é o próprio Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão a citar jurisprudência onde se indica, a propósito do direito à não autoincriminação, que «o domínio de abrangência de tal direito não abarque, assim, a possibilidade de o arguido, em processo contra-ordenacional por práticas anticoncorrenciais, recusar a prestação de informações e a entrega de documentos, que estejam em seu poder e lhe sejam solicitados pela AC…» (ainda, p. 201 da motivação).
87.   Lido a contrario, o efeito excludente apontado não há de vigorar no domínio da prova a constituir, como in casu sucede.
88.   Acresce referir que, e em boa verdade, o posterior exercício do contraditório relativamente ao conteúdo de todos os elementos fornecidos estará, desde logo, francamente inviabilizado, na medida em que, no momento em que for dado à Recorrente o direito de se pronunciar sobre os mesmos, já a Recorrida terá formado o seu juízo de valor e convicção sobre os mesmos.
89.  Dito de outro modo, o tempo decorrido, a investigação em curso e as convicções formadas por esta Autoridade, facilmente tornarão, no momento processualmente destinado à Recorrente para contradizer os factos e posições desta Autoridade, esse contraditório pouco útil.
90.   E, sobre as “elevadíssimas reservas” declaradas na sentença recorrida quanto ao funcionamento do princípio nemo tenetur em fase anterior à decisão de inquérito, por ausência de juízo sancionatório definitivo e consolidado, acredita a Recorrente que o Tribunal a quo se demitiu de uma avaliação integrada do problema nos quadros do direito sancionatório.
91.  É o próprio Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão
a citar, em rodapé, nota 19 da decisão, transcrevendo, jurisprudência onde se constata que «se é certo que os direitos da defesa devem ser respeitados nos processos administrativos susceptíveis de conduzir a sanções, importa evitar que esses direitos possam ficar irremediavelmente comprometidos no âmbito de processos de inquérito prévio que podem ter um caracter determinante para a produção de provas do caracter ilegal de comportamentos de empresas susceptíveis de as responsabilizar».
92.   E não se julgue que a avaliação, em prognose, do destino incriminador dos elementos sub judice padece de excessiva complexidade, pois o mesmo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão qualificou de suficiente e bastante a fundamentação que acompanhou os ofícios probatórios, «sem que o âmbito, objecto e escopo da prova a produzir para efeitos do desenvolvimento da investigação em curso resultasse obscuro ou inacessível» (p. 56 da sentença), e concluiu que «Os ofícios identificam expressamente a sua finalidade e extensão» (p.93).
93.   De salientar, ainda a respeito da tempestividade processual das alegações que enunciámos, a manifesta incompreensão suscitada na Recorrente pela alternativa de apreciação destas questões no âmbito de um processo contraordenacional autónomo, conforme sugestão do Tribunal a quo (pp. 226 a 230 da motivação)
94.  Perante este enquadramento, reputa a Recorrente de excessiva a conclusão avançada pelo Tribunal a quo, quando afirma que «a garantia do nemo tenetur ou do direito à não autoincriminação, num contexto em que a colaboração probatória foi prestada ao abrigo de prerrogativa probatória expressa e prévia da autoridade administrativa e com a advertência também expressa e prévia da sua coercibilidade, deve exigir a afirmação activa dessa garantia ou desse direito pelo interessado e mediante uma actuação de conteúdo negativo de recusa de colaboração, o que não sucedeu».
95.   Prima facie, nada faz crer que o exercício do direito à não autoincriminação deva tomar-se por subordinado a um incumprimento tout court do dever de colaboração que sobre a Recorrente impende.
96.   Inversamente, bem mais ajustado nos surge o comportamento privilegiado pela Recorrente quando, embora cumprindo com as solicitações da AdC, insiste em registar as reservas pressentidas em matéria de autoincriminação.
97.   Defender o contrário resume, no entender da Recorrente, um
incompreensível formalismo no tratamento da questão, além de excessivamente oneroso na ótica da Recorrente, porquanto sempre desencadearia a instalação de um desnecessário processo contraordenacional por infração ao dever de colaboração.
98.   Sempre se exigirá, pois, a mediação de um certo critério distintivo, que não tome por absolutamente equivalentes os termos de uma “colaboração ativa” e de uma “colaboração com reservas”.
99.  Mais se refira que os elementos solicitados por esta Autoridade, não podem ser percebidos de forma descontextualizada ou descaracterizada, sob pena de poderem levar a Recorrida a tirar conclusões que não correspondem à verdade.
100. Com efeito, caso a Recorrida procurasse obter informação puramente factual e independente da sua natureza inculpatória ou exculpatória, não solicitaria, em relação ao processo em causa, quer quanto ao seu âmbito material, quer quanto ao seu âmbito temporal, elementos de caracterização cirúrgica.
101.   E não chega para basear a validade da atividade de investigação da AdC em juízo a mera alusão à circunstância de os poderes instrutórios daquela Autoridade dimanarem de previsão legal, porquanto, consabidamente, a atuação da Administração não se repercute num simples exercício de legalidade (cfr. pp. 248 a 251 da motivação).
102. Aqui chegados, não se impõe outra conclusão senão a de o pedido de documentos realizado no momento da realização das buscas e apreensões viola o princípio e o direito à não autoincriminação da Recorrente, o que deve ser declarado por este Tribunal.
103. E, na medida em que o mesmo contende, inegavelmente, com tal direito, os elementos solicitados pela Autoridade - e que a Recorrente não teve outra hipótese que não a de os prestar e entregar - não poderão ser utilizados como prova sob pena de constituírem prova proibida nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 2 e do n.º 1 do artigo 126.º e do artigo 125.º do CPP ex vi do artigo 41.º do RGCO ex vi do n.º 1 do artigo 13.º da LdC.
104. Pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, a sentença recorrida revogada e substituída por outra que declare a nulidade e invalidade da prova utilizada com recurso a documentos elaborados pela Recorrente apenas para os fins de cumprimento de solicitação da Recorrida no momento da realização das buscas e apreensões.
Acresce que,
105. Forçando uma leitura errónea das regras de competência, que se reproduz a pp. 260 a 263, entendeu o Tribunal a quo julgar improcedente a ação, porquanto se considerara materialmente incompetente.
106. Da leitura conjugada do n.º 1 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 14.º, ambos da LdC, resulta claro que cabendo à Recorrida a direção do inquérito, bem como toda a atividade investigatória, é a Recorrida a entidade competente para decidir da nulidade daquele despacho.
107. Não é o Ministério Público quem assegura a condução do inquérito, nem é o Ministério Público quem decide as diligências de investigação a encetar ou quais as diligências probatórias que irão ocorrer, cabendo essa mesma decisão à Recorrida e sempre com base na sua própria investigação.
108. Pelo que, teremos necessariamente que concluir que se a direção do inquérito cabe à AdC e se o despacho do Ministério Público é um mero instrumento para que aquela possa cumprir os seus objetivos e funções, é à própria Recorrida quem cabe decidir das nulidades do inquérito e das diligências probatórias, sendo a esta quem cabe pronunciar-se sobre a referida nulidade do despacho proferido pelo Ministério Público.
109. E, nessa sequência, é ao Tribunal a quo, e não ao Ministério Público, como pretendeu demonstrar aquele Tribunal, que compete decidir sobre a impugnação judicial aqui em causa.
110. Veja-se ainda que, caso se atendesse à tese da Recorrida e do Tribunal – arguição de nulidades perante o Ministério Público – haveria o sério e fundado risco de se verificar um conflito negativo de competências, acarretando o risco de decisões contraditórias e de uma eventual denegação da justiça, em nítida violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na medida em que, arguindo-se parte das nulidades junto do Ministério Público e outra parte perante a Recorrida e perante o Tribunal a quo, corria-se o sério risco de haver em curso e em simultâneo dois processos distintos, um que correria a instâncias criminais e outro a instâncias concorrenciais, o que a unicidade do sistema jurisdicional não permite.
111. Aliás, verifica-se que será a intenção do legislador a concentração de todo o processo na fase administrativa – como é o caso da arguição de quaisquer nulidades – na mesma entidade, concentração esta que se encontra prevista no n.º 3 do artigo 85.º da LdC.
112. Acresce que, caso se verificasse que a competência para decidir da nulidade arguida pertencia ao Ministério Público, tinha a Recorrida a obrigação de remeter para essa entidade o requerimento para apreciação, o que também não fez!
113. Apesar de a LdC não fazer expressa referência a essa obrigação, o certo é que tem remissões legais para outros diplomas: o RGCO, o CPP e, subsidiariamente, ainda, o CPC.
114. Face ao exposto, deverá ser ordenada a revogação da Sentença de que ora se recorre e a sua substituição por outra que decida sobre as arguidas nulidades.
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O recurso foi admitido na primeira instância.
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O MP na primeira instância respondeu ao recurso defendendo o seguinte:
1 - Recurso interposto na audiência de julgamento: “Por a motivação e as conclusões apresentadas serem alheias ao requerimento do recurso interposto em ata como documentado nos três primeiros parágrafos de fls 602, cujo teor aqui se reproduz, não pode o mesmo ser apreciado”.
2 - Nulidade da sentença por ter sido proferida com fundamento em decisões estranhas ao processo “O TCRS não atentou no facto de poder estar a intervir no âmbito de despachos interlocutórios proferidos em processo que não está acessível a todos os visados.
Daí a transformar a mera indicação daqueles processos numa violação de informação reservada é que já vai um passo, sendo excessiva, por infundada, a acusação de violação de segredo de justiça que consta da conclusão bbbb). Não se vê que factos tivessem sido revelados à visada que lhe permitam conjecturar sobre a devassa dos autos.
Da desatenção do TCRS também não decorre a nulidade da decisão como pretendido pela recorrente por não prevista no art. 379° do CPP, aplicável subsidiariamente ao caso.
Face ao exposto o recurso deverá improceder nesta parte.”
3 - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia já que o TCRS se absteve de apreciar questões colocadas pela visada com fundamento em falta de jurisdição sobre a entidade (MP-DIAP de Lisboa) emitente dos mandados passados à AdC – O TCRS não conheceu de todas as questões que lhe foram suscitadas pelo que se verifica omissão de pronúncia, devendo proceder, nesta parte, o recurso.
4 - Nulidade da sentença por o TCRS ter apreciado questão diversa do objeto do recurso da visada: é duvidoso que constitua excesso de pronúncia, devendo antes ser tratado no ponto anterior e englobado na omissão de pronúncia.
5 - E errada aplicação do princípio da não auto incriminação, não se verifica violação do princípio invocado, devendo improceder igualmente nesta parte o recurso.
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A AC… respondeu ao Recurso interposto pugnando pela sua improcedência, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
Do recurso interposto pela recorrente do despacho proferido em 16.01.2019 na audiência de julgamento destes autos
A)   Constitui objeto do primeiro Recurso interposto nos presentes autos o Despacho proferido em 16.01.2019, na audiência de julgamento ("Despacho Recorrido").
B)    Ao invés do sustentado pela Recorrente, o Despacho Recorrido encontra-se devidamente fundamentado e apreciou todos os aspetos que cabia apreciar.
C)    O indeferimento da prova testemunhal indicada pela Recorrente foi justificado por corresponder a matéria de direito, sendo que a matéria factual — relativa à necessidade de efetuar as diligências de buscas do modo como o foram — podia ser esclarecida, como foi, através do depoimento testemunhal de dois colaboradores da AdC, indicados oficiosamente pelo TCRS, sem que tal diligência tenha violado o artigo 340.° do Código de Processo Penal.
D)   Acresce que o n.° 2 do artigo 72.° do RGCO atribui ao Tribunal a competência para delimitar o âmbito da prova a produzir em audiência.
E)    Por conseguinte, o Recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o mencionado Despacho.
F)    Não se verificou qualquer nulidade da audiência de julgamento e do processado subsequente dos presentes autos, nem em virtude da alegada irregularidade do Despacho de 16.01.2019 nem em virtude da realização da prova após a interposição, ditada para a ata, do Recurso do mencionado Despacho.
G)    Aliás, a Recorrente expressamente indica (artigos 74.° e 75.° do Recurso) que na audiência declarou não se opor à produção de prova.
H)    Acresce que o presente Recurso não perde o efeito útil pelo facto de ter sido realizado julgamento e proferida Sentença, pelo que também a circunstância de a audiência não se ter suspendido anteriormente à produção de alegações finais não invalida a audiência e o processado subsequente.
Do recurso da Sentença do TCRS de 24.01.2019 que se pronunciou sobre a validade da decisão da AdC de 03.08.2018
I)     Não existe qualquer questão prévia que prejudique a apreciação das questões decididas pela Sentença do TCRS de 24.01.2019. sendo que o alegado desconhecimento, pela Recorrente, do teor das duas decisões judiciais referenciadas na introdução à fundamentação não prejudica a compreensão da fundamentação.
J)     A Sentença é totalmente acertada ao considerar que não era necessário constituir a SB… como visada aquando das diligências de obtenção de prova.
K)   A Lei da Concorrência não estipula tal obrigação e não se afigura nem necessário nem adequado recorrer subsidiariamente ao processo penal. atenta a diversidade de natureza e estrutura entre o processo penal e o processo contraordenacional.
L)     O artigo 15.° da Lei da Concorrência aplica-se a pedidos de elementos dirigidos pela AdC a quaisquer entidades, mas não à situação particular da execução de uma diligência efetuada ao abrigo de mandado judicial, cujo controlo de validade não cabe ao TCRS sindicar.
M)   A valoração da prova documental, que foi junta pela ora Recorrente durante a diligência, constituiu apenas uma resposta aos esclarecimentos solicitados para facilitação da diligência, não podendo daí resultar qualquer incriminação para a Recorrente, não tendo em consequência, saído violado o direito ao silêncio e ao princípio da não autoincriminação.
N)   Os elementos de prova recolhidos estão sujeitos a contraditório sobre o seu significado e aproveitamento probatório, pelo que a natureza e conteúdo da colaboração efetivamente prestada não constitui qualquer violação do direito à não autoincriminação.
O)    Não se devem declarar quaisquer ilegalidades, invalidades ou irregularidades das diligências de obtenção de prova levadas a cabo em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público.
P)    Como bem identifica a Sentença, o que a Recorrente verdadeiramente põe em causa é o despacho de autorização emitido pelo Ministério Público, que detém competência exclusiva para o efeito, e não a AdC.
Q)   À AdC cabe decidir, posteriormente, quais os documentos que devem permanecer no processo e a respetiva valoração a qual, como se disse, estará sujeita a contraditório.
R)    Em consequência, o TCRS não é o foro competente para apreciar a validade do mandado emitido pelo Ministério Público.
S)     Por coerência com esta orientação, bem andou o TCRS ao indicar, na Sentença, que as questões invocadas pela Recorrente derivadas da questão central da validade do mandado de buscas e apreensão, não deveriam ser conhecidas, não significando que se tenha omitido alguma pronúncia devida.
T)    Por conseguinte, deve também este Recurso ser julgado totalmente improcedente e ser mantida a Sentença de 24.01.2019.
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A Sr.ª PGA junto desta Relação emitiu parecer contante de fls. ---, acompanhando a resposta apresentada pelo magistrado do MP na primeira instância.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2 do CPP.
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As novas Conclusões apresentadas foram notificadas aos restantes sujeitos processuais.
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Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP[1] sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.
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Questões a decidir:
A - Da Nulidade da Audiência de Julgamento por nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova indicada pela recorrente e determinou oficiosamente a produção de prova testemunhal.
B - Nulidade da sentença por ter feito remissões ou com fundamento em decisões estranhas ao processo não disponíveis para consulta.
C - Violação do princípio da não auto incriminação, princípio nemo tenetur se ipsum accusare.
D - Constituição com visada.
E - Falta de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca e exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.

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Conhecendo e decidindo:
A decisão recorrida, na parte relevante, é do seguinte teor:
II. MATÉRIA DE FACTO.
17.   Da instrução e discussão da causa, com interesse para a decisão, resultou provada, por admissão expressa da visada/recorrente e por falta de impugnação dos documentos e peças processuais constantes dos autos principais e do apenso I[2](1), juntas pela AdC, e quanto ao seu alcance probatório, e ainda pelo depoimento peremptório, isento, crítico e colaborante das testemunhas LB… e AP…[3](2)  (funcionários da AdC, credenciados e presentes nas diligências de Leça do Balio) sobre a factualidade controvertida inerente às bucas nos computadores dos trabalhadores da visada, a seguinte factualidade relativa à tramitação administrativa do processo de contra-ordenação e diligências processuais, nomeadamente quanto à imposição de segredo de justiça ao processo contra-ordenacional:
A. Por decisão do Conselho de Administração da AdC datada de 03.06.2016, foi aberto inquérito no âmbito de um processo de contra-ordenação, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º e do n.º 1 do artigo 17.º da Lei da Concorrência, em relação à UB… S.A. (ora SB…, Bebidas, S.A.), para investigar a existência de práticas proibidas pelo artigo 9.º da referida Lei e pelo artigo 101.º do TFUE sob o PRC n.º …/….
B. No âmbito do processo de contra-ordenação PRC/…/…, a visada/recorrente foi alvo de diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizada pela AdC entre os dias e 25.01.2017 e 03.02.2017 em cumprimento de mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa (DIAP) datado de 20 de Janeiro de 2017.
C. As referidas buscas decorreram entre os dias 25.01.2017 e 03.02.2017, respectivamente:
i.       Entre os dias 25 a 26 de Janeiro, nas instalações sitas em Torre …, Rua …, n.º … – ….º andar, …-… Miraflores;
ii.     Entre os dias 25 de Janeiro a 3 de Fevereiro, nas instalações sitas na Estrada Nacional …, Leça do Balio, …-… Leça do Balio – Matosinhos;
iii.    No dia 25 de Janeiro, nas instalações da sociedade “M… – Sociedade Produtora de Malte, S.A.”, sitas na Rua …, …-… Poceirão;
iv.     Entre os dias 25 a 26 de Janeiro, nas instalações sitas Rua …, n.º … – Manjoeira, …-… Santo Antão do Tojal.
D. No âmbito das referidas diligências de busca, exame, recolha e apreensão, foram entregues à visada/recorrente as credenciais emitidas pela AdC com a identificação de todos os seus funcionários legitimados para a realização das mesmas.
E. Por referência a cada uma das diligências que decorreram nas instalações da visada/recorrente, foram elaborados os autos de notificação, suspensão de diligência, continuação de diligência e apreensão.
 F. No âmbito das referidas diligências de busca, exame, recolha e apreensão foram solicitados vários esclarecimentos pelos funcionários da AdC à visada/recorrente, sendo que, nessa sequência, a mesma entregou os seguintes documentos, anexos ao presente auto:
- Documento contendo macroestrutura da U… com indicação dos responsáveis de cada área (7 folhas);
-       Organograma descentralizado da U… (2 folhas);
- Documento contendo a identificação, ao momento presente, dos gestores de rede, gestores de mercado e gestores de desenvolvimento de distribuidores, do canal on trade da U…, com a respectiva área geográfica de actuação, integração funcional e indicação da chefia de reporte direto (1 folha);
- Documento contendo a identificação, entre janeiro de 2012 e o momento presente, dos gestores de rede, respetivos Managers, e Directores do canal on trade, com a respectiva área geográfica de actuação, integração funcional e indicação da chefia de reporte directo; documento que a U… referiu ter elaborado especificamente para fazer face ao pedido da Autoridade (1 folha);
- Documento contendo a identificação, para os anos de 2010 a 2017, inclusive, dos vários gestores de conta e respetivos Managers e Diretores do canal off trade, com a respectiva integração funcional; documento que a U… referiu ter elaborado especificamente para fazer face ao pedido da Autoridade (8 folhas);
- Documento contendo a identificação, entre 1 de janeiro de 1998 e o momento presente, das várias funções exercidas na U… pelo seu colaborador RJ…; documento que a U… referiu ter elaborado especificamente para fazer face ao pedido da Autoridade (1 folha);
- Documento contendo a identificação, em agosto de 2013, das várias funções exercidas na U… pelos seus colaboradores VS…, DG…, PP…, JF… e PP…, bem como a data em que o colaborador da U… CC… cessou funções na empresa; documento que a U… referiu ter elaborado especificamente para fazer face ao pedido da Autoridade (1 folha);
- Participação crime, datada de 2 de Fevereiro de 2016, através da qual se participa o roubo de dois computadores, dos colaboradores da U… NO… e LD… (2 folhas); e
- Cópia de e-mail, de 28 de novembro de 2016, com indicação, por parte do Support Centre da NOS, de que o disco rígido, a board e a fan do computador do colaborador da U… MP… se encontram avariados (1 folha).
G.     No âmbito das referidas diligências de busca, exame, recolha e apreensão foi realizada pesquisa nos ficheiros de correio eletrónico de AS…, AP…, ASL…, BA…, BS…, DC…, JL…, JoL…, JFM…, JF…, JM…, LT…, LC…, MP…, MA…, NB…, RN…, RD…, RL…, SM… e SuM…, bem como nos computadores de JLi…, LM…, RS… e VS….
H.     Na sequência dessa pesquisa, foram copiados documentos para um dispositivo junto como anexo ADGHDD014, descrito no ficheiro LISTAADCHDD014.md5, a que corresponde o descritivo digital 21 a6fc9408091b1ca985892aec2be1c8, gravado no ficheiro AutoADCHDD014.md5, tendo sido feita uma cópia integral do anexo ADCHDDOM em dispositivo de armazenamento externo disponibilizado, para o efeito, pela visada/recorrente, e entregue à mesma.
I.     No âmbito das referidas diligências de busca, exame, recolha e apreensão, o mandatário da visada/recorrente, Sr. Dr. FE…, requereu aos representantes da AdC presentes, no final da presente diligência de apreensão e busca, que lhe fosse dada a possibilidade de verificar os ficheiros informáticos apreendidos, no sentido de tomar conhecimento dos mesmos e aferir da legalidade desta apreensão, o que lhe foi recusado pelos mencionados funcionários da AC….
J.     Em 16.02.2017, a visada/recorrente apresentou um requerimento junto da AdC concluindo (i) pela nulidade das diligências de busca por violação do princípio da proporcionalidade; subsidiariamente, (ii) pela nulidade das provas recolhidas por violação do princípio da autoincriminação, (iii) pela impossibilidade de identificação dos funcionários da AdC que em cada momento participaram nas buscas às diversas instalações buscadas e (iv) pela desconsideração da prova recolhida que não estivesse relacionada com os indícios que determinaram a realização das buscas como daquele que respeitasse a período anterior ao ano de 2012.
K.    Em 03.08.2018, a AdC, através do ofício S-AdC/…/…, pronunciou-se sobre as nulidades arguidas, indeferindo-as.
L.     Em 09.08.2018, a AdC pôs termo ao inquérito e notificou a visada/recorrente da Nota de Ilicitude.
M.   No âmbito das referidas diligências de busca, exame, recolha e apreensão nas instalações de Leça do Balio, a AdC não procedeu a qualquer diligências de busca, exame, recolha e apreensão de computadores de trabalhadores da visada/recorrente fora daquelas instalações nem solicitou a presença desses trabalhadores durante as diligências, tendo procedido ao bloqueio do acesso servidor e endereço electrónico profissional dos trabalhadores que se encontravam fora das mesmas instalações.
18.   Do recurso de impugnação judicial não decorre qualquer outra matéria controvertida e que seja juridicamente relevante para a decisão do objecto da causa, sendo que a alegação da violação do princípio da proporcionalidade se encontra esteirada, além dos factos narrados sobre a circunstanciação temporal e funcional das diligências de busca e apreensão, em alegações meramente argumentativas, opinativas e conclusivas, desgarradas de substrato factual bastante ou sindicável em instrução probatória.”
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Analisando e decidindo:
A - Da Nulidade da Audiência de Julgamento por nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova indicada pela recorrente e determinou oficiosamente a produção de prova testemunhal.
Como bem nota o MP, na sua resposta ao Recurso, a SB… recorreu do despacho proferido em audiência no dia 16 de janeiro de 2019, como se vê de forma clara e simples do requerimento de interposição de recurso apresentado pela recorrente em acta.
Posteriormente, veio apresentar motivações de recurso e conclusões, iniciais e corrigidas – que têm que se enquadrar dentro das primeiras, onde ataca o primeiro despacho (datado de 07/01/2019) do qual reclamou e sobre o qual recaiu o despacho de 16 de janeiro de 2019. Veja-se o que expressamente afirma na motivação n.º 21: “E é com este despacho que a recorrente não pode, de todo em todo concordar”, referindo-se ao despacho que transcreve na Conclusão 20, foi proferido no início da audiência e que conheceu de nulidades que a recorrente apontou ao despacho de 07/01/2019.
Ou seja, a recorrente afirma que recorre de um despacho mas apresenta argumentos e conclusões respeitantes a outro…
Deste modo, e sem necessidade de mais considerações temos que considerar que o recurso apresentado em acta da audiência de julgamento do dia 16 de janeiro se encontra deserto por não terem sido apresentadas as motivações e conclusões.
Relativamente ao despacho proferido em 07/01/2019 não manifestou a Sb… intenção dele recorrer. Reclamou do mesmo invocando nulidades, as quais foram objeto de decisão – o despacho proferido em acta – mas não recorreu do mesmo.
Assim, e novamente acompanhando o MP, carece de objeto, nesta parte, o recurso interposto.
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B - Nulidade da sentença por ter feito remissões ou com fundamento em decisões estranhas ao processo não disponíveis para consulta:
Concorda-se em absoluto com os Acórdãos desta Relação de Lisboa, proferidos nos processos 71/18.3YUSTR-E-L1 e 71/18.3YUSTR-G-L1, já que também entendemos que "No que tange à primeira questão entendemos que o Ministério Público junto da 1' instância abordou correctamente a mesma pelo que, com a devida vénia, iremos louvar-nos da sua resposta a qual acompanharemos de perto.
Da leitura de decisão recorrida existe a menção de "«20. Outra premissa explicativa desta decisão decorre da recente pronúncia deste Tribunal e deste signatário, constante da sentença de 03-05-2018, proferida no âmbito do processo n.° …/…, e da sentença de 17-05-2018, proferida no âmbito deste processo e PRC/…/… — apenso A, tendo tais decisões transitado em julgado sem qualquer interposição de recurso. 21. Efectivamente, todas as alegações da visada neste apenso correspondem, essencialmente, às alegações vertidas na impugnaçõo judicial conhecida naqueles processos e no âmbito de processo contra-ordenacional instaurado pela AdC por práticas restritivas da concorrência, pelo que aqui se reiterará o nosso entendimento mercê da inexistência de qualquer razão superveniente para transmutar a nossa pronúncia».
Ora, o processo n.° …/… nada tem a ver com o presente e a decisão proferida no apenso "A" deste processo, ao que tudo indica, não tem a ver com a recorrente.
Assim, a razão assiste à mesma quando refere que nada sabe ou pode saber do teor de tais decisões.
Contudo, daqui não resulta nem a incompreensibilidade da decisão, nem tão pouco a sua nulidade.
É que se expurgarmos os pontos 20 e 21 do decidido ainda assim, sem qualquer esforço, compreendemos o porquê do decidido.
Compreendida a decisão a recorrente, não concordando com a mesma, está em condições de contra ela reagir.
Nem a decisão proferida no apenso "A" ou no processo …/… se apresentam como argumentos de autoridade ou se mostram essenciais (ou até auxiliares) para a decisão proferida pelo que não assiste razão à recorrente quando refere, na conclusão p), que a sentença é proferida com base na remissão para processos e decisões que lhe são estranhas e das quais o Tribunal, ainda que as invocando, não lhe dó o devido conhecimento, nem as mesmas se encontram disponíveis para consulta, nem tão pouco se transcreve o seu conteúdo e o sentido de interpretação desse mesmo conteúdo.
De facto, assim não é. A decisão basta-se a si própria, tem argumento próprios e não por remissão, os quais foram apreendidos e rebatidos pela recorrente".
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C - Violação do princípio da não auto incriminação, princípio nemo tenetur se ipsum accusare:
Também relativamente a esta questão se concorda com a fundamentação constante do Acórdão deste Tribunal proferido nos Processos 71/18.3YUSTR-E-L1, 71/18.3YUSTR-F-L1 e 71/18.3YUSTR-G-L1. Com efeito, porque se adere na íntegra ao decidido no Proc. 71/18.3YUSTR-B-L1 passa-se a transcrever o que nele consta sobre esta questão. “Apenas iremos realçar alguns pontos para demonstrar o porquê do acerto da decisão e do erro da recorrente socorrendo-nos, de perto de Correia, Ana Rita dos Santos, "Nemo tenetur se ipsum accusare e a obrigatoriedade de entrega de documentos", 06.01.2017, in Repositório da Universidade de Lisboa Faculdade de Direito (FD) FD - Dissertações de Mestrado, http://hdl.handle.net/10451/32213.pt
A expressão latina nemo tenetur se ipsum accusare, nemo tenetur se detegere, no âmbito do direito sancionatório, significa que o acusado não está obrigado a contribuir para a sua própria incriminação, pelo que sobre o mesmo não impende "um dever de colaboração nem sequer um dever de verdade", não podendo ser prejudicado por essa ausência de colaboração.
Trata-se, como salientado na decisão recorrida, de um princípio constitucional perfeitamente aceite pese embora o princípio nemo tenetur não ter consagração expressa na nossa Lei Fundamental.
"Tendo a sua representação mais evidente no direito ao silêncio, o princípio nemo tenetur está longe de esgotar-se neste. De facto, o direito à não auto-incriminação é, sobretudo, essência de um processo penal que garante ao arguido a efectividade da sua posição como sujeito processual, como se pretende num processo equitativo. Esta dimensão atribuída ao processo, a qual mereceu inscrição constitucional no art. 20.º, n.º 4, in fine da CRP, é fundamental para assegurar a estrutura acusatória do processo penal, a qual "procura a igualdade de poderes de actuação processual entre a acusação e a defesa" (GERMANO MARQUES DA SILVA; Curso de Processo Penal; Volume I; 6ª Edição; Verbo; Lisboa; 2010, p. 72) em razão do que atribui ao arguido "uma posição jurídica que lhe permita uma participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto" (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS; Direito Processual Penal; Volume I; Coimbra Editora; Coimbra; 1974; p. 429.).
O legislador reconheceu a realização da justiça como fundamento do processo penal, sendo de importância capital o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, motivo por que as garantias de defesa dos mesmos têm consagração na Lei Fundamental. No entanto, a defesa dos direitos fundamentais de uns pode contender com o respeito pelos direitos fundamentais de outros o que tem por consequência a necessidade de apurar quais os direitos em colisão e apreciar qual a melhor forma de os salvaguardar, sendo certo que, na impossibilidade de vigência plena de ambos, algum terá de ceder. É neste contexto que as linhas de pensamento supra descritas assumem particular importância, pois a escolha que de entre elas se fizer determinará a opção a escolher.
As restrições aos direitos fundamentais têm sido alvo de profusa reflexão pela doutrina e pelo TC, sendo vasto o acervo de contributos para a descoberta da melhor via para proceder à "compressão de (...) faculdades que a priori estariam nele [1 compreendidos" (JORGE MIRANDA; Manual de Direito Constitucional - Tomo IV - Direitos Fundamentais; 3ª edição; Coimbra Editora; Coimbra; 2000; p. 328. Sobre esta matéria, veja-se ainda o profícuo contributo de CATARINA ANASTÁCIO; "O dever de colaboração no âmbito dos processos de contra-ordenação por infracção às regras de defesa da concorrência e o princípio nemo tenetur se ipsum accusare"; in Revista de Concorrência e de Regulação; Ano I; n.º 1; Coimbra; 2010; p. 219 e ss) , podendo as mesmas ser imediatas, mediatas ou implícitas, conforme sejam expressamente previstas na CRP, sejam previstas pelo legislador ordinário mediante autorização da CRP, ou decorram de princípios constitucionais, respectivamente. Apesar da diversidade de terminologias avançadas, a doutrina é unânime em reconhecer que os direitos fundamentais não têm carácter absoluto nem ilimitado, existindo situações em que a protecção jurídica concedida ao direito fundamental de alguém colide com a necessidade de proteger outros direitos constitucionalmente consagrados. Do reconhecimento da necessidade de proceder a restrições que permitam a compatibilização de direitos fundamentais em conflito surgem os critérios avançados para a poder efectivar, nomeadamente requisitos materiais assentes em critérios de proporcionalidade e salvaguarda do núcleo intangível de cada um dos direitos em apreço.
O princípio da proporcionalidade em sentido amplo assenta em três subprincípios que o caracterizam:
a)    o princípio da necessidade, através do qual se exige que a restrição de um direito fundamental seja imprescindível para a salvaguarda de outros direitos em virtude da ausência de qualquer outra possibilidade com o mesmo efeito;
b)    o princípio da adequação, o qual requer que a restrição efectuada seja adequada à realização do fim visado; e
c)    o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, determinando que a restrição a operar só o pode fazer na exacta medida da prossecução do fim pretendido, impedindo que a restrição decorra da adopção de medidas excessivas (JORGE MIRANDA; Manual.; ob. cit.; p. 340; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA; Constituição da Republica Portuguesa anotada — Volume I; 4ª Edição; Coimbra Editora; 2007; p. 392-393.).
Do exposto resulta que este critério tem de ser aferido no caso concreto, depois de analisado e ponderado o contexto e as demais circunstâncias que requeiram a pretendida restrição" (Correia, Ana Rita dos Santos, ob cit. 17 a 19).
Refere a mesma autora a pág. 34 da ob. cit "(...), a protecção constitucional atribuída ao princípio nervo tenetur se ipsum accusare não goza de carácter absoluto, sendo possível a sua compressão em caso de conflito com valores constitucionalmente protegidos cuja defesa assuma particular prevalência no caso concreto.
Nestas situações, a diminuição do âmbito de protecção do direito contra a auto-incriminação é restringida e os direitos de defesa do arguido podem ser legalmente diminuídos em ordem a proteger outros direitos de sinal contrário que, in casu, se revistam de maior necessidade de protecção. Como é bom de ver, esta análise será sempre casuística, devendo a ponderação de interesses em conflito ser devidamente apurada em cada caso, sem prejuízo de todas as dificuldades que tais apreciações carreiam9l. Ponderadas todas as circunstâncias, caso a restrição ao nemo tenetur se revele fundada e legítima, a prova produzida é válida e produz todos os seus efeitos legais.
Ao invés, se o interesse a proteger não for prevalecente, a recusa do arguido em contribuir para a sua auto-incriminação é legítima e a prova assim produzida não pode produzir efeitos. As provas obtidas em violação do direito de protecção contra a auto-incriminação deverão considerar-se nulas e não podem ser utilizadas (conforme resulta da articulação do disposto no art. 32°, n.° 8 da CRP com o previsto no art. 126°, n.° 1 e n.° 2 do CPP) por, no limite, configurarem "um atentado à integridade moral da pessoa (...), particularmente qualificado na medida em que redunda na degradação da pessoa em mero objecto ou instrumento contra si própria numa área onde cabe assegurar a expressão da plena liberdade e auto-responsabilidade" (MANUEL DA COSTA ANDRADE; Sobre as Proibições„.; ob. cit,; p.126.)
Ainda que o arguido seja erroneamente levado a contribuir para a sua auto-incriminação, através de meio enganoso, ou sob coacção ou ameaça, a prova obtida é nula nos termos do disposto no art. 126.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e d) do CPP, não podendo ser utilizada. Por meios enganosos devem entender-se todos aqueles que "forne[çam] elementos falsos acerca de depoimentos ou outros elementos fáticos existentes nos autos para determinar o interrogado a modificar as suas declarações" (MARQUES FERREIRA apud FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO; "Supervisão do mercado..."; ob. cit.; p.115; §111,) o      que se traduz na necessidade de se verificar uma "falsidade intencionalmente indutora de uma declaração que, uma vez esclarecida, não seria legitimamente feita" (FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO; "Supervisão do mercado,.."; ob. cit.; p.115; § 111).
O exercício do direito à não auto-inculpação através da recusa na entrega de documentos pelas pessoas colectivas assume particularidades que, para o legitimar, passam pela verificação de alguns requisitos. Desde logo, importa apurar se o documento pretendido é um documento cuja existência é legalmente obrigatória (como o    caso das atas), ou se é um documento cuja existência é incerta. No primeiro caso, a exibição do documento pode traduzir-se na aplicação de uma sanção à pessoa colectiva pela falta de colaboração, podendo o documento ser obtido através da realização de diligências de obtenção de prova legalmente autorizadas e ordenadas. Caso assim não fosse, não faria sentido impor às pessoas colectivas o cumprimento de determinadas obrigações legais cujo (in)cumprimento não poderia nunca ser aferido. Na segunda situação, atenta a ausência de previsão legal que imponha a existência do documento previsivelmente pretendido, ainda que o mesmo exista, a pessoa colectiva não tem qualquer dever de o fornecer à entidade requerente que, em bom rigor, não qualquer garantia da sua existência.
A utilização de documentos auto inculpatórios em processos sancionatórios contra as arguidas dependem ainda da verificação do cumprimento dos deveres de informação, designadamente se lhes foi devidamente informado que os documentos entregues poderiam ser utilizados contra si num processo sancionatório que venha a ser-lhes instaurado. Este esclarecimento é necessário à formação da vontade, de modo a que a pessoa colectiva possa, esclarecidamente, decidir se opta pela colaboração voluntária, podendo assim beneficiar das atenuantes associadas a tal comportamento, ou, ao invés, decide invocar o nemo tenetur e não entregar os documentos pretendidos, conformando-se com as consequências advenientes desta sua opção.
Descendo à questão da concorrência ...
As disposições da LdC consagram amplos deveres de cooperação aos agentes que exerçam a sua actividade no âmbito da tutela da AdC. Uma vez aberto o inquérito (art. 17° da LdC), a AdC dispõe de uma panóplia de poderes de que pode socorrer-se para melhor instruir o processo sancionatório em curso, tais como poderes de inquirição, busca e apreensão (arts. 18°, 19° e 20° da LdC), poderes que podem ser legalmente exercidos mesmo quando os visados não são ainda arguidos. A AdC pode solicitar à empresa, seu(s) representante(s) legal(is), ou demais pessoas envolvidas "documentos e outros elementos de informação que entenda conveniente ou necessários para o esclarecimento dos factos" (art. 18°, n.°1, alínea a) da LdC), através de notificação que deverá conter "a base jurídica, a qualidade em que o destinatário é solicitado a transmitir informações e o objectivo do pedido [e] a indicação de que o incumprimento do pedido constitui contra-ordenação" (art. 15°, n.° 1, alíneas a) e d) e art. 43°, n.° 2 da referida lei, este último preceito referente ao exercício dos poderes de supervisão).
No âmbito da concorrência assume especial relevo a jurisprudência do TJCE, a qual tem contribuído para a concretização do alcance do direito à não auto-incriminação no cumprimento de deveres de colaboração para a defesa da integridade dos mercados, conforme os existentes relativamente à Comissão nos termos do disposto no art. 105° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (correspondente ao art. 85° do Tratado da Comunidade Europeia), aliado ao regime previsto no Regulamento n.° 1/2003.
As soluções alcançadas repercutem-se na regulação nacional da concorrência bem como na jurisprudência nacional, assumindo particular interesse a decisão do acórdão Orkem (Acórdão do TJCE de 18 de outubro de 1989, acessível em: http://eur-lex.europa.cuilegal-content/PT/TXTPuri-CF1 FX963A61987CJ0374.), que definiu em que consiste o dever de responder ao pedido de informações realizado pela Comissão e donde se extrai que "a Comissão tem o direito de obrigar a empresa a fornecer todas as informações necessárias relativas aos factos de que possa ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir, em relação a ela ou a outra empresa, para comprovar a existência de um comportamento anti-concorrencial, já no entanto não pode, através de uma decisão de pedido de informações, prejudicar os direitos de defesa reconhecidos à empresa. Deste modo, a Comissão não pode impor à empresa a obrigação de fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência de infracção, cuja prova cabe à Comissão" (Parágrafos 34 e 35 do referido acórdão, conforme citado por HELENA GASPAR MARTINHO; "O direito ao silêncio e à não auto-incriminação nos processos sancionatórios do direito comunitário da concorrência - Uma análise da jurisprudência dos tribunais comunitários"; in Revista de Concorrência e de Regulação; Ano I; n.° 1; Coimbra; 2010; p. 151-152.). A importância desta concretização traduziu-se na consagração da mesma como disposição legal, correspondendo assim ao conteúdo do art. 23° do Regulamento n.° 1/2003: "A Comissão deverá dispor, em todo o território da Comunidade, de poderes para exigir informações necessárias para detectar eventuais acordos, decisões ou práticas concertadas proibidas pelo [à data] art. 81° do Tratado, ou eventuais abusos de posição dominante proibidos pelo [à data] art. 82.º do Tratado. Ao cumprirem uma decisão da Comissão, as empresas não podem ser forçadas a admitir que cometeram uma infracção, mas são de qualquer forma obrigadas a responder a perguntas de natureza factual e a exibir documentos[4], mesmo que essas informações possam ser utilizadas para determinar que elas próprias ou quaisquer outras empresas cometem uma infracção".”
Ora, da análise dos autos, e como a recorrente reconhece, na sequência da realização das buscas foram solicitadas informações e realizadas buscas em computadores de colaboradores da empresa recorrente. Tudo o que foi realizado foi vertido em auto, cuja veracidade não foi colocada em crise. Os pedidos de informação não violam o princípio que analisamos supra, como facilmente podemos, agora concluir.
A recorrente argumenta que se viu obrigada a facultar tais informações e de facultar a busca nos computadores sob pena de cometer uma contra-ordenação, ou seja, viu-se forçada a colaborar. Não obstante, esquece que “a advertência da possibilidade de contra-ordenação constitui um dos elementos obrigatórios do pedido de elementos e não corresponde a qualquer tipo de coerção ou ameaça mas sim à informação devida pelo incumprimento do solicitado, incumprimento esse que se tivesse ocorrido terá de ser objecto de diferente processo também ele com as necessárias garantias de defesa. (Ac. que vimos seguindo)”
“Vejamos agora a questão sob o prisma material pois que mesmo que tudo tenha sido formalmente correcto pode-se ainda dar o caso de que o solicitado represente, intrinsecamente, uma violação do direito à não incriminação.”
Reanalisados os autos não se vê, ao contrário do defendido pela recorrente, que do pedido formulado pela AdC resulta que a recorrente foi colocada em situação em que se auto-incrimina(va).
“Repete-se: não interessa que a partir da resposta se possa concluir pela comissão de um acto ilícito; interessa que do pedido não resulte que, à partida, se está a colocar o respondente numa situação em que o mesmo se auto incrimina.
É este, aliás, o sentido da Jurisprudência do TJCH que refere que "Ao cumprirem uma decisão da Comissão, as empresas não podem ser forçadas a admitir que cometeram uma infracção, mas são de qualquer forma obrigadas a responder a perguntas de natureza factual e a exibir documentos, mesmo que essas informações possam ser utilizadas para determinar que elas próprias ou quaisquer outras empresas cometem uma infracção" (Acórdão Orkem, do TJCE de 18 de Outubro de 1989, acessível em: http://eur-lex.europa.eu/leg_al-content/PT/TXT/?uri-CELEX%3A61987C10374. )
Assim, as empresas, no âmbito dos deveres de cooperação a que estão adstritas, estão obrigadas a entregar documentos que possam ter relevância para sua inculpação, não lhes sendo permitida a recusa de entrega e exibição de documentos pré-constituídos, ou de prestação de informação factual. É no entanto permitida a recusa a respostas donde emane a admissão directa de uma infracção concorrencial. Nas situações em que as empresas decidam livremente responder às questões colocadas pela Comissão, ou em que as decisões proferidas não tenham em consideração as respostas ilegais, não há violação do direito à não auto-incriminação.
Disto isto, do perguntado e solicitado nada ofende o direito de não incriminação da recorrente pois que o pretendido se insere na perspectiva do objecto da investigação, por um lado, e o do solicitado não resulta, prima facie que das respostas possa resultar qualquer incriminação da recorrente.”
*
D - Constituição com visada
No entender da recorrente as diligências de busca e apreensão realizadas são nulas por falta de constituição como visada.
O tribunal a quo conheceu da questão e fundamentou-a do seguinte modo[5]:
“Da validade das diligências de busca e apreensão por falta de constituição da recorrente como visada.
24.   Neste seguimento, o primeiro passo a tomar sobre a validade da decisão impugnada é o problema inerente à obrigatoriedade de constituição da visada/recorrente como nessa qualidade processual, no âmbito de processo contra-ordenacional e em momento prévio à realização das diligências de busca e apreensão, de modo a investi-la no respectivo estatuto processual e por deferência subsidiária e equivalência temática com as regras previstas no Direito Processual Penal.
25.   Indo cerce ao que interessa, sendo ocasionalmente revisitada esta problemática em recursos de impugnação judicial pendentes neste Tribunal apesar de, ao que julgamos saber, ser unívoca a resposta dos Tribunais Portugueses, diremos que inexiste qualquer razão, fundamento ou atendimento suficiente, bastante ou eficiente para a aplicação do estatuto processual previsto no art.º 57.º do CPP ao Direito Contra-ordenacional, precludindo qualquer invalidade decorrente da ausência de acto formal de constituição da recorrente como visada/arguida em momento prévio ou posterior das diligências de busca e apreensão.
26.   Para sustentar a respectiva posição, a visada defende a necessidade de constituição das empresas como visadas antes ou aquando da realização das buscas e apreensão, por aplicação analógica (subsistindo uma lacuna no NRJC e no R.G.CO.) do art.º 57.º, ex vi artigos 13.º do NRJC e 41.º, n.º 1 do R.G.CO., mais concluindo que essa omissão de constituição no caso prático tem como consequência a ilegalidade das buscas e apreensões de correio electrónico às visadas.
27.   Salvo melhor opinião, aquela posição intelectual parte de uma premissa lógica, construída, no entanto, mediante uma formulação abstracta, segundo a qual a omissão de um acto formal de constituição das empresas como visadas no âmbito de processo contra-ordenacional, e em momento prévio ao cumprimento formal do art.º 50.º do R.G.CO., redundará necessária e apodictamente numa ablação dos seus direitos de defesa por inexistência de acto atributivo de um estatuto e constitutivo de direitos processuais.
28.   Não obstante, remetemos, no essencial, para as teses defendidas da sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa de 2 de Maio de 2007 (acessível em concorrencia.pt), segundo as quais: i. nem a Lei da Concorrência nem o RGCO contêm regras relativas à constituição do arguido; ii. as regras relativas à obrigatoriedade de constituição formal do arguido não têm aplicação in totum no processo contra-ordenacional; iii. o núcleo dos direitos que assistem ao arguido no processo contra-ordenacional não dependem da sua constituição formal como arguido e decorrem da Lei e da Constituição, existindo esse estatuto desde o início do processo e independentemente de qualquer acto formal; iv. A constituição formal de arguido não é necessária para dar a conhecer aos arguidos os seus direitos, mercê da neutralidade axiológica das contra-ordenações, entendendo o legislador que as garantias de defesa ficavam salvaguardadas com a previsão do art.º 50.º do R.G.CO. – neste sentido cfr. AUGUSTO SILVA DIAS, Direito das Contra-ordenações, Almedina, págs. 204 a 206[6].
29.  Este entendimento, sempre constante, do Tribunal de Comércio foi confirmado pelo Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Abril de 2013, proc. 349/11.7TYLSB.L1 – cfr. fls. 172 a 174[7].
30.  Ora, se “esse conhecimento [de todos os direitos] não depende, por certo, da constituição formal como arguido, mas depende seguramente da informação da autoridade administrativa competente para dar início e seguimento ao processo contra-ordenacional” - AUGUSTO SILVA DIAS, ob. cit, Almedina, pág. 205 a 206, julgamos que, na falta de regime especial, subsiste uma evidente desnecessidade de aplicação subsidiária do estatuto de arguido do processo penal ao processo contra-ordenacional, porquanto, para efeitos da legalidade e validade de buscas e apreensões, o NRJC não demanda qualquer acto formal de constituição do estatuto de visada para conhecimento e atribuição processual dos respectivos direitos, sendo que tal imposição não existe no R.G.CO. nem em nenhum regime especial ou sectorial, decorrendo tais direitos da própria Lei e devendo ser afirmados desde o início do processo.
31.   Julgamos que a viabilidade de concatenação lógica entre a desnecessidade de aplicação subsidiária do estatuto de arguido do processo penal e a arguição da invalidade como pugnada pela visada seria a de evitar uma construção abstracta dessa obrigatoriedade de constituição formal, assumindo-se antes que, casuisticamente, esse acto pode-se revelar concretamente necessário e precisamente para assegurar as garantias de defesa num determinado processo, excurso racional que o recurso de impugnação judicial não desenvolve por referência à concreta posição processual da visada, às concretas diligências probatórias efectuadas e à comunicação das decisões de abertura de processo, de atribuição de segredo de justiça, de requerimento de diligências probatórias, do despacho do Ministério Público e dos mandados de buscas e apreensão.
32.   Por outro lado, nada obsta que essa eventual e hipotética invalidade não seja reparada com o cumprimento formal do art.º 50.º do R.G.CO.
33.  Prosseguindo no que respeita à suficiência da lei contra-ordenacional quanto à constituição do estatuto processual de visada, “O que a lei regula são os actos processuais essenciais para a tramitação dos autos que, pelo seu conteúdo e significado, permitem identificar momentos anteriores e posteriores aos mesmos e a sua sujeição a um regime específico”, importando para tal os seguintes momentos essenciais; “ (...) i) a imputação das infracções ao arguido pela autoridade administrativa; ii) a defesa perante essa imputação; iii) a eventual realização de diligências adicionais de prova; iv) a decisão final da autoridade administrativa; v) eventual impugnação judicial desta decisão pelo arguido” – FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, Direito de Audição e Direito de Defesa em Processo de Contraordenação: Conteúdo, Alcance e Conformidade Constitucional, RPCC, Ano 23, n.º 1, Janeiro-Março 2013, fls. 74.
34.   Independentemente do seu carácter invasivo, as diligências probatórias de busca e apreensão, expressamente previstas para a acção sancionatória do NRJC, não integram qualquer momento essencial do processo contra-ordenacional por infracções ao Direito da Concorrência, e não cumprem nenhum desiderato autónomo e obrigatório do cumprimento dos direitos de audição e defesa, pelo que não correspondem a quaisquer actos essenciais para a tramitação do procedimento.
35.   Outrossim, a única interpretação admissível do art.º 50.º do R.G.CO. é que o direito de audição e defesa tem de ser efectivamente cumprido nesse momento processual, independentemente do receptáculo processual que lhe sirva como meio de comunicação e concessão da oportunidade de defesa.
36.   Por conseguinte, as diligências probatórias de busca e apreensão representam apenas meios processuais de aquisição de prova do facto ilícito, sendo por vezes o momento despoletador da acção sancionatória, e que, no rigor da lei adjectiva, não exigem o cumprimento de qualquer conteúdo obrigatório ou acto formal prévio para a sua validade, e sem prejuízo do respeito pelas normas de competência para as providências de aquisição probatória que lhe são inerentes.
37.   A visada fundamenta a arguição desta invalidade somente por referência à aplicação subsidiária do CPP e quanto ao seu art.º 57.º.
38.  Esta chamada do Direito subsidiário encontra-se liminarmente inquinada por inoperacionalidade de aplicação do art.º 41.º do R.G.CO. e pela inaplicabilidade da estrutura acusatória ao processo contra-ordenacional.
39.   “Este regime [art.º 41.º do R.G.CO.] exige, portanto, uma actividade interpretativa do aplicador do Direito, basicamente centrada em dois momentos: em primeiro lugar, o aplicador terá de determinar se é necessário e admissível para regular certa questão do Direito de Mera Ordenação Social recorrer aos preceitos do Direito Processual Penal, em segundo lugar, se a resposta a esta questão for positiva quanto às duas exigências (necessidade e admissibilidade), terá de ser realizada uma segunda operação hermenêutica que consiste em determinar se as normas do Direito Processual Penal se aplicam literalmente ou se têm de ser «devidamente adaptadas» à estrutura, funcionamento, valores e fins do processo de contra-ordenações” - FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, A figura do assistente e o processo de contra-ordenação, RPCC, Ano 12, n.º 1, Janeiro-Março 2002, fls. 112 e 113.
40.   Neste conspecto, a aplicação do regime previsto nos artigos 57.º e 58.º do CPP falha, em toda a linha, este criterioso juízo de aplicação subsidiária, seja por inexistência de uma situação jurídica carente de solução exterior ao R.G.CO. ou ao NRJC e que seja adequada ao processo sancionatório, seja por uma notória inadaptação dos pressupostos formais daquele acto formal de inquérito decorrente da indiciação de um crime, obrigatório numa estrutura acusatória do processo penal, ao cumprimento do direito de audição e defesa na fase administrativa do processo contra-ordenacional.
41.   Donde resulta, em nosso entender, que o estatuto processual de visado em processo contra-ordenacional deve ser observado à luz do cumprimento do art.º 50.º do R.G.CO. e sem que se possa exigir a obrigatoriedade de um acto formal de constituição dos destinatários de diligências probatórias em visadas.
42.   Uma conclusão deste tipo e pelos consequentes vícios de nulidade e de proibição de prova ou de inconstitucionalidade, nulidade e inadmissibilidade nos termos conjugados dos artigos 18.º, n.º 1, alínea c), e 2, e 20.º do RJC, 126.º, n.º 3, 179.º do CPP, e 18.º, 26.º, 32.º, n.os 4 e 8, 34.º, 61.º e 62.º da CRP e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, acarretaria, num só golpe, o colapso de todo o Direito Probatório Processual jusconsolidado no Direito Contra-ordenacional.
43.   Seguimos, por adesão e valência intelectual, as conclusões da AdC na respectiva resposta ao recurso de impugnação judicial, expostas nas seguintes preposições: i. no Código de Processo Penal não se encontra prevista a obrigatoriedade de constituição de arguido em momento prévio à realização de diligências de busca e apreensão, conforme resulta a contrario dos artigos 57.º, 58.º e 59.º do CPP; ii. uma pessoa ou uma empresa pode ser alvo de buscas sem que seja posteriormente constituída arguida; iii. a qualidade de buscado não tem de ser necessariamente coincidente com a de visado quer ao momento das diligências de buscas, quer em momento posterior; iv. no processo contra-ordenacional da concorrência não existe um momento formal e autónomo de constituição de visado, uma vez que tal constituição não é necessária à garantia dos seus direitos, não contendo o NRJC qualquer disposição relativa à obrigação, ao tempo e ao modo de constituição de visado; v. mesmo em momento posterior ao da realização das diligências de busca e apreensão, e ao contrário do que ocorre no processo penal, no direito contra-ordenacional não existe um momento formal e autónomo de constituição de visado, uma vez que tal constituição não é necessária à garantia dos seus direitos; vi. da análise do art.º 32.º da CRP verifica-se a existência de diferenças substanciais entre o processo criminal em geral e o regime geral das contra-ordenações (consagrado no n.º 10 deste preceito; vii. o legislador pretendeu, de forma intencional, perante a diferença de natureza dos ilícitos – os penais e os contra-ordenacionais – que as regras processuais penais não tivessem aplicação in totum no direito contra-ordenacional, não incluindo, nem no R.G.CO., nem no NRJC, uma norma prevendo a constituição formal de visado, não se tratando, portanto, de uma lacuna.
44.   Do mesmo modo, seguimos, pela proficiência, as alegações finais do Ministério Público sobre a inexistência de qualquer subsidiariedade do estatuto de arguido do processo penal face ao estatuto de visado em processo contra-ordenacional, esteirado aquele na diferença qualitativa entre o Direito Penal e o Direito de Mera Ordenação Social.
45.   Ao contrário do que a visada/recorrente defende – cfr. conclusões x) a xxiii) do recurso de impugnação judicial, a sucessão de Leis no Direito da Concorrência após a jurisprudência citada não implicou qualquer secessão do entendimento jurisprudencial nesta matéria, aplicando-se aqueles mesmos fundamentos, in totum, ao NRJC e sem que a redacção dos artigos 15.º, n.º 1 al. a) e 18.º desse regime consubstanciem quadro normativo substancialmente alterado.
46.   A interpretação que a visada concede a estes artigos para efeitos da procedência da sua posição é, no mínimo, literal e teleologicamente abusiva e, na essência, ab-rogativa de qualquer sistematicidade no Direito Contra-ordenacional.
47.   O que tais normativos exigem é a identificação da qualidade de visado para efeitos da comunicação de decisões inerentes ao exercício dos poderes sancionatórios e de supervisão são atribuídos por lei à AdC, o que resulta expresso e manifesto do despacho de autorização das diligências de busca e de apreensão e dos respectivos mandados por referência aos indícios da prática de infrações ao Direito da Concorrência e á investigação dos mesmos no âmbito de processo sancionatório regulado pelo NRJC.
48.  Repudiamos, frontalmente, que tenha ocorrido uma alteração de posicionamento do legislador, sem prejuízo do que infra se disser acerca da dialéctica entre dever de colaboração vs direitos à não auto incriminação e aos critérios da concordância destas preposições em sede de Direito Contra-ordenacional5.
49.   Por fim, importará dizer que as supostas apreensões feitas na sequência de pesquisas informáticas em computadores de funcionários que não se encontravam nas instalações de Leça do Balio (hipótese levantada pelo recuso de impugnação judicial e não probatoriamente confirmada) foram necessariamente efectuados em cumprimento do mandado para buscas e apreensões e não ao abrigo do expediente processual previsto no art.º 15.º, n.º 1 al a) do NRJC mediante a advertência prévia determinada no art.º 31.º, n.º 56 do NRJC e mediante a advertência prevista nos artigos 68.º, n.º 1 al. h)(7) e 69.º, n.º 38 do mesmo regime[8] (9), razão pela qual a sua hipotética invalidade só poderá decorrer de eventual excesso de apreensão face ao objecto da autorização judiciária (a analisar infra), já que, para todos os efeitos, a sua consulta/pesquisa a esses computadores ocorreu em cumprimento do respetivo mandado de forma coerciva e independentemente da colaboração da empresa visada.
50.   Isto é, para o que vale, tais computadores foram pesquisados fora do âmbito de qualquer pedido de elementos por parte da AdC e em estrito cumprimento do mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público e nas instalações visadas nesse mesmo mandado.
51. Concluímos, então, que a não constituição da empresa SB…, Bebidas, S.A. como visada em momento anterior às diligências de busca e apreensão não constitui qualquer nulidade ou irregularidade processual.”
Resulta da decisão recorrida supra transcrita, no que a esta parte do recurso diz respeito, que a mesma se encontra devidamente fundamentada e com acerto.
Na verdade, subscrevemos inteiramente o entendimento de que não há lugar á aplicação subsidiária do regime da constituição de arguido previsto em processo penal, (bem desenvolvido no Ac. desta Relação de Lisboa de 4 de abril de 2013, Proc. n.º 349/11.7TYLSB.L1, Relator Calheiros da Gama, disponível in http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Decisoes_Judiciais/contraordenacionais/Documents/ANEPE%20IDF_11_11_TRL_04.04.2013.pdf) nem existe qualquer nulidade decorrente da não constituição da recorrente como visada, nos termos bem analisados e decididos na primeira instância a que se adere sem necessidade de qualquer desenvolvimento.
*
E - Falta de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca e exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.
A recorrente suscitou no recurso que intentou para o TCRS da decisão da AdC a questão referida, suscitando nulidades decorrentes da forma como foram realizadas as buscas e as apreensões.
O tribunal a quo conheceu da questão nos termos que se transcrevem[9]:
Da legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.
115. Outra premissa explicativa desta decisão decorre da recente pronúncia deste Tribunal e deste signatário, constante das sentenças de 03-05-2018, proferida no âmbito do processo n.º …/…, e da sentença de 17-05-2018, proferida no âmbito deste processo e PRC/…/… – apenso A, tendo tais decisões transitado em julgado sem qualquer interposição de recurso[10](25).
116. Apesar da visada não o identificar expressamente, a sindicância que este recurso de impugnação judicial envolve dirige-se, naquilo que importa, à autorização das diligências de busca e apreensão quanto à sua justificação e proporcionalidade e aos limites da execução e cumprimento dos mandados pela AdC.
117. Efectivamente, todas as alegações da visada neste apenso correspondem, essencialmente, às alegações vertidas na impugnação judicial conhecida naqueles processos e no âmbito de processo contra-ordenacional instaurado pela AdC por práticas restritivas da concorrência, pelo que aqui se reiterará o nosso entendimento mercê da inexistência de qualquer razão superveniente para transmutar a nossa pronúncia.
*
118. Não obstante este contexto da instância jurisdicional, o fundamento primacial da decisão interlocutória da AdC de 3 de Agosto de 2018 e do indeferimento das pretensões da visada consignada no requerimento indicado no ponto J) dos factos provados, prende-se com o entendimento da AdC quanto à sua própria competência para apreciar da validade, legalidade e regularidade das diligências de busca e apreensão determinadas por autoridade judiciária no âmbito do NRJC e para conhecer dos termos de cumprimento do mandado pela AdC e da nulidade desse mesmo mandado por violação do art.º 126.º, n.º 3 do CPP e do regime processual de prova proibida na dimensão da aquisição probatória ilícita de correspondência sem o consentimento do respectivo titular.
119. Por sua vez, o centro nevrálgico da posição da visada/recorrente neste recurso aquilata-se, de modo preclaro, na sua declarada pretensão em aferir da legalidade do mandado de busca e apreensão, emitido por autoridade judiciária, quanto à apreensão do correio electrónico[11](26) e demais diligências realizadas nas instalações da visada, identificadas no ponto
C) dos factos provados.
120. Ora, este Tribunal, além das sentenças acima referidas que partilham o mesmo objecto de impugnação, no âmbito de recursos de medidas interlocutórias proferidas em processos de contra-ordenação instaurados por práticas restritivas da concorrência – cfr. sentença de 25-10-2016, proc. n.º 195/16.1YUSTR, transitada em julgado - já teve oportunidade de exprimir o seu entendimento quanto à sindicância das diligências de obtenção de prova determinadas por autoridade judiciária que não o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.
121. Terá cabonde nesta instância a revisitação dessa fundamentação, que entendemos de contributo sistemático para o regime do segredo de negócio e para a compreensão dos limites de actuação da AdC e da legalidade das decisões interlocutórias[12](27).
122. Efectivamente, como temos vindo a assinalar em várias decisões, os poderes de busca, exame, recolha e apreensão previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 18.º do NRJC[13](28) traduzem-se numa “das linhas de força do novo RJC: a maior agressividade em termos de meios coactivos”, tanto nos locais onde as diligências podem ser efectuadas como em relação à documentação, independentemente da sua natureza e suporte - LOBO MOUTINHO e PEDRO DURO, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, Almedina, pág. 209.
123. Todavia, por uma opção expressa e inequívoca do legislador, tais diligências estão sujeitas a um regime de controlo e validação de autoridade judiciária, integrando a protecção qualificada de espaços domiciliários ou equiparados (dependência fechadas, escritórios de advogados ou consultórios) e de apreensão de documentos - cfr. artigos 19.º[14](29), 20.º[15](30) e 21.º[16](31) do NRJC - em linha com os poderes de investigação criminal.
124. Por via da tutela e da dignidade constitucional conferida aos direitos, liberdades e garantias conexionadas com a protecção da vida privada, do domicílio, da correspondência ou das telecomunicações, o legislador foi clarividente ao atribuir competência jurisdicional própria, exclusiva e autónoma às autoridades judiciárias com competência em matéria criminal para as diligências de busca e apreensão de documentos de visadas em processo contra-ordenacional e no âmbito do NRJC.
125. Esta definição do foro de competência, por um lado, delimita o exercício dos poderes de investigação e aquisição probatória atribuídos à AdC, e, por outro, garante um nível de protecção dos direitos e interesses das visadas acrescido pela via da equiparação das diligências de busca, exame, recolha e apreensão, previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 dos arts.º 18.º, 19.º e 20.º do NRJC, às diligências de busca e apreensão do processo penal.
126. Fora deste âmbito, à luz dos artigos 18.º, n.º 2; 19.º, 20.º e 21.º do NRJC, este Tribunal não dispõe de qualquer competência material ou hierárquica própria, exclusiva e autónoma para sindicar as decisões das autoridades judiciárias competentes para as diligências previstas no art.º 18.º, n.º 1 al. c) e d) do NRJC.
127. Como tal, a proposta de enquadramento processual defendida pela visada/recorrente incorre numa grosseira ab-rogação do regime processual, cujas consequências significariam a subversão total do regime de aquisição probatória transversal ao Direito Público Sancionatório.
128. Imagine-se a situação processual em que este Tribunal apreciaria a legalidade de um mandado emitido por Juiz de instrução nos termos do art.º 19.º, n.º 1 do NRJC, concluindo pela nulidade daquele exercício de competência e pela utilização de um método proibido de prova, validado pelo mesmo Juiz de Instrução e cujas decisões não podem ser controladas por um outro Tribunal de 1.º instância em completa preterição das regras de extensão e limites da competência jurisdicional segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território, sujo resultado seria um evidente desaforamento daquela competência.
129. Assim, este Tribunal, o qual não dispõe de qualquer competência própria, exclusiva e autónoma para deferir diligências probatórias invasivas e lesivas de direitos, liberdade e garantias, ver-se-ia instituído num poder horizontalmente paralelo do Juiz de Instrução mas hierarquicamente superior no que importasse à revisão, sindicância e aferição da sua legalidade/ilegalidade.
130. O mesmo deve valer para o Ministério Público, atento o seu figurino constitucional, funções e estatuto, nomeadamente o Ministério Público junto do DIAP e enquanto autoridade competente para o exercício da acção penal.
131. Julgamos que a doutrina e o regime processual não admitem esta consequência.
132. “Os regimes especiais prevêem a autorização judicial de busca, mas discute-se qual é o juiz competente. Em regra, o juiz competente é do Tribunal que conheceria da impugnação judicial da decisão administrativa e não do juiz de instrução” – PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, página 166, anotação ao artigo 42.º.
133. Todavia, no NRJC o legislador não deixou qualquer margem de dúvida no sentido em que confere às autoridades judiciárias competentes em matéria criminal – Ministério Público e Juiz de Instrução – a competência para o deferimento de diligências de busca e apreensão de documentos.
134. Assim, se “as nulidades e irregularidades das buscas são arguidas diante de quem as ordenou” – idem, pág. 166, as nulidades e irregularidades decorrentes das diligências de busca e apreensão determinadas pelas autoridades judiciárias competentes em matéria criminal devem ser arguidas perante aquelas autoridades – por reclamação hierárquica, requerimento ou até impugnação judicial - e sujeitas a instância recursiva para aquele foro.
135. Seguindo a remissão dos artigos 83.º do NRJC e 41.º do R.G.CO., afigura-se-nos concludente que o regime processual penal de sindicância da validade das medidas de obtenção de prova restritivas de direitos fundamentais, sujeita a reserva de lei e de autoridade judiciária para a respectiva autorização, há-de servir para acolher a pretensão da visada/recorrente de sindicância da validade, legalidade e regularidade dos mandados de busca e apreensão, emitidos no âmbito de medida restritiva determinada em processo contra-ordenacional.
136. Este regime processual – previsto nos artigos 119.º; 120.º; e 174.º a 186.º do CPP – permite a cominação de vício de nulidade sanável em caso de preterição de formalidades essenciais, mediante a arguição de inexistência, nulidade ou irregularidade do acto respeitante ao inquérito perante o Ministério Público, mediante despacho passível de reclamação para o respetivo superior hierárquico – neste sentido e analisando diferente casuísmo inerente à autonomia de actuação do Ministério Público na fase de inquérito e à limitação da intervenção de JIC aos casos expressamente tipificados na lei cfr. Ac. RP, de 26¬02-2014, proc. n.º 9585/11.5TDPRT.P1, relator EDUARDA LOBO; Ac. RL de 22-11-2017, proc. n.º 684/14.2T9SXL.L2-3, relator JOÃO LEE FERREIRA[17]32 e Ac. RP de 02-11-2005, proc. n.º 0541293, relator ANTONIO GAMA[18]33, Ac. RG de 05-12-2016, proc. 823/12.8PBGMR.G1, relator PAULA ROBERTO[19]34; Ac. RG de 20-09-2010, proc. n.º 89/09.7GCGMR.G1, relator TERESA BALTAZAR[20]35, todos disponíveis em dgsi.pt.
137. Este regime de sindicância, em glosa qualificada naqueles arestos[21]36, acarreta uma consequência interpretativa a fortiori ratione, no sentido em que, se no processo criminal o exercício de competências probatórias restritivas de direitos, liberdade e garantias pelo Ministério Público se encontra salvaguardado por aquele regime de sindicância correspectivo da sua autonomia e domínio do inquérito, tornar-se-ia flagrantemente inadmissível que o Juiz da Concorrência, Regulação e Supervisão pudesse intervir no controlo dessa actividade além daquilo que o Juiz de Instrução pode nos termos da lei processual penal.
138. Assim, admitir que o Juiz da Concorrência, Regulação e Supervisão, o qual não dispõe de qualquer competência para decidir medidas probatórias restritivas ou coactivas, pudesse rever o exercício dessas competências pelo Ministério Público, enquanto autoridade judiciária competente em matéria criminal, distorceria as regras processuais de determinação do direito processual aplicável, subvertendo o equilíbrio constitucional deferido aos processos sancionatórios de natureza pública e previsto no art.º 32.º da CRP.
139. Em suma, com a construção propugnada pela visada/recorrente, o processo contra-ordenacional assumiria uma instância de controlo das medidas probatórias restritivas e previstas nos artigos 18.º, n.º 2, 19.º, 20.º e 21.º do NRJC que iria além do controlo das medidas restritivas em processo criminal e que nem sequer dispõe de norma expressa habilitante, além de contrariar o regime contra-ordenacional de subsidiariedade.
140. Ainda assim, entendemos que pode ser aportado um outro argumento, sequente dos precedentes e que visa trazer algum equilíbrio à protecção dos interesses da visada/recorrente no âmbito do processo contra-ordenacional.
141. Se nos é permitido, qualificaríamos este anunciado argumento de funcionalidade normativa e processual do controlo jurisdicional.
142. Compreendida que seja a natureza do controlo jurisdicional efectuado por este Tribunal das decisões proferidas pela AdC no âmbito do processo contra-ordenacional, diríamos que o resultado da diligência processual determinado pelo mandado emitido pelo Ministério Público se apresenta, nesta fase, inócuo para o sancionamento da visada por práticas restritivas da concorrência.
143. Isto é, a relevância da prova apreendida no que tange ao sancionamento da visada/recorrente é necessariamente prematura e precária, pois que a AdC, no momento processual em que a decisão interlocutória impugnada foi proferida, não havia procedido a qualquer acto processual tendente à utilização dessa prova para demonstração da infracção, mormente quanto à sua utilização na nota de ilicitude.
144. Aliás, tão mais prematura é essa relevância que, como temos vindo a dizer, essa apreensão não isenta a AdC de um juízo de utilidade e aferição do valor probatório nos actos de prosseguimento processual do respectivo processo sancionatório e que pode, em abstracto, conduzir a uma decisão de irrelevância e desentranhamento da prova, esvaziando a ilegalidade da restrição que a visada/recorrentes quer ver sindicada.
145. Por conseguinte, uma vez que este Tribunal, nos termos do art.º 88.º do NRJC, tem competência de plena jurisdição para conhecer dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela AC… pecuniária compulsória, julgamos que nunca poderá estar afastada a possibilidade de aferir do regime processual de utilização de métodos proibidos de prova, por referência ao art.º 126.º, n.º 3 do CPP.
 146.     No entanto, entendemos que esse conhecimento de plena jurisdição depende, apodictamente, da efectiva e concreta utilização no processo contra-ordenacional de provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular, ressalvados os casos previstos na lei.
147. Este argumento de funcionalidade normativa e processual pretende assinalar que o exercício desse controlo de plena jurisdição, no segmento de sindicância de nulidades decorrentes da utilização de métodos proibidos de prova, depende da utilização, pela AdC, dessas provas supostamente obtidas de modo ilegal.
148. Esta utilização terá, necessariamente, de consubstanciar uma utilização processual própria, autónoma e funcionalizada ao exercício das competências sancionatórias da AdC no âmbito de processo contra-ordenacional e de acordo com a tramitação prevista no NRJC.
149. Ora, neste PRC/…/…, a AdC limitou-se a requerer as diligências de prova e a executar os respectivos mandados, nos termos determinados pelos despachos do Ministério Público, enquanto autoridade judiciária, sem que tenha existido, nos termos aqui propostos, qualquer utilização processual própria, autónoma e funcionalizada que possa integrar o controlo jurisdicional deste Tribunal nos termos do regime e das normas de competência previstas no NRJC.
150. Para que fique claro e ausente de dúvida, a utilização na decisão final condenatória de provas obtidas em violação do art.º 126.º, n.º 3 do CPP pode, e deve, ser controlada pelo Tribunal de recurso de impugnação judicial, porquanto configura uma utilização processual própria, autónoma e funcionalizada ao exercício das competências sancionatórias da AdC.
151. Os artigos 84.º[22]37 e o art.º 112, n.º 1 al. a) e n.º 2 al. b) da LOSJ conferem respaldo a este entendimento, pois que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão dispõe de competência recursiva exclusiva para a decisão interlocutória da AdC de 2 de Agosto de 2018, decisão essa que indeferiu as arguidas nulidades do mandado de busca e apreensão.
152. A determinação das diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizadas nas instalações da visada não corresponde a qualquer decisão da AdC, mas consubstancia, antes, um acto de competência jurisdicional do Ministério Público junto do DIAP de Lisboa.
153. Ergo, este Tribunal tem competência para conhecer das medidas interlocutórias de 3 de Agosto de 2018 mas não dispõe de qualquer competência para conhecer da legalidade (lawfulness), existência de indícios suficientes ou razoáveis (reasonable suspicion), necessidade e justificação material (substantive justification) da diligência ordenada e determinada pelo Ministério Público junto do DIAP de Lisboa.
154. De modo mais lapidar, “com esta fixação de competência territorial em Lisboa no que às autoridades judiciárias responsáveis pela prática de actos no decurso da fase administrativa do procedimento contra-ordenacional respeita, e tendo em consideração que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão está sedeado em Santarém, a competência para as infracções anti-concorrenciais fica repartida entre Lisboa e Santarém” – MARIA JOSÉ COSTEIRA/MARIA DE FÁTIMA REIS SILVA, Lei da Concorrência, Comentário Conimbricense, anotação ao artigo 21.º do NRJC, Almedina, pág. 242.
155. É que certo que, “tendo em conta a natureza das decisões proferidas pelo juiz de instrução a propósito das buscas domiciliárias e da autorização/validação das apreensões e a compreensão que delas pode resultar para os direitos, liberdades e garantia fundamentais, quer dos cidadãos (no caso das buscas domiciliárias e eventuais apreensões nelas realizadas) quer das pessoas colectivas (apreensão de documentos), tais decisões são necessariamente recorríveis” – idem, pág. 243.
156. Todavia, este desfasamento geográfico[23]38 da competência jurisdicional é acompanhado da ausência de qualquer regra reguladora da impugnação das decisões proferidas pelo juiz de instrução – idem 243, facilmente explicada por não haver, em regra e no Direito Contra-ordenacional, a intervenção de autoridades judiciárias em matéria penal e pela proibição geral de aquisição e produção de meios de prova através da intromissão de correspondência e nos meios de telecomunicação, prevista no art.º 42.º, n.º 1 do R.G.CO.
157. “Deve, pois, considerar-se a existência de uma lacuna e, por conseguinte, recorrer ao direito subsidiário de segunda linha, o Código de Processo Penal, considerando, assim, ser a decisão do juiz de instrução recorrível (artigo 399.º do Código de Processo Penal e 400.º, a contrario, do mesmo código), sendo competente para apreciar o recurso, dado a decisão recorrida ser proferida pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o Tribunal da Relação de Lisboa (secção criminal)” - idem, pág. 243.
158. Em ascese do que temos vindo a dizer, não vislumbramos qualquer obstáculo à extensão deste entendimento qualificado quando estejam em causa diligências determinadas pelo Ministério Público junto do DIAP de Lisboa.
159. A perspectiva que é trazida pelas três sentenças proferidas pelo Tribunal de Comércio de Lisboa nos processos n.º 97/06.0TYLSB[24](39), n.º 214/07.2TYLSB[25](40) e n.º 219/07.3TYLSB[26]41, respectivamente de 24 de Abril de 2007, de 3 de Junho de 2007 e de 23 de Julho de 2007, e pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de Janeiro de 2007, no processo n.º 5807/2006-5, acessível em dgsi.pt. (invocados noutros recursos com o mesmo objecto), não é diferente daquela que aqui defendemos.
160. Na aparência, tais decisões permitiriam descobrir, em abstracto, a possibilidade deste Tribunal se pronunciar sobre a legalidade, validade e regularidade da emissão de mandados de busca e apreensão e das diligências determinadas por autoridade judiciária no âmbito dos artigos 18.º, n.º 2; 19.º, 20.º e 21.º do NRJC.
161. Tais decisões teriam como escopo comum a admissão de que tal objecto de impugnação pode ser sindicado perante a AdC, perante o Tribunal competente para o recurso da impugnação judicial e com a amplitude de impugnação que a visada/recorrente pretende aqui ver reconhecida.
162. Todavia, a análise do conteúdo e do casuísmo inerente a cada uma das decisões impede, ab initio, qualquer cogitação de case law ou precedente judicial a levar em linha de conta nesta jurisdição e decisão.
163. A sentença proferida no proc. n.º 97/06.0TYLSB respeita a um mandado emitido pela própria AdC, arguindo a recorrente a necessidade de intervenção de JIC para apreensão de correspondência, tendo o Tribunal concluído, em suma, que o mandado de busca e apreensão foi valida e regularmente emitido e que os documentos apreendidos se encontravam cobertos pelo seu objecto.
164. Já a sentença proferida no proc. n.º 214/07.2TYLSB conheceu apenas da questão da extemporaneidade do recurso e da equiparação da sede de pessoas colectivas ao domicílio pessoal para efeitos da qualificação da diligência probatória, dizendo expressamente a sentença que “não havendo, por conseguinte, de apurar se a competência caberia ao Tribunal de Comércio de Lisboa ou ao Juiz de Instrução Criminal nem tão pouco que apreciar a questão do seu consentimento para a realização das buscas”.
165. Também no proc. n.º 5807/2006-5 a pronúncia da Relação de Lisboa se revela de remoto aproveitamento, visto que o Acórdão expressamente refere que “Destarte, o legislador não pretendeu que a matéria relativa a buscas ou outros actos que atingem os direitos da empresa ficassem excluídos da competência do Tribunal de Comércio, em função da natureza da matéria a apreciar”, o que significa que aquele aresto assume como premissa argumentativa a solução contrária àquela que ficou expressamente prevista no art.º 18.º, n.º 2 e 21.º do NRJC.
166. Já a sentença proferida no n.º 219/07.3TYLSB conheceu apenas da questão essencial relativa à equiparação da sede das pessoas colectivas ao domicilio pessoal e à sequente qualificação das buscas como domiciliárias e validade do consentimento prestado, tendo o Tribunal concluído que, tendo as buscas sido determinadas por autoridade judiciária competente (Ministério Público) e não havendo equiparação com as buscas domiciliárias, foram respeitados todos os requisitos formais previstos na lei, irrelevando a prestação de consentimento – cfr. fls. 10 e 28 da sentença.
167.      Também aqui, o Tribunal expressamente se escusa ao conhecimento da questão de saber, caso fosse necessária a intervenção do Juiz, qual seria o Tribunal competente, se o Tribunal de Comércio ou o Tribunal de Instrução Criminal competente para tal.
168. Sublinhando a circunstância (não decisiva) de que tais decisões judiciais foram proferidas no âmbito da revogada Lei n.º 18/2003, a qual não dispunha de regime processual equivalente aos artigos 18.º, n.º 2 e 21.º do NRJC, afigura-se-nos claro que tais pronúncias transportam um entendimento que afastámos criticamente e por referência a argumentos de ordem sistemática e de hermenêutica normativa.
169. Efectivamente, o impulso da AdC na solicitação da emissão de mandado à luz do art.º 19.º do NRJC não pode ser confundido com o exercício de competência jurisdicional própria, exclusiva e autónoma das autoridades judiciárias com competência em matéria criminal para as diligências de busca e apreensão de documentos de visadas em processo contra-ordenacional e no âmbito do NRJC.
170. Efectivamente, a visada/recorrente não veio impugnar, como se diz na sentença do proc. n.º 97/06.0TYLSB42[27]42, que a decisão da AC… tenha sido tomada no âmbito da sua competência própria, de proceder, nos termos do n.º 1, alínea c) do artigo 17.º da Lei n.º 18/2003, às diligências de buscas e apreensão.
171. Julgamos também que os argumentos esgrimidos e/ou repetidos pelas visada/recorrente nada infirmam quanto a este enquadramento.
172. Sem prejuízo do que infra se disser sobre os concretos fundamentos de impugnação conjugados com os limites do nosso conhecimento, subsistem dois fundamentos que antevêem possível inscrição no âmbito do controlo jurisdicional deste Tribunal sobre a decisão de 3 de Agosto de 2018, mormente os fundamentos de nulidade por erro nos pressupostos de facto e por omissão de pronúncia[28]43.
173. Na verdade, estes fundamentos são os únicos que não transportam expressa e frontal oposição ao despacho de autorização do Ministério e cumprimento dos respectivos mandados de busca, aplicando-se exclusivamente ao exercício de competência decisória da AdC.
174. Todavia, os mesmos fundamentos denotam asseverada precariedade no seu proveito para efeitos de impugnação.
175. Em primeiro lugar, a entrega de cópia certificada da documentação apreendida não constituiu qualquer pressuposto de indeferimento da decisão impugnada e limitou-se a responder a uma arguição do requerimento de nulidade no que concerne à impossibilidade de verificação dos documentos apreendidos, arguição essa sem qualquer sustentação, utilidade ou pertinência para o problema da legalidade e validade das diligências de busca e apreensão, ou sequer para a compreensão da afectação dos direitos de defesa da visada.
176. Assim, não obstante a arguição vaga, genérica e factualmente vazia de que a visada não pode confirmar o conteúdo dos ficheiros apreendidos mediante a análise do risco rígido entregue, os pontos 47 e 48 da decisão impugnada limitam-se a sublinhar que a AdC facilitou esse acesso e oportunidade através da entrega de cópia certificada dessa apreensão.
177. Atente-se que a visada não alega que a cópia é desconforme à apresentação, mas apenas que desconhece a documentação que lhe foi entregue corresponde na íntegra a tudo quanto foi recolhido, mantendo toda a alegação em mera suposição ou verificação condicional incerta.
178. Só podemos seguir a argumentação da AdC na resposta apresentada ao recurso de impugnação judicial quando refere que em todo o caso, uma vez que o processo contraordenacional em causa já não se encontra em segredo de justiça, a Recorrente poderá sempre fazer o confronto individual da documentação junta aos autos na sequência da apreensão com aquela que se encontra no disco externo que oportunamente lhe foi entregue e no limite, então sim arguir a nulidade de determinada prova junta aos autos, que eventualmente não constasse no disco rígido que lhe foi entregue com a documentação apreendida, sendo que não pode proceder a invocação de uma nulidade que afetaria toda a diligência de apreensão, fundada numa mera insinuação desrespeitosa de que a documentação apreendida pode não ser a mesma de que a documentação copiada para o dispositivo da Recorrente.
179.         Torna-se, portanto, irrelevante atentar se tal cópia foi devidamente certificada, pois que o pressuposto de facto – entrega de cópia dos documentos entregues para controlo da apreensão pela visada – corresponde a um facto aceito e incontroverso.
180. Em segundo lugar, quanto à omissão de pronúncia sobre a alegação do artigo 43 do requerimento de nulidade cabe dizer que a mesma corresponde a uma arguição abusiva e espúria perante a fundamentação da decisão impugnada sobretudo porque esse fundamento - nulidade toda a prova que não se relacione com os fundamentos que determinaram a realização da busca - representa uma derivação argumentativa da questão de fundo que a AdC tratou expressamente ao longo do seu excurso racional e que se prende com a proporcionalidade das diligências de busca em função do objecto do despacho de autorização, mormente quanto à sua amplitude.
181. Secundando a posição da AdC, a decisão impugnada versou sobre o objecto do requerimento, decidindo das pretensões elencadas nos pontos a), b) e c) no final do seu requerimento, sem que o n.º 5 do artigo 97.º do CPP imponha a necessidade, para efeitos de legalidade processual, que a pronúncia se faça por cada ponto ou alegação do requerimento.
182. Por conseguinte, a AdC respondeu, de forma fundamentada, pelo que não subsiste qualquer omissão de pronúncia nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP nem, tão pouco, falta de fundamentação, de acordo com o n.º 5 do artigo 97.º daquele diploma, improcedendo a nulidade invocada quanto à decisão recorrida.
183. No mais, o argumento encapotado da visada/recorrente para legitimar a amplitude do recurso parte da construção de uma ficção que faz corresponder o impulso/execução processual da diligência probatória com a competência decisória para a mesma diligência que se nos afigura precária, insuficiente e de difícil sustentação.
184. Pelo contrário, o que a visada/recorrente quer discutir nesta instância é, efectivamente, o despacho de autorização emitido pelo Ministério Público, em suma, a emissão/execução dos mandados de busca e apreensão quanto ao âmbito da sua legalidade para autorizar a AdC à apreensão de correio electrónico.
185. Por outro lado, já assinalámos o elemento de contexto interpretativo pelo qual o legislador assumiu um desfasamento geográfico e de foro quanto à competência das diligências determinadas por autoridade judiciária no âmbito dos artigos 18.º, n.º 2; 19.º, 20.º e 21.º do NRJC e quanto à competência para a impugnação de decisões, interlocutórias ou finais, da AdC.
186. Neste conspecto, não se poderá dizer, sem mais e como no proc. n.º 214/07.2TYLSB, que “as nulidades são arguidas perante a entidade que tem a direção do processo na qual a mesma se suscite”, visto que essa asserção tem que ser testada perante aquela repartição de competências entre Lisboa e Santarém.
187. A visada/recorrente, notificada dos respectivos mandados e despacho de fundamentação do Ministério Público para as diligências de busca e apreensão determinadas no PRC/…/…, pretende que este Tribunal assuma, perante aquela autoridade judiciária, uma competência de instância superior, criando, para tanto, duas instâncias paralelas que apreciem da legalidade das diligências de busca e apreensão em processo sancionatório.
188. No que importa, a visada/recorrente pretende que este Tribunal, num primeiro momento, volte a apreciar os fundamentos do deferimento das diligências de busca e apreensão determinadas pelo Ministério Público, delimitando a amplitude do seu objecto, e, num segundo momento, volte a apreciar a validação do cumprimento do mesmo mandado pela AdC.
189. Este entendimento apresenta-se vazio de qualquer atendibilidade ou razoabilidade adjectiva.
190. À luz do enquadramento processual, este Tribunal não dispõe de qualquer competência material ou hierárquica para sindicar as decisões das autoridades judiciárias competentes para as diligências previstas no art.º 18.º, n.º 1 al. c) e d) do NRJC.
191. Ainda que se subordine tais diligências a um regime de controlo e validação de autoridade judiciária com protecção qualificada de espaços domiciliários ou equiparados e de apreensão de documentos - cfr. artigos 18.º, n.º 2; 19.º, 20.º e 21.º do NRJC em linha com os poderes de investigação criminal, não se pode deixar de notar que a AdC, enquanto entidade administrativa reguladora e de supervisão, na qual se concentram ao mesmo tempo poderes de investigação e de sancionamento, dispõe de mecanismos de ingerência nas entidades reguladas manifestamente invasivos e tributários de fundada suspeita da prática de infracções concorrências.
192.         Daí que o art.º 30.º, n.º 1 do NRJC acometa à AdC uma função garantística de protecção do segredo de negócio: na instrução dos processos, a AC… acautela o interesse legítimo das empresas, associações de empresas ou outras entidades na não divulgação dos seus segredos de negócio.
193. Por conseguinte, a enunciada função garantística do dever previsto no art.º 30.º, n.º 1 do NRJC adquire a devida concretização pela atribuição à AdC de uma responsabilidade de cariz fiduciário ou de custódia na prestação das informações sobre o resultado das diligências de busca e apreensão.
194. Sobre tudo o que subjaz ao exercício da competência da autoridade judiciária na emissão de mandados de busca e apreensão ao abrigo dos artigos 18.º, n.º; 19.º, 20.º e 21.º do NRJC, não pode este Tribunal pronunciar-se sob pena de ingerência inadmissível nos poderes de investigação e sancionamento, em violação do princípio de separação de poderes.
195. Todavia, a protecção que a visada/recorrente invoca, além do que dissemos sobre o controlo da utilização de métodos proibidos de prova, só pode ser afirmada através da anunciada função garantística do dever previsto no art.º 30.º, n.º 1 do NRJC e atribuição à AdC de uma responsabilidade de cariz fiduciário ou de custódia na prestação das informações sobre o resultado das diligências de busca e apreensão.
196. Quer isto dizer, que cabe à AdC, validadas as diligências instrutórias de busca e apreensão de documentos, decidir, posteriormente quais os documentos que devem permanecer no processo, em função do seu valor exculpatório e inculpatório[29]44.
197. Contudo, o que é objecto da interposição deste recurso interlocutório não é qualquer decisão sobre o valor exculpatório e inculpatório dos documentos apreendidos ou sobre o acesso da visada a esses elementos, mas o modo como a autoridade judiciária competente – o Ministério Público da área da sede da AC… – exerceu a essa competência no deferimento de diligências de obtenção de prova por busca e apreensão – downraids – efectuadas na sede da visada.
198. O argumento repetido trazido pela visada de que foi arguida a nulidade da apreensão do correio eletrónico, efetuada na prática pela AdC, e que essa nulidade tem forçosamente de ser arguida perante aquela autoridade, no momento da apreensão, e não perante o Ministério Público, nada aduz, transporta ou altera sobre o regime processual que decorre do NRJC e sobre a única interpretação possível quando à inexistência de competência material ou hierárquica para sindicar as decisões das autoridades judiciárias competentes para as diligências previstas no art.º 18.º, n.º 1 al. c) e d) do NRJC.
199. Tanto mais assim é, quando os fundamentos, argumentos e sustentação da nulidade têm que ver com a proporcionalidade (numa perspectiva diferente dos apensos G e E), amplitude, vacuidade e indeterminação dos mandados e não com a sua execução desconforme pela AdC.
200. Atente-se que, mercê da nossa posição, abstemo-nos de avançar sobre os demais fundamentos do requerimento interlocutório da visada, apreciados subsidiariamente e ad latere na decisão impugnada, nomeadamente: i. proporcionalidade das diligências de busca e apreensão face aos bens jurídicos objeto de tutela do Direito da Concorrência; ii. adequação e necessidade das buscas e apreensão de documentos para investigação de contra-ordenações; iii. proporcionalidade das diligências de busca e apreensão face ao tempo que as buscas nas instalações de Leça do Balio demoraram e ao âmbito temporal da autorização; iv. regularidade, validade e legalidade das diligências de busca e apreensão, nomeadamente por impossibilidade de identificação concreta dos funcionários da Adc que participaram na diligência; v. regularidade, validade e legalidade das diligências de busca e apreensão por excesso e desconformidade com o despacho de autorização do Ministério Publico, nomeadamente quanto ao âmbito temporal da apreensão; e vi. natureza da invalidade.
201. Em suma, sobre se o mandado de busca e apreensão emitido pelo Ministério Público cumpriu os requisitos legais e jurisprudenciais que superintendem a estas diligências probatórias invasivas de apreensão de correio electrónico.
202. Todos estes fundamentos da arguição da invalidade são dirigidos ao controlo da legalidade do despacho do Ministério Público que determinou a emissão do mandado de busca e apreensão.
203. Pela decisão de 3 de Agosto de 2018, a AdC não se arrogou a poderes mais invasivos de direitos, liberdades e garantias do que aqueles que dispõem o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal em processo penal, pois que esses poderes foram exercidos no âmbito de um mandado emitido por autoridade judiciária, que não a AdC.
204. É certo que a AdC, num esforço de suficiência e completude da pronúncia, conheceu de forma subsidiária dos fundamentos materiais da arguição dos vícios e nulidades, procurando sustentar a legalidade das diligências e consignando, em síntese, que a realização das diligências de busca e apreensão se mostraram válidas, conformes e legais.
205. Nessa parte, esta amplitude da decisão impugnada tratar-se-á de um eventual excesso de pronúncia por parte da AdC que, em caso algum, poderia fixar os limites do controlo deste Tribunal dos despachos emitidos pela autoridade judiciária competente em matéria criminal e ao abrigo do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 19.º, 20.º e 21.º do NRJC, visto que jamais a AdC disporia de competência para declarar a invalidade do despacho proferido pelo Ministério Público.
206. Pela mesma ordem de razões também nem cabia à AdC o impulso processual dessa sindicância junto da autoridade judiciária competente, através da remessa do requerimento para o Ministério Público, por manifesta inexistência de regime processual ou norma processual especial que reconheça essa tramitação.
207. Em resposta à pergunta enunciada no ponto 20) desta decisão, e para a devida sindicância, a decisão interlocutória da AdC de 3 de Agosto de 2018 é legal e conforme aos limites de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa.”
Analisada a decisão recorrida e as questões suscitadas pela recorrente impõe-se desde já e sem necessidade de qualquer esforço interpretativo afirmar que tem razão a recorrente e bem assim o MP na primeira instância que na sua resposta defende que “3.          Quer isto dizer que o TCRS aceitou apreciar o recurso da visada em toda a sua extensão, cujo objecto delimitou no ponto 20. (pp 23 e 24 da sentença). Impôs-se, por isso, apreciar os três grandes temas ali indicados, o terceiro dos quais foi assim enunciado pelo TCRS «-A decisão interlocutória da AdC de 3 de Agosto de 2018 é legal e conforme aos limites de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca, exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa?». Este terceiro tema é uma súmula que aglutina as demais cinco questões que foram suscitadas pela visada no recurso (cfr. os pontos k., p. 57 do recurso; k, p. 60, idem; m., p. 61, idem; n., p. 62, idem o., p. 63, idem), cinco questões estas a que o TCRS estava vinculado a pronunciar-se. Como veremos adiante, destas cinco questões o TCRS apenas se pronunciou sobre as duas últimas.
4. Ao apreciar este terceiro tema (que contém cinco sub-questões) a partir da p. 53 e ss, o TCRS afirma que (<116. Apesar da visada não o identificar expressamente, a sindicância que este recurso de impugnação judicial envolve dirige-se, naquilo que importa, à autorização das diligências de busca e apreensão quanto à sua justificação e proporcionalidade e aos limites da execução e cumprimento dos mandados pela AdC. 118. (...), o fundamento primacial da decisão interlocutória da AdC de 3 de Agosto de 2018 e do indeferimento das pretensões da visada consignada no requerimento indicado no ponto J) dos factos provados, prende-se com o entendimento da AdC quanto à sua própria competência para apreciar da validade, legalidade e regularidade das diligências de busca e apreensão determinadas por autoridade judiciária no âmbito do NRJC e para conhecer dos termos de cumprimento do mandado pela AdC e da nulidade desse mesmo mandado por violação do art.° 126.0, n.° 3 do CPP e do regime processual de prova proibida na dimensão da aquisição probatória ilícita de correspondência sem o consentimento do respectivo titular».
Lida e relida a decisão da AdC de 03/08/2018, impugnada pela visada, não localizamos a argumentação desta Autoridade de onde se possa extrair o «entendimento da AdC quanto à sua própria competência para apreciar da validade, legalidade e regularidade das diligências de busca e apreensão determinadas por autoridade judiciária no âmbito do NRJC e para conhecer dos termos de cumprimento do mandado pela AdC e da nulidade desse mesmo mandado por violação do art.° 126.°, n.° 3 do CPP e do regime processual de prova proibida na dimensão da aquisição probatória ilícita de correspondência sem o consentimento do respectivo titular» como afirmado pelo TCRS no ponto 118.”
Ou seja, como bem nota o MP nos presentes autos “na decisão interlocutória da AdC de 03/08/2018 que agora é escrutinada, a AdC não afirmou que «(...), a existir qualquer invalidade, a mesma deveria ter sido sempre arguida perante a entidade judiciária (Ministério Público) que emitiu o mandado e conferiu expressamente à AdC poderes para apreender mensagens de correio electrónico abertas/lidas» (40. do despacho da AdC de 16/05/2018, fls 314 v° proferido no Apenso D). Idem quanto à alegada ilegalidade dos despachos de fundamentação e mandados de busca a preensão datados de 20/01/2017 e de 02/02/2017 que segundo a AdC deveriam ter sido dirigidas à secção de turno do DIAP (46. a 49. do despacho de 16/05/2018, lis 315, proferido no Apenso D). Idem quanto às alegadas invalidades do mandado e respetivo despacho de alargamento de 10/02/2017 (67. do despacho de 16/05/2018, fls 316 v°, proferido no Apenso D). Idem quanto à alegada invalidade dos despachos do Ministério Público que autorizaram as diligências de busca e apreensão quanto à visada (7. e 8 do despacho da AdC de 17/05/2018, fls 320 v°, proferido no Apenso D).
5.     No ponto «119. (...) o centro nevrálgico da posição da visada/recorrente neste recurso aquilata-se (...) na sua declarada pretensão em aferir da legalidade do mandado de busca e apreensão, emitido por autoridade judiciária, quanto à apreensão do correio electrónico26 e demais diligências realizadas nas instalações da visada, identificadas no ponto C) dos factos provados » O TCRS foi ao ponto de atribuir à visada pretensão que não resulta do recurso apresentado perante o TCRS, como decorre textualmente da motivação, das conclusões e das alíneas a) a d) do pedido que consta das páginas 64 a 66 do recurso da arguida de fls 4 a 73 que aqui se dá por reproduzido. Isto mesmo sai confirmado pelos pontos 3. e 4. do relatório das pp 2 a 17 da sentença, cujo teor também aqui se reproduz.
6.      Desta forma o TCRS procurou justificar por que razão, na sua ótica, carece de competência material para sindicar as decisões do MP e do JIC territorialmente competentes nos termos do art. 21° da LC. É o que resulta inequivocamente dos pontos 126., 129., 130., 138., 139, 152. e 153. da sentença, cujo teor aqui se reproduz.” Vindo a considerar-se materialmente incompetente para conhecer parcialmente do recurso interposto.
Contudo, nestes autos não estava em causa a competência para controlar a legalidade do despacho do MP do DIAP de Lisboa que ordenou as buscas que se realizaram nas instalações da recorrente em Leça do Balio, mas sim a proporcionalidade das diligências de busca e apreensão, adequação e necessidade das buscas e apreensão de documentos, proporcionalidade das diligências no que respeita ao tempo de execução das mesmas; falta de identificação dos funcionários da AdC e regularidade, legalidade e validade das diligências efetivamente realizadas dado o seu excesso face ao despacho de autorização do MP, como se verifica aliás do ponto 200 da sentença, ou seja, legalidade da execução do mandado emitido, ao contrário do que se entendeu em 199. da sentença recorrida.
Do exposto resulta assim, que o Tribunal conheceu de uma questão não lhe tinha sido suscitada (a da competência), mas que por dever de oficio deve conhecer, e deixou de se pronunciar sobre as questões que o mesmo elenca em 200 da decisão e que lhe haviam sido colocadas pela recorrente como consubstanciando nulidades.
Verifica-se omissão de pronúncia, que constitui nulidade, quando o Tribunal não se pronuncia sobre uma questão (e não sobre um determinado argumento utilizado pelo recorrente[30]) que tenha sido suscitada ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir.
Na verdade, diz-nos Germano Marques da Silva[31] “a omissão de pronúncia é um vício que resulta da violação da lei quanto ao exercício do poder jurisdicional. Trata-se de um vício quanto aos limites desse exercício”.
E no caso presente, o Tribunal a quo teve deixou efetivamente de conhecer de questões concretas que lhe foram colocadas pela recorrente e que se prendem com a execução do mandado que havia sido emitido, como se disse já. Mas já não existe excesso de pronúncia relativamente ao conhecimento da competência material, a qual, não obstante não ter sido suscitada é de conhecimento oficioso.
Significa, assim, que nos encontramos perante uma omissão de pronúncia que consubstancia nulidade nos termos do disposto no art.º 379.º do CPP, o que afeta a decisão proferida, pois não abrange a totalidade do objeto do recurso.
Face ao exposto, procede o recurso interposto nesta parte, devendo ser proferida nova decisão que se pronuncie sobre as questões relativamente às quais o TCRS não se pronunciou.
*
Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Lisboa, em:
I - Julgar não provido o recurso intentado relativamente às questões identificadas sob:
 A - Da Nulidade da Audiência de Julgamento por nulidade do despacho que indeferiu a produção de prova indicada pela recorrente e determinou oficiosamente a produção de prova testemunhal.
B - Nulidade da sentença por ter feito remissões ou com fundamento em decisões estranhas ao processo não disponíveis para consulta.
C - Violação do princípio da não auto incriminação, princípio nemo tenetur se ipsum accusare e
D - Constituição com visada,
Mantendo-se a decisão recorrida nessa parte e medida.
II - Julgar provido o recurso relativamente E - Falta de pronúncia sobre a legalidade, validade ou regularidade das diligências de busca e exame, recolha e apreensão realizadas pela AdC em cumprimento do mandado emitido pelo Ministério Público da Comarca de Lisboa, anulando-se nesta parte a sentença recorrida e ordena-se a remessa do processo ao Tribunal a quo, a fim de serem conhecidas as questões relacionadas com a execução do mandado, suscitadas pela recorrente.
II) Custas em conformidade com o decidido em I) e II).

Lisboa, 26 de junho de 2019
Processado e revisto pela relatora (art.º 94º, nº 2 do CPP).

[1] Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e  na Col Acs. do STJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 247 o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271);  o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263);
SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES, in Recursos em Processo Penal, p. 48; SILVA, GERMANO MARQUES DA 2ª edição, 2000 Curso de Processo Penal”, vol. III, p. 335;
RODRIGUES, JOSÉ NARCISO DA CUNHA, (1988), p. 387 “Recursos”, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, p. 387 DOS REIS, ALBERTO, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 362-363. 
[2] (1) Cfr. Decisão Abertura de inquérito de fls. 106 a 110 (Doc. 1); Despacho sujeição a segredo de justiça de fls. 112 e 113 (Doc. 2); Requerimento para realização de buscas e apreensão de fls. 115 a 147 (Doc. 3); Despacho do Ministério Público de 20.01.2017 de autorização das diligências de busca e apreensão de fls. 149 a 166 (Doc. 4); Mandados do Ministério Público de fls. 168 a 171 (Doc. 5); Extracto da Nota de Ilicitude de fls. 173 a 180 (Doc. 6); Credenciais dos funcionários da AdC presentes nas diligências de busca e apreensão de fls. 182 a 186 (Doc. 7); Autos de busca e apreensão nas instalações de Miraflores de fls. 199 a 232 (Doc. 9); de M…a de fls. 234 a 242 (Doc. 9); de S. Antão do Tojal de fls. 244 a 277 (Doc. 10) e de Leça do Balio de fls. 279 a 337 (Doc. 11); Requerimento da visada/recorrente datado 16.02.2017 de fls. 339 a 361 (Doc. 12); e Ofício da Recorrida S-AdC/…/… de fls. 363 a 368 (Doc. 13).
[3] 2 Ambas as testemunhas foram submetidas às respectivas instâncias de inquirição, negando veementemente que a AdC tenha solicitado ou contactado directamente os trabalhadores para se apresentarem naquelas instalações.
[4] Negrito nosso.
[5] As notas de rodapé que aparecem no texto transcrito não correspondem às originais atenta a numeração automática do word. A numeração original encontra-se entre parêntesis ( ).
[6]Criticando, o mesmo autor, a contradição da restante fundamentação da sentença neste tópico “...com a asserção de que o arguido dispõe de todos os direitos de defesa desde o início do processo e independentemente de qualquer acto formal”.
[7]4Acessível                  em http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Decisoes_Judiciais/contraordenacionais/Documents/ANEPE %20IDF_11_11_TRL_04.04.2013.pdf.
[8] 5 O que a visada defende é que não estaria obrigada a essa colaboração ou que o aproveitamento dessa colaboração desse ser inutilizado como prova por via do princípio do nemo tenetur.
6 A informação e a documentação obtida no âmbito da supervisão ou em processos sancionatórios da AC… podem ser utilizadas como meio de prova num processo sancionatório em curso ou a instaurar, desde que as empresas sejam previamente esclarecidas da possibilidade dessa utilização nos pedidos de informação que sejam dirigidos e nas diligências efetuadas pela AC….
7 Constitui contraordenação punível com coima: h) A não prestação ou a prestação de informações falsas, inexatas ou incompletas, em resposta a pedido da AC…, no uso dos seus poderes sancionatórios.
8 No caso das contraordenações referidas nas alíneas h) a j) do n.º 1 do artigo anterior [68.º, n.º 1], a coima determinada nos termos do n.º 1 não pode exceder 1 /prct. do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão por cada uma das empresas infratoras ou, no caso de associação de empresas, do volume de negócios agregado das empresas associadas.
9 A visada parece fazer uma associação entre a disponibilização desses computadores e o cumprimento do dever de colaboração, coercivamente imposto, quanto do auto de notificação de fls. 280 e 280 e dos autos seguintes resulta que a apreensão dos ficheiros informáticos nos computadores de trabalhadores de visadas ocorreu no âmbito das diligências de busca e apreensão, sem que dos autos conste qualquer solicitação da AdC cujo incumprimento fosse cominado nos termos dos artigos 68.º, n.º 1 al. h) e 69.º, n.º 3 do NRJC.
[9] As notas de rodapé que aparecem no texto transcrito não correspondem às originais atenta a numeração automática do word. A numeração original encontra-se entre parêntesis ( ).
[10] (25) Assim como das sentenças proferidas nesta data nos apensos D, E e G, não transitadas em julgado.
[11] (26) Como bem nota a AdC na resposta à impugnação das decisões interlocutórias: “Ainda que as Recorrentes invoquem (a jusante), a nulidade da diligência de busca executada pela AdC, bem como a nulidade da prova apreendida (cfr. capítulo III dos Recursos), a verdade é que tais nulidades decorrem (a montante) de uma pretensa nulidade do mandado emitido pelo Ministério Público, a qual é expressamente identificada pelas Recorrentes (cfr. capítulos IV e VI dos Recursos).”
[12] 27 Quanto a este encadeamento sistemático remete-se para a cronologia destas pronúncias do TCRS ao longo deste período de litigância interlocutória: i) Processo n.º 1/16.7YUSTR, sentença de 02/2016 (esta sentença foi posteriormente anulada pelo Tribunal da Relação de Lisboa por falta de competência e depois, após apensação ao processo n.º 225/15.4YUSTR-A, foi total e integralmente mantida pela decisão sequente e confirmada pelo mesmo Tribunal da Relação) – julgou procedente o recurso de impugnação da decisão da AdC, na parte em que permite às visadas o acesso incondicional e irrestrito aos documentos apreendidos à Recorrente classificados como confidenciais e não invocados pela AdC como prova na NI, sem qualquer exigência quanto à fundamentação do pedido de consulta; ii) Processo n.º 195/16.1YUSTR, sentença de 10/2016 – julgou improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que solicitou a identificação de confidencialidade da totalidade da informação apreendida nas instalações das visadas, a preparação de resumos de informação confidencial e a preparação de versões não confidenciais dos documentos considerados parcialmente confidenciais, na parte relativa à preparação de resumos de informação/documentação confidencial; julga improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que indeferiu o pedido de exclusão de documentos sujeitos a sigilo profissional, bem como dos documentos pessoais sujeitos à reserva da intimidade privada, em particular informação protegida por sigilo bancário sem qualquer relevância para o âmbito do processo, apreendidos durante as diligências de busca e apreensão; iii) Processo n.º 195/16.1YUSTR-B, sentença de12/2016 - julgou improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que exige às visadas/destinatárias a revisão da fundamentação da confidencialidade da informação apreendida nas diligências de busca e apreensão; iv) Processo n.º 291/16.5YUSTR, sentença de 12/2016 – julgou improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que indeferiu pedido de disponibilização aos mandatários/assessores económicos da visada de cópia dos documentos utilizados na NI; v) Processo n.º 20/16.3YUSTR, sentença de 03/2017 - julgou improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que indeferiu o pedido de junção aos autos e consulta de elementos desentranhados relativos ao pedido de dispensa; julga improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que indeferiu o requerimento de apensação dos processos; julga improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que indeferiu pedido da recorrente de exclusão do processo de toda a informação pessoal, informação relativa a clientes, informação relativa a aconselhamento jurídico e a comunicações com advogados e auditores, bem como informações gerais relevantes para o objecto da prova do processo; julga improcedente o recurso de impugnação da decisão da AdC que indeferiu o pedido da recorrente de disponibilização de cópia integral da versão consultável do processo; vi) Processo n.º 225/15.4YUSTR-B, sentença de 06/2017 – julgou improcedentes os recursos de impugnação de decisão da AdC que procedeu ao levantamento da suspensão do acesso aos documentos em data room, expurgados dos documentos apreendidos à visada/recorrente do Processo n.º 225/15.4YUSTR-A; vii) Processo n.º 291/16.5YUSTR-A, sentença de 03/2018 (não transitada) – determinou a anulação de decisão interlocutória da AdC de indeferimento, por extemporaneidade, de pedido de acesso e consulta de documentos com potencial valor exculpatório.
[13] (28) 1 - No exercício de poderes sancionatórios, a AC…, através dos seus órgãos ou funcionários, pode, designadamente: (...) c) Proceder, nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou de associações de empresas, à busca, exame, recolha e apreensão de extratos da escrita e demais documentação, independentemente do seu suporte, sempre que tais diligências se mostrem necessárias à obtenção de prova; d) Proceder à selagem dos locais das instalações de empresas e de associações de empresas em que se encontrem ou sejam suscetíveis de se encontrar elementos da escrita ou demais documentação, bem como dos respetivos suportes, incluindo computadores e outros equipamentos eletrónicos de armazenamento de dados, durante o período e na medida estritamente necessária à realização das diligências a que se refere a alínea anterior.
[14] (29) 1 - Existindo fundada suspeita de que existem, no domicílio de sócios, de membros de órgãos de administração e de trabalhadores e colaboradores de empresas ou associações de empresas, provas de violação grave dos artigos 9.º ou 11.º da presente lei ou dos artigos 101.º ou 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pode ser realizada busca domiciliária, que deve ser autorizada, por despacho, pelo juiz de instrução, a requerimento da AC…. 2 - O requerimento deve mencionar a gravidade da infração investigada, a relevância dos meios de prova procurados, a participação da empresa ou associação de empresas envolvidas e a razoabilidade da suspeita de que as provas estão guardadas no domicílio para o qual é pedida a autorização. 3 - O juiz de instrução pode ordenar à AC… a prestação de informações sobre os elementos que forem necessários para o controlo da proporcionalidade da diligência requerida. 4 - O despacho deve ser proferido no prazo de 48 horas, identificando o objeto e a finalidade da diligência, fixando a data em que esta tem início e indicando a possibilidade de impugnação judicial. 5 - À busca domiciliária aplica-se o disposto na alínea b) do n.º 4 e nos n.os 5 a 8 do artigo 18.º, com as necessárias adaptações. 6 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz de instrução e efetuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade. 7 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, esta é realizada, sob pena de nulidade, na presença do juiz de instrução, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente. 8 - As normas previstas no presente artigo aplicam-se, com as necessárias adaptações, a buscas a realizar noutros locais, incluindo veículos, de sócios, membros de órgãos de administração e trabalhadores ou colaboradores de empresas ou associações de empresas.
[15] (30) 1 - As apreensões de documentos, independentemente da sua natureza ou do seu suporte, são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária. 2 - A AC… pode efetuar apreensões no decurso de buscas ou quando haja urgência ou perigo na demora. 3 - As apreensões efetuadas pela AC… não previamente autorizadas ou ordenadas são sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas. 4 - À apreensão de documentos operada em escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior. 5 - Nos casos referidos no número anterior não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, ou abrangidos por segredo profissional médico, salvo se eles mesmos constituírem objeto ou elemento da infração. 6 - A apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos abrangidos por sigilo bancário é efetuada pelo juiz de instrução, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com uma infração e se revelam de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao visado. 7 - O juiz de instrução pode examinar qualquer documentação bancária para descoberta dos objetos a apreender nos termos do número anterior. 8 - O exame é feito pessoalmente pelo juiz de instrução, coadjuvado, quando necessário, pelas entidades policiais e por técnicos qualificados da AC…, ficando ligados por dever de segredo relativamente a tudo aquilo de que tiverem tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.
[16] (31) É competente para autorizar as diligências previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 18.º e nos artigos 19.º e 20.º o Ministério Público ou, quando expressamente previsto, o juiz de instrução, ambos da área da sede da AC….
[17] 32 Sumário: Durante a realização do inquérito, só o magistrado do Ministério Público tem o poder de apreciar e decidir sobre a pertinência da realização de diligências probatórias e só ao Ministério Público compete formular o juízo sobre a existência de fundadas suspeitas de que alguém cometeu um crime e que por isso deve ser constituído como arguido, nos termos do artigo 58º n.º 1 alínea a) do C.P.P.
[18] (33) Sumário: Na fase de inquérito, fora das situações previstas nos artigos 268º e 269º do CPP98, o Juiz não pode conhecer da arguição de nulidades.
[19] (34) Sumário: I) O Ministério Público goza de independência e autonomia que não se compadecem com ordens concretas de um juiz no sentido do suprimento de uma determinada irregularidade por parte daquele. II) Daí que por falta de fundamento legal, não pode o juiz determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para sanação de irregularidade concretizada numa notificação ao arguido de uma incorrecta identificação do defensor que lhe foi nomeado.
[20] (35) Sumário: No âmbito do inquérito, o M. P. tem competência para decidir sobre os pressupostos processuais, isto é, e a título exemplificativo, sobre a legitimidade e tempestividade da denúncia, prescrição ou ocorrência de factos impeditivos do procedimento criminal como a amnistia, competência em razão da matéria ou do território. E, naturalmente, tem também competência para conhecer de nulidades e irregularidades processuais cometidas no âmbito do inquérito.
[21] (36) Em sentido divergente, cfr., inter alia, a fundamentação do Ac. RG de 05/02/2018, proc. n.º 683/16.0PBGMR.G1, relator ALDA CASIMIRO e que defende que “o JIC possui competência para verificar a existência de irregularidade em despacho proferido pelo Mº Pº em fase de inquérito, desde que tempestivamente arguida”, e que “tal entendimento não viola a autonomia do Ministério Público, pois que a mesma não pode ser confundida com direcção do inquérito, sem qualquer controlo jurisdicional”.
[22] (37) 1 - Cabe recurso das decisões proferidas pela AC… cuja irrecorribilidade não estiver expressamente prevista na presente lei. 2 - Não é admissível recurso de decisões de mero expediente e de decisões de arquivamento, com ou sem imposição de condições. 3 - Das decisões proferidas pela AC… cabe recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. 4 - O recurso tem efeito meramente devolutivo, exceto no que respeita a decisões que apliquem medidas de caráter estrutural determinadas nos termos do n.º 4 do artigo 29.º, cujo efeito é suspensivo. 5 - No caso de decisões que apliquem coimas ou outras sanções previstas na lei, o visado pode requerer, ao interpor o recurso, que o mesmo tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução em substituição, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal.
[23] (38) Expressão feliz utilizada na Lei da Concorrência Anotada, Almedina, pág. 224.
[24](39) Disponível em http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Decisoes_Judiciais/contraordenacionais/Documents/%C3%8 1reaFarmaceutica%20IDI_09_06_TCL_14.05.2007.pdf.
[25](40) Disponível em http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Decisoes_Judiciais/contraordenacionais/Documents/NORB OX%20IDI_02_07_TCL_05.06.2007.pdf.
[26](41)         Disponível                    em http://www.concorrencia.pt/vPT/Praticas_Proibidas/Decisoes_Judiciais/contraordenacionais/Documents/Cartona rte%20DJC_01_07_TCL_23.7.2007.pdf.
[27] (42) Como vimos, neste processo estava em causa mandado de busca e apreensão emitido pela própria AdC.
[28] (43) O fundamento relativo à violação do princípio de proporcionalidade, além de desgarrado de atendimento factual bastante ou suficiente, incide sobre a legalidade da execução do mandado de busca e apreensão, e na respectiva dimensão de que a execução desse mandado resultou num meio de obtenção desproporcional e atentatório da liberdade de empresa da visada/recorrente.
[29] Como deixámos expresso na sentença do proc. n.º 195/16.1YUSTR: “ admitimos, frontalmente, que a AdC dispõe de competência para autorizar o desentranhamento de documentos apreendidos, mesmo posteriormente à diligência de apreensão – trata-se de uma actuação plenamente conforme com a actividade de investigação e apuramento de factos com relevância sancionatória, em função do contínuo apuramento de factos ao longo do processo.
A indiciação probatória que subjaz à validade das diligências instrutórias do processo sancionatório não se confunde com os juízos ulteriores sobre a utilidade, pertinência e adequação de tais meios de prova para prova dos factos entretanto apurados.
Parece-nos até elementar assinalar a diferença entre os pressupostos que devem presidir ao deferimento de diligências de prova de natureza invasivas numa fase inicial do processo e os pressupostos que, após apuramento e aprofundamento das diligências de prova, devem presidir a um juízo de oportunidade processual sobre o interesse de manter tais elementos de prova no processo.
A decisão sobre a validade na obtenção de meios de prova não equivale nem delimita a decisão sobre a relevância/irrelevância dessa prova por confronto com outros elementos de prova e com os factos indiciados.
Essas decisões (aparte regimes excepcionais) são tomadas a todo o momento no âmbito do processo penal (em que as garantias do processo equitativo devem auferir de maior assertividade) pela autoridade judiciária competente e em respeito ao decurso do processo.
Numa palavra, não vemos obstáculo legal ou impedimento processual no NRJC ou no regime subsidiário do R.G.CO. para que a AdC proceda ao desentranhamento e devolução de documentos entretanto considerados irrelevantes, inócuos e desnecessários para o apuramento da responsabilidade sancionatória das visadas.
Os regimes processuais que obrigam a uma manutenção de todos os elementos de prova recolhidos por determinada autoridade competente para a investigação de factos com relevância sancionatória são de natureza excepcional - por exemplo o regime de intercepção e gravação de conversações telefónicas previsto nos artigos 188.º, n.º 12 do C.P.P. - não permitem a aplicação analógica e a obrigatoriedade de manutenção de suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não forem transcritas para servirem como meio de prova reflecte determinadas posições garantística sobre a precariedade e sensibilidade dos dados recolhidos.”
[30]  “O julgador não tem de analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes (…)” (in Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Coimbra Editora, 1985).
[31] Curso de Processo Penal III, 2ª edição Verbo 2000.