CONCORRENCIA
COIMA
ARRESTO
EXECUÇÃO
DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CITAÇÃO
OMISSÃO
VALOR DO INCIDENTE
OPOSIÇÃO
Sumário


I - Pese embora a inexistência de um despacho, expresso, de admissão de recurso, o processado não perdeu regularidade e, mais importante, essa omissão não afectou qualquer direito dos recorrentes e/ou recorridos. Levando em ponderação que o despacho que admite o recurso não vincula o tribunal de recurso (arts. 414.º, n.º 3, do CPP e 641.º, n.º 5, do CPC), figura-se que, por uma questão de economia processual e para obviar à prática de actos inúteis (art. 130.º, do CPC), não é de determinar a remessa dos autos ao tribunal da relação para, em suprimento da irregularidade, proceder à prolação expressa de despacho de admissão de recurso, devendo aceitar-se o processado nos exactos termos em que se encontra.
II - Uma vez que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras não possui norma expressa sobre a execução para pagamento das coimas, impõe-se convocar, supletivamente, o regime geral do ilícito de mera ordenação social. O RGCO remete o regime da execução das coimas para o disposto no CPP sobre a execução da multa (art. 89.º, n.º 2). Nos termos do art. 491.º, n.º 2, do CPP, a execução da multa, segue os termos da execução por custas, que se encontra regulada no RCP, remetendo para o CPC para a forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa.
III - Assim, ao contrário do que vem doutamente argumentado pelo recorrido na resposta ao recurso interposto pelos recorrentes para este STJ, não se aplica aos presentes autos o regime de recursos previsto no CPP mas sim o regime de recursos previsto no CPC, e, nessa medida, não cabe convocar o disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, do CPP, quanto à inadmissibilidade de recurso.
IV - A admissibilidade do recurso, pela via especial prevista no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, abrange tão-apenas os casos em que o obstáculo à interposição de recurso para o STJ não reside no facto de o valor da acção ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do n.º 1 do art. 629.º do CPC mas em motivo, outro, de ordem legal, garantindo desta forma que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das relações em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo STJ.
V - Estamos, no caso, perante um recurso de um incidente processual de omissão de citação, no âmbito de uma acção executiva. O valor do saldo bancário que foi penhorado no âmbito da presente execução e que se encontrava arrestado preventivamente a favor dos recorrentes e relativamente ao qual os mesmos, por serem titulares do arresto, pretendiam ser citados para fazerem valer no processo o seu “crédito” monta a 1.969,87€. Ou seja, o valor do incidente, vale por dizer, o valor do pedido que os requerentes pretendem fazer valer no processo executivo é o do seu alegado “crédito”, titulado pelo arresto preventivo, do montante de 1.969,87€. Assim, o valor do incidente (processual de omissão de citação) reporta à quantia de 1.969,87€.
VI - Vale por dizer que aquela decisão é desfavorável para os recorrentes em valor que fica muito aquém de metade da alçada do tribunal da relação (15.000,01 euros). Só sendo admissível recurso para o STJ, quando o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada (art. 629.º, n.º 1, do CPC), ou seja, superior a 15.000,01 euros, é forçoso concluir que não está preenchido o critério da sucumbência.
VII – A admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa e/ou da sucumbência, que, como acima se aludiu, não se verificam, de todo em todo, no caso em apreço. A decisão recorrida não é passível de recurso para este STJ, pro falta dos requisitos de alçada e de sucumbência previstos no art. 629.º, n.º 1, do CPC.
VIII – É de salientar que, mesmo que se pudessem ter como verificados os aludidos critérios de valor e de sucumbência, a revista não seria admissível, na medida em que se não pode ter por verificada a contradição de decisões exigida pela al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC. Enquanto no acórdão recorrido a questão fundamental de direito foi decidida tendo em consideração tratar-se de um arresto preventivo decretado ao abrigo do art. 228.º, n.º 1, do CPP, sob o entendimento de que se não trata de um arresto civil num quadro dos processos civil e, nessa medida, não convocando a aplicação ao casi das regras subjacentes ao processo civil (mormente as sedimentadas nos arts. 786.º, 788.º e/ou 792.º, do CPC).
IX - Ao invés, nos acórdãos fundamento, foi apreciado um arresto (civil) num quadro de processo civil, chamando à colação as regras de processo civil relativo ao arresto, penhora e reclamação de créditos, mormente a convocação e aplicação das regras subjacentes ao processo civil (mormente arts. 786.º, 788.º e/ou 792.º, do CPC), jamais se fazendo referência à natureza do arresto decretado ao abrigo do disposto no at. 228.º, n.º 1, do CPP, e à envolvência processual do decretamento desse arresto num processo de natureza penal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nos autos em referência, AA, BB, Lda, CC, DD, Lda, EE e FF, GG, HH, II, JJ e LL, MM e GG (requerente que vem repetidamente indicado no ponto 5 do requerimento), NN, SL, e OO, requereram, a 15 de Janeiro de 2018, nos seguintes termos:

«Tendo sido notificados da afectação do saldo bancário da conta do aqui executado, na Instituição de crédito BPI com o n ..., arrestada a favor dos aqui requerentes e agora penhorada a favor do Exequente, por força do despacho de V . Exa. de fls 673, no âmbito do procedimento cautelar de arresto que corre termos sob o n.º 478/10.4TDLSB - E, junto do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, vêm, respeitosamente, expor e requerer a V. Exa. o seguinte:

I - Do âmbito do arresto judicial dos requerentes sobre bens do executado

1 - Os aqui requerentes são detentores de arresto sobre o saldo bancário da conta do executado na Instituição de crédito BPI com o n.º..., conforme certidão judicial que se protesta juntar como doc. n.º 1.

2 - Acresce que, o arresto judicial em vigor incide ainda sobre os seguintes bens do executado (Cfr. Doc. n.º 1), conforme registo junto das respectivas Instituições de crédito:

Na Instituição de crédito BPI:

i)   Saldo da conta D.O. com o n.º ...;

ii)  Saldo da conta D.O. com o n.º ...;

iii) Conta com o n.º ... - Unidades de partipação (UP's) do BPI Restruturaçães;

iv) Conta com o n.º ... - UP's do BPI Brasil;

v)  Conta com o n.º ... - UP's do BPI Europa;

vi) Conta com o n.º ... - UP's do BPI Euro Grandes Capitalizações;

Na Instituição de crédito Milennium BCP:

ivv) Saldo da conta D.O. com o n.º ...;

3 - Esta Informação é do pleno conhecimento das duas referidas Instituições de crédito (Cfr. Doc. 2) que terão informado os autos ou, pelo menos, deveriam tê-lo feito, ao concretizar uma ordem de penhora judicial subsequente, estranhando-se, se for o caso, o silêncio destas Instituições nesta matéria.

II – Da nulidade da falta de citação dos requerentes nesta execução

4 - Posto isto, toda e qualquer penhora que venha a ser ordenada sobre os bens supra que se encontram arrestados desde 2015, terá sempre de ser acompanhada do acto processual da citação dos seus titulares por exigência da lei nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 9, ambos do art. 786.º do NCPC.

5 - Como ensina o Prof. Lebre de Freitas, in A acção executiva depois da Reforma (5.ª Ed., p. 308):

Só o credor com garantia real sobre os bens penhorados [(Nota 20) – penhor, hipoteca, privilégio creditório, direito de retenção e outras garantias admitidas na lei entre as quais a penhora e o arresto (sublinhado nosso)] tem o ónus de reclamar o seu crédito na execução, a fim de concorrer à distribuição do produto da venda.

6 - Sucede que essa citação, para efeitos do cumprimento do art. 786.º do NCPC, não se verificou nos presentes autos.

7 - E a ausência de citação existe – tanto quanto é do conhecimento dos requerentes – pelo menos, no que toca à penhora do saldo bancário da conta do aqui executado na instituição de crédito BPI com o n.º ... por força da notificação a que ora se responde.

8 - Aliás, neste mesmo 1.º juízo do TCRS, no âmbito da tramitação da outra execução também movida pelo MP mas, desta vez, contra o Executado PP - processo n.º 51/15.0YUSTR-O - o tribunal citou os requerentes para reclamação de créditos por estes serem titulares de arresto judicial sobre bens penhorados desse executado (doc. 3).

9 - Em qualquer dos casos, essa citação tem de ser sempre realizada no prazo de 5 dias a contar do termo do prazo de que o executado dispõe para deduzir oposição à penhora que é, por sua vez, de 10 dias, por força da al. b) do n.º 1 e do n.º 9 do art. 786.º e do n.º l do art. 785.º, todos do NCPC.

10 - No caso vertente, o executado foi citado para deduzir oposição a esta penhora a 02.11.2017.

11 - Deste modo, o prazo de 10 dias para oposição à penhora do saldo da conta bancária em questão, acrescido do supra referido prazo de 5 dias para a citação dos credores, num total de 15 dias, terminou a 21.11.2017.

12 - A falta de citação dos aqui requerentes na modalidade de acto completamente omitido, tem o mesmo efeito que a falta de citação dos réus, ou seja, é nulo todo o processado posterior à falta da concretização das citações no respectivo prazo legal, nos termos conjugados da al. a) do n.º 1 do arte 188.º, da al. a) do art. 187.º, do n.º 1 do art. 195.º, ex vi n.º 6 do art. 786.º, todos previstos no NCPC.

13 - Estando verificados todos os requisitos para arguição desta nulidade pelos Requerentes, nomeadamente,

14 - Têm legitimidade por terem arresto registado a seu favor sobre o(s) bem(ns) aqui penhorado(s).

15 - Têm interesse em agir porque têm de salvaguardar, nesta execução, o pagamento dos seus créditos que se encontram, preliminarmente, garantidos pelo mencionado arresto judicial sobre o(s) bens(m) aqui penhorado(s).

16 - Estão em tempo: i) a nulidade da falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo em virtude do n.º 2 do art. 198.º ex vi 187.º todos do NCPC e, ainda, ii) não se verificou a transmissão do(s) ben(s) sobre os quais os aqui requerentes credores têm a sua garantia pelas formas de transmissão previstas no n.º 6 do arte 7860 do NCPC.

17 - A presente nulidade também é de conhecimento oficioso e virtude do art. 197.º do NCPC.

Termos em que, se requer a V. Exa. que se digne:

i)   Decretar nulo todo o processado após a omissão da citação dos requerentes como titulares de arresto judicial sobre o saldo bancário da conta do executado, na Instituição de crédito BPI com o n.º ..., atenta a posterior penhora registada a favor do Ministério Público nestes autos;

ii)  Caso tenha(m) sido penhorado(s) outro(s) bem(bens) a favor do exequente que já tenham sido previamente arrestados a favor dos Requerentes: decretar nulo todo o processado após a omissão de citação dos requerentes quanto à penhora(s) desse(s) outro(s) bem (bens);

iii) Ordenar a citação dos requerentes para virem aos autos reclamar os seus créditos nos termos e para os efeitos do art. 786.º e 792.º, ambos do NCPC relativamente a todos os bens penhorados a favor do exequente que já tenham sido previamente arrestados judicialmente a favor dos ora Requerentes.»

2. Em sequência, o Mm.º Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão, por despacho de 18 de Janeiro de 2018 (cfr. fls. 10), determinou nos seguintes termos:

«Relevando a interposição de incidente processual por omissão de citação, notifique o Ministério Público Exequente para, querendo e no prazo de 3 dias, se pronunciar».

3. O Ministério Público apresentou resposta (fls. 12).

Nos seguintes termos:

«No apenso executivo acima identificado o MP, em promoção de 16/1, já se pronunciou no sentido de entender que o arresto preventivo em processo­crime, apenas por ser o caso, não conforma uma garantia real de cumprimento de obrigações, antes uma mera causa de conservação da garantia patrimonial de caráter provisório, atento o disposto no artigo 822.º/2 do Código Civil, pelo que não detendo os requerentes um direito real de garantia sobre os bens penhorados, não deverão ser citados para esta execução - artigos 786.º e segs. do CPC, por remissão sucessiva a partir do artigo 89.°/2 do RGCO.»

4. O Mm.º Juiz, por despacho de 30 de Janeiro de 2018, decidiu nos seguintes termos:

«I. Requerimentos de 15-01-2018 (ref.s 31091 e 31902)

Considerando os requerimentos de interposição de incidente processual por omissão de citação, apresentados por AA; BB, Lda.; CC, Lda.; EE e FF; GG, HH, Luis JJ e LL; MM e GG e NN, S.L., e apresentados por OO, com fundamento na penhora e afectação de saldo bancário na instituição de crédito BPI com o n. ° ..., previamente arrestado no âmbito de procedimento cautelar de arresto que corre seus termos nos autos n.º ..., junto do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa; considerando a posição do Ministério Público vertida no requerimento de 26-01-2018 (ref.ª 31292); considerando a jurisprudência conforme, constante e tendencialmente unívoca de que para efeitos do art. 786.°, n.º 1, al. b) do novo Código de Processo Civil, o arresto não obriga a citação do arrestante para os termos da execução por configurar mera providência cautelar, de natureza provisória, que não concede qualquer preferência de pagamento do crédito, não relevando para efeitos de anterioridade até ser convertido em penhora - neste sentido cfr. entre outros Ac: RL de 17/01/2006, proc. n.º 412/2006-6, relator PEREIRA RODRIGUES, Ac. RP de 19/10/2004, proc. n.º 0424730, relator CÂNDIDO DE LEMOS; Ac. RC de 10/03/2009, proc. n:º 285-C/2002.C1, relator GONÇALVES FERREIRA e Ac. RC de 12/09/2017, proc. n:º 6304/14.8T8CBR.C1, relator LUÍS CRAVO (todos acessíveis em dgsi.pt), afigura-se-nos que não foi omitido qualquer acto processual de cumprimento obrigatório, nomeadamente a citação dos arrestantes e aqui requerentes.

Pelo exposto, julgo, totalmente improcedentes os referidos incidentes processuais por omissão de citação.»

5. Os Requerentes interpuseram recurso daquele despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 16-155).

6. No Tribunal da Relação de Lisboa, os Mm.os Juízes, por acórdão de 28 de Novembro de 2018 (fls. 167-178), decidiram negar provimento ao recurso interposto pelos Requerentes, confirmando o despacho recorrido.

7. Os Requerentes interpuseram recurso daquele acórdão para teste Supremo Tribunal de Justiça.

8. Pretextam o recurso como de «revista extraordinário», invocando o disposto nos artigos 852.º e 854.º (1.ª parte), alínea d) do n.º 2 do do artigo 629.º ex vi al. a) do n.º 2 e 1.ª parte do n.º 3 do artigo 671.º e, ainda, alínea b) do artigo 673.º conjugado com o artigo 677.º e n.º 2 do artigo 675.º, e 676.º, todos do (novo) Código de Processo Civil (NCPC), invocando três «acórdãos fundamento» em contradição com o acórdão recorrido: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-02-2004, Processo 1340/2003-2, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.09.2017, proc. 6304/14.8T8CBR.C1, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 17.03.2005 / Proc. 05B438.

9. Extraem da motivação recursiva as seguintes conclusões:

«A – O objeto deste recurso de revista consiste em apurar a natureza jurídica do arresto judicial ainda não convertido em penhora, decidir se é uma garantia real para efeitos da reclamação de créditos prevista no art. 788º do NCPC e / ou para que os seus titulares possam requerer que a graduação dos seus créditos aguarde a obtenção do título executivo em falta ao abrigo do art. 792º do NCPC, com o inerente dever legal de citação dos seus detentores sob prejuízo de irregularidade processual suscetível de conduzir à anulação de todo o processado posterior.

B – O douto “Acórdão recorrido” concluiu em sentido negativo, contudo, perante a mesma questão fundamental de direito e, perante situação factual idêntica, outros “Acórdãos fundamento”, a saber Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Silveira Ramos) de 05-02-2004, Processo 1340/2003-2, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Luis Cravo), de 12.09.2017, proc. 6304/14.8T8CBR.C1 (página 5), e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Neves Ribeiro) de 17.03.2005 / Proc. 05B438, decidiram em sentido contrário, nem sempre com a mesma fundamentação, diga-se, em qualquer caso, impõe-se a necessária clarificação desta matéria controvertida, a bem da segurança jurídica do nosso ordenamento jurídico.

C - Apesar do arresto judicial preventivo ter natureza cautelar e de o direito de crédito subjacente ainda não ter sido decretado judicialmente, não deixa de haver “identidade funcional entre o arresto e a penhora”, sendo considerados “apenas fonte de uma preferência sobre o produto da venda dos bens penhorados ou arrestados em execução singular”.

D – O efeito dessa preferência legal do arresto só opera com a conversão do arresto em penhora em virtude do 822º do CC, havendo uma retroação dos efeitos à data do arresto.

E - O legislador quis, pois, proteger o detentor de arresto desde a data da sua constituição inicial (nº2 do art. 822º do CC), caso contrário, o arresto só valeria como penhora após a data da sua conversão naquele.

F – Ao arresto são ainda extensivos os efeitos da penhora atento o nº2 do art. do 622º do CC e esta torna ineficaz em relação ao arrestante os atos posteriores de oneração do bem arrestado nos termos do art. 819º do CC.

G – Também no plano estritamente processual e dogmático, na esteira dos “Acórdãos fundamento” aqui invocados, e da melhor doutrina, vulgo, entre outros, Prof. Antunes Varela, Pires de Lima, Anselmo de Castro e Lebre de Freitas, o arresto judicial não deixa de ser um direito real de garantia e, assim, o Tribunal estaria obrigado a citar os seus detentores com vista à reclamação de créditos prevista no art. 786º do NCPC e / ou requererem que a graduação do seu crédito aguarde a obtenção do título em falta ao abrigo do art. 792º do NPCP.

H – Caso contrário, se os detentores de arresto tivessem de aguardar pelo reconhecimento judicial do direito de crédito invocado poderiam encontrar a  execução já encerrada atenta a transmissão dos bens em causa (nº3 do art. 788º do NCPC), esvaziando-se esta garantia de qualquer utilidade prática face a garantias de terceiro.

I – O arresto, “antecipa, de modo provisório, o efeito real ou equiparado da penhora e, por aí, a sua exequibilidade em sede de reclamação de créditos” (Prof.  Rui Pinto).

J - Violou, pois, o Acórdão em crise lei substantiva constante do nº2 do art. 622º, 819º e 822º do CC, bem como lei de processo em virtude da al. a) do nº1 do art. 188º, a al. a) do art. 187º e o nº 6 do art. 786º, art. 788º e nº1 do art. 792º todos do NCPC.

K - O Acórdão recorrido deveria, assim, ter decretado a nulidade processual invocada atenta verificação dos seguintes requisitos:

i)  Legitimidade dos Recorrentes por terem arresto judicial registado a seu favor sobre o(s) bens(m) penhorado(s) nos autos com a natureza de garantia real.

ii)  Interesse em agir porque os Recorrentes têm de salvaguardar, nesta execução, o pagamento dos seus créditos que se encontram, preliminarmente, garantidos pelo mencionado arresto judicial;

iii) Tempestividade: a nulidade da falta de citação pode ser arguida em qualquer estado do processo em virtude do nº2 do art. 198º ex vi 187º todos do NCPC e ainda não se verificou a transmissão do(s) ben(s) sobre os quais os Recorrentes detêm a sua garantia pelas formas de transmissão previstas no nº 6 do art. 786º do NCPC;

L - Termos em que, o douto Acórdão recorrido deve ser revogado por violação das normas legais supra referidas, devendo ser:

i)   Decretada a nulidade da falta de citação dos Recorrentes e de todos os actos subsequentes ao decurso do prazo legal para que essas citações ocorram;

ii)  Ser ordenada a notificação dos Recorrentes para, querendo, reclamarem os seus créditos sobre todos os bens penhorados nos autos sobre os quais incida arresto preventivo dos Recorrentes e, dessa forma, poderem exercer o direitos do art 788º do NCPC ou, caso assim não se entenda, o direito previsto no art. 792º do NCPC para que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta.»

10. No Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 2 de Janeiro de 2019 (fls. 224), decidiu-se nos seguintes termos:

«Subam os autos ao Colendo Tribunal».

11. O Banco de Portugal e o Executado QQ foram notificados do recurso e respectiva motivação (fls. 225 e 226, respectivamente), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), não tendo apresentado resposta.

12. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto Exequente, apresentou resposta (fls. 229-231), concluindo pela inadmissibilidade do recurso.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«1.ª QUESTÃO PRÉVIA

Nos termos do art.º 414.º do C.P.P, interposto o recurso e junta a motivação, o juiz profere despacho e, em caso de admissão, fixa o seu efeito e regime de subida.

Nos termos do art.º 411.º n.º 6 do C.P.P o requerimento de interposição ou a motivação são notificados aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso, após o despacho a que se refere o n.º 1 do art.º 414.º

Ora, no caso em apreço não foi proferido qualquer despacho de admissão do recurso.

2.ª QUESTÃO PRÉVIA

Por nós entendemos que o Recurso do Arguido, motivado e concluído nos termos em que o foi, deverá ser rejeitado por manifestamente improcedente, nos termos do disposto no artigo 420º nº 1, al .b) do C.P.P., por  não ser  admissível, nos termos do disposto no artigo 400º nº 1º, do C.P.P.

1 O Acórdão ora impugnado é irrecorrível para o S.T.J. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432º nº 1º alínea b) e 400º nº 1 do C.P.P.

2. Na verdade, só é possível recorrer para o S.T.J. de decisões que, proferidas pelas Relações, em Recurso, sejam recorríveis nos termos do artigo 400º do C.P.P., como comanda o artigo 432º nº 1 alínea b) “a contrario”.

3. O Recurso de Revista Excepcional é um recurso exclusivamente previsto no C.P.Civil, que não tem aplicabilidade no C.P.P., uma vez que este tem um regime autónomo e auto-suficiente quanto a recursos.

4. O CPP regula nos art.s 399.º e segs. o regime dos recursos, ordinários e extraordinários, o que faz de forma suficiente, não existindo qualquer lacuna que justifique apelo ao art.º4, do CPP, como forma de ser admissível no processo penal o recurso de Revista Excepcional previsto no art.º672, do CPC.

5. O regime mais próximo é o do art.º 447.º do C.P.P., que não tem qualquer aplicação, no caso em concreto.

6. Não se trata de nenhuma situação de relevância social nem jurídica com interesse para a unidade do direito.

7. Pelo que o Acórdão ora impugnado não é passível de Recurso.»

13. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça, na oportunidade conferida pelo n.º 1 do artigo 146.º, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), consignou (fls. 240) que, sendo o Ministério Público recorrido no processo, carece de legitimidade para emitir parecer.

14. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, é demarcado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior.

15. No caso, a verificar-se a pretextada contradição de julgados entre acórdão recorrido e acórdão(s) fundamento, a questão a decidir reporta à natureza jurídica do arresto preventivo decretado no processo penal, no âmbito da execução por coima e custas a correr termos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, mormente para efeitos de citação dos titulares do arresto para reclamação de créditos [artigos 786.º, n.º 1, alínea b) e 788.º, ambos do CPC] e/ou de citação para que a graduação dos créditos aguarde a obtenção de título exequível (artigo 792.º, do mesmo CPC).

16. O Ministério Público, na resposta ao recurso, suscita duas questões prévias, tais sejam:

(i) da inexistência de despacho de admissão do recurso, no Tribunal da Relação de Lisboa;

(ii) da inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

17. Importa, antes do mais, segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas (artigos 608.º n.º 1 e 663.º n.º 2, do CPC), conhecer das referidas questões prévias.

II

18. Quanto à inexistência de despacho sobre a admissão do recurso.

19. Nos termos prevenidos nos artigos 414.º, do CPP, e 641.º. do CPC, interposto o recurso e junta a motivação, o juiz profere despacho sobre o correspondente requerimento e, em caso de admissão, fixa o efeito e regime de subida do recurso.

20. Resulta dos autos que, no Tribunal da Relação de Lisboa, precedendo interposição de recurso do respectivo acórdão, por parte dos Requerentes, apenas foi proferido o despacho de fls. 224: «Subam os autos ao Colendo Tribunal».

21. Figura-se embora que, não havendo pronúncia expressa sobre a admissibilidade do recurso, sempre o Mm.º Juiz do Tribunal recorrido, de forma tácita, do passo em que determinou a remessa dos autos a este Tribunal de recurso, consignou a admissão do recurso.

22. Ademais, resulta evidenciado dos autos que a 3.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa notificou o Mandatário do Banco de Portugal, o Mandatário do Arguido/Executado QQ e o Exequente (Ministério Público) «de todo o conteúdo do despacho de admissão do recurso, proferido nos autos acima indicados, bem como do requerimento e/ou da motivação apresentada, com cópia dos mesmos, e para os termos do n.º 1 do art. 413.º do CPP», e, de par, fez notificar o referido despacho de fls. 224 ao Mandatário dos Recorrentes.

23. Assim, pese embora a inexistência de um despacho, expresso, de admissão de recurso, o processado não perdeu regularidade e, mais importante, essa omissão não afectou qualquer direito dos Recorrentes e/ou Recorridos.

24. Levando em ponderação que o despacho que admite o recurso não vincula o tribunal de recurso (artigos 414.º n.º 3, do CPP e 641.º n.º 5, do CPC), figura-se que, por uma questão de economia processual e para obviar à prática de actos inúteis (artigo 130.º, do CPC), não é de determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para, em suprimento da irregularidade, proceder à prolação expressa de despacho de admissão de recurso, devendo aceitar-se o processado nos exactos termos em que se encontra.

Vejamos ainda.

25. Quanto à questão da inadmissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

26. A respeito, defende o Recorrido, em síntese, que o presente recurso é inadmissível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432º n.º 1, alínea b) a contrario e 400.º n.º 1, ambos do CPP, dado que o recurso de revista excepcional é um recurso exclusivamente previsto no CPC, que não tem aplicabilidade no CPP, uma vez que este tem um regime autónomo e auto-suficiente quanto a recursos,  inexistindo qualquer lacuna que justifique, ao abrigo do artigo 4.º, do CPP, admitir no processo penal o recurso de revista excepcional previsto no artigo 672.º do CPC.

Vejamos.

27. Cabe ao tribunal ad quem decidir da admissibilidade ou não do recurso interposto, sem vinculação à decisão de admissão do recurso pelo tribunal a quo – artigos 414.º n.º 3 e 420.º, do CPP, e artigos 641.º n.º 5 652.º, do CPC.

28. Importa, antes de tudo, fazer presente a materialidade de facto a que os autos se reportam.

Tal seja:

«1.           Correu termos no 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, sob o n.º 45/14.3YUSTR, um recurso de impugnação judicial de uma decisão do Banco de Portugal que havia aplicado ao arguido QQ várias coimas e, em cúmulo jurídico, uma coima única, pela prática de várias contra-ordenações puníveis nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

2.  No âmbito desse processo foi condenado, entre outros, o arguido QQ pela prática de várias contra-ordenações no pagamento de uma coima única no valor de 700.000,00€ e nas custas processuais no valor 2.796,25€ (cfr fls. 241 a 255).

3.  Por força do não pagamento voluntário das referidas quantias, o Ministério Público deu entrada em 21-12-2016 de um requerimento executivo, na qualidade de Exequente contra o Executado QQ.

4.  A execução, corre seus termos por apenso ao recurso de impugnação judicial e tem o n.º 45/14.3YUSTR-G, e visa o pagamento do valor líquido de 702.796,25€, relativo à coima (única) aplicada e custas processuais, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

5.  No requerimento executivo foram indicados à penhora “Saldos bancários, ou qualquer activo financeiro, como acções, títulos, obrigações, bens móveis que se encontrem na residência/sede das instalações do(s) executado(s), bens imóveis inscritos na matriz a seu favor, bens móveis sujeitos a registo inscritos a seu favor, designadamente, veículos motorizados, barco ou aeronaves, rendimentos do trabalho”.

6.  Correu termos no Tribunal de Instância Central Criminal de Lisboa – Juiz 6 – o processo-crime n.º 478/10.4TDLSB, em que foram sujeitos a julgamento, entre outros, o arguido Salvador Vital.

7.  No âmbito do processo-crime identificado em 6., foram pelos requerentes AA, BB, Lda, CC, DD, Lda, EE e FF, GG, HH, II, JJ e LL; MM, NN, SL e OO, deduzidos pedidos de indemnização civil contra, entre outros demandados civis, o demandado civil Salvador Vital, os quais foram admitidos.

8.  Por ofício do Banco BPI de 15-04-2015 foram arrestadas a favor dos requerentes identificados em 7., no âmbito do processo crime - apenso n.º 478/10.4TDLSB-E - várias contas bancárias, tituladas por QQ, mormente o saldo da conta bancaria n.º 6-3649936/000/002, D/Ordem, do Banco BPI, no montante de 100,41€ + 1.869,46€.

9.  Por ofício do Banco BPI de 22-04-2015 foi comunicado, em complemento ao ofício de 15-04-2015, que os activos financeiros referenciados na mesma já se encontravam arrestados no âmbito do processo 7447/08.2TBLSB, com excepção do saldo de € 1.969,87€, existente na conta n.º ... titulada por QQ, que ainda não havia sido objecto de qualquer medida de apreensão judicial anterior.

10.           Por carta remetida, pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 6 (Proc n.º 478/10.4TDLSB-E), em 13-12-2017, o Mandatário dos Requerentes (recorrentes) foi notificado do teor do ofício remetido, em 06-12-2017, pelo 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, no âmbito do Proc n.º 45/14.3YUSTR-G com o assunto de “Afectação de saldo bancário: Tenho a honra de informar V. Exa. que não tendo sido o arresto-crime convertido em penhora deverá a penhora da conta n.º 3649936/000/002 da instituição de crédito BPI, ser considerada efectuada à ordem destes autos.»

29. Concluiu-se que os Requerentes, aqui Recorrentes, apresentaram, a 15 de Janeiro de 2018, requerimento de incidente processual por omissão de citação, no âmbito dos autos de execução por coima e custas processuais (entrada em juízo a 21 de Dezembro de 2016), sendo que estes autos de execução (n.º 45/14.3YUSTR-G) correm por apenso ao recurso de impugnação judicial (n.º 45/14.3YUSTR) da decisão do Banco de Portugal que aplicou coimas ao arguido pela prática de contra-ordenações puníveis nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF).

30. Nos termos prevenidos no artigo 229.º, do RGICSF, «o tribunal da concorrência, regulação e supervisão é o tribunal competente para conhecer o recurso, a revisão e a execução das decisões ou de quaisquer outras medidas legalmente suscetíveis de impugnação tomadas pelo Banco de Portugal, em processo de contraordenação.»

31. No mesmo sentido prevêem os artigos 112.º n.º 1, alínea c) e 3, 129.º n.os 1 e 2 e 131.º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário,  aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), estabelecendo que compete ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão a execução das decisões que aplicam coimas e custas.

32. Determina, por sua vez, o artigo 232.º, do RGICSF (direito subsidiário) que «às infrações previstas no presente capítulo é subsidiariamente aplicável, em tudo que não contrarie as disposições dele constantes, o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social.»

33. Uma vez que o RGICSF não possui norma expressa sobre a execução para pagamento das coimas, impõe-se convocar, supletivamente, o regime geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO).

34. De acordo com o artigo 89.º n.º 2, do RGCO, a execução (para pagamento) da coima «é promovida pelo representante do Ministério Público junto do tribunal competente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no CPP sobre a execução da multa».

35. Vale dizer que o RGCO remete o regime da execução das coimas para o disposto no CPP sobre a execução da multa.

36. O CPP dispõe, no artigo 491.º n.º 2 do CPP, a respeito da execução da multa, que «tendo o condenado bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou aquele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas.»

37. Concluiu-se assim que a execução da multa, segue os termos da execução por custas.

38. Na medida em que os termos da execução por coima remetem para os termos da execução por multa e esta, por sua vez, remete para os termos da execução por custas, a execução da coima, por remissão sucessiva, haverá de seguir os termos da execução por custas.

39. Os termos da execução por custas, encontram-se regulados no Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (RCP).

40. O artigo 35.º n.º 1, do RCP, dispõe, designadamente, nos seguintes termos:

«1. Não tendo sido possível obter-se o pagamento das custas, multas e outras quantias cobradas de acordo com os artigos anteriores, é entregue certidão da liquidação da conta de custas ao Ministério público, para efeitos executivos, quando se conclua pela existência de bens penhoráveis. 2 - A certidão de liquidação, juntamente com a sentença transitada em julgado, constitui título executivo quanto à totalidade das quantias aí discriminadas. (…)

5. A execução instaurada pelo Ministério Público é uma execução especial que se rege pelo disposto no presente artigo e, subsidiariamente, pelas disposições previstas no Código de Processo Civil para a forma sumária do processo comum para pagamento de quantia certa.»

41. Dispõe o artigo 550.º n.º 1, do CPC quanto à forma do processo comum de execução que «o processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário».

42. Resulta de todo este iter remissivo que à execução para pagamento da coima e custas, instaurada pelo Ministério Público junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão – com o n.º 45/14.3YUSTR-G – contra o Executado QQ, se aplicam, supletivamente, as disposições previstas no CPC para a forma sumária da execução para pagamento de quantia certa, tal seja, a normação decorrente do disposto nos artigos 855.º a 858.º, do CPC, e, naquilo que ali não esteja especialmente previsto, as disposições do processo ordinário – execução para pagamento de quantia certa – conforme impõe o artigo 551.º n.º 3, do CPC («à execução sumária aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário»).

43. Uma vez que na forma sumária da execução para pagamento de quantia certa não está especialmente previsto o regime de recursos, impõe-se aplicar o regime de recursos previsto para a forma ordinária da execução para pagamento de quantia certa – artigos 852.º a 854.º do CPC.

44. Dispõe o artigo 852.º, do CPC (disposições reguladoras dos recursos) que «aos recursos de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes.»

45. Ora, do passo que a decisão (de 30 de Janeiro de 2018) que gerou o recurso (de apelação) para o Tribunal da Relação e, consequentemente, o recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça, foi proferida no processo executivo (n.º 45/14.3YUSTR-G), aplicam-se ao recurso em causa nestes autos as regras previstas no CPC, mormente o disposto no artigo 854.º, do CPC – que estabelece a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

46. Pode pois concluir-se que, ao contrário do que vem doutamente argumentado pelo Recorrido na resposta ao recurso interposto pelos Recorrentes para este Supremo Tribunal de Justiça, não se aplica aos presentes autos o regime de recursos previsto no CPP mas sim o regime de recursos previsto no CPC, e, nessa medida, não cabe convocar o disposto nos artigos 432.º n.º 1 alínea b) e 400.º n.º 1, do CPP, quanto à inadmissibilidade de recurso.

47. Em sequência, importa repristinar o preceituado no artigo 854.º, do CPC, sobre a questão da admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

48. O artigo 854.º, do CPC (revista), dispõe nos seguintes termos:

«Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.»

49. Em vista de tal preceito, é admissível recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça nos três específicos casos elencados, sem prejuízo embora dos casos em que é sempre admissível recurso, a que se refere o n.º 2 do artigo 629.º, do CPC.

50. Como acima se deixou editado, os Requerentes vêm interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto nos artigos 852.º e 854.º (1.ª parte), 629.º n.º 2 alínea d), ex vi alínea a) do n.º 2 e 1.ª parte do n.º 3 do artigo 671.º, e do disposto, conjugadamente, nos artigos 673.º alínea b), 677.º, 675.º n.º 2 e 676.º, todos do CPC.

51. Abonam a admissibilidade do recurso fazendo tese de que o acórdão (da Relação) recorrido está em contradição com três acórdãos (dois acórdãos da Relação e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça) sobre a mesma questão fundamental de direito.

Vejamos.

52. O artigo 629.º n.º 2 alínea d), do CPC, estabelece nos seguintes termos:

«2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:  d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.»

53. Sublinha Abrantes Geraldes (em «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 5.ª Edição, Almedina, 2018, pág. 57) que, na referida alínea d), «Foi repristinada a solução semelhante que já constara do art. 678.º, n.º 4, do CPC de 1961, na redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 38/03, de 08 de Março, e que fora afastada na revisão do regime de recursos de 2007, reabrindo-se, assim, a possibilidade de acesso ao terceiro grau de jurisdição em casos em que tal estaria vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento ao recurso reside em motivos de ordem legal estranhos ao valor do processo ou da sucumbência, em confronto com o valor da alçada da Relação.»

54. Adianta, a propósito do normativo em análise, que «ao invés do que do que faria supor a integração da alínea no proémio do n.º 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o seguimento normativo referente ao motivo estranho à alçada do tribunal».

55. Conclui:

«Desta forma, ampliaram-se de novo as possibilidades de serem dirimidas em última instância contradições jurisprudenciais que, de outro modo, poderiam persistir, considerando o facto de, em regra, emergirem de processos em que, apesar de terem um valor processual superior à alçada da Relação, não admitem recurso de revista, como sucede em matéria de procedimentos cautelares (art. 370.º, n.º 2) ou em que o recurso de revista está condicionado por outros factores, como se prescreve para os processos de jurisdição voluntária (art. 988.º, n.º 2).»

56. E acrescenta:

«O acesso especial ao Supremo que foi reposto pelo CPC de 2013 depende de pressupostos que devem ser apreciados com rigor, obstando a que, de modo enviesado, se consiga aceder ao terceiro grau de jurisdição em casos que extravasam o âmbito do preceito legal. Assim: - Razões da restrição ao recurso de revista:  é necessário que o acesso ao Supremo esteja vedado unicamente por motivos de ordem legal não ligados à alçada da Relação, pois se for este o motivo da restrição (acção com valor inferior a 30.000,00€ ou sucumbência inferior a 15.000,00€) não é admissível a revista extraordinária» - ob. e loc. citados, pág. 61.

57. No mesmo sentido, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Novembro de 2014 (processo 542/14.0YLASB.L1.S1), disponível, como os mais citandos, em www.dgsi.pt:

«O art. 629º, nº 2, al. d), do NCPC, admite a interposição de recurso de revista, em casos em que, não sendo admitido tal recurso por razões estranhas à alçada da Relação, se verifique a contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo qualquer deles proferido domínio da mesma legislação. Esta solução já constara do art. 678º do anterior CPC, tendo sido inexplicavelmente afastada na revisão do regime dos recursos de 2007. Mas com a sua repristinação, reabriu-se a possibilidade de aceder ao terceiro grau de jurisdição em casos em que o impedimento ao recurso não reside no facto de o valor da acção ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do nº 1 do art. 629º do NCPC, mas noutro motivo de ordem legal. Assim acontece em sede dos procedimentos cautelares, em que, em regra, independentemente do seu valor processual, não se admite a interposição do recurso de revista (art. 370º, nº 2, do NCPC), a não ser que com este se projecte a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para dirimir uma contradição jurisprudencial.»

58. Assim também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Junho de 2016, de 23-06-2016 (processo 2023/13.0TJLSB.L1.S1), fazendo súmula das razões pelas quais a jurisprudência deste Tribunal se vem pronunciando nesse sentido.

59. Como ali se refere, apesar da redacção dada ao proémio do n.º 2 do artigo 629.º, do CPC («independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso»), «não obstante essa aparência formal, não se afigura que a mesma seja decisiva para interpretar o alcance da admissibilidade recurso em termos de compreender a generalidade dos casos ali contemplados sem a condicionante da alçada ou da sucumbência, pelos seguintes motivos:

i) – Em primeiro lugar, atendendo ao factor histórico, genético-evolutivo, do instituto em causa, como um dos mecanismos tendentes à uniformização jurisprudencial, no tipo de casos em referência, que sempre se tem confinado às situações em que se verificassem os requisitos gerais de cabimento de revista, como sucedia, outrora, no âmbito do artigo 764.º, introduzido pelo Dec.-Lei n.º 44.129, de 28-09-1961, e do n.º 3 do artigo 728.º - julgamento com intervenção de todos os juízes da secção ou em reunião conjunta de secções, com vista à prolação dos chamados quase-assentos - introduzido Dec.-Lei n.º 47.690, de 11-05-1967; e, mais recentemente, no âmbito do n.º 4 do artigo 678.º, na redação precedente ao Dec.-Lei n.º 303/2007, e da alínea c) do n.º 1 do artigo 721.º-A, na redação deste diploma;

ii) – Em segundo lugar, uma razão de ordem teleológica que se prende com a finalidade do referido mecanismo, no sentido de visar uma uniformização não prioritariamente colimada à justiça de cada caso concreto, mas destinada a evitar a propagação, em escala, do erro de direito judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação com o princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, na linha da directriz do n.º 3 do art.º 8.º do CC;

iii) – Ainda nesta linha, o facto de se ter vindo a progredir no sentido de limitar o âmbito de intervenção do tribunal de revista aos casos de maior relevo;

iv) – Por fim, uma razão de ordem sistemática, segundo a qual se mostra incoerente admitir o recurso, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, para todos os casos em que o recurso não seja admissível por motivo estranho àquele, quando o não seria, com o mesmo fundamento, nos casos sujeitos à regra geral da admissibilidade em função do valor da alçada ou da sucumbência, prescrita no n.º 1 do art.º 629.º do CPC.

Perante estas razões ponderosas e substanciais, o valor interpretativo a dar à ressalva inicial do proémio do n.º 2 do art.º 629.º sai esbatido, tanto mais que tal ressalva assim configurada parece radicar numa técnica legislativa pouco apurada, como acima ficou dito, e que, por isso, não deverá prevalecer de modo a descaracterizar o essencial da condicionante estabelecida no indicado normativo quando se refere a motivo estranho à alçada do tribunal de que se recorre, pelo menos com o alcance com que tem vindo a ser perfilhado.»

60. Em sentido coincidente, os acórdãos, deste Supremo Tribunal de Justiça:

- de 7 de Junho de 2018 (revista 2877/11.5TBPDL-D.L2.S1 - 2.ª Secção)

«II - A contradição jurisprudencial imprescindível para a admissibilidade da revista, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. d), aplicável por força do disposto no art. 370.º, n.º 2, ambos do CPC, implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) o não cabimento de recurso ordinário impugnativo do acórdão recorrido por motivo alheio à alçada do tribunal; (ii) a existência de, pelo menos, dois acórdãos em efetiva oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por objeto idêntico núcleo factual, ali versados; (iii) a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado; (iv) a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo STJ. III - A admissibilidade do recurso de revista, pela via especial da contradição jurisprudencial, não prescinde, porém, da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pelo que, tratando-se de acórdão do tribunal da Relação proferido no âmbito de um procedimento cautelar, é de exigir que o valor do procedimento exceda a alçada da Relação e que a sucumbência do recorrente revelada pelo confronto entre a providência pedida e a que foi decretada seja superior a metade dessa alçada.»

- de 15 de Fevereiro de 2018 (revista 47/14.0TBFCR-A.C1.S1 - 1.ª Secção)

«I - De harmonia com o art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, do acórdão recorrido só não cabe recurso ordinário, por motivo estranho à alçada do tribunal, quando não é esta alçada que obstaculiza a sua interposição, ou seja, quando o valor da ação é superior ao da alçada do tribunal recorrido, mas o recurso não é admissível, por causa diferente. II - Só é de admitir recurso para o STJ de acórdãos da Relação se o valor da causa for superior a € 30 000, mesmo em caso de contradição entre acórdãos, razão pela qual o segmento do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” quer significar que o impedimento ao recurso, «hoc sensu», não reside no facto de o valor da ação ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, mas noutro motivo de ordem legal».

- de 8 de Fevereiro de 2018 (revista 99/11.4TBPVA.G1-A.S1 - 2.ª Secção)

«I - A al. d) do n.º 2 do art. 629.º viabiliza a admissão da revista em casos em que a revista não é admissível por razões de ordem legal que não se prendem com o valor da causa ou da sucumbência. II - Tendo sido fixado à causa o valor de € 5 000, a revista regra (e, bem assim, a revista excepcional, dado que a admissão desta não prescinde da verificação dos requisitos gerais de admissão do recurso) é desde logo inadmissível». 

61. Em base de tal jurisprudência, figura-se de entender, muito em síntese, que a admissibilidade do recurso, por esta via especial prevista no artigo 629.º n.º 2, alínea d), do CPC, abrange tão-apenas os casos em que o obstáculo à interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não reside no facto de o valor da acção ou o da sucumbência ser inferior aos limites mínimos resultantes do n.º 1 do artigo 629.º, do NCPC, mas em motivo, outro, de ordem legal (será, por exemplo, o que ocorre em sede dos processos executivos, nos casos excluídos do artigo 854.º, do CPC), garantindo desta forma que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações em matérias que nunca podem vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Revertendo ao caso sub inde.

62. Defendem os recorrentes que o incidente processual de omissão de citação e consequentemente o recurso interposto, tem como valor da causa e de sucumbência, o de 30.000,01 euros.

63. Afigura-se que não é assim.

Vejamos.

64. Dispõe o artigo 629.º n.º 1, do CPC:

«1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.»

65. Estabelecem-se assim dois supostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso: (i) que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido - o critério da alçada; (ii) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada» – o critério da sucumbência.

66. Até 1 de Janeiro de 2008 as alçadas dos tribunais estavam fixadas em 750.000 escudos para a 1.ª instância e em 3.000.000 de escudos para o Tribunal da Relação (artigo 24.º, da Lei 3/99, de 13-01).

67. O artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, alterou o artigo 24.º, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, dando-lhe a seguinte redacção:

«Artigo 24.º - Alçadas

1 - Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de (euro) 5000.»

68. Por sua vez, a Lei n.º 63/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), revogou a Lei n.º 3/99, de 13-01 [artigo 187.º, al. b)].

69. O artigo 44.º, da LOSJ, mantém os mesmos valores das alçadas dos Tribunais e as mesmas regras de admissibilidade dos recursos (quanto ao momento de fixação da alçada dos tribunais) da Lei 3/99:

«Art. 44.º - Alçadas

1 - Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5000.

2 - Em matéria criminal não há alçada, sem prejuízo das disposições processuais relativas à admissibilidade de recurso.

3 - A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção.»

70. Assim, desde 1 de Janeiro de 2008, e até ao presente, a alçada do Tribunal de 1.ª instância é de 5.000 euros e a do Tribunal da Relação é de 30.000 euros.

Vejamos, no caso.

71. À data da propositura da acção executiva (Processo n.º 45/14.3YUSTR-G), em Dezembro de 2016, a alçada do Tribunal de 1.ª instância era (e é) de 5.000 euros e a do Tribunal da Relação era (e é) de 30.000 euros.

72. Quanto ao critério da alçada, não se vislumbra, como pode concluir-se que o valor (da causa) seja de 30.000,01 euros.

73. No caso, o valor do pedido (da causa) do presente incidente é 1.969,87 euros.

Vejamos.

74. Estamos, no caso, perante um recurso de um incidente processual de omissão de citação, no âmbito de uma acção executiva.

75. De acordo com o artigo 304.º n.º 1, do CPC, «o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores».

76. Por um lado, o valor da causa a que respeita o incidente é o valor da execução: 702.796,25€.

77. Por outro lado, o valor do saldo bancário que foi penhorado no âmbito da presente execução e que se encontrava arrestado preventivamente a favor dos recorrentes e relativamente ao qual os mesmos, por serem titulares do arresto, pretendiam ser citados para fazerem valer no processo o seu «crédito» monta a 1.969,87€ (100,41€ + 1.869,46€).

78. Ou seja, o valor do incidente, vale por dizer, o valor do pedido que os Requerentes pretendem fazer valer no processo executivo é o do seu alegado «crédito», titulado pelo arresto preventivo, do montante de 1.969,87€.

79. Assim, o valor do incidente (processual de omissão de citação) reporta à quantia de 1.969,87 euros.

80. Ainda assim, mesmo a admitir-se (por extensão argumentativa) como valor de referência o montante de 30.000,01 euros (como o valor «genérico» do incidente) permitindo conceder como respeitado o critério da alçada, já o valor da sucumbência dos recorrentes no âmbito do presente incidente não monta a 30.000,01 euros.

81. A sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que por isso, se designa por parte vencida; esta é portanto, aquela a quem a decisão prejudica, que com ela sofreu gravame ou a quem foi desfavorável, em suma, quem perdeu.

82. Como se decidiu no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, n.º 10/2015 (Diário da República, 1.ª série, de 26 de Junho de 2015), «A sucumbência afere-se, por conseguinte, pelo contraste entre, por um lado, o conteúdo da decisão e, por outro lado, os interesses da parte, ou seja, pelo reflexo negativo daquela nestes. Ora, como é sabido, o recurso visa eliminar o dano que esse prejuízo ou gravame, causado pela decisão recorrida, importa para a parte vencida; por outras palavras, o recurso é o meio processualmente adequado para a remoção da sucumbência e por isso, é que, por via de regra, só podem ser interpostos pela parte vencida.»

No caso, vejamos.

83. Os Recorrentes apresentaram requerimento de interposição de incidente processual por omissão de citação nos autos de execução que correm termos sob o n.º 45/14.3YUSTR-G no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

84. No proémio do requerimento deram reporte de que que haviam sido notificados da afectação do saldo bancário da conta do executado QQ na instituição de crédito BPI com o n.º ... à execução sob o n.º 45/14.3YUSTR-G, saldo bancário esse que já se encontrava arrestado a favor dos requerentes no âmbito do Processo (crime) n.º 478/10.4TDLSB-E.

85. Mais alegaram que não foram citados no âmbito da execução, relativamente à penhora efectuada e que os prazos para o fazer, já haviam sido ultrapassados, dado que o executado já havia sido citado para deduzir oposição a essa penhora (saldo da conta n.º ..., do Banco BPI).

86. Concluem que, dado que a penhora ordenada tinha que ser acompanhada do acto processual da citação dos titulares do arresto por exigência da lei, nos termos do artigo 786.º n.º1 alínea b) e n.º 9, do CPC, a falta de citação dos requerentes implica a nulidade de todo o processado posterior à falta da concretização da citação.

87. O despacho proferido em 1.ª instância (Tribunal da Concorrência, Regulação e supervisão) julgou improcedente o incidente processual de omissão de citação apresentado pelos requerentes, tendo considerado que tais requerimentos tinham como fundamento a penhora e afectação de saldo bancário na instituição de crédito BPI n.º ... previamente arrestado no âmbito do procedimento cautelar que corre termos nos autos n.º 478/10.4TDLSB-E, junto do Tribunal Central Criminal de Lisboa.

88. Face ao pedido feito pelos Requerentes e ao objecto do despacho proferido pela 1.ª instância, só pode concluir-se que, no que aos Requerentes respeita, o presente incidente tem por origem e fundamento na omissão da citação dos requerentes como titulares de arresto judicial sobre o saldo bancário da conta do executado, na Instituição de crédito BPI com o n.º ..., sendo que no âmbito da execução (n.º 45/14.3YUSTR-G) foi registada a penhora sobre esse saldo bancário a favor do Ministério Público.

89. Os requerentes formulam outros pedidos genéricos [«ii) Caso tenha(m) sido penhorado(s) outro(s) bem(bens) a favor do exequente que já tenham sido previamente arrestados a favor dos Requerentes: decretar nulo todo o processado após a omissão de citação dos requerentes quanto à penhora(s) desse(s) outro(s) bem (bens); iii) Ordenar a citação dos requerentes para virem aos autos reclamar os seus créditos nos termos e para os efeitos do art. 786.º e 792.º, ambos do NCPC relativamente a todos os bens penhorados a favor do exequente que já tenham sido previamente arrestados judicialmente a favor dos ora Requerentes.»]  mas condicionais e futuros, relativamente aos quais se desconhece se irão ocorrer (e com que contornos fácticos e processuais), e relativamente aos quais, sendo caso, sempre os Requerentes podem reagir nos termos concedidos pelo CPC.

90. Assim, no caso, o que fundamenta o pedido formulado no incidente de omissão de citação é a penhora, realizada nos autos de execução n.º 45/14.3YUSTR-G, do saldo da conta bancária, na Instituição de crédito BPI, com o n.º ..., pois que essa penhora é que afecta directamente o direito dos titulares do arresto preventivo, reiterando-se a irrelevância, neste ponto, dos mais pedidos condicionais formulados no requerimento inicial, do passo que não pode, neste tempo processual, antecipar-se, designadamente, se vão ocorrer outras penhoras nos autos de execução e se irá ocorrer ou não a citação dos Requerentes.

91. Não pode antever-se se nos autos de execução (45/14.3YUSTR-G) foram registadas outras penhoras de saldos bancários, e, em caso afirmativo, de que valor, e se sobre as mesmas existia registado arresto preventivo.

92. Ademais, desconhece-se, caso venha a ocorrer penhora, qual a posição que irá ser assumida pelo Tribunal (onde corre a execução) quanto à citação (ou não) dos titulares do arresto preventivo.

93. Estamos em presença de suposições, de virtualidades e, nessa medida, enquanto se não formar realidade processual quanto às mesmas, não pode conceder-se a afectação de qualquer direito dos Requerentes.

94. O objecto do despacho proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão reporta à questão de saber se ocorreu ou não omissão de citação dos requerentes (titulares do arresto preventivo) quanto à penhora realizada nos autos de execução (45/14.3YUSTR-G) da conta bancária, na Instituição de crédito BPI, com o n.º 3649936/000/002.

95. Em consequência, foi esse o objecto do recurso interposto para o Tribunal da Relação.

96. O que está em causa nestes autos de incidente processual de omissão de citação, é o alegado direito dos Requerentes, decorrente da titularidade do arresto preventivo do saldo da conta bancária, na Instituição de crédito BPI, com o n.º ..., que foi penhorado no âmbito da execução n.º 45/14.3YUSTR-G.

97. O saldo da conta bancária, na Instituição de crédito BPI, com o n.º ... que foi arrestado e penhorado, tem o valor de 100,41 euros + 1869,46 euros =1.969,87 euros.

98. Assim, o invocado direito dos Requerentes como afectado pelo despacho proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (que julgou improcedente o incidente processual) e que voltou a ser afectado pelo Tribunal da Relação (que julgou o recurso improcedente), materializa-se no valor de 1.969,87 euros, que corresponde ao saldo bancário, na Instituição de crédito BPI, com o n.º ..., que foi arrestado a favor dos Requerentes (no âmbito do Proc n.º 478/10.4TDLSB-E) e penhorado nos autos de execução (45/14.3YUSTR-G) a favor do Ministério Público.

99. Isto é, na medida em que os Recorrentes são titulares de um arresto preventivo no valor de 1.969,87€ (saldo bancário da conta n.º ...), qualquer decisão que julgue improcedente a (nulidade de) citação dos requerentes no âmbito da execução onde foi penhorado esse saldo bancário, consubstancia-se numa decisão desfavorável para os recorrentes nesse mesmo valor (valor do arresto preventivo sobre o saldo da conta n.º 3649936/000/002) – 1.969,87 euros.

100. Como acima se deixou editado, uma vez que se desconhece se existem outras penhoras registadas à ordem dos autos de execução (45/14.3YUSTR-G) - sobre as quais incida arresto preventivo – e qual a posição que o Tribunal (de execução) assumiu sobre a citação dos titulares do arresto, não se vê que outro direito dos Requerentes possa considerar-se concretamente afectado – para além daquele que resulta da penhora do saldo bancário da conta n.º ... (no valor de 1.969,87 euros).

101. Por que assim, o despacho proferido pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (que julgou improcedente o incidente processual de omissão de citação), como, de par, o acórdão do Tribunal da Relação (ao julgar improcedente o recurso), consubstanciaram-se em decisão desfavorável para os Recorrentes no valor de 1.969,87 euros.

102. Vale por dizer que aquela decisão é desfavorável para os Recorrentes em valor que fica muito aquém de metade da alçada do Tribunal da Relação (15.000,01 euros).

103. Só sendo admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada (artigo 629.º n.º 1, do CPC), ou seja, superior a 15.000,01 euros, é forçoso concluir que não está preenchido o critério da sucumbência.

104. Como se referiu, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade em função do valor da causa e/ou da sucumbência, que, como acima se aludiu, não se verificam, de todo em todo, no caso em apreço.

105. Em conclusão, a decisão recorrida não é passível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, por falta dos requisitos de alçada e de sucumbência previstos no artigo 629.º n.º 1, do CPC.

106. Ex abundanti, é de salientar que, mesmo que se pudessem ter como verificados os aludidos critérios de valor e de sucumbência, a revista não seria admissível, na medida em que se não pode ter por verificada a contradição de decisões exigida pela alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º, do CPC.

Vejamos.

107. Este Supremo Tribunal de Justiça tem sedimentado jurisprudência no sentido de que a admissibilidade da revista, ao abrigo do preceituado no 629.º n.º 2 alínea d), do CPC, implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) a existência de dois acórdãos da mesma ou diferente Relação em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por objecto idêntico núcleo factual; (ii) a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado; (iii) o não cabimento de recurso ordinário impugnativo do acórdão recorrido por motivo alheio à alçada; e (iv) a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 

108. O Supremo Tribunal de Justiça tem reiterado a tese de que a contradição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito, para efeito de admissibilidade do recurso, se refere necessariamente à oposição de um acórdão com outro dessa ou de diferente Relação, e não com outros acórdãos, devendo o recorrente indicar, para a questão em contradição, o acórdão fundamento e não vários acórdãos fundamento – cfr., por mais impressivo, o acórdão de 9 de Novembro de 2006 (revista n.º 986/06 - 7.ª Secção) – não se afigurando necessário proceder ao convite ao aperfeiçoamento para vir indicar apenas um acórdão fundamento, sob ponderação, preclusiva, de que se não verifica contradição de acórdãos.

109. No que respeita ao requisito enunciado em (i), importa que a alegada oposição de acórdãos se inscreva no âmbito da mesma legislação, no sentido de que as decisões em confronto tenham convocado regras de conteúdo e alcance substancialmente idênticas; bem como que tenha incidido sobre a mesma questão fundamental de direito, o que pressupõe que as decisões tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspectiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas.

110. Para tanto, a oposição deve revelar-se frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não revelando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta); a oposição só será relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado – neste sentido, entre outros, o acórdão de 23 de Junho de 2016 (revista 2023/13.0TJLSB.L1.S1 - 2.ª Secção), e também Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 61 e 62.

111. Fazendo síntese apertada dos pressupostos que a jurisprudência vem integrando na previsão da referida alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º, do CPC, decidiu-se no acórdão, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Setembro de 2018 (revista 1249/12.9TBVCD.P1.S2 - 1.ª Secção):

«A contradição de julgados prevista no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, impõe:

- uma relação de identidade entre a questão que foi objeto de um e de outro acórdãos, a qual pressupõe que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo quadro factual;

- a natureza essencial da questão de direito formulada para o resultado que foi alcançado em ambas as decisões;

- a identidade substancial do quadro normativo em que se verifica a divergência.»

112. No caso, verifica-se, à evidência, que inexiste a necessária oposição frontal entre as decisões em equação, levadas no acórdão recorridos e nos três acórdãos fundamento – (i) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5 de Fevereiro de 2004 (processo 1340/2003), (ii) acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de Setembro de 2017 (processo 6304/14.8T8CBR.C1), e (iii) acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005 (processo 05B438).

Vejamos.

113. Consta do acórdão recorrido:

«CUMPRE DECIDIR:

A questão decide-se definindo a natureza do arresto que corre termos no TCIC de Lisboa.

O arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228º, nº 1, do CPP, é uma medida de garantia patrimonial, um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal e não um arresto civil no quadro de um processo civil com fins distintos.

“o meio cautelar aplicado não tem em vista as finalidades próprias do processo criminal – cujas garantias não podem deixar de ter em vista a possibilidade de uma condenação em face da comprovação da prática de um ilícito penal que poderá determinar a aplicação de uma pena (máxime privativa da liberdade) – mas antes, por força das suas específicas finalidades, vise a tutela (cautelar, provisória, urgente) dos direitos patrimoniais invocados pelos credores em face do perigo de dissipação ou alienação dos bens patrimoniais do devedor.”- Ac. do Tribunal Constitucional nº 724/2014, de 28/10/2014.

Ou seja, como vem sendo entendido pela jurisprudência o arresto não constitui garantia de natureza real tratando-se de um simples procedimento processual de acautelamento de um crédito, uma mera medida cautelar.

Há um provisoriedade e precariedade na sua natureza, não garantindo plenamente um direito de crédito, tanto assim que civilmente ou no âmbito do processo civil, tem de converter-se em penhora para que seja conferida ao credor  a garantia que lhe permite  reclamar créditos com os restantes credores.

Não pode deixar de ligar-se a questão à nossa questão da “citação” .

Entendem os recorrentes  que  “o arresto, mesmo não convertido em penhora, é garantia real para os efeitos do disposto no artigo 865º, nº1 do CPCivil, embora o efeito de preferência só se produza com a sua conversão em penhora, retroagindo a mesma à data do arresto” o Ac. R. Lisboa de 05-02-2004 - Processo 1340/2003-2; o Acórdão desta Relação de 27-03-2000 Secção Social RP200003270040165 - JTRP00029873: “O arresto, ainda não convertido em penhora, é um direito real de garantia. Por isso, o respectivo credor deve ser citado para a execução”.

Em sentido contrário:

Acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2001, citando AC RE DE 1988/01/21 IN BMJ 373/617 e AC STJ DE 1995/05/18 IN CJ 1995 T2 PÁG92, in JTRL00041083: “Constituindo o arresto mera providência de carácter preventivo e não, enquanto não convertido em penhora, uma garantia real, o crédito que lhe dá suporte não é reclamável, nem passível de reconhecimento e graduação na fase de reclamação de créditos em processo de execução”.

Temos para nós que tendo em conta a natureza dos autos, a fase da investigação, o âmbito do processo em que foi decretado arresto dos bens  como uma providência cautelar que é não há sequer que falar em garantia real.

Assim sendo, a envolvência processual do decretamento deste arresto a que é, não dá ao credor o poder de intervir pelo que não tem de haver citação.

Na verdade, nesta fase investigatória que é uma fase de indícios, o arresto não passa de uma providência. O que existe é uma mera providência conservatória de natureza meramente instrumental, garantisticamente provisória num processo de natureza penal.

O arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228º, nº 1, do CPP, é uma medida de garantia patrimonial, um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal e não um arresto civil no quadro de um processo civil com fins distintos conforme já supra afirmámos.»

114. O acórdão recorrido (do Tribunal da Relação) começa por dilucidar que «a questão decide-se definindo a natureza do arresto que corre termos no Tribunal Central Criminal de Lisboa» para, de seguida, definir a natureza do arresto decretado no Tribunal Central Criminal de Lisboa, identificando-o como um arresto preventivo estabelecido ao abrigo no artigo 228.º n.º 1, do CPP, e não como um arresto civil no quadro de um processo civil, tendo fins distintos: «o arresto preventivo, decretado ao abrigo do estabelecido no artigo 228.º n.º 1, do CPP, é uma medida de garantia patrimonial, um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal e não um arresto civil no quadro de um processo civil com fins distintos conforme já supra afirmámos».

115. Já nas decisões levadas nos acórdãos fundamento, estava em causa apreciar a natureza do arresto (civil) no quadro do processo civil e as suas consequências.

116. Como sugestivamente se refere no acórdão, deste Supremo tribunal de Justiça, de 18 de Setembro de 2018 (acima referenciado), entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamento inexiste a «natureza essencial da questão de direito formulada num e noutros para o resultado que foi alcançado nas decisões».

117. Enquanto o acórdão recorrido aprecia o arresto definindo a sua natureza como arresto preventivo decretado à luz do disposto no artigo 228.º n.º 1, do CPP, considerando que a sua natureza é um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal e não um arresto civil no quadro de um processo civil, com fins distintos, os acórdãos fundamento em momento nenhum trazem à colação a natureza do arresto preventivo decretado ao abrigo daquele preceito nem equacionam saber se o mesmo é ou não um meio de garantia patrimonial inserido num processo penal a que sejam aplicáveis as regras do processo civil (arresto civil).

118. Nos acórdãos fundamento não é apreciada a natureza de um arresto decretado à luz do artigo 228.º n.º 1, do CPP, emitindo pronúncia, tão-apenas sobre o instituto do arresto civil, no quadro do processo civil.

119. Tanto é dizer: enquanto no acórdão recorrido a questão fundamental de direito foi decidida tendo em consideração tratar-se de um arresto preventivo decretado ao abrigo do artigo 228.º n.º 1, do CPP, sob o entendimento de que se não se trata de um arresto civil num quadro do processo civil e, nessa medida, não convocando a aplicação ao caso das regras subjacentes ao processo civil (mormente as sedimentadas nos artigo 786.º, 788.º e/ou 792.º, do CPC).

120. Ao invés, nos acórdãos fundamento, foi apreciado um arresto (civil) num quadro de processo civil, chamando à colação as regras de processo civil relativo ao arresto, penhora e reclamação de créditos, mormente a convocação e aplicação das regras subjacentes ao processo civil (mormente artigos 786.º, 788.º e/ou 792.º, do CPC), jamais se fazendo referência à natureza do arresto decretado ao abrigo do disposto no artigo 228.º n.º 1, do CPP, e à envolvência processual do decretamento desse arresto num processo de natureza penal.

121. Concluiu-se assim que no acórdão recorrido e nos acórdãos fundamento foram apreciadas e decididas questões de direito completamente distintas, chegando-se a um resultado distinto.

122. Pretenderão os Requerentes fazer valer no presente recurso as posições assumidas nos acórdãos fundamento, mas fazendo olvido, porém, de que estes não estão em confronto com o acórdão recorrido do passo em que neste se entendeu que, por se estar perante um arresto decretado ao abrigo do artigo 228.º n.º 1, do CPP, o mesmo assume uma natureza distinta de um arresto civil e, nessa medida, não se impondo a avocação do enquadramento processual civil.

123. O acórdão recorrido evidencia a posição dos Recorrentes, citando as respectivas assertivas, e ressaltando a existência de assertiva jurisprudencial contrária relativamente à tese sustentada suscitada pelos Requerentes, mas sem que retire daí qualquer conclusão, sem que, nesse cotejo, assuma qualquer opção, concluindo apenas que, no caso, não há que convocar os institutos do quadro do processo civil, porque se está no âmbito de um arresto inserido num processo penal com fins distintos do arresto civil no quadro de um processo civil, referindo-se, em sequência, à natureza do arresto decretado nos autos (no caso, arresto preventivo ao abrigo do artigo 228.º n.º 1, do CPP), à fase da investigação (fase de indícios - no âmbito do inquérito/acusação), o âmbito do processo (penal) em que foi decretado o arresto dos bens, à envolvência processual do decretamento, mera providência conservatória de natureza meramente instrumental, garantisticamente provisória num processo penal, sublinhando ademais que não há sequer que falar em garantia real, nem dá ao credor o poder de intervir, pelo que não tem de haver citação.

124. Tudo para salientar que o acórdão recorrido não entra na análise da questão de saber se num quadro de processo civil, um titular de arresto (civil) tem ou não que ser citado numa execução para vir reclamar o seu crédito (nos termos dos artigos 786.º e 788.º, do CPC) e/ou para aguardar os autos de reclamação pela obtenção de título exequível (artigo 792.º, do CPC).

125. O acórdão recorrido não entra na análise dos direitos e «garantias» que um arresto (civil), num quadro de processo civil, dá aos seus titulares. Essa análise não foi feita, tratada e/ou decidida no acórdão recorrido, considerando, tão-apenas, que, face à natureza do arresto decretado ao abrigo do artigo 228.º n.º 1, do CPP, a que não pode atribuir-se a natureza de um arresto civil, não havia sequer que convocar os institutos (quadro) do processo civil, ou seja, nem havia sequer que falar em «garantia real» ou «poderes do credor para intervir na execução».

126. Ainda que, no acórdão recorrido, sejam elencados acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça que convocam a figura do arresto e as regras do processo civil, não é menos certo que o acórdão recorrido centra a sua decisão na questão da natureza do arresto preventivo, decretado ao abrigo do disposto no artigo 228.º n.º 1, do CPP (medida de garantia inserido num processo penal).

127. Ao contrário, os acórdãos fundamentos apreciaram e decidiram sobre a natureza de um arresto (civil) no quadro do processo civil e as consequências para os titulares do arresto nas execuções/reclamações de crédito em curso, não aflorando sequer a questão ponderada no acórdão recorrido.

128. Cabe assim concluir pela não verificação, entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamente, da necessária identidade da questão fundamental de direito decidida

129. A questão fundamental de direito considera-se divergente quando se identificam interpretações e aplicações diversas de um mesmo regime normativo a situações de facto idênticas (cfr. acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Abril de 2016, na revista 212/14.0TBACN.E1.S1).

130. Acresce ainda sublinhar que o substrato factual subjacente ao acórdão recorrido e aos acórdãos fundamentos é completamente distinto e logo implicou a convocação de questões a decidir nos acórdãos fundamento bastante diferentes do acórdão recorrido – inexistiu também qualquer identidade das situações fáctico-jurídicas apreciadas.

Vejamos.

131. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Fevereiro de 2004 (processo 1340/2003-2) estava em apreciação como factualidade assente: um arresto apenso a uma acção declarativa de condenação (em que foi proferida sentença de condenação). O Tribunal cível reconheceu existir título executivo e ordenou a conversão do arresto em penhora. Na sentença de graduação de créditos o «arresto convertido em penhora» foi graduado. Os autos de reclamação de créditos não documentavam a existência do título executivo e a certeza e liquidez do crédito e não comprovavam a conversão do arresto em penhora. A questão a apreciar reportava a saber se o titular do arresto convertido em penhora, estava em condições de ser admitido à verificação dos créditos e que lugar lhe competia na respectiva graduação de créditos. O acórdão em causa declarou nula a sentença de verificação e graduação de créditos e fixou prazo ao titular do arresto (convertido em penhora) para comprovar nos autos a existência de título executivo e a certeza e liquidez do seu crédito, proferindo-se posteriormente uma sentença de verificação e graduação de créditos.

Ou seja, este acórdão foi chamado a apreciar uma sentença de graduação de créditos onde havia sido graduado um arresto convertido em penhora e onde havia sido reconhecido existir título executivo (sentença condenatória) mas em que esses «actos» não estavam documentados nos autos de verificação e graduação de créditos.

Neste acórdão fundamento estávamos perante um arresto convertido em penhora e uma sentença a reconhecer a existência de título executivo e o crédito resultante do arresto convertido em penhora foi objecto de verificação e graduação. No acórdão recorrido não existe qualquer arresto convertido em penhora, inexiste sentença a declarar a existência de título executivo, nem o «crédito» resultante do arresto foi objecto de verificação e graduação.

Verifica-se assim que este substrato factual e apreciação jurídica distancia-se por completo com o substrato factual e apreciação jurídica do acórdão recorrido.

132. No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Setembro de 2017 (processo 6304/14.8T8CBR.C1), estava em apreciação como factualidade assente: pluralidade de execuções, sustação de uma execução onde havia sido registada uma penhora com data de registo de 2014, ou seja, com data anterior ao registo da conversão em penhora do arresto (que ocorreu em 2016) porém o registo do arresto era de 2013. A questão a apreciar tratava-se de saber se para efeitos de prioridade no pagamento, no confronto com outros credores, se deve prevalecer uma penhora mais antiga resultante da conversão de um arresto. Apreciou-se o efeito retroactivo (a nível substantivo como a nível processual) da conversão do arresto em penhora. Neste acórdão foi decidido que para a apreciação da pendência de pluralidade de execuções e sustação da execução em caso de concurso de penhoras, a conversão do arresto em penhora não unifica os dois actos (arresto e penhora), mantendo os dois actos autonomia e como tal o critério da anterioridade baseia-se nas penhoras existentes e não nas que porventura venham a resultar da conversão do arresto. Por força desse entendimento o acórdão revogou a decisão recorrida, que havia sustado a execução com penhora (considerada posterior) e determinou a substituição por outra decisão que determinasse o prosseguimento dos autos, na fase de venda em que se encontrava, sem prejuízo da citação do credor beneficiário do arresto (posteriormente convertido em penhora nos termos do artigo 786.º n.º1 alínea b), do CPC, ou da reclamação de crédito espontaneamente pelo mesmo.

Desta feita, a questão fundamental deste acórdão (fundamento) foi apreciar o efeito do registo de um arresto convertido em penhora no âmbito da pendência de uma pluralidade de execuções, enquanto que no acórdão recorrido não existia conversão do arresto em penhora nem estamos perante a pendência de uma pluralidade de execuções.

Mais uma vez, estamos perante duas situações fáctica-jurídicas que se distanciam por completo.

133. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005 (processo 05B438), estava em apreciação como factualidade assente: registo de arresto (civil) sobre ½ de um imóvel; registo de penhora sobre bem imóvel com data posterior ao registo do arresto (em autos de execução); titular do arresto foi citado nos termos do art. 864.º do CPC (que corresponde ao artigo 786.º, do NCPC) , para reclamar o crédito que deu causa ao arresto, nos autos de execução. Neste acórdão tratava-se de apreciar se ocorreu violação de caso julgado, relativamente ao despacho que decretou o arresto, pelo despacho posterior que ordenou a penhora e a natureza do arresto civil. Concluiu não existir violação de caso julgado por o arresto e a penhora serem «duas ordens judiciais de apreensão» que podem subsistir, respeitando-se a prioridade cronológica dos registos respectivos.  Mais concluiu este acórdão que o arresto não é um verdadeiro direito real e/ou de garantia real. Trata-se de um acto judicial de coercibilidade, de natureza idêntica à penhora, assegurando a mesma funcionalidade. Concluiu que dado que o titular do arresto foi citado nos autos de execução para reclamar o crédito que deu causa ao arresto, ficou colocado em posição de se assegurar com o arresto, cumprindo este a finalidade que a lei lhe reserva para garantir o risco de diminuição ou desaparecimento da garantia patrimonial do executado.

Mais uma vez, estamos perante uma situação fáctica-jurídica em apreciação, sem qualquer identidade com a situação fáctico-jurídica do acórdão recorrido, na medida em que neste não estava em causa a apreciação de um arresto civil nem os recorrentes foram citados nos autos de execução (onde se encontra registada a penhora) para reclamarem o crédito a que o arresto deu causa – pelo contrário pretendiam os recorrentes serem citados para reclamarem o seu crédito.

134. Assim, deve concluir-se que entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamento inexiste identidade das situações fáctico-jurídicas apreciadas, tendo os factos posicionamentos diversos, bem como inexistem decisões divergentes, no mesmo instituto ou figura jurídica, sobre a mesma questão fundamental de direito – arresto preventivo decretado ao abrigo do artigo 228.º n.º 1, do CPP, sendo inócuo o facto de no acórdão recorrido se ter feito alusão a existência de contradição jurisprudencial no âmbito do «arresto civil».

135. Como sintomaticamente se decidiu no acórdão, deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Setembro de 2018 (revista 793/15.0T8OLH.E1.S1 - 6.ª Secção),

«III - A existência de genéricos pontos de contacto entre as questões tratadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido não se reconduz a uma verdadeira oposição de julgados, a qual se caracteriza pela existência de decisões divergentes, no mesmo instituto ou figura jurídica fundamental, sobre a mesma questão fundamental de direito, o que supõe que as situações litigadas sejam análogas ou equiparáveis e que exista uma identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa».

136. Reitera-se, pois, a conclusão de que entre o acórdão recorrido e os acórdãos fundamento inexiste identidade das situações fáctico-jurídicas apreciadas e nem existe qualquer identidade da questão fundamental de direito.

137. Em vista do que procurou explicitar-se, não pode deixar de verificar-se a falta de oposição de julgados, no caso concreto, pelo que, mesmo que o valor da causa e sucumbência permitissem o recurso, ainda assim não seria admissível a presente revista, nos termos do artigo 629.º n.º 2 alínea d), do CPC.

138. Nessa conformidade, o presente recurso de revista é inadmissível, em vista do disposto, conjugadamente, nos artigos 629.º n.os 1 e 2 alínea d), 652.º n.º 1 alínea b) e 679.º, ex vi artigos 852 e 854.º, todos do CPC.

III

139. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se julgar findo o recurso de revista interposto pelos Recorrentes, por não haver que conhecer do seu objecto.

140. As custas deverão ser suportadas pelos Recorrentes, de harmonia com o disposto no artigo 527.º n.os 1 e 2, do CPC.

Lisboa, 9 de Maio de 2019

Clemente Lima (relator)
Nuno Gomes da Silva
Francisco Caetano