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ALIMENTOS DEVIDOS A FILHOS MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRESTAÇÃO
DETERMINAÇÃO DO VALOR
Sumário
1. Conforme AUJ n.º 5/2015, de 19/3/2015, e n.º1 do art.º 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19/11, aditado pela Lei n.º 71/2018 de 31/12, o montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor e estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos. 2. Atenta a natureza desta prestação e critérios objetivos fixados legalmente para a sua determinação, em particular o “montante da prestação de alimentos fixada” a que se alude no n.º2 do art.º 2.º e n.º1 do art.º 4.º-A da Lei n.º 75/98, e n.º5 do art.º 3.º do Dec. Lei n.º 164/99, de 13/05, aponta inequivocamente para um valor determinado dessa prestação, não podendo ficar dependente de outros critérios subjetivos e incertos, pois de outro modo ficaria aberta a possibilidade de se poder ultrapassar o montante fixado a cargo do devedor, o que a lei não permite. 3. Se o progenitor devedor foi condenado a pagar uma mensalidade certa a título de alimentos para as filhas, bem como em 50% na comparticipação de despesas extraordinárias de saúde e de educação, o FGAM, em substituição do devedor, não deve suportar um valor relativo a essas despesas, porque a sua liquidação não depende de simples cálculo aritmético e não se integram no conceito de “montante da prestação de alimentos fixada”.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
I- Relatório: O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de Gestor do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), notificado que foi do despacho proferido em 1 de novembro de 2018, nos presentes autos de incumprimento da RERP, que fixou em € 100,00 mensais a prestação de alimentos a seu cargo, a favor de cada uma das menores BB, nascida em 15 de Fevereiro de 2002, e CC, nascida em 12 de Dezembro de 2003, no total a quantia de € 200,00, a remeter diretamente à progenitora DD, em substituição do progenitor, veio interpor o presente recurso, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte que condenou o FGADM ao pagamento mensal do valor de € 100,00 (cem euros), para cada uma das menores, valor superior àquele que o progenitor incumpridor foi obrigado judicialmente a prestar em sede dos autos de regulação do exercício do poder paternal: € 75,00 (setenta e cinco euros) para cada uma das menores dos autos.
B. Tal como a douta sentença refere as despesas de educação, médicas e medicamentosas, cujo pagamento de metade constitui obrigação do progenitor são “extraordinárias”, pontuais e esporádicas.
C. Ora, os menores estão isentos do pagamento das taxas moderadoras em todo o serviço nacional de saúde, os livros escolares são gratuitos e os demais encargos escolares também o são, na sua grande maioria.
D. Tal como a douta sentença refere essas despesas são “extraordinárias”, pontuais e esporádicas.
E. Não têm uma natureza regular e muito menos mensal!
F. Podem nem se verificar.
G. Referenciá-las como equivalendo a € 100,00 (cem euros) mensais para ambas as menores (uma vez que o progenitor estaria obrigado apenas a suportar metade desse valor), não corresponde de todo à realidade.
H. Trata-se de um acréscimo ao valor da prestação a que o progenitor não está obrigado!
I. O douto Tribunal de 1.ª instância não teve em consideração o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2015, de 19/03/2015 que determinou: «Nos termos do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3.º n.º 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário.» J. Sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento, já se haviam pronunciado os Tribunais Superiores, referindo-se entre outros, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2014, Proc. N.º 1414/05.TMLSB-B.L1 (6.ª Secção), de 30/01/2014, Proc. N.º 130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30/01/2014, Proc. N.º 306/06.5TBAGH-A.L1-6; de19/12/2013, Proc. N.º 122/10.0TBVPV-B.L1-6; de 12/12/2013, Proc. N.º 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; de 08/11/2012, Proc. N.º 1529/03; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2013, Proc. N.º 3819/04; o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2013, Proc. N.º 3609/06.5; de 25/02/2013, Proc. N.º 30/09; e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 14/11/2013, Proc. N.º 292/07.4. K. Mas também já o Supremo Tribunal de Justiçase havia pronunciado nesse sentido, através do Acórdão de Revista n.º 257/06.3TBORQ-B.E1.S1, proferido em 29/05/2014, Acórdãos de 29 de Maio de 2014, proferido no proc. 257/06.3TBORQB.E1.S1, e de 13 de Novembro de 2014, proferido no proc. 415/12.1TBVV-A.E1.S1. L. Pagando o FGADM mais do que ao progenitor devedor (credor) é exigido, e
segundo as regras da sub-rogação, não será possível, posteriormente, ver-se ressarcido in totum das prestações que pagou (em regime de substituição). M. A manter-se a decisão recorrida – entende o ora recorrente que se incorre na violação dos diplomas que regulam a matéria, extrapolando da letra da Lei, efeitos que não resultam da mesma – Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio – e o Acórdão Uniformizador do STJ, de 4/05/2015 que fixou jurisprudência sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que fixe ao FGADM uma prestação de valor igual ao estipulado judicialmente ao progenitor devedor.
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Contra alegou o Ministério Público, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se o quantum daobrigação alimentar a suportar pelo FGADM pode, ou não, ser superior ao fixado judicialmente para o progenitor devedor.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica. 1. Na decisão recorrida considerou-se a seguinte factualidade:
1) A menor BB, nascida em 15 de Fevereiro de 2002, é filha de EE e de DD;
2) A menor CC, nascida em 12 de Dezembro de 2003, é filha de EE e de DD;
3) Por acordo homologado por decisão do Sr. Conservador do Registo Civil de Moura, datada de 20/01/2011, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, o requerido ficou obrigado a pagar, mensalmente, a título de alimentos, a quantia de € 75,00 (setenta e cinco euros), a favor de cada uma das filhas, atualizada anualmente com efeitos em Janeiro de cada ano, na proporção do índice de inflação, para o ano anterior, e ainda à contribuição de 50% das despesas escolares, enquanto as filhas forem estudantes, bem como 50% das despesas extraordinárias de despesas médicas, medicamentosas e de saúde.
4) O requerido não pagou esse valor na íntegra até à data acordada;
5) Por acordo celebrado no âmbito destes autos de incumprimento, em 05/03/2014, o requerido confessou-se devedor da quantia de €2.917,00, que se comprometeu a pagar em prestações mensais de 75,00 euros a acrescer à pensão de alimentos devida, pagamento que vem sendo feito através de desconto no vencimento;
6) Atualmente o requerido não aufere rendimentos, subsídios ou pensões, nem tem bens livres de ónus ou encargos.
7) O agregado familiar onde as menores se inserem reside em Beja e é composto por 3 elementos, a progenitora, e as duas menores a que estes autos respeitam.
8) O rendimento mensal ilíquido deste agregado familiar ascende a € 834,00 (oitocentos e trinta e quatro euros).
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2. O direito.
A questão essencial a decidir consiste em saber se na prestação alimentar a fixar a cargo do FGADM pode ser considerado, para além do montante da prestação fixada, um valor relativo à parte da condenação não quantificada a cargo do devedor e correspondente à sua comparticipação de 50% das despesas médicas, medicamentosas, de saúde e escolares.
Defende o recorrente que tal como a douta sentença refere, as despesas de educação, médicas e medicamentosas, cujo pagamento de metade constitui obrigação do progenitor são “extraordinárias”, pontuais e esporádicas, não têm uma natureza regular e muito menos mensal, pelo que fazer corresponder essas despesas a €100,00 mensais para as duas menores atender não corresponde de todo à realidade.
Por isso, sustenta, não pode pagar mais do que ao progenitor devedor é exigido.
Assim, o recorrente pretende ver reduzida essa prestação para os €150,00, por corresponder ao valor fixado judicialmente a cargo do progenitor devedor.
Na decisão recorrida justificou-se esse montante nos seguintes termos:
“(…) No caso vertente, o requerido ficou obrigado ao pagamento da pensão mensal de € 75,00, a cada filha, e não lhe é conhecida qualquer atividade laboral, o que não permite a cobrança coerciva, e o rendimento do agregado familiar da mãe das menores, com quem estas vivem, situa-se em € 834,00, e é constituído por 3 elementos, onde se incluem as duas menores. Sendo manifesto que os rendimentos auferidos pelo agregado familiar da mãe se afiguram insuficientes para as despesas normais exigidas por duas crianças destas idades. Tanto mais que rendimento per capita do agregado é de apenas € 417,00 (quatrocentos e catorze euros), estando ainda contido no valor do IAS fixado para 2018 (de € 428,90 – cf. Portaria n.º 21/2018, de 18 de janeiro). É, pois, manifesto que, aplicando as regras da capitação previstas no regime legal aplicável, estão reunidos os pressupostos para a intervenção do Fundo. A prestação de alimentos a favor de cada uma das menores foi fixada em € 75,00 (setenta e cinco euros), montante atualizável, anualmente, de acordo com o índice de preços do consumidor divulgado pelo I.N.E., acrescida de metade de todas as despesas escolares das filhas, e de metade das despesas extraordinárias médicas, medicamentosas. De acordo com a atualização aplicável ao ano de 2018, verifica-se que, a partir de Janeiro de 2018, o valor mensal da prestação de alimentos devida a cada menor ascende a € 77,10 (setenta e sete euros e dez cêntimos). Todavia, a cargo do progenitor foi ainda fixado o pagamento a título de alimentos de comparticipação de metade em todas as despesas de educação e metade nas despesas extraordinárias médicas e medicamentosas de cada filho menor1 (Cf. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2015, de 19 de Março de 2015, publicado no Diário da República, I Série, de 4 de maio de 2015), despesas que representam parte importante da vida dos filhos em geral. Estas despesas são de montante incerto e variável. Contudo, não podendo definir-se um montante fixo exato, dada a variação natural dessas despesas, é possível definir, por recurso à equidade, um valor que repercuta em cada mês tais despesas nessa proporção, fixando-se o montante em valor coincidente com um mínimo seguro e demonstrado pelas regras de experiência comum, o que se justifica ante o reduzido montante mensal fixado, a relevante carência de rendimentos do agregado familiar dos menores e as efetivas necessidade do estado de desenvolvimento destes. Por isso justifica-se materialmente fixar a prestação mensal a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em € 100,00 por cada filha menor, a atualizar em Janeiro do ano seguinte por referência ao valor da inflação que venha a ser divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística com reporte ao corrente ano civil. Este valor não excede o valor máximo previsto no artigo 3.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, ou seja, não excede o valor de um indexante dos apoios sociais, pelo que também nesta perspetiva está legitimada a intervenção garantística e subsidiária do Fundo, sem prejuízo do seu direito de regresso sobre o progenitor incumpridor da obrigação de prestação de alimentos aos filhos menores”.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Em primeiro lugar, e contrariamente ao que afirma o recorrente, importa sublinhar que a decisão recorrida não excede em €100,00 o montante da prestação de alimentos, na medida em que se considerou que o valor de €75,00 que o progenitor ficou obrigado a pagar para cada uma das filhas, face à atualização prevista no acordo (de acordo com os índices de inflação) seria, em janeiro de 2018, €77,10 para cada menor, ou seja, o valor total de € 154,20.
Donde, o montante do excesso seria de €45,80, e não €100,00.
Quanto à questão de saber se é legalmente admissível fixar uma prestação alimentar a cargo do FGADM superior àquela que o devedor se encontra obrigado judicialmente sempre se pronunciou negativamente Tomé d’Almeida Ramião [1].
E assim também se decidiu nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/01/2014, proferido no processo n.º 130/06.5TBCLD-E.L1, e de 20/02/2014, processo n.º 1852/10.1TBTVD-A.L1, ambos relatados pelo ora Relator, ou seja, no sentido de não ser legalmente admissível ultrapassar o montante da prestação alimentar fixada judicialmente a cargo do devedor.
Aí se concluiu que o valor da prestação a fixar a cargo do “Fundo de Garantia”, não poderá, em qualquer caso, ultrapassar o montante da prestação judicialmente fixada ao devedor principal, bem como o seu valor máximo de 1 IAS, por cada devedor, independentemente do número de filhos menores (art.º 2.º/1 da Lei 75/98)[2].
Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça veio uniformizar jurisprudência no seu Acórdão n.º 5/2015, de 19/3/2015 ( publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 4 de maio de 2015), nos termos seguintes: “Nos termos do disposto no artigo 2º da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3º nº 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”.
Recentemente, reforçando e clarificando este entendimento, o legislador, através da Lei n.º 71/2018, de 31/12 (Lei que aprovou o Orçamento de Estado para 2019), veio no seu art.º 327.º, aditar à Lei n.º 75/98, de 19/11, o art.º 4.º-A, com a seguinte redação: 1 — O montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos. 2 — Caso tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos, devem estes ser considerados na determinação da prestação a atribuir pelo Fundo desde que a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público. 3 — A atualização da prestação de alimentos é efetuada oficiosamente pelo Fundo de Garantia aquando da renovação dos pressupostos para a respetiva atribuição e tendo como referência a variação positiva em vigor no termo do ano anterior ao da renovação.
Assim, quer por força do citado AUJ, quer pela introdução da citada disposição legal à Lei n.º 75/98, (em vigor desde 1 de janeiro de 2019, aplicável aos processos pendentes), a prestação a fixar a cargo do FGADM não pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Todavia, é admitida a atualização oficiosa da prestação pelo FGADM desde que: a) tenham sido fixados coeficientes de atualização da pensão de alimentos; b) a operação de liquidação possa ser realizada através de simples cálculo aritmético e com o recurso a coeficientes de conhecimento público.
Daqui decorre, desde logo, não ser possível qualquer outra atualização da prestação a cargo do FGADM.
Mas o que está em causa não é saber se a prestação a fixar a cargo do FGADM pode exceder o montante da pensão de alimentos estabelecida no acordo ou na decisão judicial, mas sim saber se na determinação dessa prestação pode ser incluído o valor correspondente a uma parte de outras despesas que o devedor se obrigou, no caso concreto, a contribuição de 50% das despesas escolares, das despesas médicas extraordinárias, medicamentosas e de saúde.
Ora, como flui expressamente do art.º 2015.º, n.º1, do C. Civil, “Os alimentos devem ser fixados em prestações pecuniárias mensais, salvo se houver acordo ou disposição legal em contrário, ou se ocorrerem motivos que justifiquem medidas de exceção.”
A obrigação alimentícia é uma obrigação pecuniária de prestações mensais, isto é, a pensão de alimentos é, em regra, paga em dinheiro, e o seu pagamento tem a periodicidade mensal.
De referir que por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentado – Art.º 2003º/1 e 2, do C. C.
O direito a alimentos é um direito atual, pelo que os alimentos têm que corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento.
Assim, a prestação alimentar a cargo do progenitor/devedor deve corresponder ao quantum necessário mensal para suprir as necessidades alimentares dos filhos, abrangendo habitação, alimentação, vestuário, higiene, educação, instrução, necessidades medico-medicamentosas e todas as demais carências dos menores durante esse período temporal.
Ora, o art.º 2.º, n.º2, da Lei 75/98 de 19/11, estabelece que para a determinação do montante a cargo do FGADM, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.
Também no n.º5 do art.º 3.º do Dec. Lei n.º 164/99, de 13/05E, se refere ao “montante da prestação de alimentos fixada” enquanto critério a atender na fixação dessa prestação, a qual não pode exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS [3], independentemente do número de filhos menores.
A Lei n.º 75/98 veio atribuir ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não possam ser cobrados nos termos do então artigo 189.º da OTM, hoje art.º 48.º do RGPTC, o dever de garantir o pagamento até efetiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor ou da cessação dessa obrigação, ficando sub-rogado em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a à garantia do respetivo reembolso — art.ºs 1.º , 3.º, n.º4, e 6.º, n.º3, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e art.º 5.º, n.º1 do Dec. Lei n.º 164/99.
Prescreve-se no art.º 9.º/1 do Dec. Lei n.º 164/99 que o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado.
E o art.º 5.º, n.º2 e 3, do Dec. Lei 164/99 concede ao “Fundo de Garantia” o direito a exigir o reembolso pelo sistema de cobrança coerciva das dívidas à segurança social, mediante a emissão da certidão de dívida respetiva, decorrido o prazo para o reembolso voluntário.
Daí entender-se, conjugando tais disposições normativas, que a obrigação de prestação de alimentos a cargo do “Fundo de Garantia” configura uma verdadeira obrigação autónoma, mas dependente e subsidiária da do devedor originário dos alimentos, podendo o valor dessas prestações não coincidir. Pois se o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão ou até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado, urge concluir que cessando, como cessa, a obrigação do devedor com a sua morte, nos termos do art.º 2013.º/1, alínea a), do C. Civil, cessa igualmente a obrigação de pagamento da prestação pelo “Fundo de Garantia”. E cessa igualmente pelo início do cumprimento da obrigação pelo devedor.
Donde, a obrigação do “Fundo de Garantia”, apesar de autónoma e assumir natureza de prestação social, depende da manutenção da obrigação principal.
Por isso, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efetivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação.
Se assim é, importa desde logo concluir que a sub-rogação do “Fundo de Garantia” a todos os direitos do menor tem como limite esses direitos, ou seja, o direito a um determinado montante de alimentos fixado judicialmente, não qualquer outro, não o podendo exceder.
Ora, na decisão recorrida entendeu-se que “não podendo definir-se um montante fixo exato, dada a variação natural dessas despesas, é possível definir, por recurso à equidade, um valor que repercuta em cada mês tais despesas nessa proporção, fixando-se o montante em valor coincidente com um mínimo seguro e demonstrado pelas regras de experiência comum, o que se justifica ante o reduzido montante mensal fixado (…), decidiu-se “fixar a prestação mensal a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em € 100,00 por cada filha menor”.
Não se pode acompanhar este raciocínio, que reconhecendo a natureza incerta e variável das despesas escolares, bem como das despesas extraordinárias médicas, medicamentosas e de saúde, decide fixar, mediante recurso à equidade, o valor de 50€ para as duas filhas como correspondendo a 50% dessas despesas a cargo do progenitor.
É que sendo tais despesas extraordinárias e incertas, o montante da comparticipação de 50% a cargo do devedor só lhe poderão ser exigidas mediante os respetivos documentos que comprovem a realização efetiva dessas despesas e na medida do montante suportado pela progenitora, o que evidencia, desde logo, a impossibilidade de contabilização no âmbito da prestação a cargo do FGADM.
Acresce que atenta a natureza desta prestação e critérios objetivos fixados legalmente para a sua determinação, em particular o “montante da prestação de alimentos fixada” aponta inequivocamente para um valor determinado dessa prestação, não podendo ficar dependente de outros critérios subjetivos e incertos, pois de outro modo ficaria aberta a possibilidade de se poder ultrapassar o montante fixado a cargo do devedor, o que a lei não permite.
E não se diga que as menores ficam prejudicadas quanto à fixação do montante a cargo do FGADM, por desprezar essas despesas, pois como é sabido se o montante de alimentos a cargo do progenitor/devedor for insuficiente, sempre poderá lançar-se mão de pedido de alteração de regulação das responsabilidades parentais, nos termos do art.º 42.º do RGPTC, com vista à determinação da prestação adequada, nela se devendo incluir todas as necessidades das menores. E, após, solicitar a fixação dessa prestação a cargo do FGADM.
O que não se pode é, com o devido respeito, incluir no “montante da prestação de alimentos fixada” despesas cujo valor se ignora e cuja operação de liquidação não pode ser realizada através de simples cálculo aritmético, antes dependendo do bom senso, experiência comum ou regra de equidade [4].
Assim, considerando que o valor atualizado da prestação alimentar a cargo do devedor é de € 77,10 (setenta e sete euros e dez cêntimos), para cada uma das filhas, é esse o “montante da prestação de alimentos fixada” a ter em conta, pelo que o recorrente não pode ser obrigado a suportar uma prestação superior, no caso, a quantia total de €154,20 para as duas menores.
Procede, pois, a apelação.
*** IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Conforme AUJ n.º 5/2015, de 19/3/2015, e n.º1 do art.º 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19/11, aditado pela Lei n.º 71/2018 de 31/12, o montante da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores não pode exceder o montante da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor e estabelecida no acordo ou na decisão judicial de regulação do exercício das responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos.
2. Atenta a natureza desta prestação e critérios objetivos fixados legalmente para a sua determinação, em particular o “montante da prestação de alimentos fixada” a que se alude no n.º2 do art.º 2.º e n.º1 do art.º 4.º-A da Lei n.º 75/98, e n.º5 do art.º 3.º do Dec. Lei n.º 164/99, de 13/05, aponta inequivocamente para um valor determinado dessa prestação, não podendo ficar dependente de outros critérios subjetivos e incertos, pois de outro modo ficaria aberta a possibilidade de se poder ultrapassar o montante fixado a cargo do devedor, o que a lei não permite.
3. Se o progenitor devedor foi condenado a pagar uma mensalidade certa a título de alimentos para as filhas, bem como em 50% na comparticipação de despesas extraordinárias de saúde e de educação, o FGAM, em substituição do devedor, não deve suportar um valor relativo a essas despesas, porque a sua liquidação não depende de simples cálculo aritmético e não se integram no conceito de “montante da prestação de alimentos fixada”.
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V. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e alterar a decisão recorrida, fixando em € 77,10 (setenta e sete euros e dez cêntimos) a prestação a cargo do FGADM, para cada uma das menores, no total de €154,20,a remeter diretamente à progenitora das menores DD, quantia que deverá ser anualmente atualizada de acordo o índice de inflação publicado pelo INE para o ano anterior e na mesma proporção, de acordo com o n.º2 e 3 do art.º 4.º-A da Lei n.º 75/98, de 19/11, introduzido pela Lei n.º 71/2018, de 31/12.
No mais mantém o aí decidido.
Sem custas por não serem devidas.
Évora, 2019/02/14
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] In “Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada”, 10.ª Edição, 2012, Quid Juris, págs. 198 a 203; e in “Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado”, 2108, 3.ª edição, Quid Juris, págs. 203/204..
[2] Neste mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do T. R. Coimbra, de 17/12/2002, Col. Jur. T-V, 2002, pág. 35; de 6/6/2006, Processo n.º 0533453, in www.dgsi.pt, onde pode ler-se, no seu sumário, nomeadamente que “A lei não permite que a substituição do devedor de alimentos pelo FGADM exceda a sua sub-rogação total. Não se pode transmitir um crédito de 50 por mais de 50. o Tribunal pode, dentro do máximo de 4UC, fixar a cargo do FGADM uma prestação mensal de montante igual ou inferior, mas não superior à fixada anteriormente a cargo do obrigado de alimentos”; e de 19/02/2013, Processo n.º 3819/04.0TBLRA-C.C1, Relator: Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que “ A prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) prevista no art.º 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos”; e bem assim os Acórdãos deste Tribunal da Relação, de 08/11/2012, Processo n.º 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, Relator: Aguiar Pereira, disponível em www.dgsi.pt, decidindo que “a prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em caso de incumprimento, pelo progenitor, da obrigação previamente fixada judicialmente não pode ser estabelecida em montante superior a esta” ; e de 16/01/2014, Agravo nº 306/06.5TBAGH-A.L1, Relator: António Martins. Em sentido contrário se pronunciou o Acórdão do S. T. J. de 04/06/2009, Processo n.º 91/03.2TQPDL.S1, Relatora: Maria dos Prazeres Beleza, acessível em www.dgsi.pt, entendendo que «o montante das prestações cujo pagamento incumbe ao Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores pode ser superior, igual ou inferior ao da prestação judicialmente fixada e não satisfeita pelo obrigado”; e o Acórdão deste T. R. Lisboa, de 11.07.2013, Processo n.º 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, Relatora: Maria José Mouro, acessível em www.dgsi.pt.
[3] O Indexante de Apoios Sociais (IAS) foi criado pela Lei n.º 53-B/2006, 29.12, tendo o seu valor sido fixado, para o ano de 2009, em € 419,22, através da Portaria n.º 1514/2008, de 24 de dezembro.
A Portaria n.º 24/2019, de 17 de janeiro, procedeu à atualização do IAS para o ano de 2019 que é de €435,76.
[4] Discorda-se, pois, da posição defendida no Acórdão desta Relação, de 11/01/2018 (Elisabete Valente), disponível em www.dgsi.pt, em que “Se uma parte da prestação do progenitor é de carácter variável, nomeadamente se foi condenado no pagamento de uma pensão de alimentos fixa e numa percentagem nas despesas médicas, medicamentosas, de saúde e escolares, o FGAM, em substituição do progenitor, deve também suportar um valor relativo a essa parte da condenação, devendo o tribunal recorrer às regras da experiência e aos padrões de normalidade para concretizar tal valor e permitir que o mesmo seja coberto pela substituição do FGAM”.