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DESPACHOS Mº Pº
IRRECORRIBILIDADE
PENA ACESSÓRIA DO ARTº 69º DO CP
IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO
IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR TFC
Sumário
1. As decisões do Ministério Público tomam a forma de despachos ( art. 97º nº 3 do Código de Processo Penal) e os despachos do Ministério Público, quaisquer que sejam, nunca são passíveis de recurso.
2. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º do Código Penal, não pode ser suspensa, porque a possibilidade de suspensão, no Código Penal, só existe para penas privativas de liberdade; não pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, porque esta modalidade de cumprimento de uma pena está, apenas, prevista ou como forma de execução de pena de multa, ou como substitutiva de pena de prisão e a referida pena acessória não tem qualquer vertente pecuniária, nem privativa de liberdade; e não pode ser cumprida em regime de dias livres, além do mais, por se tratar de modalidade punitiva que deixou de existir no nosso ordenamento jurídico desde a entrada em vigor da Lei 94/2017 de 23.08.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.
I.
No processo sumário que, com o nº 1246/18.0GBBCL, corre termos no Juízo Local Criminal de Barcelos foi decidido:
- Condenar o arguido N. M. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. artigo 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 8€, no montante global de 640€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses.
(…)
Antes de iniciado o julgamento havia sido, pelo arguido, apresentado requerimento dirigido à Exma Senhora Procuradora Adjunta ao abrigo do disposto nos artigos 281º e 282º do Código de Processo Penal no qual, - invocando as circunstâncias em que ocorreram os factos (condições climatéricas adversas, condução adequada a tais condições, impossibilidade de antecipar ou prevenir o acidente, inexistência de iluminação pública …), a integração social do arguido, o arrependimento e interiorização da conduta, a culpa diminuta, a ausência de antecedentes criminais, o tempo decorrido desde a prática dos factos, - por entender estarem verificados os pressupostos do artigo 281º do Código de Processo Penal, requereu que fosse aplicado o instituto da suspensão provisória do processo por ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta que viessem a ser oponíveis responderiam suficientemente às exigências de prevenção.
Terminou o requerimento solicitando que fosse determinada a suspensão provisória do processo com a concordância do juiz de instrução, pelo prazo de 1 ano mediante a entrega a uma IPSS de quantia a designar pelo Tribunal e a participação nas várias componentes de atividade estruturada “taxa.zero”, promovida pela DGRS.
No início do julgamento o Ministério Público respondeu ao requerimento nos seguintes termos:
- Atendendo à factualidade em causa em particular à taxa de álcool apresentada pelo arguido a que acresce a circunstância de ter sido interveniente em acidente de viação o Ministério Público considera que o instituto da suspensão provisória do processo não acautela no caso as exigências de prevenção que se fazem sentir, pelo que se opõe à mesma.
Inconformado com esta decisão e com a sanção acessória imposta na sentença que veio a ser proferida, interpôs o arguido o presente recurso, concluindo do seguinte modo ( transcrição):
1) O Recorrente foi acusado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, ai. a) do Código Penal. II) Tendo requerido a suspensão do processo abrigo do disposto nos arts.281º e 282º, do Código de Processo Penal na versão Lei nº 1/2016 de 25/02. III) Apesar de cumprir todos os requisitos legalmente exigidos para a aplicação daquele instituto, o Ministério Público indeferiu o seu pedido, tendo de imediato deduzido acusação e remetido o processo para julgamento em processo sumário. IV) Em consequência, foi o Recorrente condenado numa pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 8€ (oito euros), o que perfaz um montante global de 640 € (seiscentos e quarenta euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses. V) O Recorrente não tem antecedentes criminais, nem nunca lhe foi aplicada suspensão provisória do processo por nenhum outro crime. VI) Acresce que o grau de culpa não é especialmente elevado, nem o Ministério Público poderia ilidir tal conclusão tendo apenas por base a TAS. VII) Pelo que existiu um lapso evidente do Ministério Público ao ter deduzido acusação e remetido o processo para julgamento em processo sumário em vez de ter promovido a suspensão provisória do processo, VIII) Na medida em que, o Ministério Público é obrigado a promover a suspensão provisória do processo nos casos que preencham os pressupostos legalmente previstos e este é, indubitavelmente, um desses casos. IX) Uma vez que os pressupostos se encontram preenchidos, deve a sentença recorrida ser revogada e proferido um acórdão que determine que o Digno Magistrado do Ministério Público promova a suspensão provisória do processo, como é obrigado legalmente. X) O Recorrente é um cidadão cumpridor das regras da vida em sociedade, está inserido socialmente e necessita da carta de condução, sendo esta indispensável ao exercício da sua atividade. XI) Pelo que, a intervenção das instâncias formais de controlo já será motivo suficiente para o fazer repensar na necessidade de não conduzir se estiver sob a influência de álcool. XII) Além disso, é de prever o cumprimento das injunções e regras de conduta que lhe venham a ser oponíveis responderão suficientemente às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir. XIII) Caso assim não se entenda, considera-se justo e adequado a revisão da pena acessória aplicada de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses, para valores próximos dos mínimos abstratamente aplicáveis, em função dos seus encargos pessoais e profissionais. XIX) Dada a natureza da sua atividade profissional do Recorrente, tem pois necessidade de utilizar o seu veículo diariamente, seja para se deslocar da sua residência para o local de trabalho, seja para cumprir as obrigações e serviços inerentes à atividade que desempenha. XX) O Recorrente possui título de condução válido há várias décadas, sem nunca ter condenação averbada no seu registo criminal, bem como rodoviário, não existindo no caso sub judice, efetiva necessidade de prevenção especial. XXI) Razão pela qual se entende que a pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor deva ser aplicada pelo período mínimo legal, decretando-se a suspensão na sua execução. XXII) Ou, em alternativa ser a pena acessória substituída por medida alternativa, designadamente trabalho a favor da comunidade.
Nestes termos e nos mais de direito, deve a sentença recorrida ser revogada e proferido um acórdão que determine que o Digno Magistrado do Ministério Público promova a suspensão provisória do processo, como é obrigado legalmente;
Ou, caso assim não se entenda, ser a pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor reduzida ao período mínimo legal, decretando-se a suspensão na sua execução ou, em alternativa, o seu cumprimento em regime de dias livres.Justiça!
O Ministério Público, em primeira instância, respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência.
Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer nos termos do qual relativamente ao pedido de suspensão da pena acessória e/ou substituição por trabalho a favor da comunidade o recurso deve ser julgado manifestamente improcedente, dada a inadmissibilidade legal e como tal rejeitado (artigos 420º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Código de Processo Penal) e, quanto ao mais, ser julgado improcedente.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Após os vistos, foram os autos à conferência.
II.
Cumpre decidir, tendo em conta que são as conclusões do recurso que delimitam as questões a apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Analisando a síntese conclusiva do recorrente são duas, essencialmente, as questões cuja apreciação é pedida a este Tribunal da Relação:
- A possibilidade de revogação da decisão do Ministério Público de não determinar- conforme havia sido requerido pelo arguido- a suspensão provisória do processo;
- A redução de sanção acessória de proibição de condução de veículos com motor ao mínimo legal e a sua suspensão ou, em alternativa, a substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade ou o seu cumprimento em regime de dias livres.
*
É a seguinte a matéria de facto apurada em primeira instância e respetiva motivação (fixada com recurso à audição da gravação da audiência). - O arguido no dia ../12/2018 pela 19,55 na Avenida … conduzia um veículo de marca Audi, com matrícula … e foi interveniente em acidente de viação.
No âmbito da fiscalização que ocorreu na sequência do mesmo verificou-se que conduzia o veículo em causa com uma TAS de 2,36 gr/l e que, após contraprova resultou uma TAS de 2,309gr/l . - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo da proibição de conduzir naquele estado. - O arguido, que havia ingerido bebidas alcoólicas, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. - O arguido aufere um vencimento líquido de 900€, a esposa 700€. - Têm um filho menor, tendo despesas fixas com a escola do mesmo de 350€. Ajuda os pais em 250€, uma vez que reside em casa dos mesmos. Tem as despesas correntes de um agregado familiar. Não tem antecedentes criminais.
Após a fixação da matéria de facto feita oralmente pelo tribunal, seguiu-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
O tribunal formou a convicção a partir dos documentos juntos aos autos a fls 8 (taxa de álcool), declarações do arguido e testemunhas, sendo certo que não resultaram do depoimento das testemunhas indicadas pelo arguido quaisquer circunstâncias que pusessem em causa os factos constantes da acusação do Ministério Público.
Depois de tecer considerações de caráter jurídico sobre a moldura penal do ilícito em apreço o Tribunal a quo veio a concluir que, “ uma vez que não ficou provado o nexo de causalidade entre a taxa de álcool e o acidente, o tribunal opta pela pena de multa que fixa em 80 dias à taxa de 8€ e na sanção acessória de inibição de 7 meses”.
Apreciação do recurso.
O recorrente começa por se insurgir contra o facto de o Ministério Público não ter lançado mão do instituto da suspensão provisória do processo, previsto no artigo 281º do Código de Processo Penal.
Efetivamente é da exclusiva competência do Ministério Público a decisão de optar, ou não, pela suspensão provisória do processo. E esta decisão depende da verificação dos pressupostos previstos nas alíneas a) a f) do nº 1 do artigo 281º avaliados pelo Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente e com a concordância do Juiz de Instrução.
O recurso ao instituto da suspensão provisória do processo também está previsto no processo sumário (artigo 384º do Código do Processo Penal), pelo que, efetivamente, o Ministério Público podia tê-lo equacionado.
Não o fez, e é dessa omissão que o arguido recorre.
Acontece, contudo, que as decisões do Ministério Público, tomam a forma de despachos (artigo 97º, nº 3 CPP) e os despachos do Ministério Público, quaisquer que sejam, nunca são passíveis de recurso. De facto, das decisões do Ministério Público não se pode recorrer. Pode suscitar-se - mas não nestes autos (artigo 281º, nº 6 do CPP) - a intervenção de superior hierárquico (artigo 278 do CPP) e em algumas situações - que não a dos autos (artigo 286º, nº 3 do CPP) - pode provocar-se a intervenção do Juiz de instrução, requerendo abertura de instrução. Mas não pode recorrer-se.
Portanto, a decisão de não lançar mão da possibilidade de suspender provisoriamente do processo, não é recorrível.
E, não o sendo, não se impõe fazer considerações sobre o poder-dever de determinar a suspensão provisória do processo, sobre o princípio da oportunidade, sobre os fins das penas ou sobre objetivos ou prioridades da política criminal, que o recorrente indiretamente convoca, (questões que mereceram análise profunda no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/04/2017 in www.dgsi.pt a propósito da situação em tudo semelhante à presente), mas que aqui é inútil aprofundar.
Rejeita-se, assim, neste segmento, o recurso interposto.
Vejamos agora a dimensão da pena acessória.
O Tribunal a quo fixou a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados em 7 meses. O recorrente considera-a excessiva.
A fixação de uma pena acessória – que tem moldura penal própria -pressupõe uma condenação numa pena principal. Com a fixação da pena acessória pretende-se, usando as palavras de F. Dias - in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do crime § 205, 165 -, contribuir para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano ou, usando as palavras de Anabela Rodrigues, alertar o arguido para a validade da ordem jurídica e despertar o sentimento de fidelidade ao direito.
Os critérios para determinação da pena acessória dentro dos limites legais (3 meses a 3 anos) na ausência de norma específica, têm de ir buscar-se ao artigo 71º do Código Penal. Nos termos desta norma é incontroverso que é à culpa do agente e às exigências de prevenção que se apela para a determinação da medida concreta da pena, sem esquecer todas as demais circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele.
Numa aproximação à situação em apreço, olhando para a matéria de facto fixada, sobressai, desde logo, o grau de ilicitude, uma vez que o arguido conduzia o veículo com uma taxa de álcool que correspondia a 1,10gr/l acima da taxa limite a partir da qual a conduta é criminalizada – o que se afigura de grande gravidade.
Constata-se também que conduzia num local onde existia circulação de peões, embora o fizesse a uma hora em que o tráfego já não seria intenso, o que diminuía o risco.
A circunstância de ter sido interveniente num acidente de viação não assume, contrariamente ao que habitualmente acontece, especial relevância, uma vez que o Tribunal a quo afastou o nexo de causalidade entre o acidente e o álcool.
Para a graduação da pena releva, igualmente, a ausência de antecedentes criminais, a correta integração social, profissional e familiar; já a assunção dos factos, dada a sua evidência, não releva de forma significativa.
Não poderá esquecer-se também os reflexos que a pena acessória terá na vida profissional, circunstância que o recorrente sublinhou quer no julgamento, quer no recurso. De facto, de acordo com a atual organização da vida de todos quantos usam um veículo motorizado para as deslocações diárias, a pena acessória imposta pela prática de um crime de natureza estradal é, seguramente, a mais sentida das penas, a mais grave das punições, porque, mesmo que a pena seja branda, ela poderá ter sérios reflexos na vida do condenado. Ora, esta circunstância, na tentativa de se fazer justiça no caso concreto, não deverá ser esquecida (artigo 71º, nº 2, alínea d), 1ª parte do Código Penal) desde que não se deixe de ponderar também as necessidades de prevenção, a medida da culpa e os fins visados com a aplicação da pena acessória.
O tribunal a quo não a equacionou expressamente. Ouvindo a sentença não se percebe, com clareza, como foi alcançada a medida concreta da pena. Certo é que na fixação de qualquer pena para além dos princípios da legalidade, da necessidade, da proibição de excesso, da proporcionalidade, há ainda o princípio da sociabilidade ( cfr. Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, 2010-2011,12), segundo o qual incumbe ao Estado um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade ( art. 2º e 9º da Constituição da República Portuguesa). Assim sendo, tendo em conta o anteriormente ponderado, afigura-se que uma pena acessória de 5 meses de proibição de conduzir, se afigura bastante para realizar as finalidades subjacentes à sua aplicação.
Pede o recorrente que a mesma seja suspensa, ou substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
A possibilidade de suspensão da inibição de conduzir existe no nosso ordenamento jurídico no Código da Estrada. Aí se prevê, em determinadas circunstâncias, a possibilidade de atenuar especialmente (artigo 140º ) ou suspender a sanção, ainda que com sujeição a deveres (artigo 141º).
No entanto, tal possibilidade não existe no Código Penal. E não existe quer porque não está prevista, quer porque não se pode fazer apelo ao instituto geral de suspensão da pena, constante do artigo 50º, uma vez que a possibilidade de suspensão da pena foi pensada pelo legislador apenas para penas privativas de liberdade.
A prestação de trabalho a favor da comunidade apresenta-se no Código Penal, quer como uma forma de execução da pena de multa - se o condenado a requerer (artigo 48º do Código Penal e 490º do Código de Processo Penal) - quer como pena substitutiva da pena de prisão não superior a dois anos, - se o condenado nela consentir (art. 58º nº 5 do Código Penal).
No primeiro caso, dado ser possível atribuir valor monetário, a cada hora de trabalho, percebe-se que uma pena fixada em dinheiro possa ser paga com trabalho; no segundo caso a substituição da pena por prestação de trabalho pressupõe uma condenação em pena de prisão. Ora, não tendo a pena acessória qualquer vertente monetária, nem privativa da liberdade, não pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Uma última nota para dizer que o recorrente, a finalizar as suas conclusões, requer, também em alternativa, o cumprimento da pena acessória em regime de dias livres - sem que na motivação tenha aflorado tal questão, o que, em rigor, comprometeria o seu conhecimento (artigo 412º nº 1 do Código de Processo Penal)-. Trata-se de uma modalidade punitiva que já não existe no nosso ordenamento jurídico desde a entrada em vigor da Lei 94/2017 de 23.08., pelo que sempre seria inatendível.
Improcede, assim, o recurso no segmento da substituição de pena acessória.
III. DECISÃO
Em face do exposto decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente N. M., reduzindo-se a 5 meses a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor que lhe foi imposta.
Em tudo o mais mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas ( art. 513º nº 1 do CPP).