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INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR DE CRÉDITO
PENHOR DE CONTA BANCÁRIA
CUSTAS JUDICIAIS
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
Sumário
I - Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral e prevalecem sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior, independentemente da quantidade e natureza dos créditos em concurso. II - Todos os outros créditos com privilégio mobiliário geral, - nomeadamente os elencados no art.º 747.º, nº 1, do Código Civil - não valem contra o penhor e seguem a hierarquia resultante do referido normativo. III - Não há colisão normativa a obstar que os créditos da Segurança Social, por preferirem ao crédito com penhor anterior, e por força dessa prevalência, sejam pagos antes dos créditos laborais. IV - Não é inconstitucional, por não violar o princípio da confiança, ínsito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 204.º, nº 2, da Lei 110/2009, na medida em que confere ao privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da Segurança Social por contribuições e respectivos juros de mora primazia sobre o penhor, mesmo que de constituição anterior.
Texto Integral
Apelação nº535/18.9T8AMT-C.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo de Comércio de Amarante
Relator: Carlos Portela (929)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório:
Nos autos de insolvência de Fábrica B… S.A., de que os presentes autos são dependência, foi proferida sentença de declaração de insolvência transitada em julgado, tendo já decorrido prazo para apresentação da reclamação de créditos.
O Exmo. Sr. Administradora da insolvência juntou aos autos a lista de credores Reconhecidos, nos termos do disposto no artigo 128.º do CIRE.
Ao abrigo do disposto no art.º 130.º do CIRE fora apresentadas impugnações pelos credores Banco C…, S.A. e D…, S.A.
Foi cumprido o disposto no art.º 131.º do CIRE e realizada tentativa de conciliação, a que alude o art.º 136.º CIRE.
Estas impugnações já foram objecto de decisão, concretamente:
- no que respeita à impugnação deduzida pelo credor Banco C…, S.A. por decisão de 12.11.2018, fora reconhecido os créditos do Banco C…, SA de natureza garantida no montante de 250.000 EUR (garantido por penhor de crédito sobre a conta de depósito a prazo da insolvente n.º ...-...-......-..), e créditos de natureza Comum no montante de 437.044,76 EUR, tudo num total de 687.044,76 EUR.
- no que respeita à impugnação deduzida pelo credor D…, S.A., e na sequência de acordo alcançado em sede de tentativa de conciliação a que alude o art.º136.º do CIRE, fora reconhecido o crédito sobre a insolvência da credora D…, S.A., no montante de €1.585,00, garantido por direito de retenção sobre os bens identificados a fls. 54 verso e fls. 55, apreendidos para a massa e melhor descritos no auto de apreensão junto pelo Sr. Administrador de Insolvência ao apenso de apreensão de bens a 7.12.2018 (Verba 329: Transportador e Verba 330: 5 caixas (tarifas) com calçado de senhora, levantados na sede do Credor D…, SA, em Vizela).
Tramitados os autos foi proferida decisão cujo conteúdo no seu segmento mais relevante aqui passamos a transcrever.
Assim: “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Não existem nulidades principais, nem foram arguidas quaisquer outras. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias. As partes são legítimas. Não há outras excepções que cumpra conhecer.
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Visto que, da análise da lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, conjuntamente com os reconhecimentos dos créditos dos credores Banco C…, S.A. e D…, S.A., nos termos acima expostos, não se verifica existir “erro manifesto”, e atendendo a que “A sentença homologatória de graduação de créditos, não existindo reclamações, só por erro manifesto pode desatender a lista apresentada pelo Administrador.” - Ac. do TRP, de 20-06- 2006, in www.dgsi.pt - cumpre homologar a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência e junta aos autos a 20.09.2018, nos termos do artigo 130º, nº3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, considerando-se reconhecidos os créditos ali mencionados, e bem assim: - o crédito reclamado pelo credor Banco C…, SA de natureza garantida no montante de 250.000 EUR (garantido por penhor de crédito sobre a conta de depósito a prazo da insolvente n.º ...-...-......-..), e créditos de natureza Comum no montante de 437.044,76 EUR, tudo num total de 687.044,76 EUR; e - o crédito sobre a insolvência da credora D…, S.A., no montante de €1.585,00, garantido por direito de retenção sobre os bens identificados sob as verbas n.º 229 (transportador) e 330 (5 caixas (tarifas) com calçado de senhora) no auto de apreensão de bens junto ao apenso de apreensão a 7.12.2018.
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Cumpre, então, graduar tais créditos em atenção ao que consta dessa lista, tendo em conta que existem créditos comuns, privilegiados, garantidos e subordinados e que, de acordo com o apenso de apreensão de bens (apenso A), foram apreendidos à massa insolvente os seguintes bens: - bens móveis identificados no auto de apreensão de bens móveis junto electronicamente ao apenso A a 2.08.2018, descritos sob os lotes n.ºs 1 a 328 do auto de apreensão de bens móveis. - sete veículos automóveis identificados sob os lotes n.ºs 1 a 7 do auto de apreensão de bens móveis – viaturas junto electronicamente ao apenso A a 2.08.2018 - três marcas identificadas no auto de apreensão de marcas junto electronicamente ao apenso A a 2.08.2018 - bens identificados no auto de Apreensão de Aplicação Financeira e Saldos Bancários junto ao apenso de apreensão de bens (apenso A) electronicamente a 9.08.2010 e aditamento ao auto de Apreensão de Aplicação Financeira e Saldos Bancários junto ao apenso de apreensão de bens (apenso A) electronicamente a 10.08.2018, sob as verbas n.ºs 1 a 5: • Verba 1: Aplicação financeira, Depósito a Prazo, que se encontrava parqueada no Banco C…, SA, identificada com o número ...-...-.......-..: €250.000,00. Sobre esta aplicação financeira incide o seguinte ónus/encargo: Penhor de crédito – penhor constituído pelo montante de 250.000 EUR, para garantia parcial de contrato de empréstimo nr ....-.....-...-.....-.. celebrado com o Banco E…, SA, que fora incorporado pelo Banco C…, SA. • Verba 2: Saldo bancário apreendido junto do Banco C…, SA €408,06. • Verba 3: Saldo bancário apreendido junto do F… €34.630,04. • Verba 4: Saldo bancário apreendido junto do Banco G… SA €6.628,81. • Verba 5: Saldos bancários apreendido junto do F… (9.207,34 + 1.050,00): €10.257,34. - verbas n.º 1 a 3 identificadas no auto de Apreensão de Valores Mobiliários junto ao apenso A electronicamente a 25.09.2018: • Verba 1: Lote constituído por 19.620 acções, com o valor nominal de 1 EUR cada, representativas do capital social da H…, SA. Sobre estas acções impedem os seguintes ónus/encargos: Penhor constituído sobre 13.460 Ações a favor de H…, SA, • Verba 2: Lote constituído por 1.920 acções, com o valor nominal de 1 EUR cada, representativas do capital social da I…, SA. Sobre estas acções não impedem quaisquer ónus ou encargos. • Verba 3: Lote constituído por 1.920 acções, com o valor nominal de 1 EUR cada. Sobre estas ações não impedem quaisquer ónus ou encargos. - Verba 329: Transportador e Verba 330: 5 caixas (tarifas) com calçado de senhora, levantados na sede do Credor D…, SA, em Vizela), sobre as quais incide o direito de retenção do credor D…, identificadas no auto de apreensão de bens móveis junto ao apenso A electronicamente a 7.12.2018.
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Cumpre, então, graduar tais créditos. A este respeito cumpre trazer aqui à colação o disposto no artigo 47º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas de onde decorre que “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio”, resultando do seu nº4 que os créditos sobre a insolvência são garantidos e privilegiados, subordinados e comuns. Do artigo 91º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas decorre que “A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva.” Por sua vez, decorre do artigo 97º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se extinguem, com a declaração de insolvência: • os privilégios creditórios gerais e especiais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais, e as instituições de segurança social, constituídos ou vencidos, respetivamente, mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência; • as hipotecas legais cujo registo haja sido requerido dentro dos dois meses anteriores à data do início do processo de insolvência, e que forem acessórias de créditos sobre a insolvência do Estado, das autarquias locais, e das instituições de segurança social; • se não forem independentes de registo, as garantias reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo integrantes da massa insolvente, acessórias de créditos sobre a insolvência e já constituídas, mas ainda não registadas nem objeto de pedido de registo; • as garantias reais sobre bens integrantes da massa insolvente acessórias dos créditos havidos como subordinados. Por sua vez, decorre do artigo 140º, nºs 2 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “A graduação é geral para os bens da massa insolvente e é especial para os bens a que respeitem direitos reais de garantia e privilégios creditórios.”, sendo que “Na graduação de créditos não é atendida a preferência resultante de hipoteca judicial, nem a proveniente da penhora, mas as custas pagas pelo autor ou exequente constituem dívidas da massa insolvente”. Vejamos os créditos garantidos e privilegiados reconhecidos. Os créditos dos trabalhadores identificados na lista de créditos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência gozam de privilégio creditório mobiliário geral, nos termos do disposto no art.º 333.º do Código do Trabalho, o qual preceitua: “1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; (…) 2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;” O crédito da Autoridade Tributária proveniente de IRS, retido e não entregue, cujo vencimento ocorreu nos doze meses anteriores à declaração de insolvência, no montante de € 8.564,92 goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do art.º 736.º do C. Civil, 97.º, n.º 1, a), CIRE e 111.º do Código do Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares, o qual preceitua: “Para pagamento do IRS relativo aos três últimos anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro ato equivalente.”, devendo no processo de insolvência ser respeitado o limite temporal previsto no art.º 97.º, n.º 1, a), CIRE. O reclamante Instituto de Segurança Social beneficia de privilégio creditório mobiliário geral, relativamente ao crédito no montante de €202.627,64, crédito proveniente de contribuições e quotizações não entregues, cujo vencimento ocorreu nos doze meses anteriores à declaração da insolvência - artº 736º CC e art 97º/1/a CIRE a contrario. Prescreve o art.º 204, nº 1, do chamado Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro que “Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do nº 1 do art.º 747 do Código Civil.”. Ou seja, deverão os créditos do ISS ser graduados a par dos créditos do Estado provenientes de impostos. O crédito da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE - Crédito proveniente de resolução de contratos de concessão de incentivos concedidos pelo Estado Português ao abrigo do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, no montante de €463.552,71, goza de privilégio mobiliário geral, nos termos do disposto no art.º 26.º, n.º 16, do DL 159/2014, DR, Série I de 2014-10-27, o qual preceitua que “Os créditos e os respectivos juros de mora, resultantes da não utilização ou da utilização indevida dos apoios concedidos no âmbito dos FEEI, gozam das seguintes garantias especiais: a) Privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos no n.º 1 do artigo 736.º do Código Civil”. Assim, este crédito privilegiado deve ser graduado logo após o crédito privilegiado da AT e do ISS. O crédito do credor D…, S.A., no montante de €1.585,00, garantido por direito de retenção sobre as Verba 329 (Transportador) e Verba 330 [5 caixas (tarifas) com calçado de senhora] identificadas no auto de apreensão junto pelo Sr. Administrador de Insolvência ao apenso de apreensão de bens a 7.12.2018. O direito de retenção é o direito conferido ao credor que se encontra na posse de certa coisa de recusar a sua entrega enquanto o devedor não cumprir, bem como de executar e se fazer pagar à custa do valor dela, com preferência aos demais credores (artigos 754º, 758º do Código Civil). O ordenamento civilista clarifica a dupla natureza do direito de retenção: um meio de coerção ao cumprimento da obrigação e um verdadeiro direito real de garantia, a significar que apresenta uma função coercitiva e uma função de garantia. À luz desta natureza de direito real o devedor tem o direito de ser pago preferencialmente pelo valor da coisa retida e, estando em causa, a retenção de coisas móveis, aplica-se-lhe a disciplina do penhor, pois o regime legal equipara o retentor de coisas móveis ao credor pignoratício (artigo 758º do Código Civil). O direito de retenção sobre coisas móveis confere ao respectivo titular o direito a ser pago com preferência sobre os demais credores desde que não gozem de privilégio mobiliário especial anteriormente constituído – art.758.º, 666.º e 750.º todos do Código Civil. Assim, o direito de retenção prefere aos créditos dos trabalhadores, de IRS e do ISS, que gozam de privilégio mobiliário geral e será esta a graduação a seguir quanto à verba n.º 330. Sucede que sobre a verba n.º 329 (transportador) também incide penhor mercantil da H…” e analisada aquela reclamação de créditos junta aos autos de reclamação de créditos por requerimento do Sr. Administrador da Insolvência de 30.11.2018, verificamos que aquele penhor mercantil fora constituído a 21.12.2016. Dado que o direito de retenção do credor D… fora constituído em data posterior (aquando de transporte realizado já no presente ano de 2018) é de concluir que o penhor mercantil do credor “H…” prevalece sobre o direito de retenção do credor “D…” sobre a verba n.º 329, devendo o seu crédito ser graduado logo após o crédito da “H…”, aplicando-se a regra da prevalência do direito que se constituiu primeiro (art. 750.º CC). A prevalência do penhor mercantil sobre o direito de retenção sobre esta verba n.º 329 terá também implicações na graduação do crédito do ISS, conforme infra melhor se explicitará, a propósito da graduação do crédito pignoratício e do crédito do ISS, ainda que concorram outros créditos que, de acordo com as regras gerais, deveriam prevalecer sobre o crédito do ISS. O crédito da H… goza de garantia de penhor mercantil sobre as 13.460 acções apreendidas representativas do capital dessa mesma sociedade “H…” e que fazem parte integrante da verba n.º 1 identificada no auto de Apreensão de Valores Mobiliários junto ao apenso A electronicamente a 25.09.2018: Verba 1: Lote constituído por 19.620 acções, com o valor nominal de 1 EUR cada, representativas do capital social da H…, SA. Sobre estas ações impedem os seguintes ónus/encargos: Penhor constituído sobre 13.460 Ações a favor de H…, SA. Goza ainda de penhor mercantil sobre os bens móveis, contantes do respectivo Auto Apreensão e Arrolamento Bens Móveis, junto aos autos no dia 2 de Agosto 2018, identificados como segue: a. Balancé Ponte - 1/1 R - Verba 25; b. Transportador - Verba 329; c. Máquina de Facear - Verba 236; d. Jacto de Água 1265Cutter - Verba 24; e. Máquina costura (fechar calcanheiras) - Verba 249; f. Máquina de montar bicos 4/38 R - Verba 180. O crédito do Banco C… SA goza de natureza garantida no montante de 250.00 EUR, garantido por penhor de crédito sobre a conta de depósito a prazo da insolvente n.º...-...-.....-.., nesse mesmo montante. Nos termos do artigo 666º, n.º 1 do Código Civil, o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores. Já acima referimos que quanto à verba n.º 329, incidindo sobre a mesma penhor mercantil (que para a sua constituição não exige desapossamento) e direito de retenção, irá prevalecer aquele que se constituiu primeiro no tempo, ou seja, o crédito pignoratício. Há, ainda, que atentar no citado art.204.º, n.º 2, do CRCSPSS, nos termos do qual o crédito do ISS prevalece sobre qualquer penhor. Assim, e no que respeita concretamente à graduação dos créditos quanto aos bens sobre os quais incide penhor, entendemos que o penhor só cede perante o crédito do ISS, porque assim o impõe a norma do art.º 204, nº 2, da Lei nº 110/2009 de 16/09, sem que, quanto aos outros créditos (designadamente o crédito dos trabalhadores), isso prejudique a aplicação da regra geral de que o penhor confere ao credor respectivo prioridade de pagamento perante créditos que apenas beneficiam de privilégio mobiliário geral, tal como fora decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.2012, Proc. n.º 241/11.5TBNLS-B.C1, disponível em www.dgsi.pt e que passaremos a seguir de perto. Prescreve o art.º 204, nº 1, do chamado Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro que “Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do nº 1 do art.º 747 do Código Civil.” Por sua vez, o nº 2 deste artigo estatui que “Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.” Ora, face a este n.º 2 entendemos que o crédito do ISS que goza deste privilégio terá que prevalecer sobre o crédito que beneficia de penhor, não sendo defensável que esta disposição do nº 2 só tenha aplicação quando se verificasse um conflito graduativo exclusivo das duas referidas causas de preferência – a do privilégio mobiliário geral dos créditos do ISS e o penhor. Não impede a aplicação deste n.º 2 o facto de concorrerem também créditos laborais, ou no caso concreto, um direito de retenção. Ora, nem isto resulta da letra da lei, nem tão pouco se nos afigura que tal ideia haja estado na mente do legislador, sabendo-se como se sabe que só muito raramente com aqueles dois créditos não concorrerão outros igualmente privilegiados, como são os da Fazenda Nacional ou dos trabalhadores. Aliás, bem rigor, os créditos dos trabalhadores e autoridade tributária não saem prejudicados pela aplicação deste norma especial prevista no art.204.º, n.º 2, CRCSPSS. Na verdade, se atentarmos no valor dos bens dados em penhor e o valor dos créditos pignoratícios verificámos que o crédito pignoratício, a ser graduado em primeiro lugar, vai absorver todo o produto da venda daquele bem, nada recebendo os trabalhadores ou finanças. Não faz, assim, sentido, só pelo facto de concorrerem créditos dos trabalhadores e finanças (que nunca receberiam qualquer montante dos bens dados de penhor) afastar a regra especial de graduação dos créditos do ISS e penhor. O afastamento desta norma especial, com o fundamento de não permitir que os créditos do ISS passem à frente dos créditos laborais e da AT, constitui para nós um argumento que acaba por ser artificial, uma vez que esses créditos nada receberão (o que ocorre na maioria dos casos, atenta a superioridade do valor do crédito pignoratício face ao valor dos bens dados de penhor). Essa argumentação acaba por servir apenas os interesses dos credores pignoratícios, quando o legislador há muito que tomou a opção legislativa de graduar os créditos do ISS à frente de qualquer penhor. Com efeito, numa linha de aparente perturbação desta ordem de prevalência vêem alguns a prioridade conferida pelo art.º 333, nº 1, al.ª a) e nº 2 al.ª a) do actual Código do Trabalho ao privilégio mobiliário geral dos créditos emergentes de origem laboral, dado que este crédito dos trabalhadores (no que respeita aos bens móveis) é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do art.º 747 do Código Civil. Numa primeira abordagem, parece resultar do confronto destas normas que os créditos laborais deveriam ser pagos sempre à frente dos créditos da Segurança Social, atenta a prioridade do respectivo privilégio mobiliário geral que claramente decorre das expressões “antes” da alínea a) do nº 2 do art.º 333 do CT e “ nos termos referidos” do nº 1 do art.º 204 do CRCSPSS. Esta preferência colidiria, porém, com a prevalência da que derivaria do penhor, dado que este cederia perante o privilégio mobiliário do crédito da Segurança Social. É que interpondo-se um crédito garantido por penhor, preferiria o crédito da Segurança Social, embora sobre este preferisse o crédito laboral, o qual, por sua vez, não prevaleceria diante daquele crédito (o garantido por penhor), conforme o art.º 749, nº 1 do CC. Conforme salientado no acima citado Acórdão, há que discernir, no entanto, o que terá sido o efectivo desiderato do legislador, tendo em conta o princípio ínsito no art.º 9º, nº 3. do CC, de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e se exprimiu o seu pensamento em termos adequados”. Com esse fim, não se deve perder de vista, desde logo, a circunstância de, já depois da publicação do Código do Trabalho, o legislador do CRCSPSS de 2009 ter conservado a precedência do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído. O que só pode significar que, não podendo ignorar a regra geral da ineficácia dos privilégios mobiliários gerais do art.º 749, nº 1 do CC, também não podia deixar de estar ciente de que, com a hierarquização assim delineada, forçosamente situava o privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social numa situação de primazia relativamente a todos os outros créditos dotados do mesmo privilégio, incluindo os créditos mencionados no art.º 333º do CT. A isto acresce ainda a importância social de que cada vez mais acentuadamente se reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social e que esteve na origem das disposições dos art.ºs 204 do CRCSPSS e do art.º 10 do DL 103/80 de 9/05. No sentido da prevalência do crédito privilegiado do ISS sobre o crédito pignoratício quando existem trabalhadores, veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Proc. n.º 1277/13.7TBCTX-B.E1, de 30.04.2015, disponível em www.dgsi.pt. Assim sendo, e quanto aos bens sobre os quais incide penhor: será pago em primeiro lugar o crédito do ISS, que goza de privilégio mobiliário geral (e nos termos do art.204.º, n.º 2, do CRCSPSS prevalece sobre o penhor). Em segundo lugar, será pago o crédito pignoratício respectivo (H… e Banco C…, SA), no que respeita às concretas verbas sobre as quais incide o seu penhor. No caso da verba n.º 329, em terceiro lugar, será pago o crédito com direito de retenção do credor “D…, conforme acima exposto. Em seguida, serão pagos os Trabalhadores, procedendo-se a rateio entre eles; seguindo-se, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS e, após, o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE – Crédito. Quanto à verba n.º 330, sobre a qual incide direito de retenção do credor “D…” e sobre a qual não incide qualquer penhor, deve ser graduado em primeiro lugar o crédito do credor “D…”, seguindo-se os créditos dos trabalhadores e, após, os créditos da AT e ISS, graduados a par, e posteriormente o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE – Crédito. Quanto aos demais bens móveis apreendidos, sobre os quais não recai qualquer direito de retenção ou penhor, deve ser graduado em primeiro lugar os créditos laborais, em segundo lugar e a par, os créditos da AT e ISS, seguindo-se o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE – Crédito.
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Quanto ao pagamento dos créditos haverá que ter em consideração o disposto nos artigos 174º e 175º do CIRE, ressalvando-se, claro está, as despesas próprias com a liquidação dos bens e as reservas necessárias à satisfação das dívidas da massa, nos termos do artigo 172º, n.º s 1 e 2. De notar que o pagamento dos créditos comuns reconhecidos será feito por rateio, na proporção dos seus créditos, se a massa for insuficiente para a respetiva satisfação integral – Cfr., artigo 176º do CIRE. Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados, nos termos do disposto no artigo 177º do CIRE.
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Pelo exposto: Graduo os créditos reconhecidos da seguinte forma: A) Relativamente às 13.460 ações representativas do capital social de “H…, SA” apreendidas e que fazem parte da verba n.º 1 do auto de Apreensão de Valores Mobiliários junto ao apenso A eletronicamente a 25.09.2018 e, ainda, Balancé Ponte - 1/1 R (Verba 25); Máquina de Facear (Verba 236); Jacto de Água 1265Cutter (Verba 24); Máquina costura (fechar calcanheiras) (Verba 249); Máquina de montar bicos 4/38 R (Verba 180): 1) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social; 2) Em segundo lugar, será pago o crédito da “H…, SA”, que beneficia de penhor sobre tais verbas. 3) Em terceiro lugar, serão pagos os Trabalhadores, procedendo-se a rateio entre eles. 4) Em quarto lugar, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS; 5) Em quinto lugar, o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE – Crédito; 6) Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 7) Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. B) quanto à verba n.º 329 (transportador): 1) em primeiro lugar, o crédito privilegiado do ISS; 2) em segundo lugar, o crédito pignoratício da H…. SA; 3) em terceiro lugar, o crédito com direito de retenção (constituído em data posterior ao penhor) de D…, S.A.; 4) em quarto lugar, os créditos privilegiados dos trabalhadores; 5) Em quinto lugar, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS,; 6) Em sexto lugar, o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE - Crédito; 7) Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 8) Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. C) Quanto ao Depósito a Prazo no Banco C…, SA, identificado com o número ...-...-.....-.. (verba n.º 1 do auto de Apreensão de Aplicação Financeira e Saldos Bancários): 1) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social; 2) em segundo lugar, será pago o crédito garantido por penhor do Banco C…, SA., 6) Em terceiro lugar, serão pagos os Trabalhadores, procedendo-se a rateio entre eles. 4) Em quarto lugar, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS; 5) Em quinto lugar, o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE – Crédito; 6) Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 7) Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. D) Quanto à verba n.º 330: 5 caixas (tarifas) com calçado de senhora: 1) em primeiro lugar, o crédito com direito de retenção de D…, S.A.; 2) em segundo lugar, os créditos privilegiados dos trabalhadores; 3) Em terceiro lugar, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS, e o crédito privilegiado do ISS, graduando-os a par, e procedendo a rateio entre eles, se necessário for; 4) Em quarto lugar, o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE - Crédito; 5) Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 6) Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE. E) Quanto aos demais bens móveis apreendidos (sobre os quais não incide penhor ou direito de retenção): 1) Em primeiro lugar, os créditos privilegiados dos trabalhadores; 2) Em segundo lugar, o crédito privilegiado da Autoridade Tributária, proveniente de IRS, e o crédito privilegiado do ISS, graduando-os a par, e procedendo a rateio entre eles, se necessário for; 3) Em terceiro lugar, o crédito privilegiado da Agência para Investimento Comércio Externo Portugal EPE - Crédito; 4) Do remanescente, se o houver, dar-se á pagamento aos créditos comuns reconhecidos, a solver por rateio, na proporção dos seus créditos. 5) Por fim, e depois de integralmente pagos os créditos privilegiados, garantidos e comuns, serão pagos os créditos subordinados (referentes a juros vencidos após a declaração de insolvência), em conformidade com o disposto no artigo 177º do CIRE.
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Do produto da liquidação dos bens apreendidos serão pagas em primeiro lugar as dívidas da massa insolvente, previstas no artigo 51º do CIRE, designadamente as custas do processo e seus apensos, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração e despesas do Sr. Administrador da Insolvência (artigos 46º, n.º 1 e 172º do CIRE).
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Valor da causa: o do activo (artigo 301º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
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Custas pela massa insolvente, nos termos do artigo 303º e 304º do CIRE.
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Registe e notifique.”.
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O credor Banco C…, S.A. veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, é definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela credora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
Face ao antes exposto resulta claro ser a seguinte a questão suscitada neste recurso:
A de saber se deve ser revogada a sentença recorrida no sentido do crédito reconhecido do aqui apelante Banco C… S.A., no montante de €250.000,00, garantido por penhor de crédito sobre a conta de depósito a prazo da insolvente n.º ...-....-......-.., ser graduado em 1.º lugar logo após as custas judiciais.
Para apreciar e decidir esta questão importa considerar o seguinte circunstancialismo de facto:
1) A apelante Banco C… S.A. apresentou no dia 06.07.2018, a sua reclamação de créditos junto do Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, na qual reclamou o montante global de €687.044,76, sendo o montante de €250.000,00 garantido por penhor de crédito sobre a conta de depósito a prazo da Insolvente n.º ...-...-......-.., e o remanescente, no montante de € 437.044,76, de natureza comum.
2) Por sentença de verificação e graduação de créditos, o Tribunal a quo, homologou a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, tendo reconhecido ao Instituto de Segurança Social um crédito com privilégio mobiliário geral no montante de €202.627,64, proveniente de contribuições e quotizações não entregues e cujo vencimento ocorreu nos doze meses anteriores à declaração da insolvência.
3) Reconheceu ainda, o crédito reclamado pela aqui Apelante no montante de €250.000 (garantido por penhor de crédito sobre a conta de depósito a prazo da insolvente n.º ...-....-......-..), e créditos de natureza Comum no montante de € 437.044,76 EUR, tudo num total de 687.044,76.
4) Na mesma decisão o Tribunal “a quo” e no que respeita concretamente à graduação dos créditos quanto aos bens sobre os quais incide penhor, fez consignar o entendimento segundo o qual, o penhor só cede perante o crédito do ISS, porque assim o impõe a norma do art.º 204, no 2, da Lei no 110/2009 de 16/09, concluindo que “(…), e quanto aos bens sobre os quais incide penhor: será pago em primeiro lugar o crédito do ISS, que goza de privilégio mobiliário geral (e nos termos do art.204.º, n.º 2, do CRCSPSS prevalece sobre o penhor) e em segundo lugar, será pago o crédito pignoratício respectivo (H… e Banco C…, SA), no que respeita às concretas verbas sobre as quais incide o seu penhor.
5) Sendo assim, graduou em 1.º lugar, o crédito privilegiado do Instituto da Segurança Social e em 2.º lugar, o crédito garantido por penhor do Banco C…, SA., relativamente aos créditos reconhecidos quanto ao Depósito a Prazo no Banco C…, S.A., identificado com o número ...-...-......-.. (verba n.º 1 do auto de Apreensão de Aplicação Financeira e Saldos Bancários)
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Antes do mais, impõe-se salientar que as teses que sustentam por um lado a decisão recorrida e o recurso aqui interposto pela apelante Banco C… S.A., mais não são que o espelho das divergências que desde há muito se vêm “confrontando” na nossa jurisprudência e que são de todos conhecidas.
Assim e como argutamente se indica no recente Acórdão desta Relação do Porto de 11.09.2018, processo nº1211/17.5T8AMT-E.P1, relatado pelo Desembargador Vieira e Cunha, uma breve consulta às bases de dados de jurisprudência faz verificar que existem posições divergentes sobre a matéria:
- no sentido da prevalência dos créditos da Segurança Social, sobre os créditos garantidos por penhor e privilegiados, de natureza laboral, por essa ordem (ou seja, no sentido sufragado pela douta sentença recorrida), encontramos o Acórdão da Relação de Guimarães de 31/3/2016, processo nº 565/14.0T8VCT-B.G1, relatado pelo Desembargador António Fernandes Santos, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 11/12/2012, processo nº241/11.5TBNLS-B.C1, relatado pelo Desembargador Freitas Neto;
- no sentido da prevalência dos créditos garantidos por penhor, sobre os créditos privilegiados, de natureza laboral e os créditos privilegiados, por contribuições à Segurança Social, por essa ordem, existem outras decisões, das quais se salientam: o Acórdão da Relação de Guimarães de 25/5/2017, processo nº 703/13.0TBMDL-K.G1, relatado pelo Desembargador Fernandes Freitas, o Acórdão da Relação de Lisboa de 13/10/2016, processo nº81/13.7TYLSB-B.L1-8, relatado pelo Desembargador Ferreira de Almeida, o Acórdão da Relação de Évora de 5/11/2015, processo nº284/14.7TBRMR-A.E1, relatado pelo Desembargador Mário Mendes Serrano, os Acórdãos da Relação do Porto de 15/9/2011, processo nº1911.09.3TBLSD-E.P1 e de 6/5/2010, processo nº744/08.9TBVFR-E.P1, ambos relatados pelo Desembargador Filipe Caroço.
Perante o acabado de expor, cumpre-nos dizer, desde já, que sufragamos a primeira destas orientações.
E para fundamentar esta opinião, ousamos transcrever aqui e com todo o respeito, a maior parte do texto do supra citado Acórdão da Relação de Coimbra de 11.12.2012.
Assim: “Quanto à questão da prioridade de pagamento do crédito da recorrente garantido por penhor. Dispõe o art.º 604 nº 1 do C. Civil que “Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito a ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos”. Por sua vez, estatui-se no nº 2 do mesmo preceito que são tidas por causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção. De harmonia com o art.º 680 do CC, o penhor é um direito real de garantia, actuando como uma garantia especial do cumprimento das obrigações e tendo por objecto, imediata ou mediatamente, uma coisa móvel. Por ele o credor adquire direito a pagar-se do seu crédito e juros pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou direitos, preferindo aos demais credores (art.º 666, nº 1 do CC). Ao lado dos direitos reais de garantia posicionam-se os privilégios creditórios gerais, mobiliários ou imobiliários, os quais, sendo ainda causas de preferência, todavia revestem natureza meramente obrigacional. Precisamente porque, por definição, não se formam ou constituem sobre coisas mas sobre obrigações, estes privilégios não são dotados do chamado direito de sequela que é apanágio dos direitos reais. Atribuem uma mera prioridade de pagamento impondo-se aos credores comuns na execução do património do devedor. Não são verdadeiros direitos – direitos necessariamente subjectivos – apesar de assegurarem o cumprimento de obrigações. Diversamente, os privilégios especiais (art.º 735, nº 2, 2ª parte, e nº 3, do CC), compreendendo o valor de determinados bens, embora não percam a nota obrigacional já aludida, mas porque são conferidos sobre um objecto individualizado, gozam da prevalência que lhes advenha da sua anterioridade sobre os direitos de terceiro, aos quais serão sempre oponíveis. Tratando-se de privilégios imobiliários especiais essa oponibilidade vai ainda mais longe, estendendo-se a certos direitos, ainda que de génese anterior – art.ºs 750 e 751 C.Civ. No caso que agora nos ocupa, por disporem de causa de preferência no pagamento pelo depósito a prazo arrolado, apresentam-se em conflito graduativo quatro tipos de créditos: Os créditos emergentes de prestações laborais, os créditos da Fazenda Nacional, os do Instituto da Segurança Social I.P., CD de …. e o da B...., ora recorrente. Considerou a sentença que o penhor que garante o crédito da credora ora apelante sobre aquele bem só cedia perante o crédito do ISS, IP, CD de ...., porque assim o impunha a norma do art.º 204, nº 2, da Lei nº 110/2009 de 16/09, sem que, quanto aos outros créditos, isso prejudicasse a aplicação da regra geral de que o penhor confere ao credor respectivo prioridade de pagamento perante créditos que apenas beneficiam de privilégio mobiliário geral. Importa desde já adiantar que, neste aspecto, se decidiu com acerto. Se não vejamos. Prescreve o art.º 204, nº 1, do chamado Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro que “Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do nº 1 do art.º 747 do Código Civil.” Por sua vez, o nº 2 deste artigo estatui que “Este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.” Entende a recorrente que esta disposição do nº 2 só teria aplicação quando se verificasse um conflito graduativo exclusivo das duas referidas causas de preferência – a do privilégio mobiliário geral dos créditos do ISS e o penhor. Ora – salvo o respeito devido por quem subscreva tal tese - nem isto resulta da letra da lei - qualquer que seja o ângulo da sua leitura - nem tão pouco se nos afigura que tal ideia haja estado na mente do legislador, sabendo-se como se sabe que só muito raramente com aqueles dois créditos não concorrerão outros igualmente privilegiados, como são os da Fazenda Nacional ou dos trabalhadores. A norma do art.º 204 do CRCSPSS é basicamente idêntica à do art.º 10º do DL 103/80 de 5/05, e, à semelhança do que com esta então sucedeu, não foi acompanhada pela revogação ou alteração do princípio do art.º 749, nº 1, do CC, à luz do qual se proclamava que o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente. Ou seja, o que naquele artigo (como no art.º 10º do DL 103/80) se previu foi a derrogação da explicitada regra do art.º 749, nº 1, do CC, mas apenas no que concerne aos créditos da Segurança Social que gozam de privilégio mobiliário geral. Quanto aos demais – isto é, quanto a todos os outros créditos com privilégio mobiliário geral, nomeadamente os elencados no art.º 747, nº 1, do CC - mantém-se o mesmo princípio: não valem contra o penhor e seguem a hierarquia resultante do Código, que é a do mencionado art.º 747, n.º 1 do CC. Numa linha de aparente perturbação desta ordem de prevalência vêem alguns a prioridade conferida pelo art.º 377, nº 1, al.ª a) e nº 2 al.ª a) do actual Código do Trabalho ao privilégio mobiliário geral dos créditos emergentes de origem laboral. Na verdade, dispõe-se nesse art.º 377: “1 – Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) (…). 2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no nº 1 do art.º 747 do Código Civil; b) (…).” Numa primeira abordagem, parece resultar do confronto destas normas que os créditos laborais deveriam ser pagos sempre à frente dos créditos da Segurança Social, atenta a prioridade do respectivo privilégio mobiliário geral que claramente decorre das expressões “antes” da alínea a) do nº 2 do art.º 377 do CT e “ nos termos referidos” do nº 1 do art.º 204 do CRCSPSS. Esta preferência colidiria, porém, com a prevalência da que derivaria do penhor, dado que este cederia perante o privilégio mobiliário do crédito da Segurança Social. É que interpondo-se um crédito garantido por penhor, preferiria o crédito da Segurança Social, embora sobre este preferisse o crédito laboral, o qual, por sua vez, não prevaleceria diante daquele crédito (o garantido por penhor), conforme o art.º 749, nº 1 do CC. Há que discernir, no entanto, o que terá sido o efectivo desiderato do legislador, tendo em conta o princípio ínsito no art.º 9º, nº 3. do CC, de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e se exprimiu o seu pensamento em termos adequados”.
Com esse fim, não se deve perder de vista, desde logo, a circunstância de, já depois da publicação do actual Código do Trabalho, em 27 de Agosto de 2003, o legislador do CRCSPSS de 2009 ter conservado a precedência do privilégio mobiliário dos créditos da Segurança Social sobre o penhor anteriormente constituído. O que só pode significar que, não podendo ignorar a já falada regra geral da ineficácia dos privilégios mobiliários gerais do art.º 749, nº 1 do CC, também não podia deixar de estar ciente de que, com a hierarquização assim delineada, forçosamente situava o privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social numa situação de primazia relativamente a todos os outros créditos dotados do mesmo privilégio, incluindo os créditos mencionados no art.º 377, nºs 1, al.º a) e nº 2, al.ª a) do CT. A isto acresce ainda a importância social de que cada vez mais acentuadamente se reveste a garantia mobiliária e imobiliária dos créditos da Segurança Social e que esteve na origem das disposições dos art.ºs 204 do CRCSPSS e do art.º 10 do DL 103/80 de 9/05. Não é despiciendo o trazer aqui à colação o valor extraordinariamente decisivo que hoje assume para o Estado e para os cidadãos a sustentabilidade da segurança social, a qual, pela sua enorme repercussão social, em muito sobreleva o direito individual às retribuições fundadas no contrato de trabalho. Como a este propósito se escreveu no Ac. do STJ de 16 de Dezembro de 2009, relatado pelo Ex.mo Cons. Fernando da Costa Soares, disponível na versão on line da Col. Jur. “A segurança social é, em última análise, o último baluarte da confiança que os cidadãos depositam no Estado, de que o trabalho em que se foi desdobrando a sua vida não deixará de ser reconhecido e compensado; por isso, mesmo os próprios trabalhadores, enquanto activos, descontam para a segurança social. Aquela confiança tem pleno assento e garantia no art. 2.º da C.R.P.. Se os trabalhadores merecem toda a protecção que a lei lhes confere, não a merece menos a segurança social, ora plasmada no ISS; e, pelos altos valores sociais que este último prossegue - valores cujo correspondente direito se encontra consagrado no citado art.63.º da Constituição - é logicamente inevitável que são eles que têm de consubstanciar a cúpula, a nível dos créditos ora em questão, da protecção que o legislador lhes quer conferir”. Neste quadro, não nos repugna admitir que, ao atribuir-se aos créditos laborais com privilégio mobiliário geral a prioridade aludida no art.º 377, nº 2, al.ª a) do CT na graduação diante “dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747 do Código Civil”, não se tenha querido dizer mais do que isso mesmo, isto é, que há uma preferência quanto aos créditos ali concretamente elencados, e não quanto a quaisquer outros, nomeadamente aos que a eles são de algum modo equiparados. Ora o art.º 204, nº 1, do CRCSPSS só determina que a graduação dos créditos da Segurança Social se faça “nos termos referidos na alínea a)” do mesmo número. Por conseguinte, da conjugação deste preceito com o acima referido – o do art.º 377, nº 2, al.ª a) do CT - não se pode retirar a vontade do legislador em remeter estes créditos para uma posição subalterna face aos créditos laborais. Em consequência, podemos concluir que não há afinal verdadeira colisão entre estas normas, a obstar a que os créditos da Segurança Social, por preferirem ao crédito com penhor anterior, e por força dessa prevalência, sejam pagos antes dos créditos laborais. Donde que se possa afirmar que, no jogo das normas da lei ordinária acima aludidas, ao colocar os créditos do ISS, IP - CD de .... em primeiro lugar, o crédito garantido por penhor da recorrente Caixa Económica em segundo lugar, e só depois os créditos laborais, a graduação operada pela decisão recorrida se revele, à luz do art.º 9º, nº 3, do CC, como a solução mais acertada. Sem embargo de, perante o que se deixou dito, não ser possível afirmar que uma tal solução tenha sido expressa nos termos mais adequados. De todo o modo, o privilégio que atribui preferência ao pagamento dos créditos da Segurança Social está balizado pelos 12 meses anteriores ao início do processo de insolvência, uma vez que o art.º 97 nº 1 a) do CIRE impõe a extinção dos privilégios creditórios gerais constituídos antes desse período que acompanhem os créditos sobre a insolvência de que forem titulares, entre outros, as instituições de segurança social. Assim sendo, só poderão ser graduados preferencialmente os créditos do ISS, IP – CD de .... abrangidos por aquele espaço temporal, pelo que a graduação a fazer deve ter em conta essa limitação.”. Sobre a inconstitucionalidade da norma do art.º 204, nº 2 da Lei nº 110/2009 de 16/09. Porém, além da interpretação proposta no quadro da lei ordinária, suscita também a recorrente a inconstitucionalidade da norma do art.º 204, nº 2, do CRCSPSS por ofensa dos princípios da confiança e segurança jurídicas ínsitos no art.º 2º da Const. da República, socorrendo-se da doutrina analogamente lançada pelo Ac. do TC nº 363/2002 de 17/09/2002 para a não preferência do privilégio imobiliário geral previsto no art.º 11 do DL 103/80 de 9/05 diante da hipoteca, com recurso ao disposto no art.º 751 do CC.
Com efeito, chamado a pronunciar-se sobre a eventual desconformidade com a lei fundamental do art.º 11 do DL 103/80, de 9/05 – equivalente ao actual art.º 205 do CRCSPSS –, interpretado à luz do art.º 751 do CC, veio aquele Tribunal a declarar a respectiva inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por virtude da preferência ali estatuída (e no art.º 2º do DL 572/76 de 3 de Julho), fundando-se na violação do princípio da confiança ínsito no art.º 2º da CRP. Louva-se igualmente a apelante na orientação que cita como perfilhada por Miguel Lucas Pires, (Na sua obra “Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua influência no concurso de credores”, p.132-134.), de acordo com a qual “os fundamentos utilizados pelos arestos que consideraram inconstitucional a aplicação do regime do art.º 751 do CC aos privilégios imobiliários da segurança social – a falta de publicidade, a falta de conexão sobre o bem que recai a garantia e a causa do crédito, a inexistência de limite temporal e a existência de garantias alternativas – são perfeitamente extensíveis ao regime delineado pelo nº 2 do art.º 10º para os privilégios mobiliários gerais”. Cremos, todavia, que a extensibilidade propugnada não é tão solidamente defensável (Salvaguardada a deferência devida, pensamos que os invocados fundamentos se traduzem antes em meros argumentos, porquanto o único fundamento da inconstitucionalidade está no entendimento de que o art.11 do DL 103/80 – hoje art.º 205 do CRCSPSS – atenta contra o princípio da confiança plasmado no art.º 2º da CRP por postergar a preferência da hipoteca registada anteriormente diante do privilégio imobiliário geral atribuído ao crédito da Segurança Social). E que o não é demonstram-no logo, de forma autêntica, dois Acórdãos do TC que entretanto se debruçaram exactamente sobre este mesmo tema: os Ac.s nº 64/09 de 10/02/2009 e nº108/09 de 10/03/2009, disponíveis in. www.tribunalconstitucional.pt. Este último aresto preocupou-se inclusivamente em desmontar a argumentação expendida por aquele autor, acabando por concluir que, diferentemente do que acontecia com o Ac. 363/2002 de 17/09/2002, três dos fundamentos ali avançados não se verificavam com o art.º 11 do DL 103/80: havia um limite temporal do privilégio (o do art.º 97, nº 1, al.ª a) do CIRE), não havia garantia alternativa (no caso do privilégio imobiliário existia a possibilidade de hipoteca legal do art.º 12 do DL 103/80) e não ocorria a frustração da fiabilidade do registo (que ocorria sempre com a hipoteca). E para desvalorizar o que teve por o “único fundamento extensível” - a falta de conexão entre o bem sobre que recai a garantia e a causa do crédito – procurou o mesmo aresto evidenciar que não se detectavam os pressupostos necessários à violação do princípio da confiança no Estado de Direito da seguinte forma: “Este Tribunal tem entendido que o princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático (artigo 2º da CRP), é violado apenas quando haja uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos (cf., entre muitos outros, Acórdãos n.º 287/90, 303/90, 625/98, 634/98, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Seguindo o critério do Acórdão n.º 287/90: «A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios: a) A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e, ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se aqui ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no nº 2 do artigo 18º da Constituição, desde a 1ª revisão). Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária». Na verdade, o Tribunal Constitucional tem entendido que há um desrespeito do princípio da confiança, estrutural do Estado de direito democrático, quando se comprove ter existido uma afectação arbitrária ou demasiado onerosa de expectativas legitimamente fundadas dos cidadão (cfr. p. ex. os Acórdãos nº 625/98, nº 634/98, disponíveis in.www.tribunalconstitucional.pt ). Porém, no caso do art.º 204, nº 2, da Lei 110/2009, de 16 de Setembro, de forma alguma se pode asseverar que com ele se processou uma inesperada e intolerável mutação na ordem jurídica. É que não só há muito que o privilégio mobiliário geral da Segurança Social por contribuições e respectivos juros está legalmente consagrado, como, inclusivamente, há várias décadas que está claramente posicionado uma situação de primazia relativamente ao penhor anteriormente constituído. Já o art.º 14 do DL nº 38.538 de 24 de Novembro de 1951 prescrevia que os créditos por contribuições devidas a caixas sindicais de previdência, caixas de reforma ou de previdência e caixas de abono de família gozavam de privilégio mobiliário geral, o qual persistiu com o art.º 167 do DL nº 45 266 de 23 de Setembro de 1963, com o art.º 1º do DL nº 512/76 de 3 de Julho, e com o art.º 10º do DL 103/80 (embora se registassem dúvidas com o diploma que fez entrar em vigor o Cód. Civil de 1966, mais exactamente com o texto do artigo 8º do diploma que o aprovou, ou seja, o Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966). E desde o DL nº 512/76 que se acha expressamente consignada a prevalência do privilégio geral sobre o penhor (mesmo anteriormente constituído). Mas a questão do alcance da atribuição dos privilégios mobiliários e imobiliários aos créditos da Segurança Social pode e deve ser vista ainda por outro prisma. Ninguém negará que a concessão de um determinado privilégio creditório, porque sempre dispensado de registo e normalmente independente do momento da constituição do crédito que dele beneficia, representa, em si mesma, uma forma de distinção do credor que com ele é contemplado, excluindo-o da regra par conditio creditorum. Corresponde a um interesse público relevante, que coloca o crédito respectivo num plano de uma inequívoca superioridade relativamente aos demais créditos titulando interesses particulares ou individuais. É patente que, através das regras dos art.ºs 749 a 751 do C.Civil, o legislador de 66 procurou temperar e regular a actuação dos privilégios creditórios perante direitos reais de terceiro oponíveis ao exequente. Sem dúvida que o Ac. do TC nº 363/2002 impediu a supremacia do privilégio imobiliário geral atribuído aos créditos da Segurança Social sobre a hipoteca anteriormente registada, mercê de uma norma que os equiparava aos privilégios especiais do art.º 751 do CC. Mas o mesmo TC não foi ao ponto de considerar que o interesse público excepcional no pagamento preferencial dos créditos da Segurança Social, quando apenas estejam em causa direitos reais sobre móveis sujeitos ou não a registo – como é o caso do penhor – não deve conduzir ao sacrifício destes direitos, mesmo que anteriormente constituídos. Nesta hipótese, aquele interesse público excepcional sobreleva as eventuais (mas infundadas) expectativas dos particulares, ainda que cobertas pela “segurança” imanente ao registo. É que o registo predial visa proteger a segurança de direitos perante outros que com eles estão em relativo pé de igualdade, o que não se passa entre o direito do credor pignoratício e os direitos da Segurança Social. Não é a protecção da “confiança” constitucionalmente consagrada que se manifesta com peso suficiente para postergar o interesse da sociedade na satisfação destes direitos. Em suma, não procede a questão da recorrente atinente à violação do princípio da confiança, ínsito no art.º 2º da Constituição da República Portuguesa, pelo artigo 204, nº 2, da Lei 110/2009, na medida em que confere ao privilégio mobiliário geral de que gozam os créditos da Segurança Social por contribuições e os respectivos juros de mora primazia sobre o penhor, mesmo que de constituição anterior.”.
Em suma, valendo também nos presentes autos a argumentação acabada de transcrever, bem decidiu pois o Tribunal “a quo” quando graduou os créditos reconhecidos da forma que consta a páginas 13, 14, 15 e 16 da sentença ora recorrida.
Por isso e improcedendo como improcede o recurso aqui interposto pela apelante Banco C…, S.A., impõe-se confirmar sem mais tal decisão.
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença recorrida.
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Custas a cargo da credora/apelante Banco C…, S.A. (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 9 de Maio de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço, (vencido conforme declaração que se segue)
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Declaração de Voto
Confirmo a sustentar a posição que defendi no acórdão citado no texto deste acórdão, aliás em conformidade com o acórdão ali também citado em que foi relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador Vieira e Cunha (Processo n.º 1211/17.5T8AMT-E.P1).