Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ALIMENTOS A FILHO MAIOR
Sumário
- da articulação ou concatenação do prescrito nos artigos 639.º e 640.º, do Cód. de Processo Civil, resulta que, aquando da apresentação de pretensão recursória, o ónus principal a cargo do recorrente exige, pelo menos: - a indicação nas conclusões recursórias, com precisão, dos concretos pontos de facto da sentença que são objecto de impugnação, ou seja, cuja modificação é pretendida pelo recorrente, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto ; - a indicação expressa, na motivação ou corpo alegacional, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, ou seja, relativamente a cada questão de facto impugnada ; - não constando das conclusões recursórias apresentadas qualquer indicação, por mínima que seja, dos concretos pontos de facto da sentença apelada que são objecto de impugnação, isto é, dos pontos factuais que a Recorrente pretende ver modificados, e sendo certo que esta não permite o apelo a despacho de aperfeiçoamento, impõe tal omissão, nos termos da alínea a), do nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, a total rejeição da apelação interposta, relativamente à impugnação da matéria de facto ; - a enunciação dos temas da prova, legalmente prevista no nº. 1, do artº. 596º, do Cód. de Processo Civil, configura-se, apenas, como um guião da instrução e do julgamento, e não quaisquer quesitos sobre os quais incidirá decisão sobre a matéria de facto ; - com efeito, a delimitação do julgamento ou exame da causa, no que concerne à vertente fáctica, é antes fornecido pelos factos principais ou essenciais, que provêm dos articulados das partes, não produzindo a fixação dos temas da prova qualquer caso julgado formal ; - os Alimentos, enquanto instituto jurídico, fundam-se ou alicerçam-se num princípio de solidariedade familiar, ao qual subjazem exigências de mútua ajuda, socorro, apoio económico e concessão de estados de conforto, que recai sobre todos os membros da família, configurando-se como um vínculo emergente de uma das relações jurídico-familiares previstas no art. 1576º do Cód. Civil ; - nesse quadro de obrigação alimentícia entre parentes figura especialmente o dever recíproco de assistência entre pais e filhos, traduzido como um dos principais deveres decorrentes da filiação, que é legalmente traduzido no art.º 1874º ; - tal dever assume especial relevância no que toca às relações entre pais e filhos existentes para além do campo das responsabilidades parentais, ou seja, na fase que sucede a maioridade ou emancipação dos filhos, estabelecendo os deveres que vinculam pais e filhos durante toda a vida ; - in casu, o fundamento da obrigação de alimentos reclamada pela Autora filha funda-se ou reside na sua alegada carência económica, mas não a resultante da necessidade de prosseguir a sua formação profissional. Ou seja, não está em equação a aplicabilidade do artº. 1880º, previsto para as situações de incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação enquanto prossegue a sua actividade formativa ; - efectivamente, o que funda a pretensão deduzida é, antes, o mútuo dever de assistência enunciado no artº. 1874º, em concatenação com a obrigação alimentícia prevista no transcrito artº. 2009º, ambos do Cód. Civil, com base num princípio de solidariedade familiar, em que estão em equação exigências de socorro e ajuda mútuos, de forma a garantir a subsistência dos seus membros ou seja, e in casu, a subsistência da Autora.
Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Texto Integral
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]: I–RELATÓRIO:
1 – DM..., residente na Rua da L..., nº..., V... S... – N..., intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum (acção de alimentos), contra JM..., residente na Praceta C... V..., nº..., ...º Esqº..., M... – Q..., pedindo a sua condenação a pagar-lhes quantia não inferior a € 320,00 (trezentos e vinte euros), actualizável anualmente de acordo com o índice de preços no consumidor, devendo ainda considerar-se que os alimentos são devidos desde a propositura da acção.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte: – A autora nasceu em 24/05/1995, e é filha de AP... e de JM... ; – não se encontra a estudar, tendo concluído a sua formação académica com a finalização do ensino secundário ; – Vive com a sua mãe AP... e com a irmã mais nova AM... ; – Desde o dia 9 de Fevereiro de 2015 que não reside com o seu pai, o qual deixou a casa que era a de morada da família, e onde ficaram a residir a autora, a mãe e a irmã menor de idade ; – O pai e a mãe da autora divorciaram-se no passado mês de Julho, tendo ainda sido regulado o exercício das responsabilidades parentais da irmã mais nova da autora, filha dos mesmos pais ; – vive desde a separação de facto dos seus pais totalmente dependente em termos económicos apenas da sua mãe, pois o pai não contribui desde a sua saída da casa de morada da família com qualquer valor para a sobrevivência e despesas da filha aqui autora ; – a Autora não está a trabalhar, nem tem condições físicas e de saúde que lhe permitam uma ocupação profissional remunerada ; – sendo uma pessoa doente com uma doença incapacitante, que limita a sua possibilidade de se autonomizar em termos financeiros ; – Sofre de doença de Crohn penetrante localizada no ileon, sendo que a deficiência de que é portadora confere-lhe uma incapacidade permanente global de 64%, susceptível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2017 ; –Tem tido graves crises que conduzem a diversas situações de internamentos por curtos e por longos períodos ; – tentou iniciar a actividade laboral mas os problemas de saúde são graves e limitadores e viu-se obrigada a desistir ; –Todas as despesas da autora estão a ser suportadas pela sua mãe, pessoa que vive com graves dificuldades económicas ; –A autora tem tratamentos obrigatórios de 6 em 6 semanas, deslocando-se propositadamente de Vilar Seco a Viseu e regresso a casa, no carro da mãe ; –tem necessariamente de ter uma alimentação muito cuidada, com alimentos específicos e de boa qualidade ; –necessita assim para a sua sobrevivência com um mínimo de dignidade e com tratamento e acompanhamento do seu grave problema de saúde de quantia mensal que ronda o valor de € 550,00 ; –Recebe apenas a requerente uma pequena ajuda da Segurança social, por força do seu problema incapacitante, que ronda os € 112,00 mensais ; – O Réu tem uma situação económica estável ; – É funcionário da CP há muitos anos e trabalha como operador de venda e controlo, tendo como retribuição o valor que ronda os € 1.500,00 mensais ; –Tem o réu o dever de prestar alimentos à filha doente e capacidade muito superior à da mãe da autora para contribuir para a sobrevivência da filha ; –A presente acção é interposta apenas contra o obrigado a alimentos que não tem contribuído para a sobrevivência da descendente e filha ; –A capacidade financeira dos dois progenitores é diversa, pelo que diferente deverá ser a contribuição de cada um deles para a filha maior.
2 – Devidamente citado, veio o Réu apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte: – A DM... deixou de estudar, optando pelo mercado de trabalho, onde já exerceu actividade remunerada ; – A doença que a mesma sofre, apesar de poder limitar a mesma nalgumas actividades, não impede a mesma de trabalhar, se a mesma levar uma vida calma, e com uma alimentação adequada ; – mediante este quadro clínico, não vislumbramos a incapacidade para o trabalho ; – até ao divórcio o seu progenitor, liquidou sempre os encargos com a habitação do agregado familiar ; – A DM..., é uma jovem que tem vários hábitos pouco saudáveis, a mesma fuma e faz várias saídas nocturnas, o que pode provocar a existência da agravação da sua doença, causando períodos mais prolongados da agudização da sua doença ; – Desde a separação dos seus progenitores que a DM... se recusa a falar com o pai, bem como receber as visitas do mesmo, apenas se lembrando do mesmo para pedir dinheiro ; – Efectivamente, cabe aos progenitores o sustento dos seus filhos, enquanto estes não têm capacidade de os obter por via do seu trabalho, ou se encontrem a concluir os seus estudos, o que não é o caso em apreço ; –O requerido, é doente oncológico, estando com uma incapacidade de 60%, tendo mudado de serviço, para poder continuar a exercer a sua actividade profissional ; –O requerido aufere o rendimento mensal base de € 994,97 (novecentos e noventa e quatro euros e noventa e sete cêntimos) ilíquidos ; – Paga € 150,00 de pensão á filha mais nova, para além de água, luz, gás, medicamentos e alimentação ; –Pelo que não possui capacidade financeira para prestar alimentos á sua filha DM.... Conclui, no sentido da improcedência da acção, devendo considerar-se provada a incapacidade do mesmo prestar alimentos. 3 – Conforme despacho datado de 19/06/2017 – cf., fls. 145 -, nos termos do artº. 590º, nºs. 2, alín. b) e 4, do Cód. de Processo Civil, foi o Réu convidado a apresentar novo articulado , de forma a concretizar alguns pontos factuais, o que veio fazer, conforme fls. 147 a 149. 4 – Por despacho de fls. 157 a 160 foi fixado o valor da causa, dispensada a realização de audiência prévia, proferido saneador stricto sensu e julgada verificada nulidade secundária, declarando como não escrita parte da matéria factual constante da contestação aperfeiçoada.
Foi, ainda: – identificado o objecto do litígio - se sobre o Réu recai a obrigação de prestar alimentos à Autora, ao abrigo do dever geral de assistência vigente entre pais e filhos e, em caso afirmativo, qual a respectiva medida ; – enunciados os temas de prova – a)- Da incapacidade laboral da Autora; b)- Das necessidades da Autora para prover à sua subsistência; c)- Da capacidade económica/financeira do Réu. – apreciados os requerimentos probatórios ; – e programados os actos da audiência final. 5 – A designada audiência final veio a realizar-se conforme actas de fls. 204 a 207 e 209 a 214, com observância do legal formalismo, tendo-se posteriormente, em 17/07/2018, proferido sentença – cf., fls. 215 a 229 -, traduzindo-se o Dispositivo nos seguintes termos: “Face ao exposto, o Tribunal decide julgar improcedente a presente acção, por não provada e, em consequência decide: - absolver o Réu JM... do pedido. *** As custas da acção são da responsabilidade da Autora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Registe e notifique”. 6 – Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 01/10/2018, por referência à sentença prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES: “a)- não pode a recorrente aceitar a decisão do tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento de prestação de alimentos à filha maior; b)- dos factos dados como provados tem de resultar decisão diversa, porquanto provado ficou que a autora sofre de doença de crohn penetrante localizada no ileon, que desde 2012 tem tido crises relacionadas com a doença de que padece, as quais determinam internamentos por curtos e longos períodos; c)- de igual modo ficou provado que se encontra desempregada, que está inscrita no centro de emprego, que já teve empregos anteriores onde esteve por curtos períodos, que tem de se deslocar com periodicidade ao Hospital de Viseu para consultas médicas, tratamentos e administração de injecções; d)- ficou demonstrado que tem comportamentos adequados à doença de que padece, e que ao contrário do alegado pelo pai não fuma, não consome bebidas alcoólicas e não tem saídas nocturnas; e)- ficou provado que várias juntas médicas atestaram a incapacidade para o trabalho em percentagem igual e superior a 60%; f)- caso subsistam duvidas sobre a capacidade da autora para exercer actividade laboral remunerada, deverá decidir-se a realização de perícia que decida sobre esta questão fundamental e que sendo importante para a decisão da causa ainda poderá ser determinada nesta fase; g)- ficou provado que recebe valor da segurança social por força da sua doença, correspondente ao abono com a majoração de deficiência ; h)- de igual modo ficaram provadas nos autos as suas despesas, as dificuldades financeiras da mãe com quem vive e que é operária fabril e aufere o salário mínimo nacional, estando declarada insolvente; i)- deu o tribunal a quo como provadas as despesas da autora e do seu agregado familiar, os rendimentos da mãe da autora, e ainda as despesas e rendimentos do réu; j)- resulta de forma notória que o réu tem capacidade financeira para auxiliar a sua filha e que esta tem necessidade de contar com esses alimentos do pai ; k)- a decisão recorrida ao decidir de forma diversa, concluindo pela improcedência da acção e pela absolvição do réu do pedido, com custas a cargo da autora, violou as regras processuais aplicáveis a este tipo de acções e desrespeitou a legislação em vigor; l)- desde logo, o tribunal a quo não teve em linha de conta que o réu na sua contestação não impugnou factos alegados na petição inicial, pelo que os mesmos terão de ser considerados como confessados; m)- depois não se teve em conta que o réu na sua contestação limita o seu pedido apenas à sua alegada incapacidade de prestar alimentos “ deve a presente acção ser julgada improcedente, por provada a incapacidade de o mesmo prestar alimentos”, reconhecendo assim que no demais estão preenchidos os requisitos para essa obrigação e não há causa de exclusão da obrigação, com todas as legais consequências ;
n)- acresce que os temas de prova foram estabelecidos no despacho saneador, que foi notificado ás parte e transitou em julgado e nestes apenas se incluíram os seguintes: a)- da incapacidade laboral da autora; b)- das necessidades da autora de prover à sua subsistência; c)- da capacidade económica/financeira do réu;
o)- ficou excluído dos temas de prova qualquer factor de exclusão da obrigação relativo a comportamentos da autora, estando pois excluída a possibilidade de em sede de decisão judicial se considerar esse elemento; p)- ademais, não teve o tribunal de primeira instância uma capacidade de interpretação dos factos adequada à realidade fáctica em causa, porquanto a situação pessoal de uma jovem de pouco mais de 20 anos que procura o seu emprego, que é doente e passa longos e curtos períodos internada e que tem toda a sua vida limitada e onerada com os efeitos da doença, das consultas e dos tratamentos não foi considerada na devida medida; q)- caso a autora estivesse inserida na vida activa, com um contrato de trabalho sem termo e tivesse o problema de saúde que a fragiliza de forma grave, outra seria a sua situação financeira, porquanto poderia ter a assistência na doença e receber baixa médica nos períodos de internamento e de crise e ter as faltas justificadas no trabalho para consultas, fisioterapia, injecções e outros tratamentos; r)- porém a recorrente estava e está no inicio da sua vida activa e não consegue ingressar no mundo do trabalho, por causa das suas limitações físicas, das suas crises, das faltas que tem de dar, das idas muito frequentes à casa de banho, das fortes dores e mal estar; s)- o atestado de incapacidade e os relatórios do hospital não podem deixar margem para duvidas, quanto ao percurso de vida desta jovem e à sua incapacidade para exercer uma actividade laboral que lhe permita a sua subsistência, não podendo considerar-se como não provada esta incapacidade sendo a fundamentação de todo errada como decorre das regras da experiência comum e das circunstâncias concretas da jovem em causa; t)- invocar que a ré pode trabalhar a partir de casa e com os meios informáticos ter actividade que lhe permita sobreviver é ignorar que a recorrente é uma jovem sem experiência profissional, sem conhecimentos informáticos, sem possibilidades financeiras de adquirir esses conhecimentos, sem computador, sem acesso à internet e sem possibilidades económicas para os ter, e que vive numa aldeia pequena no concelho de nelas, onde a procura de certos serviços domésticos e outros é inexistente; u)- ademais as limitações de movimentação dos membros superiores e o uso intensivo do teclado de um computador é de todo impraticável para quem sofre de artrite reumatóide como se demonstrou ser o caso da autora; v)- acresce que o tribunal a quo ao concluir que ao abrigo do disposto no artigo 1874 do código civil se deve excluir a obrigação do pai de pagar alimentos à filha por esta se recusar a falar com o mesmo, reconhece que tal dever existe no caso concreto, o que expressamente se invoca; w)- não se estando in casu perante uma violação grave dos deveres de respeito da filha para com o pai, porquanto este corte de relação é de todo ultrapassável, assim o pretenda o pai, porquanto existia um forte relacionamento entre ambos, como o réu reconheceu nas suas declarações e foi por força da saída inesperada do réu da casa de morada da família que esta situação surgiu; x)- a autora era na data do abandono da família por parte do aqui recorrido uma jovem de 19 anos, a filha mais velha do casal, que de um dia para o outro se vê sem o pai em casa e com a mãe, a própria e a irmã mais nova sem terem forma de sobreviver e com muitas despesas para suportar; y)- o adulto na relação é o pai e teria e terá de ser este a encontrar forma de restabelecer os contactos, situação para a qual não contribui de forma positiva a postura ao longo deste processo, pois que a filha sente-se injustiçada, abandonada, colocada de parte e atacada pelo pai com factos que lhe imputa – tabaco, álcool, vida nocturna – que não correspondem à verdade; z)- no caso concreto, o afastamento tem comportamentos do réu que estão na base do corte de relacionamento, não sendo uma situação que não seja ultrapassável e cabendo ao pai o papel mais activo nesse reatar de relações; aa)- nestes termos, deverá decidir-se a final que se verificam os requisitos de que a lei faz depender a obrigação de prestar alimentos a filho maior, fixando-se o valor mensal a pagar pelo pai à filha, com efeitos retroactivos a 28 de Maio de 2015”. Conclui, no sentido do provimento do recurso, “decidindo-se pela procedência total da acção, condenando-se o réu no pagamento da obrigação de alimentos à filha maior aqui recorrente, em montante não inferior a € 320,00 mensais ou no montante que esse venerando tribunal da relação considerar adequado ás necessidades da filha e ás possibilidades do pai, e com efeitos retroactivos à data que se considera como a da entrada da acção – 28 de Maio de 2015”.
7 – O Apelado/Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1.– Este recurso não tem por objecto a reapreciação da matéria de facto, que a Recorrente aceita, limitando-se a sua discordância ao facto de, a partir da mesma “(…) ter de resultar decisão diversa, porquanto provado ficou que a autora sofre de doença de crohn penetrante localizada no ileon, que desde 2012 tem tido crises relacionadas com a doença de que padece, as quais determinam internamentos por curtos e longos períodos “– B) das Conclusões; 2.– Nesta conformidade, circunscrevendo-se o recurso a apreciar o modo como o julgador da 1º instância aplicou o direito, constata-se, desde já, que a Recorrente não cumpriu as indicações consignadas no nº 2 do artº 639º do CPC (als a), b) e c) ), não sendo suficiente alegar que a decisão recorrida “(…) violou as regras processuais aplicáveis a este tipo de acções e desrespeitou a legislação em vigôr “ – K) das Conclusões; 3.– Por outro lado, defende a Recorrente que, considerando o elenco dos “ Temas da Prova “ fixados, não podia o tribunal “ a quo “, considerar na sua decisão “(…) qualquer factor de exclusão da obrigação ( por parte do Recorrido/Pai ) relativo a comportamentos da autora (…)” - O) das Conclusões – nomeadamente, que “ desde data anterior à separação dos seus progenitores a Autora se recusa a falar com o Réu, bem como, desde a separação, a receber as visitas do mesmo e apenas se lembra do réu para pedir dinheiro “- 43 / dos Factos Provados; 4.– Porém, estes factos não só foram alegados pelo Réu ( artº 7º quer da primitiva contestação – refª 98609574 -, quer da contestação aperfeiçoada – refº 10184442 ), constituindo matéria de excepção ( nº 3 do artº 576ºdo CPC ), como, estão conexionados com qualquer um dos temas da prova relevando, o seu apuramento, para qualquer uma das possíveis soluções de direito; 5.– Por isso, a prova, não pode, por um lado, deixar de incidir, “(…) sobre os factos essenciais que, directa e nuclearmente se reportem ao objecto do processo, entendido este tanto na perspectiva da acção como na da defesa (…)”, como, e não pode, também, deixar de incidir “(…) sobre outros que, embora mediata ou indirectamente relacionados, são necessários ou instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material “- Ac. TRE de 25/01/2018 – Proc.1180/11.5CTXB.E.1 – Relatora : Albertina Pedroso, in www.dgsi.pt! 6.– Neste contexto, associando a factualidade elencada em 43 / dos Factos Provados, com o facto da Recorrente ser, já, adulta, não resta, senão concluir que, “(…) o seu comportamento constitui uma violação grave dos deveres de respeito para com o Réu (cfr. n.º 1 do art. 1874.º do Código Civil), tanto mais que não resulta dos autos que para além da ruptura do relacionamento dos pais, o Réu tivesse tido outro comportamento que desse causa a essa recusa em falar (…)” – sentença recorrida, IV – O Direito; 7.– Quanto à doença de que a Recorrente padece (doença de Chron penetrante localizada no ileon - 12 / A - Factos Provados ), encontra-se, a mesma, em situação de remissão clínica desde Janeiro de 2017( 40 / A - Factos Provados ), não estando a Recorrente impedida de trabalhar em toda e qualquer actividade ( 41 / A – Factos Provados ), tendo, no apuramento destes factos, sido determinante “(…) o depoimento da testemunha MS..., médica gastroenterologista, a exercer funções no Hospital de S. Teotónio, em Viseu, a qual revelou conhecimento directo desta matéria, não só pela sua formação académica e actividade profissional, mas também por que acompanha clinicamente a Autora desde que esta tinha 17 anos de idade - 15. A - Factos Provados - ( ao contrário da médica subscritora do relatório junto com a ref.ª 2516434 do p. e.) – C. Motivação da Decisão de facto ; 8.– Não obstante, a Recorrente, apenas, trabalhou num café em Viseu, pelo menos durante um mês e num supermercado em Nelas, durante uma semana, tendo, porém, desistido de continuar a exercer ambas as actividades (42 /A - Factos Provados), sem que se tivesse provado que isso tivesse ocorrido “(…) em virtude dos problemas de saúde de que padece “ - B. Factos não provados iii); 9.– A incapacidade permanente global atribuída à Recorrente (64%, que em 2012 e 60%, em 2017 ) - ( 13 e 14 / A - Factos Provados ), corresponde ao chamado Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica com repercussão nas actividades da vida diária ( actividades familiares e sociais ), e é independente da capacidade, ou incapacidade, para o exercício da actividade profissional ( como, aliás, decorre do depoimento da testemunha MS... que não considerou estar a Recorrente incapacitada de trabalhar ); 10.– Aliás, o Recorrido é doente oncológico ( 44. / A - Factos Provados ), tendo-lhe sido, também, atribuída uma incapacidade permanente global de 60% ( 45. / A – Factos Provados ), e a verdade é que tem uma vida profissional activa ( 54, 55 a 57, 59 a 61.2 /A - Factos Provados ); 11.– Nesta conformidade, “(…) ainda que se admita que da doença da Autora possam resultar limitações, também deve recair sobre esta o esforço de procurar ajustar o seu perfil (v.g. ao nível da formação académica) às suas condições, sobretudo num mercado cada vez mais tecnológico, em que muitas vezes é possível trabalhar a partir de casa (…)”, o que, no caso em apreço não acontece, porquanto “(…) a inserção laboral que resulta do ponto 42. dos factos provados é manifestamente insuficiente para se poder afirmar que foi feito um esforço sério e que se encontram totalmente esgotadas todas as possibilidade da Autora se inserir no mercado de trabalho “ – sentença recorrida, IV – O Direito, 12.– Por outro lado, a Recorrente está inscrita num Centro de Emprego (vd. declaração junta com a ref.ª 2516434 do p. e.), reconhecendo, assim, que se encontra apta para o trabalho; 13.– Face ao exposto, a Recorrente não logrou provar que se encontra incapacitada de trabalhar e de se sustentar, o que deverá determinar a improcedência da sua pretensão e, consequentemente, a manutenção da decisão recorrida!”. Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso, devendo manter-se a sentença proferida, com as legais consequências.
8 – O recurso foi admitido por despacho datado de 14/02/2019, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
9 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ***
II–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a)- As normas jurídicas violadas ; b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento dasseguintes questões: 1.– DA EVENTUAL PERTINÊNCIA DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO, nos quadros do artº. 662º, do Cód. de Processo Civil, por referência a factos alegados na petição inicial, alegadamente não impugnados, o que poderá implicar, prima facie, a REAPRECIAÇÃO DA PROVA ; 2.– Seguidamente, aferir acerca da SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica apreciação do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA. ----------
Aprioristicamente, e na oficiosa ponderação das conclusões recursórias apresentadas pela Apelante, urge, ainda, conhecer acerca da seguinte questão: – Do aparente incumprimento do disposto no artº. 640º, nºs 1, conducente à rejeição do recurso interposto. -------- QUESTÃO PRÉVIA: do aparente incumprimento do disposto no artº. 640º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, conducente à rejeição do recurso interposto Sob a alínea L) das conclusões recursórias, invoca a Apelante que o Tribunal a quo não teve em conta que o Réu, na sua contestação, não impugnou factos alegados na petição inicial, pelo que os mesmos terão que ser considerados confessados. O Apelado, por sua vez, nas contra-alegações recursórias não vislumbra que o recurso interposto tenha por objecto qualquer reapreciação de facto. Decidindo: Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “ 1 – A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 – A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a)- Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b)- Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c)- Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d)- Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”. Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “ 1– Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2.– No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b)- Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 – O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”. Presentemente, o sistema vigente nas situações em que o recurso de apelação envolve a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, implica que “relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos”. E, ainda que “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”. Acrescentando, ainda, dever ainda o Recorrente deixar “expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente” (sublinhado nosso). Pelo que deve ocorrer rejeição, total ou parcial, do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, sempre que se verifique “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº. 1, al. a))”, servindo igualmente esta especificação “para delimitar o objecto do recurso”. Bem como deve ainda ocorrer igual rejeição, total ou parcial, na “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”. Assim, ainda que se reconheça dever interpretar-se tais exigências legais à luz de um necessário critério de rigor, como consequência ou decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, se “em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão da matéria de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido o ónus de alegação neste campo. A indicação exacta das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência legal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos” [2]. Acrescenta, todavia, o mesmo Ilustre Conselheiro, importar que “não se exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”. E, citando douto aresto do STJ de que foi Relator [3] aduz ser “necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material”, aludindo, ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, a uma “tendência consolidada no sentido de não se exponenciarem os efeitos cominatórios previstos no art. 640º”. Lavrou, então, o mesmo Relator em tal aresto sumário, no sentido de dever “considerar-se satisfeito o ónus de alegação previsto no art. 640º, se o recorrente, além de indicar o segmento da decisão da matéria de facto impugnado, enunciar a decisão alternativa sustentada em depoimento testemunhal que identificou e localizou”, sendo que “na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (sublinhado nosso).
O mesmo Acórdão referencia jurisprudência do STJ, no pugnado sentido, donde se realça, por atinente ao caso sub júdice, a seguinte:
- datado de 09/07/2015, onde se refere que “tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos pontos da base instrutória, indicado o depoimento das testemunhas que entendeu mal valorados, fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e o início e o termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição e referido qual o resultado probatório que deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar” (sublinhado nosso) ;
- de 19/02/2015, no qual se referencia que “enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já o mesmo se não se afigura que a especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações” (sublinhado nosso). Acrescenta, ainda, o Ilustre Autor ser frequentemente constatável “que uma leitura concertada das alegações, e não apenas das respectivas conclusões, permite afirmar o preenchimento dos requisitos mínimos a que deve obedecer uma peça processual para a qual não está legalmente prevista uma estrutura rígida quer na parte da motivação, quer no segmento conclusivo”, pelo que os aspectos “fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido” [4]. Deve ter-se ainda em consideração, realçando-se, o sumariado no douto aresto do STJ de 29/10/2015 [5], no qual se refere que “face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2.– Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso” (sublinhado nosso). Referencie-se, igualmente, o sumariado em aresto do mesmo Alto Tribunal de 19/02/2015 [6], no sentido de que “a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC”. Assim, “é em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC”, pelo que “nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória”. Pelo que “tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC” (sublinhado nosso). Por fim, referencie-se, ainda, o sumariado no douto aresto do STJ de 01-10-2015 [7], no sentido de que: “I– No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II– Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III– Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV– Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”. Do exposto, resulta, assim, ser legítimo concluir-se, da articulação ou concatenação do prescrito nos artigos 639.º e 640.º, do Cód. de Processo Civil, que o ónus principal a cargo do recorrente exige, pelo menos: – a indicação nas conclusões recursórias, com precisão, dos concretos pontos de facto da sentença que são objecto de impugnação, ou seja, cuja modificação é pretendida pelo recorrente, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto ; – a indicação expressa, na motivação ou corpo alegacional, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, ou seja, relativamente a cada questão de facto impugnada. Ora, compulsadas as conclusões recursórias apresentadas pela Autora/Apelante, constata-se não constarem das mesmas qualquer indicação, por mínima que seja, dos concretos pontos de facto da sentença apelada que são objecto de impugnação, isto é, dos pontos factuais que a Recorrente pretende ver modificados. Pelo que, na constatação de tal omissão, e sendo certo que esta não permite o apelo a despacho de aperfeiçoamento [8], impõe-se, nos termos da alínea a), do nº. 1, do artº. 640º, do Cód. de Processo Civil, a total rejeição da apelação interposta, relativamente à impugnação da matéria de facto.
------- Todavia, analisado o corpo alegacional ou motivação, apresentado numa amálgama que mistura e confunde o que é matéria de impugnação de facto e discordância do enquadramento jurídico efectuado, resultam as seguintes alegações: – o Tribunal não ponderou os factos expostos nos articulados, que se têm que ter por confessados por quem os não impugna, mas antes os admite – cf., ponto 19. ; – o Réu (refere Autor, mas é lapso manifesto) não impugnou a factualidade alegada pela Autora no artº. 18º da petição inicial, pelo que não se aceita que se dê como não provado que “a Autora desistiu das actividades laborais mencionadas em 42., em virtude dos problemas de saúde de que padece” – cf., pontos 20. e 21. ; – não pode o Tribunal considerar como não provado que a “Autora não tem condições físicas e de saúde que lhe permitam exercer uma ocupação profissional remunerada”, porquanto o contrário resulta da análise crítica e ponderada dos vários elementos probatórios – cf., ponto 22. Pelo que, num juízo de oficiosidade, tendo em atenção o estatuído no nº. 4, do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil – cf., ainda, o nº. 1, do artº. 662º -, sempre se ponderará acerca da aludida admissão por acordo da referenciada factualidade não impugnada. Ora, referencia-se no artº. 18º da petição inicial que “a Autora tentou iniciar a actividade laboral mas os problemas de saúde são graves e limitadores e viu-se obrigada a desistir”. Resulta da contestação apresentada a alegação de que a doença de que padece a Autora, “apesar de poder limitar a mesma nalgumas actividades, não impede a mesma de trabalhar, se a mesma levar uma vida calma, e com a alimentação adequada” – artº. 3º -, “não vislumbramos a incapacidade para o trabalho” – artº. 5º - e que “efectivamente, cabe aos progenitores o sustento dos seus filhos, enquanto estes não têm capacidade de os obter por via do seu trabalho, ou se encontrem a concluir os seus estudos, o que não é o caso em apreço” – artº. 8º. Ora, atenta esta alegação, não pode considerar-se que o aduzido no artº. 18º da petição inicial deva considerar-se não impugnado/confessado pois, resulta daquela considerar o Autor que o estado de saúde da filha Ré não a inibe de desempenhar actividade profissional, ou seja, que a mesma é capaz de trabalhar e angariar o seu sustento, sob as condições referenciadas. Isto é, perante aquele facto que densifica e faz parte da causa de pedir invocada pela Autora – cf., o nº. 1, do artº. 574º, do Cód. de Processo Civil -, o Réu tomou definida posição, cumprindo o ónus de impugnação que o onerava. E, ainda que assim não se entendesse, sempre se teria que considerar que aquela factualidade estava em nítida oposição com a defesa considerada no seu conjunto – cf., o nº. 2 do mesmo normativo -, o que sempre impediria, por falta de impugnação, a admissão por acordo daquela factualidade. Pelo que, oficiosamente, nos quadros supra expostos, inexiste qualquer pertinência na alteração da factualidade considerada provada e não provada. -------- Sob as conclusões N) e O), e se bem o entendemos, invoca a Apelante que os temas da prova foram estabelecidos no despacho saneador, que foi notificado às partes e transitou em julgado, tendo ficado excluído daqueles temas “qualquer factor de exclusão da obrigação relativo a comportamentos da Autora, estando pois excluída a possibilidade de em sede de decisão judicial se considerar esse elemento”. Em sede do corpo alegatório, concretiza não figurar qualquer facto ou tema de prova quanto ao relacionamento entre pai e filha, pelo que não pode em sentença vir trazer-se um tema de prova que não consta do despacho saneador, o que traduz alteração das regras processuais, tendo-se abarcado mais factualidade do que aquela que ficou fixada nos temas da prova – cf., artigos 40º a 44º. Nas contra-alegações recursórias, referencia o Apelado que a matéria factual questionada é a que figura no ponto 43. provado, com a seguinte redacção: “desde data anterior à separação dos seus progenitores que a Autora se recusa a falar com o Réu, bem como, desde a separação, a receber as visitas do mesmo e apenas se lembra do Réu para pedir dinheiro”. Aduz que a mesma foi alegada em sede de contestação, constituindo matéria de excepção, que está conexionada com qualquer um dos temas da prova, “relevando, o seu apuramento, para qualquer uma das possíveis soluções de direito” – cf., conclusões 3. a 6.. Decidindo: Urge referenciar, em primeiro lugar, que a Apelante não retira quaisquer consequências do alegado, para além de defender a não consideração de tal matéria factual. Não invoca qualquer vício daí decorrente, nem tipifica tal comportamento processual, daí retirando as devidas ilações. Cremos, todavia, que, a existir vício ou mácula processual, a mesma poderia ser configurável como causa de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, ou seja, pelo facto do Tribunal ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento – cf., a 2ª parte, da alínea d), do nº. 1, do artº. 615º, do Cód. de Processo Civil -, sendo certo que o tribunal “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” – cf., a 2ª parte, do nº. 2, do artº. 608º, do mesmo diploma. Todavia, tal vício, causador de nulidade da sentença, teria que ser arguido ou invocado pela Apelante – cf., o nº. 4, do citado artº. 615º -, o que não se concretizou, não sendo o mesmo de conhecimento oficioso. Pelo que, liminarmente, é o mesmo insusceptível de conhecimento na presente sede. Contudo, ainda que assim não se entendesse, sempre urge referenciar não descortinarmos a existência de qualquer vício capaz de inquinar o decidido, nomeadamente no segmento factual em que se considerou o comportamento da Autora, alegado pelo Réu pai na sua contestação – cf., artº. 7º - e feito figurar no ponto 43. da factualidade provada. Atenta a sua assertividade, permita-se-nos recorrer ao juízo exposto em aresto deste Tribunal datado de 22/11/2018 [9], no qual se referenciou, relativamente ao conceito de temas da prova adoptado no CPC de 2013, o seguinte: “A base instrutória elaborada ao abrigo do CPC de 1961, na versão de 1995/96, deveria conter, como previa a alínea e) do n.º 1 do artigo 508.º-A e o artigo 511º, a matéria de facto relevante para a decisão da causa sobre a qual iriam incidir as diligências instrutórias. A enunciação dos factos carecidos de prova era feita mediante a formulação de quesitos, em que, sob forma interrogativa e devendo ter-se em consideração as regras sobre a repartição do ónus probatório, se perguntava se cada ponto da matéria de facto estava ou não provado. Com a enunciação dos temas da prova, o juiz, limitando-se a verificar a existência da contenda sobre a verificação de determinados factos, passou a delas dar conta genericamente, deixando para a decisão sobre a matéria de facto a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados. Afastou-se, assim, o paradigma de uma mera quesitação, em que a realidade alegada pelas partes, aquando da sua corroboração, bastar-se-ia com um “sim ou não”, através de uma lógica subsuntiva-dedutiva. É, pois, admissível que a enunciação dos temas da prova, prevista no n.º 1 do artigo 596.º do CPC, assuma um carácter genérico e até, por vezes, conclusivo, devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, nos exatos termos que a lide justifique. Relativamente à decisão da matéria de facto, esta já não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir. Não obstante a redação dada ao artigo 410.º do CPC, nos termos do qual a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constante dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respetivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do CPC, e não sobre os respetivos temas de prova enunciados. São de igual modo os enunciados de factos e não os temas de prova que o artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo julgador, na sentença. Apreciando expressamente a questão do caso julgado formal a propósito da especificação, o assento do STJ n.º 14/94, publicado no DR de 4.10.1994, pronunciou-se no sentido de que «a especificação, tenha ou não havido reclamações, tenha ou não havido impugnação do despacho que as decidiu, pode sempre ser alterada, mesmo na ausência de causas supervenientes, até ao trânsito em julgado da decisão final do litígio». O referido assento veio sanar dúvidas recorrentes, nele se afirmado expressamente que a especificação não faz caso formal positivo ou negativo. Das considerações tecidas podemos retirar as seguintes conclusões: Primeiro: os temas da prova são apenas um guião da instrução e do julgamento e não quesitos sobre os quais será proferida a decisão sobre a matéria de facto. Segundo: a baliza fáctica do exame da causa, no que concerne aos factos principais ou essenciais, são os articulados das partes. Terceiro: os temas da prova (como sucedia com os factos assentes e a base instrutória e, antes da reforma de 1995/96, com a especificação e o questionário) não produzem caso julgado formal” (sublinhado nosso). Desta forma, acrescenta-se agora, conforme entendimento sufragado por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [10], “numa clara mudança de paradigma, procura-se agora que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual”. Desta forma, na presente solução legal “não há qualquer cristalização da matéria de facto na fase intermédia do processo, ficando relegada para a sentença, isto é, para depois de concluída a instrução, a definição do quadro fáctico da lide, o que é, aliás, uma decorrência do dever de o juiz considerar na decisão os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução (art. 5º, nº. 2, al. b)). Importa referir que a maleabilidade ou plasticidade que a enunciação dos temas da prova confere á instrução não dispensa o juiz de, no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto, indicar com precisão os factos provados e não provados”. E, adrede, concluem referenciando que o “que interessa mesmo é que a decisão de direito a proferir tenha por base a realidade tal como esta se revelou nos autos por via da instrução. Esta realidade é constituída por factos concretos que o juiz deu como provados, assim os expressando no segmento da sentença relativo ao julgamento de facto. Tais factos serão objecto de valoração jurídica, feita de seguida pelo mesmo juiz e na mesma peça processual (a sentença)” (sublinhado nosso). Defendendo a natureza intrinsecamente provisória do despacho compósito previsto no nº. 1, do artº. 596º, do Cód. de Processo Civil, refere Rui Pinto [11] não fazer o mesmo caso julgado, pois a sua “eficácia é (…) preparatória dos atos de instrução, alegação e de sentença que irão ter lugar ; como tal, não vincula a decisão final tanto sobre nos seus fundamentos de facto, como sobre a qualificação jurídica (cf. artigo 607º). Era já a doutrina anterior do Assento do Supremo Tribunal de Justiça nº. 14/94 de 26 de Maio: dada a natureza instrumental e provisória da fase da condensação, a fixação dos factos assentes e a organização da base instrutória não têm eficácia preclusiva, não constituindo caso julgado formal”. Em idêntico sentido, referenciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre [12] que “diversamente da prova, que tem como objecto factos, dos articulados, que cumprem a função de alegação de factos, e da decisão de facto, que inclui todos os factos relevantes para a decisão da causa, a enunciação dos temas da prova não tem em vista (embora também não vede) uma listagem de factos, ainda que principais, mas de questões formuladas de modo abrangente, que orientem a posterior produção de prova, sem todavia a condicionar ou restringir”. E, citando douto aresto desta Relação de 23/04/2015 [13], acrescentam que “na enunciação dos temas da prova está em causa «apontar genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão sobre a matéria de facto a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados», e sendo admissível que a enunciação dos temas da prova, diversamente do objecto da instrução, da decisão da matéria de facto e da discriminação dos factos provados e não provados que é feita na sentença, «assuma um carácter genérico e até, por vezes, aparentemente conclusivo, apenas devendo ser balizada pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que a lide justifique»” (sublinhado nosso). Ora, in casu, a forma genérica como os temas da prova foram elaborados, que não são susceptíveis de produzir caso julgado formal, sempre permitiria aquele juízo, fazendo englobar necessariamente na factualidade a ponderar a aduzida pelo Réu no artº. 7º da contestação. Tanto mais que, esta factualidade, tinha, potencialmente, efectiva e real importância na aferição da vinculação do demandado pai, atenta a amplitude do dever de respeito consignado no artº. 1874º, do Cód. Civil, podendo configurar a sua expressa invocação matéria de excepção a considerar nos termos do nº. 1, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil. Por fim, ainda que em acrescento reconhecidamente impertinente na presente fase de apreciação, sempre se refira que a matéria factual em ponderação (cristalizada no ponto 43. provado), não foi fundamento ou sustento do juízo de improcedência decretado na sentença apelada (conforme melhor veremos infra). Com efeito, tal factualidade apenas foi referenciada em reforço e supletivamente ao entendimento ou juízo de improcedência exposto – mas ainda que assim não se entendesse -, sem todavia da mesma lograr-se retirar quaisquer efeitos conclusivos. *** III–FUNDAMENTAÇÃO
A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte: 1.– A Autora DM... nasceu no dia 24 de Maio de 1995 e é filha de AP...e do Réu JM.... 2.– A Autora não se encontra a estudar, tendo concluído a sua formação académica com a finalização do ensino secundário. 3.– Vive com a sua mãe AP... e com a irmã mais nova AM.... 4.– Desde o dia 9 de Fevereiro de 2015, que não reside com o seu pai, o aqui Réu. 5.– O Réu deixou a casa que era a de morada da família, e onde ficaram a residir a autora, a mãe e a irmã menor de idade. 6.– O pai e a mãe da Autora divorciaram-se em Julho de 2015, tendo o processo judicial corrido termos na Comarca de Viseu – Viseu – Instância Central – 1.ª Secção de Família e Menores – Juiz 2 sob o n.º 3865/15.8T8VIS. 7.– A regulação das responsabilidades parentais da irmã mais nova da autora, filha dos mesmos pais, foi regulada também nesse Tribunal no processo que correu por apenso ao processo de divórcio sob o n.º 3865/15.8T8VIS-A. 8.– Nos termos do acordo alcançado no processo aludido em 7., o Réu obrigou-se a pagar à sua filha AM..., a título de alimentos, a quantia mensal de € 150 (cento e cinquenta euros) até 31 de Janeiro de 2016 e, a partir de 1 de Fevereiro de 2016, passaria a pagar a quantia de € 200 (duzentos euros), quantia que seria paga entre o dia 1 e o dia 10 do respectivo mês. 9.– Nos termos do acordo alcançado no processo aludido em 7., o Réu obrigou-se ainda a pagar à sua filha AM... as despesas médicas, medicamentosas e escolares (livros, material escolar e explicações), na proporção de metade. 10.– Desde que saiu da casa de morada de família, o Réu não contribui com qualquer valor para a sobrevivência e despesas da Autora. 11.– A Autora não está a trabalhar. 12.– A Autora sofre de doença de Crohn penetrante localizada no íleon. 13.– Em 30 de Outubro de 2012, uma junta médica reconheceu que a Autora era portadora de uma deficiência que, nessa data e com início em Março de 2012, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 64% (sessenta e quatro por cento), susceptível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2017. 14.– Em 27 de Dezembro de 2017, uma junta médica reconheceu que a Autora era portadora de uma deficiência que, nessa data, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 60% (sessenta por cento), susceptível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2023. 15.– A Autora é seguida no Serviço de Gastroenterologia do Hospital de São Teotónio, EPE em Viseu, onde tem como médica especialista a Dra. MS.... 16.– Desde 2012, a Autora tem tido crises relacionadas com a doença de que padece, as quais determinam internamentos por curtos e longos períodos. 17.– Todas as despesas da Autora estão a ser suportadas pela sua mãe. 18.– À data da propositura da acção, a mãe da Autora era operária fabril e trabalhava na empresa Aquinos, no concelho de Tábua, para onde se deslocava diariamente desde Vilar Seco. 19.– A mãe da Autora começou a trabalhar naquela empresa no ano de 2015, auferindo então o salário mínimo nacional. 20.– A mãe da Autora gasta em luz uma média mensal de € 40 (quarenta euros), em água € 14 (catorze) mensais, de gás paga cerca de € 25 (vinte e cinco euros). 21.– A prestação mensal do crédito habitação que o casal pagava ao Millennium BCP ronda os € 270, sendo que em data anterior à propositura da acção a mãe da Autora deixou de pagar metade dessa prestação, estando o crédito em incumprimento. 22.– A Autora tem tratamentos obrigatórios de seis em seis semanas, deslocando-se propositadamente de Vilar Seco ao Hospital de Viseu e regressando a casa, no carro da mãe. 23.– Em deslocações da sua residência ao Hospital onde é seguida, gasta a Autora valor mensal não inferior a € 70 (setenta euros). 24.– Em virtude da doença de que padece, a Autora tem de ter uma alimentação cuidada, com alimentos específicos e de boa qualidade. 25.– Para conseguir sobreviver e não piorar o seu estado de saúde, a Autora tem obrigatoriamente de tomar suplementos de alimentação. 26.– Um conjunto de quatro suplementos de alimentação importa na quantia de € 12,50 (doze euros e cinquenta cêntimos). 27.– A Autora deve no mínimo consumir uma embalagem de suplemento de alimentação por dia, embora seja recomendável que consuma duas embalagens por dia. 28.– Para restringir as despesas tem consumido um suplemento por dia e noutros dias dois suplementos. 29.– Em suplementos de alimentação tem de gastar quantia mensal média de € 130 (cento e trinta euros). 30.– Na restante alimentação gasta em média o valor de € 150 (cento e cinquenta euros). 31.– Para o seu problema de saúde, tem neste momento de consumir um comprimido de Folicil por dia, importando cada embalagem no valor de cerca de € 4 (quatro euros). 32.– Tem de tomar uma injecção por mês, e cada conjunto de 6 injecções importa no valor aproximado de € 15 (quinze euros), o que conduz a uma despesa mensal de cerca de € 3 (três euros) para tal injecção. 33.– Tem necessidade de tomar outra medicação que conduz a um gasto médio mensal total em medicamentos de € 60 (sessenta euros). 34.– Tem de se vestir, calçar, ter cuidados de higiene diários, o que conduz a gastos que estima no valor mensal médio de € 100 (cem euros). 35.– Em consumo de energia, agua e gás estima um gasto pessoal que ronda os € 30 (trinta euros). 36.– Em telemóvel, gasta uma média mensal de € 10 (dez euros). 37.– A Autora recebe da Segurança Social o valor mensal de € 112 (cento e doze euros). 38.– A doença de Crohn é uma doença inflamatória do intestino, crónica, que necessita de acompanhamento regular e terapêutico, médico e cirúrgico. 39.– Os doentes que padecem da doença de Crohn vivenciam períodos de absoluta incapacidade, alternados com períodos em que estão aptos a realizar as tarefas diárias normais, incluindo o trabalho, dependendo do concreto tipo de actividade desenvolvida. 40.– Presentemente e desde Janeiro de 2017, a Autora encontra-se em situação de remissão clínica da doença abdominal. 41.– Em situação de remissão clínica, a doença de que a Autora sofre, apesar de poder limitar a mesma nalgumas actividades laborais, não a impede de trabalhar em toda e qualquer actividade. 42.– Após o diagnóstico da sua doença, a Autora já trabalhou num café em Viseu, pelo menos durante um mês e num supermercado em Nelas, durante uma semana, tendo desistido de continuar a exercer ambas as actividades. 43.– Desde data anterior à separação dos seus progenitores que a Autora se recusa a falar com o Réu, bem como, desde a separação, a receber as visitas do mesmo e apenas se lembra do Réu para pedir dinheiro. 44.– O Réu é doente oncológico. 45.– Em 24 de Novembro de 2014, uma junta médica reconheceu que o Réu era portador de uma deficiência que, nessa data, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 60% (sessenta por cento), susceptível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2019. 46.– O Réu reside sozinho. 47.– Por documento particular datado de 25 de Novembro de 2015, o Réu declarou ajustar o arrendamento do 3 EC (fracção AE) do prédio sito na Praça S. J... - I, Pontinha, pelo prazo de um ano, com início em 1 de Dezembro de 2015 e término em 30 de Novembro de 2016, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, sendo a renda mensal no valor de € 350 (trezentos e cinquenta euros). 48.– Em Junho de 2017, o valor da renda mensal ascendia a € 360,50 (trezentos e sessenta euros e cinquenta cêntimos). 49.– Em Fevereiro de 2018, o valor da renda mensal ascendia a € 371,32 (trezentos e setenta e um euros e trinta e dois cêntimos). 50.– Em Fevereiro de 2017, o Réu despendeu a quantia de € 15,35 (quinze euros e trinta e cinco cêntimos) com medicamentos. 51.– Em Junho de 2017, o Réu despendeu a quantia de € 12,06 (doze euros e seus cêntimos), relativa ao consumo da água. 52.– Em Junho de 2017, o Réu despendeu a quantia de € 36,74 (trinta e seis euros e setenta e quatro cêntimos), relativa ao consumo de electricidade. 53.– Em Junho de 2017, o Réu despendeu a quantia de € 24,60 (vinte e quatro euros e sessenta cêntimos), relativa ao consumo de gás. 54.– O Réu é trabalhador por tempo indeterminado da CP – Comboios de Portugal, E.P.E. desde 3 de Janeiro de 1990, com a categoria profissional de operador de venda e controlo, estando sujeito a horário fixo de 40 horas semanais. 55.– Em 2016, por referência ao ano fiscal de 2015, o Réu declarou rendimentos provenientes de trabalho dependente no valor global de € 12.192,11 e deduções específicas no valor global de € 4.276,05, tendo recebido, em 2017, o reembolso global de € 1.122,87. 56.– Em 2017, por referência ao ano fiscal de 2016, o Réu declarou rendimentos provenientes de trabalho dependente no valor global de € 18.016,73 e deduções específicas no valor global de € 4.303, tendo recebido, em 2017, o reembolso global de € 736,96. 57.– Em 2018, por referência ao ano fiscal de 2017, o Réu declarou rendimentos provenientes de trabalho dependente no valor global de € 21.580,07 (dos quais € 687,68 referentes a 2016), retenção na fonte no valor de € 963, contribuições no valor de € 2.373,80, retenção da sobretaxa no valor de € 45 e quotizações sindicais no valor de € 137,55. 58.– Em 2018, por referência ao ano fiscal de 2017, o Réu declarou ainda a quantia de € 2.448, paga à sua filha AM..., a título de pensão de alimentos. 59.– Em Janeiro de 2018, o Réu auferiu o vencimento mensal líquido de € 1.481,25 (mil quatrocentos e oitenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), resultante das seguintes rubricas: 59.–1 Abonos (valores ilíquidos):
- retribuição mensal: € 1.024,43
- trabalho suplementar: € 600,62
- subsídios/prémios: € 236,67
- outros pagamentos: 117,12 59.2.– Descontos
- outras deduções: € 217,24 (inclui o montante de € 204, relativo à pensão de alimentos paga à filha menor)
- descontos obrigatórios: € 280,35. 60.– Em Fevereiro de 2018, o Réu auferiu o vencimento mensal líquido de € 1.192,97 (mil cento e noventa e dois euros e noventa e sete cêntimos), resultante das seguintes rubricas: 60.1– Abonos (valores ilíquidos):
- retribuição mensal: € 1.066,10
- trabalho suplementar: € 188,46
- subsídios/prémios: € 270,48
- outras deduções: € 10,24
- descontos obrigatórios: € 86
- outros pagamentos: 118,08 60.2.– Descontos
- retribuição mensal: € 8,33
- outras deduções: € 227,82 (inclui o montante de € 204, relativo à pensão de alimentos paga à filha menor) - descontos obrigatórios: € 310,24. 61.– Em Março de 2018, o Réu auferiu o vencimento mensal líquido de € 1.260,51 (mil duzentos e sessenta euros e cinquenta e um cêntimos), resultante das seguintes rubricas: 61.1– Abonos (valores ilíquidos):
- retribuição mensal: € 1.041,10
- trabalho suplementar: € 281,15
- subsídios/prémios: € 236,67
- outros pagamentos: 119,46 61.2.– Descontos
- outras deduções: € 217,41 (inclui o montante de € 204, relativo à pensão de alimentos paga à filha menor)
- descontos obrigatórios: € 200,46. 62.– Por sentença de 13 de Abril de 2017, transitada em julgado em 3 de Maio de 2017, proferida no processo n.º 1765/17.6T8VIS, que corre seus termos pelo Juízo de Comércio de Viseu – Juiz 1, foi declarada a insolvência da mãe da Autora. 63.– No processo aludido em 62., o ora Réu apresentou a relação de bens comuns do extinto casal, em suma, com o seguinte teor: 1.– activo:
- um prédio urbano, correspondente a uma casa de habitação sita na Rua do V... – V... S..., com o valor patrimonial de € 49.860; 2.– passivo:
- dívida contraída pelo extinto casal junto do Banco Comercial Português, S.A., decorrente do contrato de mútuo celebrado para compra do imóvel supra mencionado e que, em 15 de Março de 2018, ascendia a € 51.605,68, dívida esta garantida por hipoteca;
- dívida contraída pelo extinto casal junto do Banco Comercial Português, S.A., decorrente de contrato de mútuo celebrado em 16 de Agosto de 2004 e que, em 15 de Março de 2018, ascendia a € 16.036,97, dívida esta garantida por hipoteca;
- dívida contraída pelo extinto casal junto do Banco Cetelem, S.A., decorrente de contrato de crédito pessoal ao consumo e que, em Março de 2018, ascendia a € 341,12; - dívida contraída pelo extinto casal junto da Cofidis Portugal, decorrente de contrato de crédito pessoal ao consumo e que, em Março de 2018, ascendia a € 1.645,57. 64.– Em 28 de Maio de 2015, a Autora requereu apoio judiciário, além do mais, na modalidade de nomeação de patrono. ---------- E foi considerado como NÃO PROVADO o seguinte: i)- A Autora não tem condições físicas e de saúde que lhe permitam exercer uma ocupação profissional remunerada. ii)- A Autora desistiu das actividades laborais mencionadas em 42., em virtude dos problemas de saúde de que padece. iii) A Autora fuma e faz várias saídas nocturnas. iv)- O Réu despende mensalmente cerca de € 250 com a sua alimentação. *** B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I)- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA EXPOSTA NA DECISÃO RECORRIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS O recurso interposto pugna pela alteração do decidido na sentença apelada, no sentido do Apelado Réu dever ser condenado a pagar, a título de obrigação de alimentos, à Autora Apelante, sua filha maior: – O montante mensal não inferior a 320,00 € ; – Ou o montante que este Tribunal venha a considerar adequado ás necessidades da filha e possibilidades do pai, com efeitos retroactivos à data que se considera como de entrada da acção – 28/05/2015. Para tanto, alega, em súmula, que: – Dos factos provados tem de resultar decisão diversa, nomeadamente no que concerne à doença de que padece, efeitos desta, tratamentos necessários e incapacidade suportada ; – Bem como o facto de se encontrar desempregada, vivendo economicamente na dependência da sua mãe, a qual é operária fabril e aufere o salário mínimo nacional ; – A doença de que padece limita-lhe a sua inserção no mercado de trabalho, ao qual não consegue aceder, o que a impossibilita de prover pela sua subsistência ; – Por fim, o Tribunal reconhece esse dever a onerar o progenitor, ao considerar a exclusão da obrigação deste na decorrência da sua recusa em falar com o mesmo, sendo certo que inexiste in casu qualquer grave violação dos deveres de respeito da filha para com o pai. A sentença recorrida ajuizou nos seguintes termos:
- a Autora pretende que lhe seja fixada uma pensão de alimentos ao abrigo do dever geral de assistência existente entre pais e filhos ;
- inserindo-se a pretensão da Autora no disposto na alínea c), do nº. 1, do artº. 2009º, do Cód. Civil ;
- a Autora é maior de idade, não se tendo provado que esteja absolutamente incapacitada de exercer toda e qualquer actividade profissional e de assim prover ao seu próprio sustento ;
- e não logrou demonstrar não estar em condições de assegurar a sua própria subsistência ;
- o que determina a necessária improcedência da acção ;
- todavia, ainda que assim não se entendesse, não se pode olvidar o facto da Autora se recusar a falar com o Réu, comportamento esse que se considera ser uma violação grave dos deveres de respeito para com o pai pois, para além da ruptura do relacionamento entre os pais, não resulta existir qualquer comportamento que tivesse causado tal recusa em falar. Vejamos. Prevendo acerca das pessoas obrigadas a alimentos, estatui o art.º 2009º [14] do Cód. Civil que: “ 1.– Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada: a)- O cônjuge ou o ex-cônjuge ; b)- Os descendentes ; c)- Os ascendentes ; d)- Os irmãos ; e)- Os tios, durante a menoridade do alimentando ; f)- O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste. 2.– Entre as pessoas designadas nas alíneas b) e c) do número anterior, a obrigação defere-se segundo a ordem da sucessão legítima. 3.– Se algum dos vinculados não puder prestar os alimentos ou não puder saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recai sobre os onerados subsequentes”. Acrescenta o subsequente normativo – 2010º -, prevendo acerca da existência de uma pluralidade de vinculados, que: “ 1.– Sendo várias as pessoas vinculadas à prestação de alimentos, respondem todas na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando. 2.– Se alguma das pessoas assim oneradas não puder satisfazer a parte que lhe cabe, o encargo recai sobre as restantes”. Por sua vez, o art.º 2003 do mesmo diploma, define a noção de alimentos, o art.º 2004º estabelece os pressupostos da sua medida, o art.º 2005º o modo de os prestar, e o art.º. 2013º define as circunstâncias que fazem cessar tal obrigação alimentar. Ajuizando acerca dos alimentos, bem como dos interesses que lhes subjazem, Maria de Nazareth Lobato Guimarães [15] refere existir “um interesse-direito pessoal, mas há um fundamental interesse da sociedade em conservar os seus elementos, o seu substrato. Ao interesse pessoal corresponde o dever (além de não cometer suicídio) de trabalhar para manter a vida, e o direito a ser mantido se não se puder trabalhar. À sociedade, por imperativo da própria permanência, cabe o dever de sustentar os que não puderem fazê-lo a si mesmos”. Acrescenta ainda a mesma autora que destinando-se os alimentos a suprir uma carência, que traduz normalmente incapacidade, a família aparece “como responsável primeira pela sustentação dos seus membros. Desde há muito a lei transformou em leis esse sentir natural. Definindo, ordenando, ampliando ou limitando, consoante as épocas”, constituindo-se assim a família como a “organização por excelência destinada ao mais pleno e harmónico desenvolvimento da pessoa, das pessoas de cada um dos seus membros. É a família comunidade de afecto e entreajuda, mas não centro de património necessário e ponto referencial” [16]. A obrigação alimentar, por legal previsão, verifica-se, assim, “normalmente no âmbito familiar, sendo, nesse caso, expressão da solidariedade devida naquele aspecto entre os membros da família” [17]. E, acrescente-se, para além de tais considerações de ordem geral, devem ainda aditar-se os princípios gerais a que deve obedecer a fixação da prestação alimentícia, que se podem elencar do seguinte modo: 1º)-a necessidade do alimentando ; 2º)-a dignidade do alimentando ; 3º)-a possibilidade do devedor e a proporcionalidade relativamente aos seus meios económicos e patrimoniais ; 4º)-a hierarquia entre os obrigados ; 5º)-a susceptibilidade de actualização da prestação alimentícia [18]. Nas palavras de Daniela Pinheiro da Silva [19], “o instituto jurídico dos Alimentos radica num princípio de solidariedade familiar, de exigência de ajuda, socorro e conforto que recai sobre todos os membros da família e destina-se a tutelar o direito à dignidade humana, constitucionalmente protegido (cfr. art. 1º da Constituição da República Portuguesa)”. Relativamente á hierarquia dos obrigados a alimentos, já supra transcrita, em princípio urge obedecer à mesma, “desde que os obrigados possam prestar integralmente os alimentos ; se o obrigado mais próximo não puder prestá-los, deve prestá-los o obrigado seguinte ; se aquele só pode prestar parte, deve o seguinte prestar o resto”, sendo que a ordem legalmente prevista “pressupõe que todos são igualmente solváveis ou que todos estão em idênticas condições de prestar alimentos. Não se dando esta igualdade, é claro que o necessitado terá de escolher, em cada classe de parentes do mesmo grau, aquele que for mais abonado, pondo de parte e provando que os outros são insolventes ou remediados e, como tais, incapazes de desembolsar os alimentos” [20]. No equacionado normativo – 2009º -, em regra, as pessoas a quem se impõe o dever assistencial estão ligadas ao alimentando, sendo que, na maior parte das situações, decorre “do vínculo emergente de uma das relações jurídico-familiares previstas no art. 1576º: assim, acontece quanto à primeira parte da al. a) e quanto às als. b) a e) do nº. 1. O elenco legal abrange, no entanto, outras pessoas que (já) não se encontram conexionadas por tais vínculos, mas a quem o cumprimento da função assistencial é imposto como decorrência da vigência pretérita de uma dessas relações (no caso do ex-cônjuge incluído na al. a), em que, no passado, existiu um vínculo matrimonial entretanto dissolvido) ou de uma proximidade existencial actual de natureza familiar ou parafamiliar (no caso do padrasto e madrasta, nas situações previstas na al. f)). Ressalvadas estas duas situações acabadas de referir, existe, também, um paralelismo entre o elenco de obrigados a prestar alimentos e os herdeiros legais previstos no art. 2133º” [21]. Pelo que, “o escalonamento das pessoas legalmente obrigadas a prestar alimentos constante do art. 2009º do CC, assim como a leitura de outras normas dispersas, revelam a adopção de um critério assente na maior proximidade natural em pessoas ligadas por laços familiares ou que, na prática, desempenham na rede de solidariedade função semelhante às dos parentes mais próximos” [22]. Ora, na concreta identificação das pessoas que devem prestar alimentos “tem de se atender à ordem da enunciação feita no nº. 1, à luz de um princípio de prioridade de classes. Consequentemente, só serão chamados a prestar alimentos as pessoas reconduzíveis a uma dada categoria, se não existirem pessoas das categorias anteriores ou se estas, existindo, não puderem prestar (total ou parcialmente) os alimentos devidos (nº. 3). Ademais, dentro de cada classe, existindo vários potenciais obrigados, vínculo de parentesco mais intenso (grau mais próximo), afastando os de grau mais afastado” [23]. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela [24], o transcrito nº. 3 do artº. 2009º “visa especialmente dois tipos de situações”, sendo que “o primeiro é o de haver um ou mais parentes de determinada classe de obrigados e um ou mais parentes de cada uma das classes subsequentes, mas acontecendo que nenhum dos parentes da primeira classe possui recursos económicos bastantes para satisfazer a prestação alimentícia”. Na obrigação alimentícia entre parentes figura especialmente o dever recíproco de assistência entre pais e filhos, traduzido como um dos principais deveres decorrentes da filiação. O que é legalmente traduzido pelo estatuído no art.º 1874º, ao prescrever que: “1.– Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência. 2.– O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”. Referencia Estrela Chaby [25] que “esta disposição, pese embora aplicável, em geral, às relações entre pais e filhos, é especialmente relevante no que toca àquelas que se encontram fora do âmbito das responsabilidades parentais, ou seja, na fase que sucede a maioridade ou emancipação dos filhos, estabelecendo os deveres que vinculam pais e filhos durante toda a vida” (sublinhado nosso). De forma mais ampla, relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o artº. 1877º do Cód. Civil que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf., o nº. 1 do artº. 1878º [26]. E, acrescenta o normativo seguinte, prevendo acerca das despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos, ficarem os pais “desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos”. Por sua vez, ainda que sem atinência ao caso sub júdice, aduz o artº. 1880º, prescrevendo acerca das despesas com os filhos maiores ou emancipados, que “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”. Acrescenta Maria Clara Sottomayor [27] que o fundamento “da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos (…), é não apenas a menoridade – uma situação de incapacidade – mas também a carência económica dos filhos depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem os seus cursos universitários ou a sua formação técnico-profissional. Os pais devem, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, assegurar aos filhos esta formação profissional que exige, normalmente, um esforço e uma concentração dificilmente compatíveis com um emprego que permita aos filhos sustentarem-se a si próprios. Trata-se, segundo a mesma Autora, da solução mais de acordo com a realidade portuguesa, em que geralmente os filhos, apesar de maiores, vivem com os pais e não trabalham enquanto prosseguem os estudos, e com o direito à educação, ao ensino e à cultura (arts. 73º a 79º da Constituição), cujos custos deverão ser suportados pelos pais, desde que tenham condições económicas para tal, com a cooperação do Estado” [28]. Assim, na base do enunciado artº. 1880º, que não tem aplicabilidade no caso sub júdice, está a incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação, quando as circunstâncias impõem aos pais, não obstante a maioridade do filho, a obrigação de, em nome do bem-estar e do futuro deste, continuar a suportar tais despesas, em que se traduzem os também denominados alimentos educacionais [29][30]. Ora, a obrigação contida neste normativo tem, assim, “um carácter temporário, balizado pelo “tempo necessário” ao completar da formação profissional do filho, e obedece a um critério de razoabilidade – é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade” (sublinhado nosso). Pelo que, para aferir acerca de tal razoabilidade, importa “saber se o filho carece, com justificação séria, do auxílio paternal, em função do seu comportamento, “in casu”, como estudante; não seria razoável exigir dos pais o contributo para completar a formação profissional se, por exemplo, num curso que durasse cinco anos, o filho cursasse há oito, sem qualquer êxito, por circunstâncias só a si imputáveis”. O que se justifica pela exigência legal de que tal contributo decorra “pelo tempo normalmente requerido para que a formação se complete”. Deste modo, estabelece a lei “como requisitos a necessidade do filho maior, por não ter meios económicos para sustentar as despesas com o custeio da sua formação profissional após a maioridade e a razoabilidade de exigir aos pais esse dever de contribuição. Neste requisito da razoabilidade, obviamente, que deve entrar como factor de apreciação a conduta do filho e a consideração da sua peculiar situação, sob pena de podermos até transigir com situações de abuso do direito. A eventual culpa grave do filho deve ser apreciada dentro duma perspectiva de razoabilidade da exigência de alimentos [“O critério está, segundo alguma doutrina, na imputação da não ultimação da formação profissional à culpa grave do filho. Creio, no entanto, que, pelo alto, o critério passará pela cláusula geral do abuso de direito e não tanto — ou não só — pela alegação e prova de um comportamento gravemente censurável ao credor de alimentos, seja a título de dolo, seja a título de mera culpa. Cláusula geral, esta, que se traduz no abuso do direito de peticionar alimentos (se, por exemplo, atendendo à natureza e ao padrão de dificuldade da formação escolar universitária ou politécnica, o filho demora três anos para obter aprovação em apenas duas ou três disciplinas, não sendo um trabalhador-estudante). Mas com o limite deste último grau do contra legem, o critério do art. 1880° do Código Civil não está tanto na in(existência) de culpa grave do filho, quanto, outrossim, na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam o conceitos de razoabilidade e (in)exigibilidade nele presentes” (….), atendendo à sua situação e à dos pais” [31][32]. Resulta assim que a obrigação temporária e excepcional prevista neste normativo, apenas pelo tempo necessário para completar a formação profissional do alimentando, deve obedecer a um critério de razoabilidade, ou seja, “é necessário que, nas concretas circunstâncias do caso, seja justo e sensato, exigir dos pais a continuação da contribuição a favor do filho agora de maioridade” (sublinhado nosso) [33]. Deste modo, na apreciação daquele critério de razoabilidade, nas situações em que o filho não tem sucesso escolar, não está tanto em causa “a alegação e prova de um comportamento gravemente censurável do credor de alimentos, a título de dolo ou mera culpa (na não ultimação da formação profissional), mas sobretudo com o abuso do direito em peticionar alimentos. Assim, o critério do art. 1880º não está tanto na (in)existência de culpa grave do filho, mas na verificação de determinados elementos objectivos e subjectivos que densificam os conceitos de razoabilidade e de (in)exigibilidade nele presentes. Esses elementos são objectivos, relacionados com as possibilidades económicas do jovem maior (rendimentos próprios, rendimentos do trabalho) e com os recursos dos progenitores; e subjectivos, respeitantes a todas as circunstâncias ligadas à pessoa deste credor (capacidade intelectual, aproveitamento escolar, capacidade para trabalhar durante a frequência escolar) que modelam e estão na génese do prolongamento da obrigação” [34] (sublinhado nosso). Na situação equacionada nos presentes autos, o fundamento da obrigação de alimentos reclamada pela Autora filha funda-se ou reside na sua alegada carência económica, mas não a resultante da necessidade de prosseguir a sua formação profissional. Ou seja, não está em equação a aplicabilidade do artº. 1880º, previsto para as situações de incapacidade económica do filho maior para prover ao seu sustento e educação enquanto prossegue a sua actividade formativa [35]. O que funda a pretensão deduzida é, antes, o mútuo dever de assistência enunciado no artº. 1874º, em concatenação com a obrigação alimentícia prevista no transcrito artº. 2009º, com base num princípio de solidariedade familiar, em que estão em equação exigências de socorro e ajuda mútuos, de forma a garantir a subsistência dos seus membros ou seja, e in casu, a subsistência da Autora. Ora, a factualidade provada traduz ou preenche efectiva situação de necessidade da Autora filha ? E, para além de tal situação de necessidade, existem efectivas e reais possibilidades do Réu progenitor na reclamada prestação alimentícia ? A sentença recorrida começou por anotar a relação de filiação entre a Autora e o Réu e a maioridade daquela. Seguidamente, após enunciar a doença crónica de que padece a Autora, os internamentos que a mesma tem provocado e a incapacidade permanente global que a atinge – 64% em 2012 e 60% em 2017 -, ponderou os efeitos daquela natureza crónica, carente de regular acompanhamento, especificando que “os portadores dessa doença tanto podem vivenciar períodos de absoluta incapacidade, alternados com períodos em que estão aptos a realizar as tarefas diárias normais, incluindo o trabalho, dependendo do concreto tipo de actividade desenvolvida”. Acrescentou, ainda, encontrar-se a Autora “em situação de remissão clínica desde Janeiro de 2017 e, nessa situação, não se encontra absolutamente impossibilitada de trabalhar”. Conclui, então, não resultar provado que a Autora “esteja absolutamente incapacitada de exercer toda e qualquer actividade profissional e de assim prover ao seu próprio sustento”. Em conformidade com o facto i) não provado. Acrescenta-se, ainda, no raciocínio apelado, que se á Autora foi reconhecida a enunciada incapacidade, ao demandado Réu foi reconhecida igual percentagem de incapacidade, fruto da doença oncológica de que padece, e isso não o impede de continuar a exercer a sua actividade profissional. Deste modo, pondera que, ainda que se admita “da doença da Autora possam resultar limitações, também deve recair sobre esta o esforço de procurar ajustar o seu perfil (v.g. ao nível da formação académica) às suas condições, sobretudo num mercado cada vez mais tecnológico, em que muitas vezes é possível trabalhar a partir de casa”. E, nesta sede, considera que a inserção laboral descrita no facto 42. provado “é manifestamente insuficiente para se poder afirmar que foi feito um esforço sério e que se encontram totalmente esgotadas todas as possibilidade da Autora se inserir no mercado de trabalho”. Tanto mais, acrescentamos nós, atenta a não prova de tenham sido os problemas de saúde de que padece a causa da desistência de tais actividades laborais – cf., ponto ii) não provado. Finaliza, então, o raciocínio, considerando não ter a Autora logrado demonstrar “não estar em condições de assegurar a sua própria subsistência”. Ora, atenta a nomenclatura factual fixada, não descortinamos como lograr divergir do entendimento exposto. Sendo um dos critérios ou princípios em ponderação e real e efectiva necessidade do alimentando, a maioridade da Apelante e a não prova da sua absoluta incapacidade em exercer actividade profissional e, desta forma, prover ao seu sustento, ou seja, a não prova de que seja capaz, e esteja em condições, de assegurar a sua subsistência, enquanto ser autónomo e capaz de reger a sua pessoa – cf., artº. 130º, do Cód. Civil -, não permite operacionalizar o dever de assistência que onera, mutuamente, pais e filhos. Ou seja, num juízo de ponderação vinculado ao aludido critério de razoabilidade, não se nos afigura como sensato ou justo exigir ao Réu pai uma contribuição a favor da Autora filha maior quando não resulta provado que esta esteja incapacitada de exercer actividade profissional e, desta forma, prover ao seu sustento e subsistência. Com o presente juízo não se nega ou refuta a incapacidade que onera a Autora Apelante e os efeitos daí decorrentes, que certamente a limitam em termos de desempenho profissional. Tornando este mais penoso, limitando-a na escolha do desempenho profissional e eventualmente sujeitando-a a uma maior precariedade. Todavia, aquela incapacidade, felizmente, não a torna totalmente incapaz daquele desempenho, sendo que, em concreto, não pode igualmente aludir-se a um esgotar, em pleno, das possibilidades da Autora se inserir no mercado laboral. Ademais, e in casu, tal exemplo provém, inclusive, do próprio demandado pai. Com efeito, este padece de doença oncológica, que lhe determina uma incapacidade permanente global de 60%, susceptível de variação futura e, nem por isso, logra cessar o seu desempenho profissional, certamente cumprindo-o com acrescido esforço e ónus. Compreende-se e aceita-se que a inserção laboral do Apelado permitir-lhe-á uma maior estabilidade profissional, de forma a beneficiar, em caso de necessidade, do devido apoio na doença e nos períodos de incapacidade. Todavia, esta protecção na doença é um ganho ou benefício decorrente de uma longa vida laboral – desde 1990, cf., facto 54. -, que lhe confere maiores garantias aquando daquela situação, da qual a Autora também pode vir a usufruir, logo que almeje idêntica estabilidade profissional. Por fim, duas outras conclusões urge consignar: – por um lado, a nota do comportamento da Autora, alegadamente violador do dever de respeito para com o Réu não surge, no contexto da decisão apelada, como factor ou circunstância que tivesse obviado ou impedido ao deferimento do pedido accional. Com efeito, tal circunstância é referenciada a título subsidiário, como factor de ponderação a não poder ser olvidado, sem que daí se tivessem retirado as devidas ilações e consequências. Efectivamente, e para além do dever de respeito equacionado no artº. 1874º, tal questão é normalmente tratada e referenciada na aferição da eventual violação de tal dever por parte do credor dos alimentos, ou seja, de que forma é que a sua conduta indigna conduz à cessação da obrigação da prestação de alimentos. Situação que convoca o prescrito no artº. 2013º, nº. 1, alín. c), mas que não está em ponderação no caso concreto. A este propósito, sumariou-se no douto aresto do STJ de 20/11/2003 [36] constituir “violação grave dos deveres de uma filha maior de idade para com sua mãe, para efeitos do disposto no artigo 2013º, nº. 1, alín. c), do Código Civil, a recusa injustificada de qualquer contacto com esta”. Acrescenta-se no corpo do mesmo aresto que a relação da Recorrente filha com a mãe “assenta na pura obrigação de alimentos, traduzindo-se este comportamento numa violação grave e intencional dos deveres a que está obrigada, designadamente o dever de respeito. O que justifica a cessação da obrigação de prestar alimentos nos termos daquela disposição legal”. Aduz-se, ainda, estar “ao alcance da Recorrente procurar sua mãe ou não se furtar às relações que esta tente estabelecer de modo a que, com o tempo, a dolorosa situação que, por certo, ambas faz sofrer, possa evoluir no sentido por uma e outra, no fundo, desejado. Julgamos que não será, então, necessário (…) recorrer á via judicial para obter alimentos”. Resulta do exposto inexistir a obrigação de prestar de alimentos, por sua cessação, sempre que o credor filho seja indigno de os receber, ou seja, quando viole, de forma grave, os seus deveres para com o obrigado progenitor, nomeadamente o dever de respeito que o onera [37], decorrente da imposição legal prevista no nº. 1 do artº. 1874º. Aduz o douto Acórdão do STJ de 15/12/2005 [38] que aquele normativo de cessação da obrigação alimentícia foi “introduzido pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, sucedeu ao primitivo, segundo o qual a obrigação de alimentos cessava quando se verificasse algum dos factos que legitimava a deserdação. Os factos que então, tal como actualmente, justificam a deserdação são a condenação por algum crime doloso a que corresponda pena superior a seis meses de prisão contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão ou do seu cônjuge ou de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, ou a condenação por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mencionadas pessoas (artigo 2166º, nº 1, alíneas a) e b), do Código Civil). Naturalmente que o legislador visou com a referida alteração normativa alargar o âmbito da referida causa de cessação da obrigação de alimentos, embora através da vacuidade do conceito de grave violação pelo credor dos seus deveres para com o devedor Neste quadro, cabe ao intérprete integrar o referido conceito normativo prudencialmente, tendo em conta, além do mais, as circunstâncias da vida familiar actual”. Nas palavras de J.H. Delgado de Carvalho [39], “um caso em que é admissível invocar a cláusula de razoabilidade, tornando inexigível a comparticipação, é quando o filho viole gravemente os seus deveres para com o progenitor não convivente (cfr. art. 2013.º, n.º 1, al. c), do C Civ, aplicável por analogia). Com efeito, não é exigível a este progenitor continuar a contribuir para os encargos da vida familiar, respeitantes a despesas com o sustento e educação de filho maior, quando este não cumpre, em relação a ele, os deveres de respeito, auxílio e assistência a que alude o art. 1874.º do CCiv”. - por outro lado, não pode aludir-se a qualquer limitação do pedido efectuada pelo Réu em sede de contestação, determinante do preenchimento dos requisitos da obrigação de alimentos e de inexistência de exclusão de tal obrigação. Efectivamente, aduz a Apelante que o Réu, na contestação apresentada, limita o seu pedido apenas à sua alegada incapacidade de prestar alimentos, reconhecendo, assim, que no demais estão preenchidos os requisitos de tal obrigação – cf., alínea M), das Conclusões recursórias. É certo que na contestação apresentada, o Apelado Réu conclui pela improcedência da acção, acrescentando “por provada a incapacidade de o mesmo prestar alimentos”. Todavia, analisada tal peça processual, e conforme já resulta do supra exposto, o Réu não invoca apenas, como fundamento da contestação apresentada, a sua alegada incapacidade no cumprimento da reivindicada prestação alimentícia. Desde logo, impugna a necessidade ou carência da demandante filha em tal prestação, alegando que a mesma é capaz de prover ao seu sustento. E, ademais, conforme resulta dos artigos 571º e 572º, ambos do Cód. de Processo Civil, a formulação de um alegado pedido não constitui um dos elementos da contestação, a qual deve antes conter a exposição das razões de facto e de direito de oposição à pretensão do autor, bem como os factos essenciais em que se baseiam ou fundam as excepções deduzidas – cf., as alíneas b) e c) deste último normativo. Donde, não se pode afirmar ou concluir por uma qualquer vinculação decorrente da formulação enunciada no dispositivo de tal articulado, nem que desta decorra um qualquer reconhecimento perante as pretensões accionais deduzidas. E, muito menos que tal possa ser operatório em distonia ou contraposição com o teor dos articulados da própria contestação, tendo em atenção as razões de facto e de direito apresentadas. O que sucede in casu. Pelo que, por todo o exposto, não urge concluir por qualquer reconhecimento em tal sede. Em guisa conclusória, não constando do recurso interposto qualquer outro questionar que mereça juízo de apelação, mais não resta do que confirmar a sentença apelada, no reconhecimento de um juízo de improcedência do recurso interposto pela Autora Apelante.
----------- Relativamente à tributação, decaindo a Apelante Autora no recurso interposto, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, deverá ser responsabilizada pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza. *** IV.–DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, na improcedência da presente apelação, em confirmar a sentença apelada/recorrida. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Autora/Apelante no recurso interposto, deverá ser responsabilizada pelo pagamento das custas devidas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza. ----------- Lisboa, 27 de Junho de 2019
Arlindo Crua - Relator António Moreira – 1º Adjunto Lúcia Sousa – 2ª Adjunta (Presidente) [1]A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 155, 156, 158 e 159. [3]Acórdão datado de 28/04/2016, disponível in www.dgsi.pt . [4]Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 164 e 165. [5]Relator: Lopes do Rego, Processo nº. 233/09.4TBVNG.G1.S1, in www.dgsi.pt . [6]Relator: Tomé Gomes, Processo nº. 299/05.6TBMGD.P2.S1, in www.dgsi.pt . [7]Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, in www.dgsi.pt . [8]Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 157. [9]Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, e no qual o ora Relator e 1ª Adjunto figuraram como Adjuntos. [10]Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 699 a 701. [11]Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2015, pág. 62 e 63. [12]Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Almedina, 2017, pág. 669 e 670. [13]Relatora: Ondina Carmo Alves, Processo nº. 185/14, in www.dgsi.pt . [14]Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, referem-se ao presente diploma. [15]Alimentos, Reforma do Código Civil, Ordem dos Advogados, Lisboa, 1981, pág. 173 e 174. [16] Idem, pág. 177 e 209. [17]João de Castro Mendes, Direito da Família, AAFDL, 1990/91, págs. 430 e 431. [18]Idem, págs. 430 e 431. [19]Alimentos a Filho Maior, Almedina, Junho/2019, pág. 17. [20]Abel Delgado, Divórcio, pág. 221. [21]Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. II, Almedina, 2017, pág. 915. [22]Assim, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol., Almedina, pág. 106. [23]Rute Teixeira Pedro, ob. cit., pág. 917. [24]Código Civil Anotado, Vol. V, 1995, pág. 595 a 597, citados por aresto deste Tribunal datado de 13/03/2012 – Relator: Rui Vouga, Processo nº. 2275/11.0TMLSB.L1-1, in www.dgsi.pt . [25]Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. II, Almedina, 2017, pág. 775. [26]Refere Gonçalo Oliveira Magalhães - A tutela (jurisdicional) do direito a alimentos dos filhos maiores que ainda não concluíram a sua formação profissional, Revista Julgar Online, Março de 2018, pág. 3 - que “a obrigação dos pais sustentarem os filhos menores de idade, prevista no art. 1878.º, n.º 1, do CC, com arrimo no art. 36.º, n.º 5, da CRP, assenta da relação biológica da filiação1 e inclui-se no conteúdo das responsabilidades parentais”. [27]Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, 2ª Edição, págs. 128 e 129. [28]Citada no douto aresto da RP de 26/02/2009, Relator: Pinto de Almeida, Doc. nº. RP200902260837762, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf . [29]Tal expressão é utilizada por Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (em Especial Filhos Menores), pág. 131. [30]O jurista brasileiro Lourenço Prunes, citado por Yussef Said Cahali, ensina que "a instrução e educação não são privilégios dos menores, como pretendem alguns autores; isso seria uma espécie de regressão às Ordenações, que mandavam ensinar a ler até a idade dos doze anos (Liv. I, Tít. 88, § 5°), a despeito do facto de que, em direito romano, a instrução e educação já se incluíam, genericamente, entre os alimentos (...); assim, mesmo maiores podem e devem, em certas circunstâncias, ser instruídos e educados à custa dos pais”. [31]Assim, o douto Acórdão da RP de 04/04/2005 – Relator: Fonseca Ramos, Doc. nº. RP200504040551191, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf -, citando Remédio Marques, ob. cit., pág. 261 e 262. [32]cf., em idêntico sentido, na aferição do critério de razoabilidade, o douto Acórdão do STJ de 08/04/2008 – Relator: Fonseca Ramos, Doc. nº. SJ20080408004936, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, de 12/01/2010 - Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 158-B/1999.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf -, bem como o já citado aresto da RP de 26/02/2009. [33]Assim, o douto aresto do STJ de 13/07/2010 – Relator: Garcia Calejo, Processo nº. 202-B/1991.C1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [34]Assim, o douto aresto da RP de 26/02/2009, já supra referenciado, citando Remédio Marques, ob. cit., pág. 262 e 266. [35]Refere Daniela Pinheiro da Silva – ob. cit., pág. 20 – que nestas circunstâncias “será legítimo exigir dos progenitores um esforço adicional para proporcionarem aos seus filhos o direito à educação, desde que, naturalmente, esse esforço esteja contido dentro de critérios de razoabilidade e não coloque em causa a sua “reserva mínima de auto-sobrevivência” ou o seu “mínimo vital””. [36]Relator: Moitinho de Almeida, Doc. nº. SJ200311200034252, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [37]Traduzido no dever recíproco de consideração pela vida, integridade física e moral de cada um. [38]Relator: Salvador da Costa, Doc. nº. SJ200512150041017, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf . [39]Ob. cit., pág. 6, último §.