ENTREGA DE MENOR
CONVENÇÃO DE HAIA
LEI APLICÁVEL
Sumário


Sumário (do relator)

1) Demonstrando-se, em procedimento especial urgente para entrega de menor, requerido ao abrigo da Convenção de Haia, que – sendo a residência habitual dos pais e da criança (com eles) em França e a ambos em conjunto cabendo o exercício das responsabilidades parentais e a decisão sobre questões (como a da deslocação) de particular importância para os interesses da menor – a progenitora, sem consentimento e contra a vontade do progenitor, trouxe a menor para Portugal, assim a subtraindo e obstando aos inerentes direitos daquele concernentes à paternidade, mais não é preciso acrescentar para se concluir que a relação de ilicitude exigida nos conceitos legais de “retenção ilícita”, de “deslocação ilícita”, de “afastamento ilícito” ou, mais amplamente, de “deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, está verificada.

2) Não tendo o tribunal francês – que, no âmbito do divórcio lá requerido pelo progenitor, decretou as medidas relativas ao exercício das responsabilidades parentais e ponderou, para o efeito, a situação daquele, da progenitora e da criança – hesitado em decidir que, na hipótese de afastamento daquela do domicílio paternal mais de 50 quilómetros, a residência daquela seria a casa do pai e a mãe beneficiaria, apenas, de direitos de acolhimento, invertendo-se assim os papéis que a um e outro caberiam se ela continuasse a viver nas proximidades e não tivesse decidido, apenas por si e contra a vontade e sem conhecimento do pai, deslocar-se com a criança para Portugal, não cabe à jurisdição portuguesa imiscuir-se na apreciação ali feita e na decisão tomada por tribunal competente e segundo a lei francesa aplicável, mormente em ordem a considerar e decidir verificar-se o alegado perigo para a criança justificativo da recusa no seu regresso e entrega.

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público, a pedido, feito através da respectiva Autoridade Central em Portugal, de (…) residente em França, requereu, em 06-02-2019, no Tribunal de Família e Menores de Guimarães, contra (..), a instauração, com carácter de urgência, de processo para entrega judicial da menor (..), ao abrigo da Convenção de Haia, de 25-10-1980.

Alegou que aqueles têm nacionalidade portuguesa, são os progenitores da criança e viviam ambos com esta em França, ele já antes e ela depois que casaram (em 2012). Pendem acções de divórcio naquele país (proposta pelo cônjuge marido) e em Portugal (proposta pelo cônjuge mulher). Esta, no final de Julho de 2018, ausentou-se com a menor do domicílio que lá tinham, com destino a Portugal, tendo, desde aí, passado a viver com a filha na casa de seus pais, em ..., Guimarães, sem consentimento nem autorização do progenitor, recusando-se ela a voltar àquele País, apesar dos pedidos dele. Entretanto, por sentença proferida, em 17-12-2018, pelo Tribunal de Grand Instance de Dukemberque (França) – que se assumiu como o competente para conhecer da totalidade do litígio por ter sido o primeiro a ser chamado a decidir sobre o divórcio e entendeu ser aplicável ao caso a lei francesa –, constatando que a autoridade parental sobre a ... é comum, tendo em conta as circunstâncias e os interesses da criança em jogo, maxime o de ter contactos físicos regulares com o pai o que só será possível se a mãe morar próximo, foi decidido, provisoriamente, que, em caso de proximidade dos domicílios dos pais, a residência habitual da menor será fixada na casa da mãe, beneficiando o pai de direitos de acolhimento nos termos definidos, e que, caso a mãe se afaste do domicílio paternal mais de 50 km, a residência da criança será fixada em casa do pai e a mãe beneficiará de direitos de acolhimento conforme regulado.

Concluiu, assim, que a retenção da menor em Portugal viola o direito de custódia do progenitor, o que consubstancia ilicitude conforme estabelecido na Convenção, e requereu que se ordene o seu regresso a França.

Juntou pertinente documentação, incluindo a aludida decisão estrangeira.

Por despacho de 07-02-2019, foi determinada a apensação deste processo ao de divórcio requerido pela mãe e pendente naquele Tribunal (Guimarães).

Por despacho de 08-02-2019 (fls. 116), foi o processo mandado autuar como tutelar comum, decidido atribuir-lhe carácter urgente e ordenada a citação da requerida.

Esta deduziu oposição (fls. 125 e sgs.), manifestando-se contrária ao regresso da criança a França, alegando, em resumo, o seguinte:

- após ter casado com o progenitor da menor e passado a residir em Guimarães, em Setembro de 2012, emigraram para França, passando a residir temporariamente em (…)
- após ter engravidado em França, regressou a Portugal com o progenitor da menor;
- a 20-02-2016, nasceu a criança (…) ;
- Em, Setembro de 2016, o pai da menor foi para França, deixando-lhe apenas € 400,00 para fazer face a todas as despesas;
- após o nascimento da menor, a mesma e sua filha não mais tiveram uma vida tranquila e sequer digna da condição humana;
- assim que foram para França, passaram a viver num quarto com uma área de cerca de 9 m2, onde, além do berço da menor, existia uma cama improvisada para si, colocada no chão, em que a almofada era uma toalha ou um lenço dobrado, além de brinquedos, roupas e outros móveis;
- tal situação deveu-se a uma discussão entre si e o progenitor da menor, onde lhe referiu que a mãe do mesmo batia na menor, tendo sido expulsa do quarto do casal pelo pai da menor;
- foi obrigada a fazer no quarto referido todos os preparativos para as refeições, que podia preparar após os avós paternos da menor e o progenitor terem preparado e comido a refeição;
- a menor não podia brincar dentro de casa, excepto no aludido quarto, podendo ir à rua esporadicamente para brincar nos jardins e parques próximos;
- a avó paterna da menor apenas permitia que usasse uma das bocas do fogão e não autorizava o uso dos estendais da habitação;
- foi no aludido quarto que a menor e a própria dormiram e passaram a maior parte do tempo, sendo que aí secava também a roupa;
- nunca pôde trabalhar, pois tinha de tomar conta da sua filha menor, uma vez que nunca lhe foi permitido frequentar estabelecimento pré-escolar;
- durante o mesmo período, o seu marido não a deixava vir a Portugal nem à sua filha e não lhe dava acesso às contas ou ao dinheiro do casal;
- tão pouco tinha dinheiro, pois o seu marido não lho dava;
- a avó paterna da menor, por vezes, “maltratava-a”, afastando-a e empurrando-a, e não autorizava que a menor permanecesse no seu quarto, salas ou outros pontos da habitação;
- farta da situação acima referida, veio embora com a sua filha, sendo que já não a aguentava e a sua filha não tinha condições para viver;
- em França, a menor nunca frequentou uma escola, creche ou ATL e não tinha contacto com outras crianças;
- a menor apenas era acompanhada pelo médico de família, sendo que apenas era consultada pelo mesmo na altura da toma das vacinas;
- deu entrada aos processos de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais a que o presente procedimento está apenso, sendo que o Tribunal ainda não se pronunciou;
- nunca foi devidamente notificada nem ouvida pelas Autoridades Francesas;
- a decisão que serve de fundamento do pedido de regresso da menor é uma decisão provisória, susceptível de recurso, que irá apresentar, pelo que impugna os efeitos pretendidos com a junção da certidão da mesma;
- o pai da menor deslocou-se de imediato a Portugal e tentou levar à força a filha;
- a actuação o pai da menor e avó paterna não permite um bom e salutar desenvolvimento da criança em França, sendo que entende que a menor se encontra numa situação de perigo, razão pela qual se opõe expressamente ao regresso voluntário da sua filha;
- tem todo o apoio familiar de que necessita para cuidar da menor em Portugal, dispondo de casa própria com boas condições de habitabilidade, tendo a menor quarto próprio e um espaço para brincar;
- a menor encontra-se inscrita e a frequentar estabelecimento de ensino, onde é acompanhada por professores, médicos e psicólogos;
- trabalha, auferindo € 605,00, por mês, de salário;
- a menor, em Portugal, beneficia de todo o apoio, carinho e conforto de que não dispunha em França, estando até acompanhada por médico;
- sendo de prever que, regressada a França, a menor tenha o mesmo tratamento que teve até Julho de 2018, sendo desprezada, maltratada e negligenciada pelo pai e família deste;
- o requerido não trabalha, está inscrito no centro de emprego em França, apenas exercendo alguma actividade quando designado pelo centro de emprego;
- o pai da menor, todas as sextas-feiras e sábados, sai de casa pela 22H00 e regressa por volta das 08H00, frequentando casas de diversão nocturnas, bares e casas de alterne;
- por tais factos, atendendo ao actual estado da menor, deve a mesma ser entregue à mãe, que beneficia de integração na sociedade, trabalha e tem o apoio familiar necessário ao desenvolvimento da menor.

Apresentou, ainda, e requereu a produção de meios de meios de prova (tomada de declarações de parte à própria, tomada de depoimento a testemunhas, obtenção junto da CPCJ do processo de promoção e protecção referente à menor que a mesma instituição tramita, solicitação às Autoridades Francesas de relatório social referente ao progenitor da menor e sua família e realização de perícia forense, de natureza psiquiátrica ou similar, à menor, de modo a aferir das suas capacidades cognitivas e a possibilidade de novo contacto com a família do requerido).

O progenitor apresentou resposta (fls. 136 e sgs.), refutando a versão daquela e salientando a sua (diversa), designadamente dizendo que foi a mãe da menor que não quis continuar a viver em França e resolveu voltar e trazê-la, e defendendo que se determine o regresso.

Apresentou também meios de prova e requereu a sua produção (tomada de declarações de parte ao próprio e de depoimento a três testemunhas).

Tendo sido dada Vista dos autos ao Ministério Público (fls. 144), promoveu este que se determine o regresso da menor a França, nos termos dos arts. 1º, 3º e 12º da Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, através da DGRSP, Autoridade Central em Portugal.

Foi, de seguida, com data de 18-03-2019, proferida a sentença, que culminou na seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Julgar ilícita a deslocação de França para Portugal da menor ..., nascida a ..-..-2016, filha de ... e de ...;
b) Determinar o regresso imediato da referida menor a França, para junto do progenitor, a executar no prazo máximo de 30 dias, cabendo à Segurança Social, com o auxílio da autoridade policial competente, a recolha da menor e a sua entrega ao progenitor, o qual deverá proceder ao acompanhamento da menor desde Portugal ao seu destino;
c) Solicitar à Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – Gabinete Jurídico e de Contencioso) que diligencie junto da Autoridade Central Francesa no sentido de sinalizar a situação da menor, após o seu regresso, ao sistema de promoção e protecção dos interesses dos menores no respectivo estado, de modo que a esta beneficie das medidas concretas que se revelem necessárias ao seu bem-estar;
d) Determinar a intervenção da Autoridade Central Portuguesa na execução do regresso da menor, designadamente, nos procedimentos de articulação dos operadores envolvidos e dos progenitores, se necessário com intervenção de técnicos com formação em psicologia, sendo que a execução coerciva do regresso deverá ocorrer apenas caso a progenitora não proceda à entrega voluntária da criança à Autoridade Central Portuguesa;
e) Determinar a emissão de mandados de entrega judicial da menor, os quais deverão conter as seguintes informações:
i. Cópia da presente decisão;
ii. Identificação da menor, com expressa referência aos progenitores e seu local de residência;
iii. Cópia da certidão registal do assento do nascimento da menor;
iv. Referência ao local de residência da menor e seu destino;
v. Identificação da Segurança Social como a entidade que irá proceder à recolha da menor e sua entrega ao progenitor, a quem caberá acompanhar a menor até ao seu destino;
vi. Determinar a entrega de todos os documentos de identificação da criança, designadamente, cartão de cidadão, cartão de contribuinte fiscal e boletim de vacinação;
vii. Determinar a entrega das roupas da menor e outros objectos pessoais, designadamente, brinquedos e outros objectos com que a criança se identifique;
viii. Consignar expressamente a possibilidade do auxílio da autoridade policial e, em caso de ser necessário, de entrada na residência onde a criança se encontra com recurso a arrombamento, caso não seja possibilitado o livre acesso à criança;
f) Determinar a comunicação da presente decisão ao Sistema de Informação Schengen, sob responsabilidade do Gabinete Nacional SIRENE, com os dados de identificação da criança em referência nos autos e da requerida (art. 3º, al. a), do DL n.º 292/94, de 18-11, e art. 97º da Convenção Schengen, conjugados com o art. 28º, n.º1, in fine, e 4º do RGPTC), e respeitando o solicitado a fls. 116-A, tendo-se em vista evitar a deslocação da criança fora do que ora se determina, sendo que, em tal caso, assim que a menor seja localizada, deverá ser colocada em segurança;
g) Condenar a requerida no pagamento das custas processuais, sem prejuízo do decidido sobre apoio judiciário;
h) Fixar o valor da causa em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

*
Registe e notifique.
Comunique-se à Segurança Social a presente decisão, com remessa de certidão da presente decisão e de mandados.
Comunique-se à Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – Gabinete Jurídico e de Contencioso).”

A progenitora …, não se conformou e de tal decisão interpôs recurso para esta Relação, tendo alegado e apresentado como conclusões [1]:

1.ª A Recorrente não se conforma com a douta sentença que antecede, a qual julgou ilegítima a deslocação da menor ... para Portugal e ordenou o imediato regresso da mesma a França e sua consequente entrega ao progenitor.
2.ª E não concorda a Recorrente com a decisão que antecede, não apenas por razões de forma, mas sobretudo por razões de fundo que se prendem com a verdade dos factos e com a avaliação da prova, a qual, sempre salvaguardando o devido respeito e consideração merecidos ao Meritíssimo Juíz a quo, não foi atendida, como se demonstrará.
3.ª Assim, através do presente recurso, a Recorrente não apenas pretende impugnar a decisão proferida sobre a deslocação da menor ... para Portugal e o imediato regresso da mesma a França e sua consequente entrega ao progenitor, como suscita outras questões que motivam a sua discordância relativamente à decisão recorrida, na parte em que esta lhe é desfavorável e que infra se expenderão, assim como não acautelam os superiores interesses da criança, ..., designadamente o facto de poder estar em causa perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, a ficar numa situação intolerável.
4.ª […]
5.ª A vexata quaestio do processo sub iudice, e objecto do presente recurso é o decretar como ilegítima a deslocação da menor ... para Portugal e a consequente decisão do imediato regresso da mesma a França e sua consequente entrega ao progenitor.
6.ª Ora, verifica-se a nulidade da sentença em causa, dado que a mesma não foi sequer notificada pessoalmente à requerida, sendo que comporta em si mesma, a douta Sentença, consequências de índole criminal para a requerida, e por outro lado não observou nem se ateve na consideração do princípio basilar de toda a sistemática normativa e processual que impõe a produção de prova ainda que mínima tanto mais considerando as implicações que tal decisão tem na vida e saúde da menor;
7.ª Pois da prova pretendida e indicada produzir nos presentes autos, maxime da prova testemunhal e documental indicada, resultaria que efectivamente a menor não deveria ser forçada a regressar a França, muito menos entregue ao progenitor.
8.ª […]
9.ª Dado que a sentença foi proferida sem que fosse produzida qualquer prova, nomeadamente o requerido relatório social e pericial à menor, a inquirição da Técnica da CPCJ que acompanhou a menor, e da Coordenadora do Estabelecimento de ensino onde a menor estava matriculada e as condições oferecidas pela progenitora e o perigo inerente à entrega ao progenitor da menor, a qual se encontra exclusivamente próxima e ligada à recorrente, apenas fala português, encontrando-se social e familiarmente inserida, beneficiando de todo o apoio familiar dos avós maternos, sendo uma criança alegre e amorosa.
10.ª Ouvida a requerida e as testemunhas, designadamente a Técnica da CPCJ, Dra. ..., Assistente Social da CPCJ de Guimarães, que acompanhou a menor, e da Dra. …, Coordenadora da Casa de Beneficência …, estabelecimento de ensino onde a menor ... se encontra matriculada e a frequentar a Creche, sita na Rua do …, o que se impunha ao Tribunal, sob pena de decidir, como decidiu, em detrimento dos verdadeiros e ponderosos interesses da menor, facilmente o Tribunal concluiria e decidiria de forma diversa, designadamente pela permanência da menor com a mãe em território português.
11.ª A inquirição facilmente demonstraria ao Tribunal a quo que efectivamente a requerida reúne todas as condições para prover amor, carinho, sustento e bem-estar à menor, e que ao contrário o regresso da menor a França, e consequente entrega ao progenitor colocaria em risco a menor, colocando-a numa situação de perigo e stress, traumatizando-a, aliás diga-se a menor ao ter contacto a presente situação, uma vez que as técnicas da Segurança Social já se deslocaram ao domicilio para a entrega da menor, ficou de imediato doente, prostrada e com receio de ser entregue ao progenitor (cfr. Doc. 1 – Declaração Médica)
12.ª Por outro lado, é pressuposto do objecto da Convenção a existência de rapto, consubstanciado na violação de um direito de custódia, atribuído a outra pessoa, de forma ilícita. E, é igualmente pressuposto que esse direito de custódia esteja a ser exercido, individualmente e de forma efectiva;
13.ª Ora, in casu, não estão minimamente cumpridos os pressupostos de aplicabilidade da aludida Convenção, dado que não se verifica, por um lado, que exista um direito de custódia adstrito ao progenitor da menor, muito menos que tenha sido efectivado de forma individual, regular e efectiva;
14.ª A deslocação da menor não foi efectuada de forma ilícita, ao contrário do que pretende de forma abusiva e falaciosa o progenitor da menor, uma vez que em França a menor, ..., não tinha as mínimas e condignas condições de vida.
15.ª Quando foram viver temporariamente para França, a requerida e sua filha menor, ..., passaram as duas a viver num quarto com uma área de cerca de 9 metros quadrados, onde para além do berço da ..., existia ainda uma cama improvisada para a recorrente, bem como todos os seus brinquedos, roupas, entre outros móveis.
16.ª A requerida a partir do nascimento da ... foi obrigada a fazer no quarto todos os preparativos para as refeições, as quais apenas podia preparar após a avó paterna, o avô paterno e o pai da ... terem preparado a sua refeição e comido.
17.ª A menor não podia brincar dentro de casa, excepto no quarto, sendo que apenas esporadicamente podia via até ao exterior, brincar nos jardins e parques ao pé de casa, sendo que no inverno tal se tornava impossível atendendo ao frio e neve que se faz sentir naquela região.
18.ª A requerida, sua família e habitação reúnem todas as condições para prover amor, carinho, sustento, segurança e bem-estar à menor (Docs. 3 a 8).
19.ª Sempre se verifica, nos termos do artigo 14º da Convenção, que tendo em conta a legislação francesa, e considerando a própria informação proveniente desse Estado-Membro, ambos os progenitores têm igual capacidade para o exercício do poder paternal.
20.ª A requerida não violou ilicitamente qualquer direito de custódia em relação à menor.
21.ª Finalmente, ainda que não se entenda quanto a tudo o que supra veio alegado, e que aqui se dá por reproduzido, há indubitavelmente, perigo grave na deslocação da menor para França ao nível da sua saúde física e psicológica, podendo a menor, sem a presença, companhia, amor, carinho e cuidados da mãe passar a viver em circunstâncias de perigo e ficar numa situação intolerável.
22.ª A menor é portuguesa, nasceu em Portugal, os pais são portugueses, os avós maternos vivem em Portugal, a menor só fala português, está social e familiarmente inserida, sendo uma criança alegre e amorosa, com todo o amor, cuidados e carinho de que necessita para crescer saudável e feliz.
23.ª Por tudo isto, nos termos dos artigos 13.º, alíneas a) e 20º da Convenção, resulta comprovados os factos necessários à determinação da rejeição do pedido de entrega imediata da menor à progenitora, por inexistência de qualquer fundamento e muito menos de qualquer facto que o legitime;
24.ª A sentença ora recorrida viola o intuito normativo do Processo Tutelar Civil e da própria Convenção de Haia, bem como o disposto nos respectivos art.ºs supra mencionados e os mais elementares princípios constitucionais e direitos da Criança.
25.ª O Exmo. Juiz do tribunal a quo fundamentou a sua decisão na decisão existente em França, na qual a guarda da menor ..., teria sido entregue ao progenitor, analisadas que foram todos os circunstancialismos de vida do agregado familiar da menor.
26.ª A decisão proferida em França, para além de ser uma decisão temporária e de mero expediente para posterior análise dos requisitos para Julgamento de Divórcio, sendo que a decisão ainda não transitou em julgado, tendo já a recorrente interposto recurso da mesma (cfr. doc. 2 – Comprovativo de recurso).
27.ª Mais, o Exmo. Juiz do tribunal a quo limitou-se a considerar como assente a factualidade vertida pelo requerente/progenitor, estribando a sua decisão na decisão das autoridades francesas, demitindo-se assim de proferir uma decisão que de facto proteja os superiores interesses da menor, ....
28.ª Aliás, a atender-se à decisão francesa - a qual não transitou ainda em julgado, e não é sequer uma decisão definitiva - a menor, ..., segundo as autoridades francesas, tem uma relação de proximidade em exclusivo com a progenitora, aqui recorrente, pelo que deveria ser entregue à mãe, contando que a mesma passasse a residir a menor de 550 quilómetros do progenitor.
29.ª A requerida nunca foi devidamente notificada, nem sequer ouvida pelas autoridades francesas, sendo que já recorreu da referida decisão, cfr. doc. 2, pelo que a referida decisão proferida pelas autoridades francesas não poderia sustentar a decisão e sentença ora recorrida.
30.ª Assim, dúvidas não restam que a decisão proferida na douta sentença recorrida deve a ser alterada por douto Acórdão proferido por Vossas Excelências, decidindo-se pela legalidade da deslocação da menor a Portugal, não se decretando o regresso imediato da mesma a França e consequente entrega ao progenitor, permanecendo a menor em território português com a mãe, assim se fazendo salutar e acostumada JUSTIÇA!!!!”.

O progenitor … a o Ministério Público responderam, argumentando no sentido da total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo (indeferindo-se a atribuição do suspensivo).

Consta dos autos que, entretanto, a decisão foi executada.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos.

Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

Peneirado do texto apresentado como conclusões aquilo que, à luz do artº 639º, nº 1, CPC, verdadeiramente as não consubstancia e aí formalmente nem devia constar mas olhando a que, sem necessidade de convite ao seu aperfeiçoamento e para evitar mais delongas face à natureza urgente do procedimento, todos (sujeitos processuais) percebemos, com suficiente clareza, o que, de relevante, pretende a recorrente e os fundamentos que invoca [2], neste caso, importa apreciar e decidir:

a) Se a sentença é nula por não lhe ter sido notificada e por não ter sido produzida a prova que o devia ser antes de ela ser proferida.
b) Se não se verificam os pressupostos exigidos na Convenção para ser ordenado o regresso.
c) Se a execução de tal ordem implica perigo grave para a criança.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Releva os factos narrados no relato antecedente, bem como os tomados em conta na decisão recorrida, que a seguir se transcreverá nas parcelas relevantes.

IV. APRECIAÇÃO

a) Nulidade da sentença

Defende a recorrente que a sentença é nula por não lhe ter sido notificada pessoalmente e por não ter sido produzida a prova que, em sua perspectiva, o devia ser antes de aquela ser proferida.

Ora, nem um nem outro desses pretensos fundamentos integra qualquer das hipóteses típica e taxativamente previstas no elenco do artº 615º, do CPC, aqui aplicável.

Logo, não se verifica esse vício.

Nem esse, nem qualquer outro análogo, sendo certo que também o não enquadra legalmente nem o fundamenta consistentemente.

Não estava em causa a chamada da recorrente ao processo para a prática de qualquer acto pessoal.

Tinha mandatário constituído nos autos – que foi devidamente notificado e, como deles resulta, exerceu de seguida os direitos que entendeu adequados.

Não se vislumbra preceito legal que impusesse a sua notificação pessoal, nem prejuízo que de uma tal omissão adviesse, nem, designadamente, que qualquer direito pudesse e pretendesse exercer que, por causa dela, ficasse postergado.

De resto, ela interpôs recurso, esteve presente no acto de entrega da criança e, evidentemente, com ciência da respectiva decisão.

Não colhe a referida invocação.

Como a relativa à não produção da prova que indicou.

Muito embora a apelante argumente que a sua discordância “por razões de fundo” se prende com a verdade dos factos e com a avaliação da prova”, o certo é que – importa precisar – nenhuma impugnação, por vício ou erro, dirige contra os que na sentença foram considerados nem qualquer crítica tece à apreciação e valor dos meios considerados como base dos tidos por relevantes.

A eventual ausência de factos essenciais para a boa decisão do mérito jurídico da causa a que se intui tenha querido referir-se – mas sem nada a esse propósito concretizar – poderia despoletar o mecanismo previsto na alínea c), do nº 2, do artº 662º, do CPC. Nunca o da nulidade da sentença tout court.

Admitindo-se, ainda assim, que é a necessidade de ampliação da matéria de facto e, para tal, da produção dos meios de prova indicados, que a recorrente teve em vista, falta-lhe, contudo, razão.

A sentença recorrida cuidou de tal justificar proficientemente:

“Considerando as alegações apresentadas pela requerida e o regime jurídico aplicável ao caso em apreço nos autos, que abaixo se identificará, entende-se que existem condições para tomada de decisão sobre o pedido de regresso da menor ....
Passa-se, assim, a proferir tal decisão, dispensando-se a apreciação dos requerimentos de prova apresentados pelos seus progenitores atenta a sua inutilidade.
*
Para a economia da presente decisão, importa reter que na mesma cumpre decidir se se determina o regresso da criança em referência nos autos ao Estado-Membro que o solicita em representação do progenitor, ou seja, a França.
Não se discute, pois, a questão de mérito sobre o direito de custódia da referida criança, seja a título provisório seja a título definitivo.”

Em face da natureza do processo, do regime jurídico aplicável e das questões estritamente por ele suscitadas e a decidir que, aliás, no subsequente texto da sentença, estão escorreitamente delimitadas e afastam justamente qualquer outro tipo de discussão que as partes, relativamente ao litígio mais amplo entre elas subsistente quanto à relação conjugal e quanto ao exercício das responsabilidades parentais, aqui tentaram introduzir – como se colhe dos seus articulados, das provas aduzidas e, designadamente do de oposição cujo texto a apelante praticamente reproduz nas alegações e nas conclusões do presente recurso –, a produção de quaisquer outras provas suplementares em razão das já disponíveis e dos factos indiscutíveis destas resultantes e que, aliás, foram tomados na devida conta, resultaria, como diz o Mº Juiz recorrido, numa inutilidade.

Na verdade, o objecto deste especial procedimento é circunscrito às estritas questões identificadas e tratadas (não sobre o fundo do direito de custódia) e não se vê que outra matéria de facto e outras provas para a sua boa decisão fossem necessárias, em vista, aliás, da circunstância relativa ao modo como estava atribuído o exercício do poder paternal, da decisão judicial francesa entretanto proferida e da patente violação dos direitos do progenitor pela progenitora.

Além de ser um processo marcado pela sua natureza de jurisdição voluntária em que preponderam os princípios da oficiosidade e da oportunidade, e de este ter sido declarado urgente, o certo é que, como resulta da Convenção de Haia, da Convenção do Luxemburgo, do Regulamento 2201/2003 ou mesmo da Convenção nesta matéria entre a República Portuguesa e a República Francesa, nele prepondera a celeridade, simplicidade, eficácia, de modo a garantirem-se, de forma expedita, a decisão sobre o regresso imediato e, sendo deferida, a sua execução pronta, atenta a natureza dos interesses em causa e a singeleza das questões suscitadas. [3]

De resto, a apelante não fundamenta concretamente se e como resultaria, em razão das provas que ofereceu e dos factos que alegou, afastada a verificação dos critérios específicos na Convenção exigidos para ser ordenado o regresso ou os pressupostos nela previstos para o mesmo ser recusado, como é seu desejo.

Daí que esta questão deva, de todo, como preconizam o Mº Pº e o progenitor, improceder.

Pressupostos para ser ordenado o regresso.

Defende a recorrente que estes não estão verificados por não se demonstrar que exista um direito de custódia (do progenitor) e muito menos que este tenha sido exercido de forma individual, regular e efectiva, pelo que a deslocação da criança, com a mãe, para Portugal não foi ilícita.

O recorrido sustenta que tal ilicitude é manifesta, uma vez que aquela reconhece que agiu contra a sua vontade.

O Ministério Público sustenta, no mesmo sentido, que a residência fixa dos progenitores era em França, logo aí e com eles o domicílio da criança, que, segundo a legislação francesa aplicável ao caso, na altura em que a mãe unilateralmente e contra (como ela reconhece) a vontade do pai e sem consentimento deste, a deslocou para Portugal, a ambos os progenitores pertencia conjuntamente o exercício das responsabilidades parentais e a decisão sobre as questões importantes da vida da menor, designadamente, sobre a sua saída do território francês, e que, portanto, daí resulta a ilicitude sancionável com o regresso imediato.

O tribunal recorrido, fundamentou o seu entendimento, primeiro aludindo ao regime que deve ser convocado:

“O regime jurídico aplicável ao caso é, no essencial, o consagrado na Convenção de Haia de 1980 Sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, e no Regulamento n.º 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003.

O aludido regulamento prevê normas que têm por finalidade complementar, no âmbito das relações entre os Estados Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, as normas da Convenção de Haia de 1980 (cfr. Considerando 17 e art. 11º, n.º1, do Regulamento), cuja execução prática evidenciou padecerem de ineficácia devido, por um lado, à ampla margem que as mesmas conferem aos tribunais do Estado da deslocação ou retenção para recusarem a restituição de crianças (utilização frequente, na prática judiciária dos Estados Membros, da recusa na restituição com fundamento no art. 13º, b), da Convenção) e, por outro lado, à insuficiência de resposta dada pelos mecanismos nelas previstos aos novos tipos de deslocação e subtracção ilícitas e às dificuldades colocadas ao exercício efectivo do direito de visita do progenitor que não tem a custódia (a Convenção foi definida visando o caso típico do progenitor sem a custódia que, aproveitando o direito de visita, desloca a criança para outro país ou a impede de regressar ao país da residência habitual, sendo que, actualmente, são frequentes situações distintas, como a do progenitor com custódia que desloca a criança com o objectivo de impedir os convívios com o outro progenitor ou a da custódia compartilhada em que um dos progenitores desloca a criança ilegitimamente).

Para decidir sobre o regresso da criança cumpre, face ao aludido regime, aferir a ilicitude da deslocação ou retenção da menor ... e, caso esta se verifique e não ocorra fundamento de recusa, decretar o regresso imediato da mesma ao Estado da sua residência habitual, ou seja, a França, para ficar à guarda do progenitor.

De acordo com o art. 2º, n.º11, do Regulamento, a deslocação ou retenção de uma criança devem considerar-se como ilícitas quando ocorram em violação do direito de guarda, que, de modo simplificado, corresponde à custódia prevista na Convenção (cfr. art. 2º, n.º9, do Regulamento), conferido por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor por força de legislação do Estado-Membro onde a criança tinha a sua residência habitual imediatamente antes da sua deslocação ou retenção, desde que esse direito de guarda estivesse efectivamente a ser exercido, conjunta ou separadamente, ou devesse estar a sê-lo, caso não tivesse ocorrido a deslocação ou retenção.

Considera-se que a guarda é exercida conjuntamente quando um dos titulares da responsabilidade parental não pode, por força de um decisão ou por atribuição de pleno direito, decidir sobre o local de residência da criança sem o consentimento do outro titular da responsabilidade parental (cfr. art. 2º, n.º 11, al. b), parte final, do Regulamento).”

Subsequentemente, aplicando-o ao caso:

“Mostra-se assumido na decisão que funda o pedido de regresso, proferida por Autoridade Judiciária Francesa (que se alcança a fls. 69-75 e 91-105, cujo teor aqui se dá por reproduzido), que os progenitores da menor fixaram a sua residência em França, passando a aí habitar após o nascimento da sua filha ..., até à sua deslocação para Portugal, pela progenitora.

Na mesma decisão, por referência à legislação francesa, aplicável ao caso, considera-se que, na altura da deslocação da menor para Portugal, o exercício das responsabilidades parentais à mesma respeitantes era conjunto, cabendo a ambos os progenitores decidir as questões importantes da vida da menor, designadamente, as da saída do território francês.

A deslocação da menor para Portugal, foi realizada pela progenitora sem o consentimento nem participação do progenitor, como assumido pela primeira na oposição que deduziu neste procedimento.

Tratando-se de questão importante para a vida da menor, a deslocação da mesma para Portugal à revelia do progenitor mostra-se ilícita (cfr. art. 11º, n.º2, do Regulamento).”

Ora, atentos os conceitos convencionais de “retenção ilícita”, de “deslocação ilícita”, de “afastamento ilícito” ou, mais amplamente, de “deslocação ou retenção ilícitas de uma criança”, e os factos objectivos aqui indiscutíveis, resultantes quer do que as próprias partes reconhecem quer da decisão francesa junta, é evidente a falta de razão da recorrente.

Sendo a residência habitual dos pais e da criança com eles em França, a ambos em conjunto cabendo o exercício das responsabilidades parentais e a decisão sobre questões, como a da deslocação, sem dúvida de particular importância para os interesses da menor, e tendo a progenitora, sem consentimento e contra a vontade do progenitor, trazido a menor para Portugal, assim a subtraindo e obstando aos inerentes direitos daquele concernentes à paternidade, mais não é preciso acrescentar para também se concluir, como bem concluiu o tribunal recorrido, que a relação de ilicitude exigida se patenteia, não colhendo o argumento de que aquele direito não existe e de que não era efectivamente exercido, pelo menos em conjunto.

Por isso, improcede tal questão recursiva.

Perigo para a criança

A recorrente alega também que o regresso acarretará perigo grave para a criança, nos termos dos artºs 13º e 20º, da Convenção, ao nível da sua saúde física e psicológica, face à separação da mãe, passando “a viver em circunstâncias de perigo e ficar numa situação intolerável”, dado que está inserida social e familiarmente em Portugal e só fala português, pelo que o pedido deve ser rejeitado.

O recorrido contrapõe que o quadro fáctico em que aquela se baseia é falso, não se verifica o risco hipotético temido e, além disso, foram tomadas medidas protectivas adequadas.

O Ministério Público corrobora o entendimento quanto a isto seguido na sentença.

Esta enquadrou a questão assim:

“Após se verificar a ilicitude da deslocação ou retenção da criança, deve apurar-se se, no caso, ocorre algum fundamento que legitime a recusa na determinação do seu regresso, sendo que tal fundamento ocorre numa das seguintes situações:

1) Não exercício efectivo do direito de custódia, pelo seu titular;
2) Consentimento do titular do direito de custódia à transferência ou retenção ou concordância ulterior com estes actos;
3) Existência de um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável (art. 13º, § 1º, da Convenção), sendo que, por força do disposto no art. 11º, n.º4, do Regulamento, tal circunstancialismo não legitima a recusa na determinação do regresso se ficar provado que foram tomadas as medidas concretas adequadas a garantir a protecção da criança no Estado-Membro da sua residência habitual;
4) Incompatibilidade com os princípios fundamentais deste Estado, Portugal, relativos à protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (art. 20º da Convenção);
5) Oposição da criança que tenha atingido idade e maturidade que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto (art. 13º, § 2º, da Convenção).

Na aferição das situações acima referidas, legitimadoras da recusa na determinação do regresso da criança, deverão ter-se em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança (cfr. art. 13º, último parágrafo, da Convenção).

Incumbe a quem se opõe ao regresso da criança o ónus de alegação e prova das situações que legitimam a recusa na sua determinação (como se assumiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2012, processo n.º 1534/11.7TMLSB-A-L1-7, acessível em www.dgsi.pt).

Na ausência de prova (ou de alegação), impõe-se determinar o regresso da criança ao Estado da sua residência habitual (cfr., no mesmo sentido, o acórdão do TRL de 05-06-2012, processo n.º 773/08.2TBLNH.L1.7, acessível em www.dgsi.pt).

Para a economia da presente decisão, releva, ainda, que nenhum dos dois instrumentos normativos internacionais referidos concretizam as situações que podem integrar o risco acima mencionado, previsto no art. 13º, al. b), da Convenção.

Tem-se entendido que a exigência de gravidade do risco ou de intolerabilidade da situação impõe uma interpretação restritiva quanto ao grau de ambas, assumindo-se que as decisões de retenção são consideradas uma excepção ao regime de regresso da criança que a Convenção procura implementar (cfr., a propósito, Anabela Susana de Sousa Gonçalves, “ O Caso Rinau e a deslocação ou retenção ilícitas de crianças”, Unio EU Law Journal, n.º 0, pág. 137).

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2012, processo n.º 1534/11.7TMLSB-A-L1-7, acessível em www.dgsi.pt, assumiu-se que constituirão situações de perigo legitimadoras da recusa na determinação da entrega as que se reconduzem a maus tratos, abuso sexual, regresso a países situados em zona de conflitos, de guerra ou de fome, ou de nível de gravidade semelhante.

Afigura-se de gravidade semelhante às acabadas de mencionar aquelas que se traduzam na existência de sério perigo para a saúde ou vida da criança decorrente da sua deslocação para o Estado da sua residência habitual, designadamente, por força da sua débil condição de saúde.

Como já acima se referiu, o Regulamento, no seu art. 11º, n.º4, fixa um limite à invocação do art. 13º, al. b), da Convenção como fundamento de uma decisão de recusa de regresso, na medida em que, por força de tal normativo, se for provado que foram tomadas as medidas concretas adequadas para garantir a protecção da criança após o regresso, o argumento de que este representa um risco grave para a saúde física ou psíquica da criança ou a coloca numa situação intolerável deixa de poder ser fundamento da recusa de regresso.”

E, subsumindo o caso a um tal quadro normativo, ajuizou:

“Face à ilicitude da deslocação da menor, importa, agora, apurar se existe fundamento para a recusa na determinação do seu regresso a França.

A esse propósito, importa apurar que, de toda a argumentação expendida pela progenitora para sustentar a sua oposição ao regresso da menor, a que se mostra susceptível de integrar fundamento de recusa na determinação do regresso é a que se reconduz à existência de um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável, a que acima se fez referência.

Na verdade, a progenitora alega que a menor, residindo em França com o progenitor e a família deste, ficará exposta a uma situação de desprezo, maus tratos e negligência (cfr. ponto 37 da oposição deduzida pela progenitora).

Apreciando tal argumentação, importa reter que o pedido de regresso que ora se aprecia se funda numa decisão proferida pelas Autoridades Judiciárias Francesas.

Em tal decisão, ponderou-se, expressamente, que a menor tem uma relação estreita com a mãe, passando todo o tempo com esta e não tem, praticamente, qualquer laço com outras pessoas, sendo que não fala francês.

Mais se ponderou expressamente em tal decisão que o progenitor da menor aparenta não ser muito próximo da sua filha, ainda que o seu apego à mesma seja real.

Na mesma decisão, ao fixar o regime de guarda e residência da menor, pondera-se a idade da menor e a circunstância de a mãe ser a principal figura de apego da criança e reconhece-se ser do interesse desta residir com a mãe, devendo a mesma, também, manter contactos físicos regulares com o seu pai, de modo a estar próxima do conjunto das raízes criadas desde o nascimento.

Ponderando todo o circunstancialismo referido, bem como o risco para o bem estar da criança derivado da privação de contacto regular com a mãe, a Autoridade Judiciária Francesa decidiu, no caso de a progenitora residir a mais de 50 quilómetros da residência do pai, como ocorre, que a criança residiria com o pai, com visita da progenitora.

Se o Tribunal Francês realizou tal ponderação e assumiu a decisão de colocação da criança, ainda que a título cautelar, à guarda do progenitor, foi porque, certamente, assumiu como seguro que de tal não ocorre perigo significativo para o bem estar da criança.

Por outro lado, o Tribunal apurou, ainda que sumariamente, o circunstancialismo de vida do agregado do progenitor e concluiu que o mesmo oferece idoneidade para assumir a guarda da criança e não apresenta perigo para o bem estar da criança.

Não cabe a este Tribunal sindicar os fundamentos da decisão em que o pedido de regresso se funda, sob pena de atentar contra os objectivos da Convenção e do Regulamento que passam, precisamente, pelo reconhecimento mútuo das decisões proferidas pelas Autoridades dos Estados Membros.

Nessa perspectiva, entende-se que as situações de perigo a atender para fundar a recusa na determinação do regresso da menor apenas podem ser aquelas que o Tribunal que proferiu a decisão em que o pedido de regresso se funda não teve em conta por impossibilidade de o fazer, designadamente, por serem supervenientes à própria decisão.

No caso em apreço, todo o circunstancialismo convocado pela progenitora para sustentar a recusa na determinação do regresso da menor (perigo para esta com o seu regresso) apresenta-se como susceptível de conhecimento pelo Tribunal Francês, sendo que, da motivação da decisão por este proferida, resulta que o mesmo foi, pelo menos em parte, apreciado, ao reconhecer-se a proximidade da menor em exclusivo com a mãe, sendo interesse da criança manter tal contacto, e o afastamento afectivo da mesma em relação ao pai.

Daí que se entenda que a argumentação apresentada pela progenitora não se mostra susceptível de constituir fundamento de recusa na determinação do regresso da criança.

Ainda que assim se não entendesse, e se assumisse a possibilidade de aferir da situação de perigo alegada pela requerida, sempre a mesma haveria de não poder constituir fundamento de recusa, caso fosse demonstrada, pelo que abaixo se exporá.

A Autoridade Judiciária que proferiu a decisão que funda o pedido de regresso respeita ao Estado Francês, que se tem por um estado de direito e dotado de um sistema de promoção e de protecção dos interesses dos menores.

Tem-se como seguro que a determinação do regresso da menor acompanhada de recomendação, junto da Autoridade Central Francesa, para sinalização da mesma no sistema protectivo do respectivo estado constituiu garantia da adopção de medidas concretas adequadas para assegurar a sua protecção após o regresso, integradora da previsão do 11º, n.º4, do Regulamento, o que compromete a relevância do perigo alegado pela requerida para legitimar a recusa na determinação do regresso da criança.
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Não se vislumbra qualquer incompatibilidade da determinação do regresso da menor com os princípios fundamentais deste Estado, Portugal, relativos à protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
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A criança, por força da sua idade (3 anos), não apresenta grau de maturidade que permita levar em conta a sua opinião sobre o assunto em apreço (art. 13º, § 2º da Convenção).
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Conclui-se, assim, pela determinação do regresso da criança a França, conforme peticionado nos autos.
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Procurando minimizar a afectação do bem estar da menor na execução do regresso, determina-se a intervenção da Autoridade Central Portuguesa nos procedimentos de articulação dos operadores envolvidos e dos progenitores.

Caberá à Segurança Social executar a recolha da menor e a sua entrega ao progenitor, com a colaboração da autoridade policial competente.

Afigura-se ajustado o prazo de 30 dias para efectivação do regresso.
Não se vislumbra perigo de fuga da progenitora com a menor de modo a comprometer a execução da presente decisão, pelo que nada obsta a que a mesma seja notificada da mesma em momento anterior ao da entrega da criança.

Caberá ao progenitor da criança acompanhar esta desde Portugal ao seu destino.
A execução coerciva do regresso deverá ocorrer caso a progenitora não proceda à entrega voluntária da criança ao progenitor ou à entidade designada para a execução da decisão.”

Em face de tão assertiva e correcta exposição, adequada aos factos e ao direito aplicável, não resta senão corrobora-la e reafirmá-la, sem necessidade de outras considerações que o caso não exige nem o processo contempla.

Como diz o Mº Juiz recorrido e bem, o tribunal francês que, no âmbito do divórcio lá requerido pelo progenitor, decretou as medidas relativas ao exercício das responsabilidades parentais, ponderou a situação daquele, da progenitora e da criança e não hesitou em decidir que, na hipótese de afastamento daquela do domicílio paternal mais de 50 quilómetros, a residência da criança será a casa do pai e a mãe beneficiará de direitos de acolhimento, invertendo-se assim os papéis que a um e outro caberiam se ela continuasse a viver nas proximidades e não tivesse decidido, apenas por si e contra a vontade e sem conhecimento do pai, deslocar-se com a criança para Portugal, não cabendo à jurisdição portuguesa imiscuir-se na apreciação ali feita e na decisão tomada por tribunal competente e segundo a lei francesa aplicável.

De resto, não há dúvida que a jurisdição francesa no âmbito do litígio que envolve os progenitores relativo ao divórcio continuará a acompanhar o caso e a tomar as medidas que, competentemente e pelo seu direito, julgar legais e justas, notando-se que a decisão ora recorrida teve a preocupação de, ainda assim, providenciar pela sua sinalização como meio de promover o despiste de qualquer malefício resultante da ordem de regresso que porventura pudesse entretanto escapar à intervenção das autoridades gaulesas.

Anotando-se que, em função do exposto, em nada belisca o decidido a circunstância alegada de a decisão francesa ter sido ainda provisória e dela ter sido interposto recurso, não resta senão concluir pela total improcedência desta apelação.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
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Notifique.
Guimarães, 06 de Junho de 2019

José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
Pedro Damião e Cunha



1. De que se excluiu a 4ª relativa ao efeito do recurso, já decidido em 1ª instância e nesta não alterado (matéria que nada tem a ver com o seu objecto), bem como o texto da 8ª (uma vez que o seu teor, em 36 parágrafos, se limita a reproduzir o articulado de oposição antes apresentado pela recorrente, e já acima referido e resumido, bem como o elenco dos meios de prova nele constante, o que em tal peça é descabido face ao que dispõe o nº 1, do artº 639º, do CPC, a este respeito).
2. Como se referiu no Acórdão desta Relação, de 04-04-2019, processo nº 3652/17.9T8VCT.G1, “1. A síntese exigida no nº 1, do artº 639º, CPC (conclusões), face ao sentido e finalidade da norma, pressupõe a elaboração e apresentação de uma breve, clara, precisa e concisa menção da essência dos fundamentos que o recorrente tenha tido em vista e explanado nas alegações para, salientando os preconizados erros ou invalidades, atacar a decisão recorrida, não devendo aquela traduzir-se numa simples e cómoda reprodução textual (copy past) dos argumentos desenvolvidos e vertidos ao longo da peça, ainda que cortado ou encurtado. 2. Para cumprirem a sua função cometida na lei, as conclusões devem espelhar o resultado de um sério e esforçado labor intelectual indispensável para, sem perder de vista as regras técnico-jurídicas, cogitar, discernir e enumerar organizadamente, sob a aparência de questões dirigidas ao tribunal e sobre as quais este deve pronunciar-se e responder (segundo os seus traços qualitativamente mais distintos e característicos), as alterações pretendidas ou as invalidades arguidas quanto à decisão alvo do recurso e os fundamentos respectivos, aí não tendo lugar o relatório dos autos, transcrições de depoimentos, citações de normas, doutrina e jurisprudência, nem os meros argumentos.
3. O artº 11º da Convenção de Haia refere mesmo que as autoridades judiciais “deverão adotar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança” (nº 1) e preconiza mesmo que tal deve ocorrer “no prazo de 6 semanas a contar da data da participação” (nº 2).