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DIREITO DE PREFERÊNCIA
VÁRIOS TITULARES
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Sumário
Sumário (do Relator)
I- Em caso de venda já efetuada, havendo mais de um titular concorrente no exercício do direito de preferência, qualquer deles pode propor a respetiva ação de preferência, sem ter que recorrer previamente ao processo a que se refere o disposto no art. 1037º, do C. P. Civil, o qual só lhe dá a garantia de procedibilidade da ação por saber de antemão que não terá melhor concorrente.
II- Para evitar correr o risco de vir a ser preterido por um concorrente, o preferente poderá desde logo, chamar a intervir os demais preferentes na respetiva ação de preferência, na medida em que a relação material controvertida respeita a todos os preferentes concorrentes com legitimidade para exercer o seu direito de preferência (arts. 32º, n.º 1, e 311º, do C. P. Civil).
III- Com a sua intervenção, cada um dos demais preferentes concorrentes poderá renunciar ao seu direito de preferência ou declarar expressamente que o pretende exercer, lançando-se mão, se for caso disso, na ação de preferência, do regime emergente do disposto nos arts. 1032º e 1037º, do C. P. Civil, assim se alcançando igualmente a justa composição do litígio, com a intervenção de todos os titulares da relação material controvertida (arts. 6º, 37º, n.º 2 e 547º, do C. P. Civil); obviando-se ainda que qualquer dos demais preferentes preteridos tenha a necessidade de propor outra ação para fazer valer o seu direito de preferência.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
(…) intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra(…) ., pedindo, a título principal, que:
a) Seja reconhecido à autora, conjunta ou individualmente, o direito de preferência na cessão de quota com o valor nominal de € 994.625,95 no capital social da “…”, que a “…” fez à “…” pelo preço de € 1.500,00, substituindo-se a autora à ali cessionária no respetivo contrato;
b) Seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que hajam sido feitos na sequência dessa cessão, nomeadamente a favor da ré “…r”, pelo Dep. 123/2016.04.27 e a sua inscrição na titularidade daqueles que venham a exercer a preferência.
Ou, a título alternativo, quando se entenda dever aplicar-se a forma processual do art. 1037º, do C. P. Civil, que seja ordenada a alteração da forma de processo e aproveitados os atos praticados e:
a) Seja reconhecido à autora o direito à licitação no exercício do direito de preferência na aquisição da identificada quota social;
b) Seja ordenado a notificação dos intervenientes para comparecerem no Tribunal no dia e hora que sejam fixados, a fim de se proceder a licitação entre eles e a autora, no que respeita ao exercício daquele direito de preferência.
Para o efeito, alega a autora, em suma, que, por escrito de 25.03.2016, e pelo preço de € 1.500,00, a 1ª ré cedeu à 2ª ré a quota social que aquela detinha na sociedade por quotas “….”, da qual a autora e os identificados intervenientes são igualmente sócios, sendo que tal cessão foi operada sem o conhecimento e autorização da sociedade “…”, assim como da autora e dos demais sócios, violando assim o exercício de direito preferência que lhes assiste, o que a autora veio reivindicar pela presente ação.
Mais requereu a autora a intervenção processual dos demais sócios da referida “…”, na medida em que os mesmos são contitulares do referido direito de preferência relativo à transmissão da identificada participação social, a fim de, como associado da autora, prosseguirem os termos da presente demanda.
As rés contestaram, excecionando a falta de verificação de condição sine qua non da ação (determinação prévia de preferente), assim como invocaram a caducidade do direito da autora. Defenderam-se ainda por impugnação, tendo concluído pela improcedência da ação, absolvendo-se as rés do pedido; pelo indeferimento do incidente de intervenção a título principal provocada requerida pela autora; pugnando ainda pela fixação do valor da presente causa em € 481.179,37.
Mediante despacho de 07.11.2018, foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada dos restantes sócios da sociedade “…”. (cfr. fls. 126 e 127).
A autora veio responder à defesa por exceção apresentada pelas rés (cfr. fls. 128 a 130), tendo concluído pela improcedência das mesmas e, no mais, como na petição inicial.
Na sequência, foi proferido despacho a 31.12.2018, no qual se dispensou a realização da audiência prévia, fixou o valor da ação em € 481.179,37; após o que se proferiu despacho saneador, nele se podendo ler o seguinte:
“ (…) As RR (…) e (…) vieram na contestação invocar as exceções de caducidade e de falta de condição de procedibilidade por entenderem que, havendo pluralidade de preferentes, tinha previamente que ser promovido o encabeçamento do direito de preferência em obediência ao comando do artigo 1037º do NCPC sob pena de improcedência da ação intentada.
A A, notificada para se pronunciar sobre a invocada exceção veio alegar que deduziu na petição um pedido subsidiário e requerida a correção da forma de processo e aproveitamento dos atos processuais com fundamento na regra do artigo 193º do CPC, que concretizaria o princípio da adequação formal dos artigos 6º, n.º 2 e 547º CPC. Pelo que tendo a A indicado que a forma de processo é a de uma ação declarativa comum, concluindo-se que este deve antes seguir a forma de processo especial de notificação para preferência, verificando-se que são as mesmas as partes, que estão identificados todos os interessados e que não existe qualquer diminuição das garantias de defesa, deve o tribunal mandar seguir a forma que julgue adequada, para o que apenas importa ordenar a notificação dos apontados intervenientes para efeito do estabelecido no artigo 1031º CPC.
Cumpre decidir.
A A ... veio intentar a presente ação declarativa comum contra X, SA e Y, SA pedindo seja reconhecido à A conjunta ou individualmente o direito de preferência na cessão da quota com o valor nominal de € 994.625,95 no capital social da ...investe, que a X fez à Y pelo preço de € 1.500,00, substituindo-se a A à ali cessionária no respetivo contrato, ser ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que hajam sido feitos na sequência dessa cessão, nomeadamente a favor da R Y, pelo dep. 123/2016.04.27 e a sua inscrição na titularidade daqueles que venham a exercer a preferência. Mas se o direito de preferência pertence, em comum, a várias pessoas, nos termos do artigo 1036º CPC, tem que ser lançada mão antes da ação de preferência, à ação especial de notificação para preferência prevista no artigo 1028º CPC.
No mesmo sentido entenderam os Acórdãos RL de 20-6-1973, in BMJ, 228º-266, RE de 10-7-1980, in BMJ 302º-330, RL de 24-1-1984, in CJ, 1984, 1º-120, RC de 11-6-1976 in BMJ, 261º-220: “O processo de notificação para determinação de preferência sucessiva do artigo 1465º do CPC (atual 1037º), é um processo de jurisdição voluntária em que só se pretende e pede uma escolha, determinação e fixação, entre vários interessados daquele a quem caberá e competirá exercer o direito de preferir, que terá competência judicial para a futura acção de preferência”; STJ de 28-2-1985 in BMJ, 344º-432, STJ de 19-6-1986 in BMJ 358º-514, RP de 13-1-1987 in CJ, 1987, 1º-201, RC de 7-4-1987 in CJ 1987, 2º-89. Ora, não tendo a A lançado mão da prévia ação especial de notificação para preferir, falta que se verifique a condição de procedibilidade que consiste em ter sido admitida a preferir, se necessário mediante licitação entre todas as que também são titulares do direito de preferência e pretenderam exercê-lo. Apenas depois de verificada essa condição é que a A tem verdadeiramente legitimidade para exercer judicialmente o seu direito de preferência.
Pelo exposto, declaro procedente a exceção dilatória inominada de falta de condição de procedibilidade da ação, por não ter arredado os demais sócios com direito de preferência na cessão de quotas.
Inconformada com o assim decidido, veio a autora interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A. OCORRE AMBIGUIDADE DO DOUTO SANEADOR AO DECIDIR PELA PROCEDÊNCIA DE EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA SEM EXPRESSAMENTE DETERMINAR A ABSOLVIÇÃO DOS RECORRIDOS DA INSTÂNCIA, O QUE CONSTITUI NULIDADE A QUE SE REFERE O ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA C) DO C. P. Civil B. E QUE IMPORTA SUPRIR, FAZENDO CONSIGNAR NO DISPOSITIVO QUE É ESSE O SENTIDO DA DECISÃO, POR, DE OUTRO MODO, SE VIOLAR O ESTABELECIDO NO ARTIGO 576.º, N.º 2 DESTA CODIFICAÇÃO ADJECTIVA. C. OCORRE OMISSÃO DE PRONÚNCIA DO DOUTO SANEADOR AO DECIDIR PELA PROCEDÊNCIA DE EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA SEM CONHECER DO PEDIDO ALTERNATIVO FORMULADO NA PETIÇÃO PELA RECORRENTE NO SENTIDO DA CORRECÇÃO PROCESSUAL AO ABRIGO DO ESTABELECIDO PELOS ARTIGOS 193.º E 547.º DO CPC, O QUE CONSTITUI NULIDADE A QUE SE REFERE O ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA C) DESTA CODIFICAÇÃO. D. E QUE IMPORTA SUPRIR, APRECIANDO CONCRETAMENTE AQUELE PEDIDO E, NA SUA PROCEDÊNCIA, ORDENANDO-SE O SEGUIMENTO DOS AUTOS NAQUELA FORMA PROCESSUAL, SOB PENA DE VIOLAÇÃO DO ESTABELECIDO NO SEU ARTIGO 608.º, N.º 2. E. AO INDEFERIR A INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA ACTIVA O DOUTO DESPACHO RECORRIDO OFENDEU O ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 33.º E 316., N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. F. O INSTITUTO DO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO, BASEADO NA LEI OU NO CONTRATO, VISA ASSEGURAR O EFEITO ÚTIL NORMAL DA SENTENÇA E EVITAR DECISÕES INCONCILIÁVEIS SOB O PONTO DE VISTA PRÁTICO E, CONSEQUENTEMENTE, OBTER SEGURANÇA E CERTEZA NA DEFINIÇÃO DAS SITUAÇÕES JURÍDICAS. G. O DOUTO DESPACHO EQUIVOCOU-SE AO VER NOS AUTOS COLIGAÇÃO, EM UNIÃO DE DIFERENTES RELAÇÕES MATERIAIS CONTROVERTIDAS UNIDAS PELA MESMA CAUSA DE PEDIR, POR FALTA DE MULTIPLICIDADE DE PEDIDOS, ANTES OCORRENDO EFECTIVO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. H. O QUE ESTÁ EM CAUSA É O EXERCÍCIO DE UM DIREITO COMUM, QUE NÃO É DA TITULARIDADE AUTÓNOMA E INDEPENDENTE DE CADA UM DOS INTERESSADOS, MAS APENAS DE UM DIREITO QUE PERTENCE A TODOS ELES CONJUNTAMENTE, TAL COMO DECORRE DO ARTIGO 5.º DA PETIÇÃO E PONTOS 4, 5 E 6 DA CLÁUSULA SEXTA DO PACTO SOCIAL. I. AÍ FOI ESTABELECIDO QUE O DIREITO DE PREFERÊNCIA NUMA CONCRETA ALIENAÇÃO É ATRIBUÍDO A TODOS, EM CONJUNTO, SE O DESEJAREM EXERCER TODOS, EM BLOCO, SEGUNDO O CRITÉRIO DA PROPORÇÃO NA PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL, MAS DIMINUIRÁ, EM BENEFÍCIO DOS OUTROS, QUANDO UM SÓCIO APENAS PRETENDA EXERCÊ-LO EM PROPORÇÃO INFERIOR E CORRESPONDENTEMENTE AUMENTARÁ, TENDENCIALMENTE ATÉ À UNIDADE COMPLETA, NA MEDIDA EM QUE OUTROS DECLAREM NÃO DESEJAR DELE BENEFICIAR, TOTAL OU PARCIALMENTE, CONFORME SEJA RESULTADO DA CONCRETA DELIBERAÇÃO TOMADA EM ASSEMBLEIA GERAL, NA SEQUÊNCIA DO CONSENTIMENTO. J. OU SEJA: É MATERIALIZADO APENAS PELA PRÓPRIA DELIBERAÇÃO SOCIAL QUE CONCRETAMENTE DETERMINA A SUA MEDIDA E CONTEÚDO, EM FUNÇÃO DA VONTADE DOS SÓCIOS. K. ESTA PREVISÃO CONTRATUAL É MANIFESTAÇÃO EVIDENTE DE “INDIVISIBILIDADE”, OBRIGANDO, ASSIM, À PRESENÇA DE TODOS OS INTERESSADOS NA ACÇÃO PARA QUE NELA TODOS POSSAM FAZER O QUE LHES FOI NEGADO ACONTECER NA ASSEMBLEIA GERAL PELA CONDUTA ILÍCITA DO SÓCIO RELAPSO: DECIDIR SE TODOS PREFEREM OU SE SÓ PREFEREM ALGUNS, SEMPRE NA PROPORÇÃO DAS RESPECTIVAS PARTICIPAÇÕES E INVARIAVELMENTE PELO PREÇO DA COMUNICAÇÃO DA PROJECTADA TRANSMISSÃO. L. O LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DECORRE, POIS, EM PRIMEIRO LUGAR, DO PRÓPRIO CONTRATO E DA NATUREZA DOS DIREITOS QUE AQUELE CONFERE (CFR. ARTIGO 33.º, N.º 1) E, EM SEGUNDO LUGAR, DA NECESSIDADE DE DAR À SENTENÇA O SEU EFEITO ÚTIL NORMAL, GARANTIDO A RESOLUÇÃO DEFINITIVA DO LITÍGIO E ASSEGURANDO QUE NÃO SURJAM DECISÕES PORVENTURA INCONCILIÁVEIS (SEUS N.º 2 E 3). M. O DOUTO SANEADOR RECORRIDO OFENDEU O ESTABELECIDO PELOS ARTIGOS 414.º E 1410º, Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL. N. POIS A ACÇÃO DE PREFERÊNCIA É MODO PRÓPRIO E ADEQUADO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO POTESTATIVO QUE A RECORRENTE PRETENDE FAZER EXERCER E OPÕE-SE FACULTATIVAMENTE À NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA, EM VEZ DE CONSTITUIR FORMA DE PROCESSO EXCLUSIVA OU COMPULSIVA. O. NO CASO CONCRETO, ALIÁS, APENAS A ACÇÃO DE PREFERÊNCIA PODE SER INSTRUMENTO DE EXECUÇÃO E MATERIALIZAÇÃO DO DIREITO EM CRISE, NUNCA A NOTIFICAÇÃO PARA PREFERÊNCIA. P. NA MODALIDADE ESTABELECIDA ENTRE OS SÓCIOS, A ALIENAÇÃO DE QUALQUER PARTICIPAÇÃO SOCIAL, FOSSE A ESTRANHOS OU A SÓCIOS, CONFERE A QUALQUER UM DELES O DIREITO A ADQUIRI-LA, NA PROPORÇÃO DA RESPECTIVA PARTICIPAÇÃO, FAZENDO-A ACRESCER À JÁ EXISTENTE E ASSIM MANTENDO O EQUILÍBRIO RELATIVO ENTRE AS DIFERENTES PARTICIPAÇÕES. Q. OU SEJA, FUNCIONANDO COMO MECANISMO DESTINADO A PREVENIR QUE, SE ALGUM SÓCIO SAIR DA SOCIEDADE, NENHUM DOS OUTROS ASSUMIRIA, MERCÊ DO EXERCÍCIO DA PREFERÊNCIA, UMA POSIÇÃO DOMINANTE, PORQUE QUALQUER UM DELES TEM A POSSIBILIDADE DE O EVITAR, ASSEGURANDO, PELA DECLARAÇÃO DE QUE PRETENDIA EXERCER A PREFERÊNCIA, A DIVISÃO PROPORCIONAL DA QUOTA TRANSMITIDA. R. TAL NÃO ACONTECE, PORÉM, QUANDO SE IMPONHA A NOTIFICAÇÃO COMO FORMA COMPULSIVA DO EXERCÍCIO DO DIREITO, JÁ QUE FICA ABERTA A PORTA DA LICITAÇÃO, NOS TERMOS DO 1032.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. S. OBRIGAR A ABRIR UMA LICITAÇÃO ENTRE OS SÓCIOS E CONSENTIR A AQUISIÇÃO POR UM DELES DA TOTALIDADE DA PARTICIPAÇÃO A TRANSMITIR, ENQUANTO DIREITO CONCORRENCIAL, CONSTITUIRIA UMA GRAVE E SÉRIA PERVERSÃO DO VISADO PRINCÍPIO DA PARIDADE, AO PERMITIR QUE UM DOS GRUPOS PUDESSE ASSUMIR UMA POSIÇÃO CLARAMENTE DOMINANTE E, ATÉ, EM FUTURAS ALIENAÇÕES, PORVENTURA HEGEMÓNICA, POR MAIORITÁRIA. T. PERVERSÃO, QUE, ADEMAIS, CONSTITUIRIA UMA GRATIFICAÇÃO INJUSTA E IMORAL PARA O PREVARICADOR, QUE, EM VEZ DE SER PENALIZADO, SAIRIA DA VIOLAÇÃO DE UMA REGRA CONTRATUAL COM O PRÉMIO ACRESCIDO DECORRENTE DA POSSÍVEL INFLAÇÃO DO PREÇO QUE LHE ERA DEVIDO EM VIRTUDE DA LICITAÇÃO. U. O DOUTO DESPACHO QUE FIXOU À CAUSA O VALOR DE €481.179,37 OFENDEU O ESTABELECIDO NO ARTIGO 301.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL V. A RECORRENTE ESTRIBOU A SUA PETIÇÃO INICIAL ALEGANDO QUE, POR ESCRITO DE 25 DE MARÇO DE 2016, A RECORRIDA “X” CEDEU À RECORRIDA “Y” A QUOTA DE QUE ERA TITULAR NO CAPITAL SOCIAL DA “...INVESTE”, COM O VALOR NOMINAL DE €994.625,95, É CERTO, MAS PELO PREÇO CONVENCIONADO DE €1.500,00, QUE CORRESPONDE AO ESTIPULADO PELAS PARTES E, CONSEQUENTEMENTE, AO VALOR DA ACÇÃO, TAL COMO, ALIÁS, FOI INDICADO NO FINAL DO LIBELO. W. AQUELE VALOR DE € 481.179,37 FOI ATRIBUÍDO ARBITRARIAMENTE E SEM CUMPRIMENTO DO QUE ALUDE O ARTIGO 309.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Finaliza, pugnando pelo suprimento das nulidades invocadas, revogação do despacho saneador e despachos recorridos, ordenando-se o prosseguimento dos autos numa ou noutra forma processual.
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As rés apresentaram contra-alegações tendo concluído pela negação de provimento ao recurso interposto, confirmando-se as decisões recorridas.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).
No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.
Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:
- Saber se decisão final deverá ser considerada nula por ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; ou por omissão de pronúncia.
- Saber se houve erro de direito nas decisões recorridas que importe uma decisão diversa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Factos Provados
Os acima considerados no Relatório.
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IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
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A) Da nulidade da sentença A.1) Da nulidade da sentença por ocorrer alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível
De acordo com o disposto na al. c), do n.º 1, do citado art. 615º, do C. P. Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
A sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
“Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpetrações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” (1)
Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que ocorre a apontada ambiguidade, tanto quanto é certo que, a julgar procedente a invocada exceção dilatória inominada de falta de condição de procedibilidade da ação, por não ter a autora arredado os demais sócios com direito de preferência na dita cessão de quota, o tribunal a quo acabou por não determinar a consequência lógica dai adveniente, que neste caso resultaria necessariamente com a absolvição das rés da instância (art. 278º, n.º 1, al. e), do C. P. Civil).
Assim, sem embargo do que infra iremos decidir, sempre seria de considerar procedente a invocada nulidade da sentença recorrida.
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A.2) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Nas suas alegações de recurso, a apelante veio ainda invocar a nulidade da sentença recorrida, porquanto o tribunal a quo acabou por não analisar o pedido alternativo formulado pela autora, designadamente no que se refere à possibilidade da presente ação seguir outra forma processual, mais concretamente a prevista no art. 1037º do C. P. Civil.
Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.
De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do C. P. Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.
(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” (2) (nosso sublinhado).
Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as“questões de que não podia deixar de tomar conhecimento.” (3)
Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.
A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia.
Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, existe, de facto, a referida “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, pois que a mesma acaba por não se pronunciar sobre a peticionada correção/adequação processual, a que se refere o pedido alternativo formulado pela autora.
Por conseguinte, à semelhança da anterior nulidade, e sem prejuízo do que infra iremos decidir, sempre seria de considerar procedente a invocada nulidade da sentença recorrida, neste caso por omissão de pronúncia.
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B) Da necessidade da autora preferente em arredar previamente os demais preferentes como condição necessária para intentar a presente ação
Conforme resulta da petição inicial, a autora veio invocar que nos termos do disposto no art. 6º, n.º 1, do estatuto da sociedade “...investe, SGPS, Lda.”, da qual a autora é sócia com uma quota no valor nominal de € 48.004,43, “a transmissão de quotas, gratuita ou onerosa, efectuada por negócio entre vivos, fica sujeita ao prévio consentimento da sociedade, prestado pela Assembleia Geral e à preferência, com eficácia real, dos demais sócios, nos termos dos números seguintes.”
Na sequência, tendo a 1ª ré cedido à 2ª ré a quota social que aquela detinha na sociedade “...investe, SGPS, Lda.”, sem que previamente tenha obtido autorização da mesma sociedade, assim como da autora e dos demais sócios por quotas, violando assim o exercício de direito preferência que lhes assiste, a autora veio exercer, mediante a presente ação, esse mesmo direito de preferência, sendo certo que pede a intervenção principal como seus associados dos demais sócios da dita sociedade, pois que os mesmos, na proporção das respetivas participações sociais, são igualmente titulares do direito de preferência relativo à transmissão da identificada quota pertencente à 1ª ré.
Desde já cabe dizer que não acompanhamos aqui a posição assumida pelo tribunal a quo de que a autora apenas deteria legitimidade para ser admitida a preferir e, concomitantemente, propor a presente ação, após ter arredado os demais sócios com direito de preferência na cessão de quota operada pelas rés.
Em primeiro lugar, importa salientar que o direito de preferência em presença não pertence simultaneamente a vários titulares, necessitando de ser exercido em conjunto (art. 419º, n.º 1, do C. Civil), mas antes pertence a mais de um titular, competindo apenas a um deles o exercício de tal direito de preferência (art. 419º, n.º 2, do C. Civil).
Porque assim é, não estamos perante um caso de litisconsórcio necessário ativo, conforme o defendido pela maioria da jurisprudência que defende a necessidade de intervenção (voluntária ou provocada) de todos os consortes (a não ser que prove a renúncia dos outros consortes), no que se refere à ação de preferência em caso de alienação de quota de um seu consorte a estranho. (4)
Como assim, em caso de venda já efetuada, havendo mais de um titular concorrente no exercício do direito de preferência, qualquer deles pode propor a respetiva ação de preferência, sem ter que recorrer previamente ao processo a que se refere o disposto no art. 1037º, do C. P. Civil.
Esta questão foi, aliás, devidamente tratada por Antunes Varela em anotação a um acórdão do STJ (5), designadamente salientando o seguinte: “O ponto fulcral da matéria consiste em saber, se no caso de concurso de preferências, o titular de um dos direitos de preferência necessita de afastar previamente os outros direitos concorrentes, para que a acção de preferência proceda.”
O afastamento dos demais preferentes pode resultar de renúncia ao direito ou por atribuição judicial do direito ao que maior lanço ofereça no processo previsto no art. 1037º, do C. P. Civil (anterior art. 1465º, do C. P. Civil).
Por assim dizer, o referido art. 1037º, do C. P. Civil, tem por fim, atribuir, em caso de concurso de vários direitos de preempção sobre o mesmo imóvel, ao titular de um deles, que maior lanço tenha oferecido na licitação que ele prevê, o exercício do mesmo, com exclusão dos restantes.
Assim cada um dos preferentes, se já ocorreu a venda, pode intentar a ação sem que obrigatoriamente tenha que recorrer ao processo estabelecido no mencionado preceito, que só lhe dá a garantia de procedibilidade da acção por saber de antemão que não terá melhor concorrente. A notificação dos demais preferentes e o recurso ao processo do Artigo 1465º [agora art. 1037º, do C. P. Civil] é assim, uma faculdade e não um ónus que impenda sobre o preferente.” (6) (sublinhámos)
No fundo, o preferente “tem a faculdade de notificar os restantes preferentes, para que, definitivamente, de uma vez por todas, se decida quem quer e pode preferir. Mas não tem o dever jurídico nem sequer o ónus de fazê-lo.”(7) (8) (9)
Também, no mesmo sentido (ainda que com referência à preferência emergente do disposto no art. 1380º, do C. Civil), no Ac. STJ de 15.11.1990 (10) salienta-se que: “O preferente pode perfeitamente decidir-se a correr o risco de, tendo proposto a acção sem afastamento prévio dos demais preferentes, vir mais tarde a ser accionado por qualquer destes e ver-se substituído por ele na aquisição do prédio vendido.” (11)
Nesta medida, forçoso é concluir que não se verifica qualquer necessidade, de previamente à presente ação, a autora lançar mão do processo de jurisdição voluntária previsto no art. 1037º, do C. P. Civil, pelo que não ocorre a mencionada exceção dilatória inominada de falta de condição de procedibilidade da ação, impondo-se assim a revogação do despacho saneador-sentença de 31.12.2018 (cfr. fls. 131 a 133).
Ademais, cabe dizer que, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, também assiste à autora o direito de fazer intervir no presente processo os demais sócios da sociedade “...investe”, tanto quanto é certo que a relação material controvertida respeita a todos os sócios da mesma sociedade com legitimidade para exercer o seu direito de preferência (art. 32º, n.º 1, do C. P. Civil), pelo que os mesmos têm um direito igual ao da autora (art. 311º, do C. P. Civil).
Mediante tal incidente de intervenção principal provocada, a autora logrará ainda evitar que seja preterida futuramente por outro sócio concorrente.
Nesta medida, poderão ainda cada um dos demais sócios na referida sociedade renunciar ao seu direito de preferência ou declarar expressamente que o pretende exercer, lançando-se mão, se for caso disso, no presente processo, do regime emergente do disposto nos arts. 1032º e 1037º, do C. P. Civil, assim se alcançando igualmente a justa composição do litígio, com a intervenção de todos os titulares da relação material controvertida (arts. 6º, 37º, n.º 2 e 547º, do C. P. Civil); obviando-se ainda que qualquer dos demais preferentes preteridos tenha a necessidade de propor outra ação para fazer valer o seu direito de preferência.
Nestes termos, impõe-se igualmente a revogação do despacho de 07.11.2018 (cfr. fls. 126 e 127), admitindo-se a intervir nos presentes autos, como associados da autora, os demais sócios da aludida sociedade “...investe”.
Com a procedência da revogação dos despachos recorridos, é de considerar, portanto, prejudicada a apreciação das nulidades suscitadas nas alegações de recurso da apelante, o que aqui se decide.
Por último, no que se refere ao valor da presente causa, a mesma deverá relegar-se para fase ulterior do processo, uma vez respeitado o princípio do contraditório, mormente no que à mesma refere, em relação aos demais sócios que irão intervir na presente ação, como associados da autora.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação em presença e, consequentemente, revoga-se os despachos proferidos a 07.11.2018 (cfr. fls. 126 e 127) e a 31.12.2018 (cfr. fls. 131 a 133) e, em consequência, decide-se admitir a intervenção principal provocada dos demais identificados sócios da sociedade “...investe – SGPS, Lda.”, com a subsequente citação dos mesmos para os termos da presente demanda (art. 319º, do C. P. Civil), seguindo-se os ulteriores termos processuais.
Custas pelas apeladas (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 06.06.2019
Este acórdão contem a assinatura digital de: Relator: António José Saúde Barroca Penha. 1º Adjunto: Desembargadora Eugénia Marinho da Cunha. 2º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores.
1. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 151. 2. Ob. cit., pág. 143. 3. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 08.02.2011, proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, relator Moreira Alves; Ac. STJ de 21.10.2014, proc. n.º 941/09.0TVLSB.L1.S1, relator Gregório Silva Jesus; Ac. STJ de 22.11.2015, proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 07.07.2016, proc. n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes, e Ac. STJ de 04.05.2017, este já citado, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 4. Por todos cfr. Ac. STJ de 22.09.2005, proc. n.º 04B557, relator Lucas Coelho; Ac. RP de 14.09.2006, proc. n.º 14.09.2006, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. 5. In RLJ ano 116, págs. 282 a 288 (em seguimento da anotação feita em outro acórdão do STJ na mesma revista ano 115). 6. Antunes Varela, RLJ Ano 115, pág. 283. 7. Antunes Varela, RLJ Ano 116, pág. 288. 8. No mesmo sentido, vide Antunes Varela e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, em parecer publicado na CJ, 1990, Tomo III, págs. 31-39. 9. No mesmo sentido, vide Ac. STJ de 15.03.1994, CJ/ASTJ, 1994, Tomo I, pág. 152-154, constando do respetivo sumário que: “Não é condição de procedência da acção de preferência a demonstração pelos AA. que têm a posição de «melhores preferentes».” 10. BMJ 401, págs. 570-574. 11. No mesmo sentido, cfr. Ac. STJ de 03.02.2004, proc. n.º 03A4351, relator Ribeiro de Almeida, concluindo-se no mesmo aresto que: “O preferente preterido ou não notificado pode intentar ação nos termos do Artigo 1465 e pode preferir em relação àquele que intentou a ação de preferência.”; acessível em www.dgsi.pt.