CRIME CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
PENA APLICÁVEL
ACTO PRATICADO EM CONSULTÓRIO MÉDICO
PREVENÇÃO ESPECIAL
PREVENÇÃO GERAL
SUSPENSÃO DE FUNÇÕES
Sumário

- No crime de abuso sexual de pessoa internada, necessário se torna que a vítima se encontre deve estar internada num dos estabelecimentos referidos no artº 166º do Cod. Penal, sendo que o bem jurídico protegido é com efeito a liberdade sexual das pessoas internadas.
Essencial é ainda que o agente tenha uma relação funcional com o estabelecimento, no âmbito da qual lhe é conferida a tarefa de cuidar, guardar e proteger a pessoa internada, tarefa essa que o agente se aproveita para praticar o acto sexual.
Assim sendo, excluída está desta figura, os casos em que essa relação funcional não se verifica como sejam os tratamentos ambulatórios ou as saídas precárias autorizadas, rompendo-se aquela relação entre o agente e a vítima.
- No crime de importunação sexual p. e p. 170º do Cod. Penal, o bem jurídico é a liberdade sexual da pessoa, sendo que a conduta típica consiste na importunação de outra pessoa, através de um acto de carácter exibicionista, ou de propostas de teor sexual, ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual.
- No crime de violação o bem jurídico protegido é a liberdade sexual de outra pessoa, sendo que o tipo objectivo se traduz no constrangimento da vítima em sofrer ou praticar consigo ou com outrem, um ou mais actos sexuais de especial relevo: cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.
Para que exista violência, bastará que a actuação do agente provoque na vítima um constrangimento, não sendo necessária uma resistência física efectiva.
E para tal ter-se-á que ter em conta a personalidade da vítima, a sua força física, o seu estado psíquico, e emocional, as suas limitações psico-orgânicas, só assim se aferindo se a conduta da vítima se traduziu numa resistência face à actuação do agente adquirindo esta como tal a natureza de violenta.
- Sendo fortes as exigências de prevenção geral, tendo em conta a gravidade dos ilícitos praticados, e no local em que o foram, ou seja, no interior de um consultório médico, e no exercício de uma função assente numa relação de confiança e entrega do paciente, e tendo em atenção as fortes exigências de prevenção especial, impõe-se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não iriam de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não se justificando a suspensão de execução da pena de prisão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I RELATÓRIO
No Juízo Central de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juiz 6, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido F..., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, na qual se decidiu absolvê-lo da prática da prática do crime de atos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173º, n.º 1 do Código Penal, e do crime de violação, p. e p. pelo art. 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal, que lhe vinham imputados.

Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o MP, pugnando para que seja revogado, substituído por outro, e que procedendo-se à alteração da qualificação jurídica dos factos, condene o arguido pela prática, como autor material e em concurso real (ou efectivo), de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e 2, com referência aos artigos 132º, nº 2, alínea m) e 386º, nº 1, alínea a) do Código Penal e de dois crimes importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170º do mesmo diploma legal, nas penas individuais de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão, de 5 (cinco) meses de prisão e de 10 (dez) meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, tendo concluído nos seguintes termos:
1. Por douto acórdão proferido nos autos em 10 de Maio de 2017 foi o arguido F... absolvido da prática do crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173º, nº 1 do CP, e do crime de violação, p. e p. pelo art.º 164º, nº 1, al. a) do mesmo diploma legal, que lhe vinham imputados.
2. Ao decidir desta forma, o douto tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito, já que os factos provados, por força de convolação a operar nos termos do artigo 358º, nº 3 do Código de Processo Penal, deviam ter conduzido à condenação do arguido pela prática, como autor material e em concurso real (ou efectivo), de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e 2, com referência aos artigos 132º, nº 2, alínea m) e 386º, nº 1, alínea a) do Código Penal e de dois crimes importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170º do mesmo diploma legal.
3. O Tribunal a quo violou, assim, os mencionados normativos do Código Penal.
4. Perante a factualidade provada nos autos, é manifesto que as exigências de prevenção especial se mostram médias-altas, sendo as exigências de prevenção geral positiva muito elevadas.
5. A conduta em que o arguido incorreu é geradora de grande insegurança e forte alarme social.
6. Pelo que ao arguido deve ser aplicada uma pena de prisão seja quanto ao crime de ofensa à integridade física qualificada seja quanto aos crimes de importunação sexual.
7. O grau de culpa manifestado nos factos praticados pelo arguido revela-se médio-alto, sendo mais sensivelmente elevado nos crimes de importunação sexual.
8. Mostra-se, assim, adequado e suficiente aplicar ao arguido a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, a pena de 5 (cinco) meses de prisão pelo crime de importunação sexual cometido em 3 de Abril de 2014 e a pena de 10 (dez) meses de prisão pelo crime de importunação sexual cometido em 29 de Abril de 2014.
9. Em cúmulo jurídico, ponderando, nos termos do artigo 77º, do Código Penal, o conjunto dos factos e a culpa do arguido, reputa-se adequada à sua conduta a pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
10. A suspensão da execução da pena de prisão é, porém, suficiente para repor a confiança na norma jurídica violada.
11. Mostra-se adequado, que a pena de prisão aplicada ao arguido seja suspensa na sua execução pelo período de três anos e quatro meses, nos termos do disposto no artigo 50º, nºs 1 e 5, do CP.
12. A suspensão deve, no entanto, ser acompanhada de regime de prova.
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Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, procedendo à alteração da qualificação jurídica dos factos e condenando o arguido pela prática, como autor material e em concurso real (ou efectivo), de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 e 145º, nº 1, al. a) e 2, com referência aos artigos 132º, nº 2, alínea m) e 386º, nº 1, alínea a) do Código Penal e de dois crimes importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170º do mesmo diploma legal, nas penas individuais de 2 (dois) anos e 6 (seis) de prisão, de 5 (cinco) meses de prisão e de 10 (dez) meses de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova.
Com o que decidindo pelo exposto, farão V. Exas.
JUSTIÇA.
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Por sua vez o assistente A..., veio igualmente interpôs recurso pugnando para que seja revogado, e que substituído por outro condene o arguido pelo crime de violação p. e p. pelo art. 164.°, n.° 1, al. a), ou subsidiariamente condene o Arguido pelo crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. no art. 166.°, n.° 1, al. b) todos do Cod. Penal, para o que apresentou as seguintes conclusões:
58º. A jurisprudência penal entende que não exige a lei um mínimo de intensidade da violência para o preenchimento do tipo legal do crime de roubo, cfr. Ac. da Relação do Porto, de 12/5/2010.
59°. A violência para o efeito penal é o comportamento que revela-se como meio adequado e idóneo a vencer a resistência real ou presumível que a vítima oponha à ação.
60°. A resistência adequada e idónea a vencer a resistência de um menor de dezasseis anos, num consultório médico, no      âmbito   de aparente exercício da atividade de médico foi a que o Arguido empreendeu.
61°. Pouco mais precisa um clínico para empreender o crime de violação no seu consultório, no âmbito de uma suposta consulta.
62°. O paciente, menor ou maior de idade, confia na atuação do médico. Por isso atribui ao médico liberdade para se aproximar e tocar no seu corpo, mesmo em partes intimas do corpo, com base nessa confiança.
63°. Dos relatos de adultos, essencialmente mulheres, sexualmente abusados em consultório clinico, pelo clinico, resulta que as vítimas não se apercebem numa primeira impressão do abuso, situando o abuso num momento em que já estão despidos e o agente já está em curso do ato de abuso em si.
64°. Muitos relatos sobre o pós abuso, referem inclusivamente a vergonha e o risco de ser a palavra de um contra a palavra do outro e ficam tais crimes por denunciar.
65°. Acórdãos como a decisão recorrida favorecem esta intimidação e que muitas destas situações fiquem por denunciar.
66°. O agente deste tipo de crime, neste contexto, aproveita-se dos privilégios funcionais de confidencialidade e entrega por parte dos pacientes, para constranger a vítima ao ato sexual.
67°. In casu, poder-se-ia dizer ainda que o Arguido aproveitou-se ainda da inexperiência social da vítima, menor de idade.
68°. Neste ambiente em que a vítima, num primeiro momento fica confundida e julga ser assim que o médico está a fazer o seu trabalho, a violência necessária foi a que o Arguido empreendeu para contra a vontade da vítima constrangê-la à prática da cópula anal, pela introdução do seu pénis no ânus da vítima.
69°. Quando o Arguido empreendeu a violência física que entendeu necessária para a prática do ato já tinha mandado a vítima baixar as calças e estava a mesma de calças em baixo, de costas para o Arguido, em posição de se sentar no colo deste.
70°. Tendo bastado ao Arguido para a consumação do ato por este pretendido de súbito agarrar a vítima e constrangê-la com esse ato físico à consumação da cópula, pela introdução do seu pénis no ânus da vítima.
71°. O Arguido agarra de súbito o Arguido num momento determinante para a consumação do ato e num momento em que a vítima assustada pretendia afastar-se, cfr. ponto 18 dos factos provados na decisão recorrida.
72°. A decisão recorrida ao não ter qualificado criminalmente a conduta do Arguido incorreu em erro de qualificação, designadamente, deveria ter qualificado a conduta em causa como crime de violação, p. e p. pelo art. 164.°, n.° 1 al. a) CP de que vinha o Arguido acusado.
73°. Subsidiariamente, sem conceder e por dever de patrocínio, o elemento da profissão de médico, o espaço do consultório médico e o contexto de consulta médica em que o Arguido pratica os atos em causa, são essenciais para se perceber o constrangimento praticado contra a vítima.
74°. O sistema penal vigente dispõe de norma que incrimina o abuso sexual de pessoa internada, p. e p. no art. 166.°, n.° 1, al. b) do CP.
75°. Tal tipo legal de crime é punido com crime de prisão com enquadramento menos gravoso à liberdade do agente do que o crime de violação p. e p. no art. 164.°, n.° 1, al. a) do CP.
76°. O referido crime de abuso sexual de pessoa internada p. e p. pelo art. 166.°, n.° 1, al. b) CP, criminaliza os comportamentos, com o aproveitamento pelo agente do crime das funções ou do lugar, que a qualquer título, exerce ou detém em hospital ou clínica de saúde, contra a liberdade sexual da vítima que aí se encontre internada e que de qualquer modo esteja confiada ao agente.
77°. O elemento "aí se encontre internada" no âmbito da ai. b) do n.° 1 do art. 166.° do CP deve ser interpretado atento ao bem jurídico tutelado com a incriminação, nomeadamente, a tutela da liberdade sexual e a probidade e fidelidade/entrega/confiança/ liberdade que a sociedade atribui mesmo sobre as partes íntimas do seu corpo, àquelas pessoas por causa daquelas funções ou lugares.
78°. Entende o Recorrente que tal bem jurídico está em causa quando o ato sexual de relevo é empreendido por médico, no exercício das funções de médico, em espaço privado, em contexto clínico de internamento ou apenas em contexto clínico de consulta em ambulatório.
79°. Os autos provam, e a douta decisão recorrida assim os julgou, que o Arguido praticou contra a vontade da vítima, no exercício da função de médico, em consultório do serviço nacional de saúde, no contexto de consulta médica a que a vítima menor de idade se submetia, cópula anal, tal integra o crime de violação, p. e p. pelo art. 164.°, n.° 1, al. a) do CP.
80°. Bem como pode entender-se, em concurso de qualificação, que a conduta do Arguido nos presentes autos integra o crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. no art. 166.°, n.° 1, al. b) CP.
Pelo exposto deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene o Arguido pelo crime de violação p. e p. pelo art. 164.°, n.° 1, al. a) do CP; ou subsidiariamente condene o Arguido pelo crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. no art. 166.°, n.° 1, al. b) CP.
Com o que se fará a costumada Justiça!”
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Os recursos foram admitidos.
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Em resposta o arguido sustentou que os recursos devem improceder, e como tal manter-se a decisão recorrida, para o que conclui do seguinte modo:
I - O presente processo está irremediavelmente ferido de nulidade;
II - De facto o despacho que ordenou a reabertura do processo foi proferido fora de prazo.
III - Tal despacho foi proferido em 3 de Junho de 2014 sendo que o prazo terminou em 2 de Junho de 2014.
IV - Consequentemente foi violado o artigo 278° do C.P.P., o qual tem natureza peremptória.
V - Como razão para o arquivamento inicial importaram as decisões tomadas pela Polícia Judiciária.
VI - A qual chegou à conclusão não existir qualquer crime.
VII - Não tendo, por consequência, investigado ou efectuado os exames forenses a que estava obrigada.
VII - Razão pela qual o Ministério Público mandou arquivar com a menção: "Os factos... não integram qualquer das previsões relativas a crimes sexuais sendo certo que não há queixa. Assim sendo arquive."
XIX - O Tribunal criou uma convicção errada perante a prova que lhe foi submetida.
X - As incongruências entre os depoimentos prestados ao longo do processo são gritantes.
XI - Incongruências essas que se verificam entre os depoimentos do Assistente e da sua única testemunha - a sua mãe.
XII -Testemunha essa que referiu a nada ter assistido por se encontrar fora do consultório.
XIII - Relativamente aos recursos interpostos verifica-se uma concordância total relativamente a inaplicabilidade do artigo 173° n°1 do Código Penal.
XIV - Quanto à qualificação jurídica a que os Recorrentes acabaram por aderir, o Recorrido concorda plenamente.
XV - A sentença é inatacável quanto a qualquer das qualificações jurídicas que fez.
XVI - Não só o Ofendido já tinha completado os 16 anos de idade, impedindo a aplicação do artigo 173° n°1 do Código Penal, como
XVII - Não prova, nem podia provar, a existência de violência em qualquer dos actos alegadamente praticados.
XVIII - As alterações da qualificação jurídica que os Recorrentes fazem, tendo por base, os factos dados como provados não são admissíveis.
XIX - Sendo perfeitamente extemporâneas e descabidas.
XX - Assim sendo os recursos interpostos deverão improceder.
Nestes termos e nos do douto suprimento de V. Exas, que desde já se requer, deve ser negado provimento aos recursos interpostos e mantida a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.
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Nesta Relação, a Exmª Srª. Procuradora-geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
“5.1.Cumpre desde já dizer que se afigura encontrar-se a matéria de facto corretamente fixada, assim como objetiva e mesmo amplamente fundamentada a convicção do tribunal quanto a tal matéria de facto. Ressalvado o respeito por melhor opinião, não podemos, porém, deixar de assinalar a veemente discordância quanto à decisão de absolvição do arguido.
Com todo o respeito pela seriedade dos fundamentos apresentados em qualquer dos recursos interpostos, adiantamos desde já que os factos dados como provados no acórdão recorrido, com ênfase para os ocorridos em 29.04.2014, se considera deverem ser subsumidos à prática do crime de violação p. e p. pelo art. 164º nº1-a) do CP, redação conferida pela Lei 59/2007.
5.2.Vejamos
 Tendo em apreciação o conjunto dos factos dados como provados no acórdão recorrido (bem realçados e sintetizados no recurso interposto pela Magistrada do MºPº), atentemos nos factos provados em 16 e 18 do acórdão:
 “16.O arguido disse então ao menor para se levantar da marquesa [estando o mesmo despido] sentar-se ao seu colo, o que o mesmo fez.
17. Encontrando-se o menor A... sentado ao colo do arguido, de costas para o mesmo, este abriu o fecho das calças e tirou o pénis ereto, após o que o introduziu no ânus do menor.
18. Assustado, o menor levantou-se, pelo que, de modo súbito, o arguido puxou-o de encontro ao seu pénis ereto e introduziu-o no ânus daquele”

A fls. 909 e 910 do acórdão fundamenta-se: “quanto à violência, deve entender-se a mesma como o uso da força física destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada”.
(…)
“Salvo melhor entendimento, do ato subitamente empreendido pelo arguido não pode extrair-se, sem mais, que o arguido usou de violência para introduzir o pénis no ânus do menor (…) faltando designadamente a alegação e a prova de que para vencer alguma resistência oferecida pelo ofendido, o arguido utilizou algum dos referidos meios típicos de coação.” E considerou que, não se mostrando verificado o elemento objetivo de constrangimento à prática de ato sexual através de violência (…), se impunha a absolvição do arguido quanto ao crime de violação.
Ora, ressalvado igualmente melhor entendimento, considera-se que o conjunto dos factos dados como provados, as concretas circunstâncias em que os mesmos ocorreram- num gabinete de Centro de Saúde em que o arguido exercia funções de médico e em que teve ao seu cuidado, como utente/paciente, o menor A..., com as características físicas, psicológicas e psíquicas do ofendido, a resistência por este oferecida às investidas do arguido e a força de que este usou para debelar/vencer/ultrapassar a resistência manifestada pelo menor, logrando a penetração anal do ofendido, integram o conceito de violência, elemento típico do crime de violação p. e p. pelo referido art. 164º nº1-a) do CP.
Na verdade, e justamente conforme factualidade tida como provada no acórdão recorrido, o menor “assustado, levantou-se”, aquando da primeira investida do arguido de lhe introduzir o pénis no ânus, reagindo à acção deste. Não obstante a resistência do menor, o arguido, “de modo súbito, puxou o menor de encontro ao seu pénis ereto”; mas mais, logrou o arguido “introduzir o seu pénis ereto no ânus do menor”, para o que, inevitavelmente, teve de novo de usar de força para o imobilizar, com vista à penetração anal, é a conclusão lógica que decorre de elementares regras da experiência.
A conduta descrita integra, a nosso ver, o conceito de violência, elemento do tipo legal do crime de violação.

Como é salientado no recurso do assistente, “O paciente, menor ou maior de idade, confia na atuação do médico. Por isso atribui ao médico liberdade para se aproximar e tocar no seu corpo, mesmo em partes íntimas do corpo, com base nessa confiança”.
O ofendido, que sofre de ananismo, tendo 16 anos de idade, natural da Guiné Bissau, com limitações intelectuais e fragilidades psíquicas, foi atendido no gabinete de consultas médicas do arguido, no Centro de Saúde de Agualva, sozinho- e tal, porquanto o arguido mais uma vez determinou que a progenitora do menor saísse do gabinete médico.. A circunstância de ter sido atendido pelo arguido, no exercício da sua função de médico, revela-se essencial para se percecionar o constrangimento que o arguido causou no menor/ofendido para que este se despisse e se sentasse ao seu colo, tendo o arguido empreendido a violência/força física que considerou necessária e idónea para debelar a resistência manifestada pelo do menor - o qual, “assustado, se levantou”- para lograr a penetração anal da vítima.
Ainda sobre o conceito de “violência”, enquanto elemento do tipo legal do crime de violação, trazem-se à colação os fundamentos aduzidos no Acórdão do STJ de 17.03.2004, os quais se nos afiguram paradigmáticos:
“Meio típico de comissão do crime de violação é, antes de tudo, a violência, mas esta não vai ao ponto em que a força, integrante daquela, deva considerar-se “de pesada ou grave, mas será em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso, nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência esperada da vítima”(…)
Assim, o juízo de violência capta-se e apoia-se em função das condições pessoais e concretas em que a vítima é colocada, não se exigindo uma resistência pertinaz, uma oposição ilimitada, até às últimas consequências, da vítima(…)”
“Relevante é a idoneidade dos atos praticados sobre a vítima para cercear a sua livre autodeterminação sexual, e decisivo é que o ato sexual de relevo, pelo seu modo de execução, denote ausência de consentimento da vítima, em nexo causal com a violência sobre o corpo ou psiquismo da vítima, uma e outras aferidas segundo as condições pessoais e particulares daquela” ( Ac STJ de 17.03.2004, proc. 439/04-3ª, sumário em anotação ao art. 164º do CP; Maia Gonçalves). (sublinhados nossos)
Os factos tidos como provados no acórdão recorrido deverão, também a nosso ver, e tal como pugnado pelo assistente, ser subsumidos à prática de um crime de violação p. e p. pelo artigo 164º nº1-a) do CP, redação introduzida pela Lei 59/2007, vigente à data da prática dos factos. 1)
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5.3.Na eventualidade de assim se não entender, então, afigura-se serem igualmente relevantes os fundamentos aduzidos no recurso interposto pelo assistente, resumidos nas conclusões 73º a 80º do mesmo, considerando ser a conduta do conduta do arguido subsumível à previsão do crime de “abuso sexual de pessoa internada” p. e p. pelo art. 166º nº1-b) do CP, nada obstando a que o tribunal de 1ª instância tivesse aditado, nos termos do art. 358º do CPP, os factos de “o arguido se ter aproveitado das funções de médico que exercia em estabelecimento de Centro de Saúde, destinado a assistência ou/e tratamento médico, no âmbito de consulta a paciente/utente que se encontrava ao seu cuidado médico, suscetíveis de integrar a previsão do crime supra aludido”.
Relativamente aos factos ocorridos no interior do consultório médico do arguido, em 03.04.2014- factos provados de 3. a 9. do acórdão, em que o arguido, no exercício das suas funções de médico, disse ao menor para se despir, mandando-o de seguida deitar-se em cima da marquesa; aproveitando-se desse facto, tentou introduzir os seus dedos da mão no ânus do menor, e em que este, apercebendo-se de tal ato, sentiu receio e saiu da marquesa, afigura-se que os mesmos devem ser subsumidos à prática do crime de “abuso sexual de pessoa internada” p. e p. pelo art. 166º nº1 e 2 do CP, após cumprimento do art. 358º do CPP nos moldes supra referidos (em 5.3) ou, pelo menos, deverão ser subsumidos à prática de crime de importunação sexual p. e p. pelo art. 170º do CP.
Pelo exposto, pugna-se igualmente pela revogação da decisão absolutória contida no acórdão recorrido, nos moldes supra descritos.
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Considerando este Tribunal que se indiciava uma alteração dos factos, notificou-se o arguido para querendo exercer o seu direito do contraditório, tendo este em resposta sustenta inexistirem quer os elementos objectivos e subjectivos em causa, e que a alteração em causa, traduz-se numa alteração substancial dos factos, alteração essa que se opõe.
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Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
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II FUNDAMENTAÇÃO:
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos:
(Da pronúncia)
1. A... nasceu no dia 6 de janeiro de 1998, na Guiné Bissau.
2. O arguido F... é médico, tendo exercido funções no Centro de Saúde de Agualva/Cacém, do Agrupamento de Saúde (ACES) de Sintra, desde o ano de 1985 e até, pelo menos, o mês de maio de 2014.
3. No dia 3 de abril de 2014, cerca das 13h20m, A..., à data com 16 anos de idade, dirigiu-se ao Centro de Saúde de Agualva/Cacém, do Agrupamento de Saúde (ACES) de Sintra, acompanhado pela sua mãe, N....
4. Nessa sequência, nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas, e após ter feito a respetiva admissão, o menor entrou no gabinete médico onde o arguido se encontrava a dar consultas.
5. A dada altura, o arguido disse à progenitora do menor para aguardar o final da consulta no exterior do gabinete, o que aquela fez.
6. Encontrando-se sozinho com o mesmo no interior do gabinete médico/consultório, o arguido disse ao menor A... para se despir, o que ele fez.
7. De seguida, o arguido mandou-o deitar em cima da marquesa, aproximou-se dele e começou a tocar no pénis do mesmo com a sua mão, fazendo movimentos no sentido ascendente e descendente, perguntando-lhe, concomitantemente, se já tinha mantido relações sexuais com alguém.
8. Aproveitando o facto de A... se encontrar deitado na marquesa, o arguido tentou introduzir os dedos da mão no ânus do menor.
9. Ao aperceber-se disso, o menor A... sentiu receio e saiu da marquesa, após o que o arguido lhe disse para se vestir e chamou a progenitora.
10. A progenitora do menor entrou no gabinete médico e o arguido disse-lhe que havia necessidade de aquele ser submetido a exames complementares – análises à urina e audiograma tonal simples -, devendo, após, marcar nova consulta.
11. Assim, após o menor ter efetuado os exames médicos determinados pelo arguido, no dia 29 de abril de 2014, cerca das 13 horas, A... e a sua progenitora dirigiram-se de novo ao Centro de Saúde de Agualva/Cacém, do Agrupamento de Saúde (ACES) de Sintra.
12. Nas circunstâncias de tempo e de lugar descritas, e após ter feito a respetiva admissão, o menor e a mãe entraram no gabinete médico onde o arguido F... se encontrava a dar consultas.
13. Após lhe terem sido entregues os resultados dos exames complementares realizados, o arguido pediu novamente à progenitora do menor para aguardar o final da consulta no exterior do gabinete, o que aquela fez.
14. De seguida, o arguido disse a A... para se despir e deitar na marquesa, o que o menor fez.
15. O arguido puxou um banco e sentou-se de frente para A..., que continuava deitado na marquesa, após o que começou a tocar com a sua mão no pénis do menor, fazendo movimentos no sentido ascendente e descendente.
16. O arguido disse então ao menor para se levantar da marquesa e sentar-se ao seu colo, o que o mesmo fez.
17. Encontrando-se o A... sentado ao colo do arguido, de costas para o mesmo, este abriu o fecho das calças e tirou o pénis ereto, após o que o introduziu no ânus do menor.
18. Assustado, o menor levantou-se, pelo que, de modo súbito, o arguido puxou-o de encontro ao seu pénis ereto e introduziu-o no ânus daquele.
19. Temendo pela sua integridade física, o menor levantou-se do colo arguido, após o que este o mandou vestir e chamou a sua progenitora.
20. Imediatamente depois de terem saído do Centro de Saúde do Cacém, o menor relatou à sua progenitora o sucedido no interior do gabinete médico, durante a consulta.
21. Como consequência da atuação do arguido, o menor sangrou do ânus, sentiu dores e sofreu ainda as seguintes lesões:
“1. A nível da região anal e perianal, cicatriz arciforme, entre as 12h e as 11h, nacarada, na margem da estriação radiária;
2. Sem hipotonia esfincteriana (…).”
22. Ao agir da forma descrita com o menor A..., o arguido F... quis praticar sobre o mesmo atos de natureza e conteúdo sexual, o que fez, estando ciente da sua idade.
23. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de libertar e satisfazer os seus impulsos e desejos sexuais com o menor A..., e bem assim com intenção de manter relações de coito anal com o mesmo contra a sua vontade, apanhando-o desprevenido.
24. Mais sabia o arguido que as suas descritas condutas eram profundamente ofensivas da honra do menor e o sujeitavam a uma profunda humilhação, conhecendo a respetiva censurabilidade.
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(Da contestação, com relevância para a decisão da causa)
25. O horário do arguido no Centro de Saúde do Cacém é das 12h às 14h e das 15h às 20h.
26. Habitualmente, quando chega ao Cacém o arguido vai almoçar a um restaurante perto do Centro de Saúde, não começando as consultas antes das 12h45m, fazendo então as consultas todas seguidas.
27. A... pertence à lista de utentes sem médico, não pertencendo à lista de utentes cujo médico de família atribuído é o arguido.
28. Em ambas as consultas, dos dias 3 e 29 de abril de 2014, quando o arguido pediu à mãe do menor para aguardar no exterior do gabinete, a mesma concordou inteiramente, saindo e sentando-se do lado de fora da porta, a uma curta distância da porta.
29. No dia 5 de maio de 2014, o A... recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Santa Maria, não tendo aí referido a situação descrita na acusação, nem quaisquer queixas de dores anais.
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(Da discussão da causa, resultaram ainda provados os seguintes factos):
30. A... foi a uma primeira consulta no Centro de Saúde de Agualva/Cacém, no dia 21 de março de 2014, cerca das 15h15m, por alegadamente ter engolido um objeto estranho e carecer de assistência médica, tendo, nessas circunstâncias, sido consultado pelo arguido.
31. O ora assistente A... apresenta uma perturbação do desenvolvimento intelectual (deficiência intelectual) em grau ligeiro, definida como um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com défice de capacidades como pensamento abstrato, conhecimento geral, inteligência, julgamento, resolução de problemas, planeamento, bem como deficiente funcionamento adaptativo aos padrões de desenvolvimento e socioculturais, que restringem a participação e o desempenho em várias atividades de vida diárias, como a comunicação interpessoal, competências sociais, uso dos recursos comunitários, aptidões escolares, trabalho.
32. No domínio social, as interações do A... com os outros são imaturas, o julgamento social e a perceção das situações de risco são limitados, podendo ser facilmente manipulado.
33. Os défices funcionais decorrentes da deficiência intelectual de que padece restringem fortemente a capacidade de o mesmo se autodeterminar, nomeadamente no âmbito da sexualidade, tornando-o vulnerável a abordagens do tipo sexual.
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(Condições pessoais do arguido)
34. O processo de desenvolvimento do arguido F... decorreu junto dos pais e uma irmã mais velha, sendo a dinâmica familiar descrita como securizante, quer ao nível afetivo, quer ao nível material.
35. O pai desenvolvia a atividade profissional de gerente comercial e a mãe de professora de educação física.
36. O respetivo percurso escolar decorreu de forma positiva e ascendente, tendo ingressado e concluído o Curso de Medicina, na Faculdade de Medicina de Lisboa, com especialização em Medicina Geral e Familiar.
37. Findos os seis anos da licenciatura, esteve durante quatro anos no Centro de Saúde e Hospital das Caldas da Rainha, em regime de internato geral.
38. Iniciou atividade profissional no ano de 1985, como médico de clínica geral e família no Centro de Saúde do Cacém, exercendo paralelamente a sua profissão, durante uns anos, no I.P.O., e desde sempre em clinica privada da E.D.P..
39. Aos 33 anos de idade contraiu matrimónio, relacionamento do qual nasceram quatro filhos, atualmente com 20, 17, 13 e 4 anos. A esposa exercia a profissão de Advogada, que deixou para passar a dedicar-se exclusivamente aos filhos, em virtude de patologia e problemas de saúde da filha maia nova (trissomia 21, doença oncológica e problemas cardíacos graves).
40. À data dos factos, o arguido F... residia com a sua família constituída, sendo este o contexto familiar e habitacional que detém no presente momento. Ambos os elementos do casal transmitem a existência de vínculos familiares significativos e compensadores, sendo notória a cumplicidade existente entre os mesmos, cuja preocupação central é o bem-estar da filha mais nova.
41. No campo profissional, atualmente o arguido mantém apenas funções na clínica da E.D.P., em virtude da decisão administrativa de despedimento do Centro de Saúde do Cacém, da qual interpôs recurso, ainda não julgado.
42. Ao nível económico, o arguido aufere cerca de € 2000 e tem, entre outras, as despesas inerentes à habitação, como a amortização do empréstimo bancário contraída para a respetiva aquisição, pelo qual paga a quantia mensal de € 800 mensais.
43. O arguido apresenta sintomatologia de ansiedade e angústia, encontrando-se sujeito a acompanhamento psiquiátrico e medicação, e beneficia do apoio de familiares e amigos.
44. A organização da personalidade do arguido é pautada por traços ansiosos e impulsivos e pode ser caracterizada pela baixa capacidade de insight e pelas dificuldades que surgem da integração da respetiva componente relacional, associadas a carências afetivas e necessidades de suporte e apoio. Tal personalidade revela-se ainda rígida, autocentrada e com dificuldades de contenção dos impulsos.
45. O arguido F... não tem antecedentes criminais registados.
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Consideraram-se não provados os seguintes factos:
 (Da acusação)
a) A consulta médica do dia 3 de abril de 2014 ficou a dever-se ao facto de o A... ter engolido um objeto estranho e necessitar de assistência médica.
b) Ao atuar da forma descrita, o arguido tinha conhecimento de que o A... não sabia avaliar tais práticas e não poderia consentir ou anuir nas mesmas, mais sabendo que tais condutas, uma delas empreendida por via da força, atentavam contra o normal e saudável desenvolvimento psíquico-afetivo e sexual do menor, fazendo-o vivenciar uma sexualidade precoce e prejudicial e abusando da respetiva inexperiência.
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(Da contestação, com relevância para a decisão da causa)
c) O arguido apenas teve duas consultas com o A..., porquanto faltou ao serviço no dia 21 de março de 2014, razão pela qual a consulta marcada para esse dia foi reagendada para o dia 3 de abril de 2014.

A convicção formada pelo tribunal recorrido foi assim explicada:
O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova documental e pericial constante dos autos e considerada igualmente analisada naquela sede, com apelo ainda às regras da vida e da experiência comum, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do Código de Processo Penal.
Designadamente:
Embora apenas no final da audiência de julgamento, e depois de produzida toda a prova arrolada pelo Ministério Público, pela defesa e determinada oficiosamente pelo Tribunal ao abrigo do disposto no art. 340º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o arguido F... prestou declarações, negando, em suma, todas as imputações que lhe são feitas, com as quais, aliás, se mostrou chocado. Para tanto, e sobretudo no sentido de infirmar a versão dos factos constante da acusação, na esteira do que constava já da contestação, o arguido socorreu-se de elementos meramente formais, como o seu horário de trabalho no Centro de Saúde do Cacém, uma alegada falta ao serviço no dia 21 de março de 2014 por questões relacionadas com a saúde da filha mais nova, o teor da participação elaborada pela Polícia de Segurança Pública e da informação lavrada pela Polícia Judiciária, e bem assim a não realização – atempada - de exame pericial ao ofendido A..., tudo conforme abaixo melhor se explicitará.
Perante o teor das aludidas declarações, afigurou-se determinante na formação da convicção do Tribunal as declarações para memória futura prestadas pelo ofendido, e ora assistente, A... em sede de inquérito (fls. 187 e 188), a cuja reprodução se procedeu em audiência de julgamento, e que nos mereceram credibilidade, até porque corroboradas, ainda que circunstancialmente, por outros meios probatórios.
Com relevância, o menor disse ter ido a uma primeira consulta com o arguido F em virtude de ter engolido uma “folha”, tendo a mãe entrado consigo no gabinete do médico. Após lhe ter examinado a boca, o arguido pediu à mãe para sair, o que a mesma fez, e disse-lhe para se despir e deitar sobre a marquesa, o que igualmente fez, altura em que começou a mexer no seu pénis (a “puxar”), perguntando-lhe se já havia tido relações sexuais com alguém. Respondeu afirmativamente, localizando tal experiência na Guiné Bissau, e passado um pouco ele tentou introduzir os dedos no seu ânus. Assustado, levantou-se da marquesa, tendo-o o arguido mandado vestir e chamado a mãe.
O ofendido referiu ter achado estranha e confusa esta atuação do médico, mas não contou nada à mãe, porque admitiu, em primeiro lugar, que pudesse tratar-se do trabalho dele, e depois, num momento posterior, que o mesmo fosse homossexual.
Na referida consulta foram-lhe prescritos uns exames ao ouvido, e outros, razão pela qual voltou ao Centro de Saúde uma segunda vez. Nesta segunda consulta, ao entrar no gabinete médico com a mãe, ela mostrou-lhe os exames, que o arguido colocou em cima da mesa (não lhes dando qualquer atenção), falou com a mesma dos filhos da sua idade e, após, mandou-a de novo sair. Após a saída da mãe, mandou-o novamente despir-se e deitar-se em cima da marquesa, após o que começou a mexer-lhe no pénis. Esclareceu, num segundo momento, que antes de lhe começar a mexer no pénis, o arguido puxou uma cadeira e sentou-se junto de si, tendo sido então que praticou tal ato, tendo-lhe pedido, após, para se levantar e sentar-se ao seu colo. Anuiu a esse pedido, sentando-se ao colo do médico, após o que este abriu o fecho das calças e tirou o pénis para fora, introduzindo-o no seu ânus. Porque lhe doeu, levantou-se, tendo sido então que ele o puxou subitamente para baixo, para o seu colo, voltando a introduzir-lhe o pénis naquele órgão. Assustado e com medo, levantou-se bruscamente, razão pela qual os óculos do arguido e uma “navalha” que o mesmo tinha no bolso caíram ao chão.
Por último, o ofendido referiu ter sofrido dores, não se tendo apercebido, na altura, de qualquer sangramento, o que apenas verificou mais tarde, quando, após defecar, se limpou.
Imediatamente após a saída do Centro de Saúde do Cacém disse à progenitora que queria ir à polícia, tendo sido então que lhe contou o sucedido.
Em segundo lugar, e sem prejuízo de a mesma não ter presenciado toda a factualidade descrita na peça acusatória, o que se afigura óbvio face à respetiva natureza, foi para nós igualmente relevante o depoimento da testemunha N..., mãe do A..., porque prestado de forma absolutamente séria e credível. Com efeito, referiu a testemunha ter efetivamente levado o filho ao Centro de Saúde do Cacém, onde foi consultado pelo arguido, em três ocasiões distintas, sendo que o motivo da primeira consulta foi o facto de aquele ter engolido uma “palha”. Nessa primeira vez, e porque não tinha médico atribuído (por ter recentemente mudado de residência para aquela localidade), dirigiu-se ao balcão do Centro de Saúde, onde lhe marcaram consulta para o próprio dia, para o Dr. Silva …, que então os encaminhou para o Hospital Amadora – Sintra, onde não chegaram a ir por, entretanto, a “palha” ter saído.
Posteriormente, foi chamada à escola pela Diretora da Turma do A..., preocupada com o facto de os colegas gozarem com o mesmo e por algum isolamento daí derivado, aconselhando-a a levá-lo ao médico de família.
Marcou, então, consulta, tendo “apanhado” de novo o ora arguido. Entrou com o filho no gabinete e explicou a situação ao médico, que prescreveu a realização de análises à urina e de um exame aos ouvidos, pedindo àquele para se despir, a fim de o examinar. Nessa altura, mandou-a sair do gabinete médico, o que fez, aguardando no exterior.
No que respeita à terceira consulta, destinada a mostrar os exames, a mesma foi realizada cerca das 13h/14h, pelo mesmo médico, que não deu qualquer atenção àqueles, nem sequer abrindo o respetivo envelope. Uma vez mais foi-lhe pedido para aguardar no exterior, o que fez, tendo a consulta demorado algum tempo, ao que julga, cerca de uma hora. No final, entrou novamente, tendo sido solicitada a realização de novas análises. Nessa circunstância, referiu ter notado os olhos do filho muito “vermelhos” e as mãos do arguido a tremer.
Quando saíram do Centro de Saúde, o A... disse que queria ir à polícia, acabando por contar-lhe o sucedido quando o questionou sobre o motivo da sua pretensão. Deslocaram-se de seguida à esquadra da P.S.P. do Cacém, aguardando, depois, receberem uma carta para aquele ser sujeito a exame médico.
Posteriormente, cerca de cinco dias depois, levou o filho à urgência do Hospital de Santa Maria, não tendo relatado o sucedido ao médico que aí o atendeu por vergonha.
Considerando haver discrepâncias entre o depoimento prestado pela testemunha N... em sede de audiência de julgamento e o depoimento prestado em sede de inquérito, quanto ao número de consultas efetivamente dadas pelo arguido ao ofendido A..., foi a mesma confrontada com o auto de fls. 33 e 35, a requerimento da defesa (fls. 603) e mediante acordo de todos os sujeitos processuais, nos termos do art. 356º, n.º 2 al. b) e n.º 5 do Código de Processo Penal (fls. 684), reiterando terem existido três consultas, conforme acima descrito.
E, na verdade, quer este aspeto em particular, quer outros – ainda que meramente instrumentais ou acessórios – relatados pela testemunha N..., e também pela testemunha A..., mostram-se corroborados pela demais prova carreada para os autos, mormente pela prova documental, infirmando claramente a versão trazida pelo arguido.
Com efeito, a comprovar a sequência – lógica e cronológica – dos acontecimentos relatados por aquela, designadamente quanto à existência de três consultas médicas, ministradas pelo arguido F... ao ofendido nos dias 21 de março de 2014, 3 de abril de 2014 e 29 de abril de 2014, temos, desde logo, a documentação remetida pela U.C.S.P. de Agualva – Cacém, constante de fls. 109, 225 a 227, bem como o teor do ofício de fls. 860 e o teor dos documentos de fls. 36, 190-191 e 878.
Perante a referida documentação, e ainda que tal data não seja objeto do processo, retirou o arguido que embora estivesse agendada uma consulta do A... para o dia 21 de março de 2014, a mesma não se realizou, tendo muito possivelmente sido agendada para o dia 3 de abril de 2014, em virtude dos problemas de saúde da sua filha mais nova, sendo essa a razão pela qual apenas se recorda daquele em duas consultas.
Tal não corresponde, porém, à verdade, conforme o atestam os documentos de fls. 109, 201 e 878, em conjugação com a informação de fls. 860.
De facto, e independentemente da veracidade dos motivos alegados, o arguido não faltou ao serviço no dia 21 de março de 2014, data em que N... se dirigiu à unidade de saúde onde aquele trabalhava para marcar uma consulta, o que veio a suceder para esse mesmo dia, com o ora arguido. Ora, tal não faria qualquer sentido, desde logo, se o arguido não se encontrasse ao serviço. Ainda assim, perante a evidência do documento de fls. 878, veio o arguido sustentar que a folha de assiduidade era assinada toda de uma vez, por facilitismo, sobretudo devido à situação familiar que atravessava, existindo certamente lapso na indicação dos dias em que esteve de atestado médico, como sendo os dias 3 e 4 de março de 2014, o que, na perspetiva da defesa, não faz qualquer sentido, na medida em que correspondendo o dia 4 de março a uma terça-feira de Carnaval, é consabido que os funcionários públicos nela não trabalharam. Uma vez mais, estamos certas de que tal não corresponde à verdade, por duas ordens de razões: a primeira, porque é do conhecimento público que no ano de 2014 não foi dada qualquer tolerância de ponto na data festiva em causa, sendo um normal dia de trabalho para todos os trabalhadores que exercem funções públicas; em segundo lugar, porque mesmo que se admitisse possível a versão do arguido, ficaria então por explicar a razão pela qual o próprio abriu o processo clínico do ofendido A... nessa mesma data, o que sucedeu (fls. 201 e 860).
Mas também relativamente ao dia 29 de abril de 2014, é de salientar que não faz qualquer sentido a argumentação do arguido, explanada em sede de contestação e alicerçada em elementos de ordem meramente formal, onde avulta o teor da participação de fls. 8 e 9 e da informação de fls. 3 a 5.
Segundo a participação elaborada pela P.S.P., constante de fls. 8 e 9 dos autos, conjugadamente com o teor da informação da Polícia Judiciária de fls. 3 a 5, o menor A..., então com 16 anos de idade, e a mãe deslocaram-se à esquadra da P.S.P. do Cacém, no dia 29 de abril de 2014, necessariamente a hora anterior às 14h30m, por ser esta a hora da comunicação por parte da P.S.P. à Polícia Judiciária (e não pelas 16h49m, conforme igualmente ali consta), em que relataram a ocorrência, localizando-a temporalmente pelas 13 horas desse mesmo dia. Mas também dos referidos documentos, em consonância com os depoimentos das testemunhas AF... (o agente da P.S.P. que recebeu a participação) e S... (a inspetora da P.J. que recebeu a comunicação), resultou que tal participação apenas foi elaborada/escrita cerca das 17 horas, e que durante todo esse período o ofendido e a mãe permaneceram naquele local, até porque aguardaram que fosse tomada posição quanto à realização imediata, ou não, do pertinente exame pericial de natureza sexual.
Ora, se não existem quaisquer dúvidas acerca da consulta médica dada pelo arguido no dia 29 de abril de 2014, além do mais pelo facto de o processo clínico do A... ter sido aberto nessa mesma data (embora a hora mais tardia) e pelo facto de em tal consulta ter sido prescrita a realização de análises à urina (vide a documentação de fls. 109, 199 e 36), em consonância, aliás, com a prova testemunhal, as mesmas também não se suscitam relativamente à hora em que a mesma se verificou, que não pode de modo algum corresponder àquela que consta da acusação – 15 horas - (certamente com base no documento de fls. 199), aproximando-se antes daquela que foi participada à P.S.P. – 13 horas. Tal conclusão mostra-se de acordo, aliás, com a própria defesa do arguido, no sentido de que apenas inicia as consultas no Centro de Saúde pelas 12h45m, já que antes vai almoçar, fazendo depois todas as consultas de seguida.
Por outro lado, a menção, na informação da Polícia Judiciária de fls. 3, de que os factos denunciados teriam ocorrido “de manhã”, não belisca minimamente a credibilidade da prova testemunhal acima referenciada, porquanto para além de não ter qualquer suporte factual ou documental, tem unicamente a ver com a comunicação efetuada entre os dois órgãos de polícia criminal ou pela interpretação que dela foi feita por algum deles, e não pelo que foi denunciado.
Ademais, em nosso entender foram as dificuldades de expressão do então menor e da mãe, motivadas não só pela língua materna diferente, como também pela perturbação do desenvolvimento intelectual do primeiro, que determinaram algumas das imprecisões ou incongruências constantes da referida participação policial e inviabilizaram, sobretudo, a realização de uma diligência de prova fundamental, como o imediato exame de perícia médico-legal.
Em último lugar, no mesmo sentido, não podemos deixar de referir o teor do documento de fls. 712, respeitante ao registo das faltas escolares do menor no ano letivo de 2013/2014, dele transparecendo que aquele faltou – justificadamente – nos dias 21 de março de 2014 e 3 de abril de 2014, e faltou – injustificadamente – no dia 29 de abril de 2014 e nos dois dias úteis imediatamente seguintes, o que é explicável pelos factos ocorridos e pelo estado em que o mesmo, em consequência, ficou, corroborado, em nosso entender, pela sintomatologia que o levou ao serviço de urgência do Hospital da Santa Maria no dia 5 de maio de 2014 (ansiedade, quadro agudo e autolimitado de palpitações, sem outras queixas associadas – fls. 193). E, neste aspeto, não é de estranhar que nada tenha sido contado ao médico que aí o assistiu, sendo compreensíveis os sentimentos de vergonha que foram verbalizados pela testemunha N....
Não se descura, uma vez mais, que todas as circunstâncias acima relatadas são meramente acessórias ou instrumentais; contudo, tendo presente o fio condutor da defesa do arguido, a respetiva prova apenas vem corroborar a veracidade da versão dos factos trazida pelas duas testemunhas atrás citadas, em que assentou a acusação/pronúncia.
Também a corroborá-la, embora em nosso entender tardiamente realizado, temos o relatório de exame pericial de natureza sexual em processo penal, constante de fls. 154 e seguintes, complementado a fls. 216 e 217, conjugadamente com os esclarecimentos prestados pela Sra. Perita Médica, Dra. AN..., em sede de audiência. Com efeito, se desta prova pericial não pode retirar-se a data em que ocorreu o evento determinante das lesões aí descritas, dele resulta inequívoco que o menor A... sofreu um “traumatismo contundente ou atuando como tal (não se podendo afastar a ação de um pénis ereto)”, em consequência do qual resultou “uma cicatriz arciforme, entre as 12 h e as 11 h, nacarada, na margem da estriação radiária, sem hipotonia esfincteriana”.
É evidente que o teor do exame em causa não permite concluir, por si só, ter sido o arguido F... o autor da agressão determinante das referidas lesões; contudo, conjugadamente com os esclarecimentos da Sra. Perita, no sentido de o traumatismo ter ocorrido “de fora para dentro” e de a ausência de hipotonia esfincteriana ser absolutamente compatível com um único ato de abuso, bem como com o teor do depoimento do ofendido A..., designadamente na parte respeitante à descrição dos factos da acusação e à respetiva inexperiência sexual, a prova pericial permite, outrossim, a corroboração dos aludidos factos.
De realçar, neste aspeto em concreto, não ter merecido credibilidade o depoimento da testemunha M..., médico de profissão, na medida em que querendo apenas colocar em crise as conclusões da prova pericial, fez uso de paralelismos com situações de relações sexuais homossexuais, que em nada contribuíram para a descoberta da verdade, e muito menos para a infirmação da prova pericial produzida.
Ainda na parte respeitante à veracidade ou credibilidade do relato do ofendido, há que sopesar o teor do relatório da perícia sobre a personalidade, realizada a requerimento da defesa e cujo relatório consta de fls. 500 e seguintes. Segundo o mesmo, o menor apresenta uma perturbação do desenvolvimento intelectual (deficiência intelectual) em grau ligeiro, a qual, contudo, não é suscetível de “afetar a realidade dos factos concretos (que não envolvem pensamento abstrato ou conceptual) alegadamente vivenciados ou a compreensão da sua situação concreta”, do mesmo modo que não foram observadas “superficialidade, impulsividade ou sugestionabilidade, nem indícios de fantasia nos relatos que faz de situações concretas” (fls. 502 e 502 verso).
Do mesmo modo, há que referir, outrossim, não se vislumbrar a existência de qualquer razão suscetível de despoletar uma participação – falsa - destes factos às autoridades policiais, maxime de inimizade ou de cariz económico, até porque até à data inexistiu qualquer relação pessoal ou profissional entre o arguido e o ofendido, que também não partilham do mesmo círculo social.
Finalmente, e embora tal extravase o objeto do presente processo penal, não poderá deixar de considerar-se o teor dos elementos constantes dos processos disciplinares instaurados contra o arguido, com os n.ºs 49/2014-DIS e 48/2014-DIS, o último dos quais na sequência das queixas apresentadas por outros dois utentes – Ha... e BB... – por factos da mesma natureza daqueles que se encontram sob julgamento e que determinaram o despedimento do arguido da função pública.
Ainda que tal decisão de despedimento tenha sido impugnada judicialmente (conforme resulta da documentação junta pelo arguido a fls. 714 e seguintes), a similitude das situações ali descritas com outros utentes, e bem assim com a nacionalidade dos mesmos e dificuldades linguísticas inerentes, levam-nos a sedimentar aquela que foi a perceção do Tribunal quanto aos factos praticados pelo arguido e à formulação de um juízo probatório positivo acerca dos mesmos.
Ademais, com a junção, pelo arguido, das fotografias de fls. 795 e seguintes, foi pretendido demonstrar que a manipulação do pénis se insere nas legis artis da observação médica de pacientes do sexo masculino. Ainda que tal se possa conceber, nos moldes que aí se encontram retratados, e consoante os quadros clínicos apresentados, a verdade é que uma manipulação do pénis nos moldes relatados pelo ofendido A... ultrapassa necessariamente uma simples observação, para não falar já do sentar ao colo e da penetração do ânus pelo pénis do arguido, que obviamente são inconcebíveis e intoleráveis dentro de todos os parâmetros de normalidade, consubstanciando necessariamente situações de manifesto abuso, e ainda que destituídas de proteção jurídico-penal. Aliás, em termos genéricos, a testemunha Edite … acabou por confirmar a existência de queixas de outros utentes relativamente ao ora arguido, de que se ouvia falar no Centro de Saúde do Cacém, por factos da mesma natureza.
 No que respeita às testemunhas de defesa inquiridas, entre as quais, J... (paciente do arguido há mais de 20 anos), H...(amiga do arguido), e Ma... (colega e amiga do arguido há mais de 30 anos), acredita-se que as mesmas estejam plenamente convencidas da falsidade das imputações e da inocência do arguido, até por o conhecerem há muito tempo e pela própria relação de amizade que os une. Se a respetiva credibilidade, face a tais circunstâncias, em nada fica beliscada, também os meios probatórios elencados, que sustentaram a versão da acusação, não são infirmados pelo respetivo teor, considerando que são factos da vida privada, além do mais moral e eticamente censuráveis, e de que certamente o arguido não fez alarido.
Relativamente ao depoimento da testemunha CC..., médico psiquiatra e amigo do arguido, sem descurar, outrossim, a respetiva credibilidade, a verdade é que o mesmo acabou por ser contraditório, tentando, ao mesmo tempo, balizar o estado depressivo que disse afetar o arguido no conhecimento das falsas imputações que deram origem aos presentes autos, e fazer crer que os antidepressivos que aquele, à data dos factos, tomava, inibiam a respetiva líbido. Sem prejuízo, na parte respeitante a um atual estado depressivo, o mesmo encontra-se claramente infirmado pela perícia psicológica realizada, cujo relatório se encontra junto a fls. 425 e seguintes. Aliás, de acordo com tal perícia, o arguido F... denota uma “personalidade pautada pelos traços ansiosos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura de personalidade borderline (…), a qual pode ser caracterizada pela baixa capacidade de insight e pelas dificuldades que surgem da integração da componente relacional da sua personalidade, que estão associadas a carências afetivas e necessidades de suporte e apoio”. Ora, tais traços de personalidade são compatíveis, outrossim, com a verosimilhança da factualidade em apreciação.
Ainda no que concerne à situação pessoal, económica e familiar do arguido, e ausência de antecedentes criminais, atendeu o Tribunal ao relatório social elaborado pela D.G.R.S.P., e junto aos autos a fls. 370 a 374, e ao certificado de registo criminal de fls. 354.”

O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- erro notório na apreciação da prova
- qualificação jurídica dos factos;

Antes de iniciarmos a nossa análise convirá fazer uma apreciação das questões prévias levantadas pelo arguido:
Na resposta ao recurso o arguido veio invocar a nulidade de todo o processado.
Sem definir qual o tipo de nulidade em causa, a sua argumentação, baseou-se no facto de a seu ver, tendo havido um despacho de arquivamento pelo MºPº, foi ordenado a reabertura do processo antes que sobre a data daquele tivesse ocorrido o prazo de 20 dias a que se refere o artº 278º do C.P.P.
Ora antes do mais convirá referir que não tendo o arguido definido qual a nulidade em causa, este Tribunal não poderá em princípio apreciar da questão invocada.
Mas sempre se dirá que a nulidade invocada, não fazendo das elencadas no artº 119º do CPP e dada a natureza taxativa que as mesmas se revestem, forçoso será de concluir que, quer se considere estarmos perante uma nulidade sanável (artº 120º) ou uma irregularidade (artº 123º), a mesma já se encontrará sanada, dado não ter sido atempadamente arguida junto do Tribunal “a quo”.
Com efeito não se tratando de questão de conhecimento oficioso e não estando prevista a possibilidade de constituir, ab initio, fundamento de recurso (como sucede com as nulidades da sentença – cfr. nº 2 do art. 379º), tem de ser arguida, em primeira mão, perante o tribunal que (alegadamente) a terá cometido – só, depois, sendo admissível recurso do despacho que a indeferisse - e dentro do condicionalismo temporal estabelecido nos artºs 120 e 123º já referidos
Quando assim não suceda, há-de considerar-se tal (eventual) nulidade como sanada.
E é precisamente o que se verifica no caso em apreciação, pelo que nada haverá a reparar.
Por outro lado o arguido vem igualmente invocar falhas na investigação, como a discrepância nas horas referidas na participação à PSP e na acusação em que o assistente estaria no seu gabinete, o facto de não ter sido devidamente valorizado a decisão da Polícia em inicialmente ter considerado não ter existido qualquer ilícito e que ao ser ordenado a reabertura do inquérito, sem razão aparente impediu o arguido de se defender convenientemente, nomeadamente através da sua audição e a eventual realização de testes de ADN.
Como é bom de ver a apreciação dos termos em que foi efectuada a investigação, a insuficiência ou omissão de diligências é matéria que extravasa o âmbito do recurso em causa, sendo que o momento próprio seria ou através da reclamação hierárquica, (artº 279º) ou da abertura da fase de instrução, (artº 287º nº 1 al. a) quer mesmo durante a audiência de julgamento quanto à apreciação da prova produzida.
Ora se o arguido não invocou a questão naqueles momentos processuais ocorreu, e uma vez que não tendo sido impugnada a matéria de facto nos recursos interpostos, nos termos do artº 412º nºs 3 e 4 do CPP, vedado se encontra a este Tribunal apreciar a valoração da prova produzida em, audiência, pelo que forçoso será de concluir que não podem proceder os argumentos invocados pelo arguido, nomeadamente quanto aos depoimentos prestados em julgamento
E assim sendo não podem proceder os argumentos apresentados pelo arguido, neste apreço.
a) Do erro notório na apreciação da prova
Por fim o arguido vem ainda referir que não concorda, ou pelo menos tem sérias reservas quanto à forma como o Tribunal terá formado a sua convicção, ou seja poderia ter ocorrido um erro notório na apreciação da prova, situação esta que terá de merecer atenção por parte deste Tribunal.
Com efeito e como se sabe, para além da impugnação da matéria de facto a que se refere o artº 412º nº 3 e 4 do CPP, uma das vias para sindicar a matéria de facto, é a através da apreciação dos vícios a que se refere o artº 410º do CPP, vícios esses aliás que são de conhecimento oficioso.
Assim sendo centraremos a nossa atenção, no erro notório na apreciação da prova, vício que frequentemente é confundido com o erro de julgamento, e que também nada tem a ver com uma diferente convicção em termos probatórios e uma diversa valoração da prova produzida em audiência que o recorrente entenda serem as correctas .
Este vício verifica-se “quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional ou lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis .....” [3].
Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.
Verifica-se, igualmente, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
A notoriedade do erro exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “, de tal modo evidente que não possa passar despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta” [4]
Tendo em atenção o exposto, apreciemos de seguida os fundamentos do nesta parte do recurso:
A invocação deste erro-vício e a que alude a al. c) do nº 2 do art. 410º do C.P.P. é perfeitamente despropositada e infundada.
De facto, o texto da decisão recorrida não evidencia qualquer erro dessa natureza, e nem o recorrente concretiza em que passo da mesma ele pretensamente se verifica. Todos os factos provados e não provados se harmonizam, não se detecta qualquer conclusão arbitrária ou contrária às regras da experiência comum e não foi valorada qualquer prova proibida.
O julgador explicitou com clareza quais os motivos que o levaram a não credibilizar a versão depoimento do recorrente, e a optar pela versão apresentada pelo assistente sustentada quer pela prova documental existente nos autos, (fls. 33 e 35, 36, 109, 154 e segts, 190-191, 201, 216, 217, 225 a 227, 354, 370 a 374, 425, 500 e segts, 712, 860 e 878), pelo depoimento de memória futura conjugados com a prova testemunhal produzida em julgamento nomeadamente das testemunhas N..., mãe do assistente, AF... (o agente da P.S.P. que recebeu a participação) S... (a inspetora da P.J. que recebeu a comunicação), Dra. AN... (perita médica).
O tribunal teve de igual modo em conta as declarações do arguido, tendo esclarecido na decisão recorrida os motivos porque não credibilizou a sua versão, nomeadamente quanto às datas e horas das consulta em que foi assistido pelo arguido, bem como as razões que o levaram a descredibilizar o depoimento de M... (médico) CC..., (médico psiquiatra e amigo do arguido) e a não valorar o depoimento das testemunhas J... (paciente do arguido há mais de 20 anos), H...(amiga do arguido), e Ma... (colega e amiga do arguido há mais de 30 anos),
Assim da leitura da decisão recorrida afere-se que o tribunal recorrido apoiou-se no depoimento do ofendido, que considerou credível e coerente, conjugando-o ainda com o que extraiu dos depoimentos das testemunhas já referidas, bem como das regras de experiência comum explicitando de um modo claro e coerente os fundamentos do seu raciocínio.
Tudo permitindo concluir que as provas valoradas são, todas elas, permitidas e que, na sua apreciação, não foi feito qualquer atropelo das regras da experiência comum.
Não tem assim razão o arguido nas questões prévias por ele invocadas na sua resposta aos recursos.

b) Da qualificação jurídica dos factos;
A qualificação jurídica dos factos feita no acórdão recorrido não merece a concordância dos recorrentes, atento os factos dados como provados na decisão ora sindicada.
Da análise da matéria de facto provada descrita no acórdão recorrida, afere-se que o que está em causa é a conduta do arguido em dois momentos temporais diferentes, ocorridos ambos no gabinete médico do arguido, sito no Centro de Saúde de Agualva /Cacém.
O primeiro ocorreu em 3 de Abril de 2014 e encontra-se descrito nos factos provados sob os nºs 5 a 9, e o segundo a 29 de Abril de 2014 sendo que a ele se referem os factos provados nºs 14 a 21, sendo que os factos descritos sob os nºs 22a 24 se referem ao elemento volitivo dos mesmos.
O MºPº entende que os factos consubstanciariam a prática em concurso real de um crime de importunação sexual p. e p. pelo artº 170º pelo primeiro episódio e relativamente ao segundo episódio um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artºs 143º nº 1, 145º nº 1 al. a) e 2 e um crime de importunação sexual p. e p. pelo artº 170º, todos do Cod. Penal
Por sua vez o assistente apenas põe em causa a análise jurídica feita na decisão recorrida relativamente ao segundo episódio, entendendo que o mesmo configura a prática de um crime de violação p. e p. pelo artº 164.°, n.° 1, al. a) ou subsidiariamente o crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. no art. 166.°, n.° 1, al. b) ambos do Cod. Penal.
Finalmente o Exmº Sr Procurador Geral Adjunto considere que relativamente ao primeiro episódio se verifica um crime de abuso sexual de pessoa internada, p. e p. no art. 166.°, n.° 1, al. b) ou então um crime de importunação sexual p. e p. pelo art. 170º do Cod. Penal e quanto ao segundo episódio um crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 al. a) ou caso assim não se entenda um crime de abuso sexual de pessoa internada p. e p. pelo art. 166º nº 1 al. b) todos do Cod. Penal.
Convirá referir para o caso em apreço que os crimes de que o arguido vinha acusado eram da prática de um crime de atos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art. 173º, n.º 1 do Código Penal, e do crime de violação, p. e p. pelo art. 164º, n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal.
Em síntese, o Tribunal “a quo” afastou o crime de atos sexuais com adolescentes por o assistente ter então mais de 16 anos, análise esta que não foi posta em causa por nenhum dos recorrentes, afastando ainda o crime de violação, por considerar não se ter verificado um dos elementos do tipo objetivo deste ilícito, ou seja, a coação ou constrangimento à prática do ato sexual através da utilização de violência, ameaça grave ou colocação da vítima inconsciente ou impossibilitada de resistir.
O Tribunal “a quo” afastou ainda a possibilidade da conduta do arguido consubstanciar a prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art. 165º, n.ºs 1 e 2 do Cod. Penal, por considerar não se verificar por parte do assistente a situação de incapacidade necessária para o preenchimento da tipicidade objetiva do ilícito em questão.
Apreciemos:
Da análise da factualidade em causa, a nosso ver e ao contrário do que foi sustentado pelo assistente e pelo Exmº Sr Procurador Geral Adjunto, ressalta que a conduta do arguido não pode ser inserida na prática do crime de abuso sexual de pessoa internada, relativamente a qualquer dos episódios em causa,
O ilícito em causa encontra-se previsto no artº 166º do Cod. Penal o qual dispõe:
1 - Quem, aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título, exerce ou detém em:
a) Estabelecimento onde se executem reacções criminais privativas da liberdade;
b) Hospital, hospício, asilo, clínica de convalescença ou de saúde, ou outro estabelecimento destinado a assistência ou tratamento; ou
c) Estabelecimento de educação ou correcção;
praticar acto sexual de relevo com pessoa que aí se encontre internada e que de qualquer modo lhe esteja confiada ou se encontre ao seu cuidado é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos.
Da leitura do preceito ressalta que para que se verifique o ilícito em causa necessário se torna que a vítima se encontre deve estar internada num dos estabelecimentos referidos na norma citada.
O bem jurídico protegido é com efeito a liberdade sexual das pessoas internadas.
Ora, conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque o “..internamento exige que centro da vida vítima esteja no estabelecimento e designadamente, que a vítima habite no estabelecimento ou passe a maior parte do dia no estabelecimento”.
Com efeito é o internamento que, conforme refere o mesmo autor na obra citada que leva a que as pessoas internadas se encontrem numa situação de constrangimento institucional que lhes retira ou diminui significativamente a capacidade de opor resistência às investidas sexuais de quem exerce uma função na instituição.
É um facto que este ilícito também existe quando o acto sexual se pratique fora daqueles estabelecimentos, desde que a pessoa se encontre na situação de internada, isto é sob o domínio e ao cuidado do pessoal do estabelecimento, como são os casos de atos sexuais ocorridos durante o transporte feito pelo pessoal do estabelecimento.
Essencial é ainda que o agente tenha uma relação funcional com o estabelecimento, no âmbito da qual lhe é conferida a tarefa de cuidar, guardar e proteger a pessoa internada, tarefa essa que o agente se aproveita para praticar o acto sexual.
Assim sendo, excluída está desta figura, os casos em que essa relação funcional não se verifica como sejam os tratamentos ambulatórios ou as saídas precárias autorizadas, rompendo-se aquela relação entre o agente e a vítima.
Ora assim sendo, forçoso será de concluir que no caso em apreço não se verifica o elemento de internamento por parte do assistente, pelo que haverá que afastar a verificação do ilícito em causa.

Relativamente a estes factos, a nossa opinião é a de que conforme sustenta o MºPº a conduta do arguido se deve inserir no crime de importunação sexual p. e p. 170º do Cod. Penal.
Estabelece este preceito que:
“Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela actos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”
O bem jurídico é a liberdade sexual da pessoa, sendo que a conduta típica consiste na importunação de outra pessoa, através de um acto de carácter exibicionista, ou de propostas de teor sexual, ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual.
Ora da factualidade dada como provada, forçoso será de concluir que o arguido no dia 3 de Abril de 2014, constrangendo o assistente teve com o mesmo um contacto corporal de natureza sexual, e contra a vontade deste.

No que se refere à imputação deste ilícito criminal ao arguido, este veio alegar que tal alteração se traduziria numa alteração substancial dos factos da acusação.
Não tem razão.
Prevê a lei duas situações distintas no que se refere à alteração dos factos, uma que contempla a ocorrência de alteração factual com repercussão relevante no tipo de crime imputado ou nos limites máximos das sanções legais aplicáveis, dando lugar à imputação de um crime diverso ou à agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, a outra que prevê a verificação de alteração factual sem aquelas repercussões, no entanto, com relevância para a decisão da causa.
A primeira situação é denominada pela lei como alteração substancial dos factos, com regulamentação no artigo 359.º, a segunda como alteração não substancial dos factos, com regulamentação no artigo 358.º.
Prevê ainda a lei, ainda, a possibilidade de alteração da qualificação jurídica, situação em que, não ocorrendo alteração factual, se verifica, porém, necessidade de modificar a qualificação jurídica que na acusação ou na pronúncia se atribuiu aos factos nas mesmas descritos, situação que o legislador entendeu submeter ao regime aplicável à alteração não substancial dos factos - n.º 3 do artigo 358.º
No caso ora em apreciação não se está perante qualquer alteração factual, sendo que esta aliás nem sequer poderia ser modificada, já que não foi impugnada, pelo que face a esta situação se deva considerar estarmos perante uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, e que implicou o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 358.ºdo C.P.P,, como foi feito

Passando agora ao segundo episódio e referentes aos factos ocorridos em 29 de Abril de 2014.
Da matéria de facto prova e com relevância para a matéria em apreço consta que:
14. De seguida, o arguido disse a A... para se despir e deitar na marquesa, o que o menor fez.
15. O arguido puxou um banco e sentou-se de frente para A..., que continuava deitado na marquesa, após o que começou a tocar com a sua mão no pénis do menor, fazendo movimentos no sentido ascendente e descendente.
16. O arguido disse então ao menor para se levantar da marquesa e sentar-se ao seu colo, o que o mesmo fez.
17. Encontrando-se o A... sentado ao colo do arguido, de costas para o mesmo, este abriu o fecho das calças e tirou o pénis ereto, após o que o introduziu no ânus do menor.
18. Assustado, o menor levantou-se, pelo que, de modo súbito, o arguido puxou-o de encontro ao seu pénis ereto e introduziu-o no ânus daquele.
19. Temendo pela sua integridade física, o menor levantou-se do colo arguido, após o que este o mandou vestir e chamou a sua progenitora.”
Conforme supra se referiu, o Tribunal “a quo” afastou o crime de violação de que o arguido vinha pronunciado, por no seu entender não se verificar nenhum dos elementos do tipo objetivo deste ilícito, ou seja, a coação ou constrangimento à prática do ato sexual através da utilização de violência, ameaça grave ou colocação da vítima inconsciente ou impossibilitada de resistir.
Não podemos concordar com tal decisão.
O crime em apreço encontra-se previsto no artº 164º do Cod. Penal, qual dispõe:
1 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos.
2 - Quem, por meio não compreendido no número anterior, constranger outra pessoa:
a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou
b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.
O bem jurídico protegido é a liberdade sexual de outra pessoa, sendo que o tipo objectivo se traduz no constrangimento da vítima em sofrer ou praticar consigo ou com outrem, um ou mais actos sexuais de especial relevo: cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.
Sobre o conceito de violência refere o Ac STJ no qual refere que “Meio típico da comissão do crime de violação, previsto no art. 164º, nº 1, do C. Penal é, antes de tudo, a violência, mas esta não vai ao ponto em que a força integrante daquela, deva considerar-se de “pesada ou grave, mas será em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso, nos termos conhecidos da doutrina da adequação, a vencer a resistência esperada da vítima”.(...)
 Sob certas circunstâncias concretas, nomeadamente em função da debilidade física ou psíquica, do carácter temeroso ou assustadiço da vítima, pode bastar, v.g., uma bofetada, o fechá-la contra a sua vontade num quarto ou mesmo num automóvel, o transportá-la de um lugar para o outro: é aqui decisiva, em princípio, a perspectiva da vítima (...),
Assim, o juízo de violência capta-se e apoia-se em função das condições pessoais e concretas em que a vítima é colocada, não se exigindo uma resistência pertinaz, uma oposição ilimitada, até às últimas consequências, da vítima (…) Relevante é a idoneidade dos actos praticados sobre a vítima para cercear a sua livre autodeterminação sexual, e decisivo é que o acto sexual de relevo, pelo seu modo de execução, denote ausência de consentimento da vítima, em nexo causal com a violência sobre o corpo ou psiquismo da vítima, uma e outra aferidas segundo as condições pessoais e particulares daquela”
Para que exista violência, a nosso ver bastará que a actuação do agente provoque na vítima um constrangimento, não sendo necessária uma resistência física efectiva.
E para tal ter-se-á que ter em conta a personalidade da vítima, a sua força física, o seu estado psíquico, e emocional, as suas limitações psico-orgânicas, só assim se aferindo se a conduta da vítima se traduziu numa resistência face à actuação do agente adquirindo esta como tal a natureza de violenta.
Ora perante os factos apurados, dúvidas não existem que após o arguido de surpresa ter introduzido o pénis no ânus do menor, este teve uma reação de rejeição do acto, já que “assustado, levantou-se”, conduta que não bastou ao arguido já que este de seguida e “de modo súbito, puxou o menor de encontro ao seu pénis ereto”; logrando “introduzir o seu pénis ereto no ânus do menor”.
Ora para tal há que concluir que perante a atitude do menor o arguido teve de novo de usar de força para o imobilizar, com vista à penetração anal, levando a que o menor “Temendo pela sua integridade física...” se levantasse do colo arguido.
A conduta descrita integra, a nosso ver, o conceito de violência, elemento do tipo legal do crime de violação, sendo de evidenciar que o menor sofre de ananismo, tendo 16 anos de idade, natural da Guiné Bissau, com limitações intelectuais e fragilidades psíquicas, e foi atendido no gabinete de consultas médicas do arguido, no Centro de Saúde de Agualva, sozinho.
Note-se que dos factos provados sob os nºs 31 a 33 afere-se que o assistente “apresenta uma perturbação do desenvolvimento intelectual (deficiência intelectual) em grau ligeiro, definida como um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com défice de capacidades como pensamento abstrato, conhecimento geral, inteligência, julgamento, resolução de problemas, planeamento, bem como deficiente funcionamento adaptativo aos padrões de desenvolvimento e socioculturais, que restringem a participação e o desempenho em várias atividades de vida diárias, como a comunicação interpessoal, competências sociais, uso dos recursos comunitários, aptidões escolares, trabalho.” sendo que no domínio social “o julgamento social e a perceção das situações de risco são limitados, podendo ser facilmente manipulado.” e que a deficiência intelectual de que padece restringe “fortemente a capacidade de o mesmo se autodeterminar, nomeadamente no âmbito da sexualidade, tornando-o vulnerável a abordagens do tipo sexual.”
Ou seja, atentas as circunstâncias, e a personalidade do assistente, que a nosso ver não poderia passar despercebida ao arguido, dada até a sua profissão, consideramos que o arguido empreendeu a violência/força física bastante e que considerou necessária e idónea para debelar a resistência manifestada pelo menor e conseguir a penetração anal da vítima.
Como tal consideramos verificado o crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 al a) do Cod. Penal, sendo que os actos anteriormente praticados pelo arguido de contacto com a sua mão no pénis do menor, com movimentos no sentido ascendente e descendente, perdem a sua autonomia, já que se inserem nos actos preparatórios do crime de violação.
Como tal o arguido terá praticado um crime de importunação sexual p. e p. pelo artº 170º do Cod. Penal relativamente aos factos ocorridos no dia 3 de Abril e um crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 al. a) do mesmo diploma quanto aos factos ocorridos no dia 29 de Abril, ambos do ano 2014.
De notar que para a análise dos ilícitos em causa, haverá que ter em conta, a nosso ver que a matéria fáctica descrita nos nºs 9, 15 a 19 é referente à reação por parte da vítima que conforme se encontra se afere dos nºs 31 a 33, apresenta “uma perturbação do desenvolvimento intelectual (deficiência intelectual) em grau ligeiro, definida como um funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com défice de capacidades como pensamento abstrato, conhecimento geral, inteligência, julgamento, resolução de problemas, planeamento, bem como deficiente funcionamento adaptativo aos padrões de desenvolvimento e socioculturais, que restringem a participação e o desempenho em várias atividades de vida diárias, como a comunicação interpessoal, competências sociais, uso dos recursos comunitários, aptidões escolares, trabalho” e que sendo as suas interações imaturas, sendo facilmente manipulado, apresenta “...défices funcionais decorrentes da deficiência intelectual de que padece restringem fortemente a capacidade de o mesmo se autodeterminar, nomeadamente no âmbito da sexualidade, tornando-o vulnerável a abordagens do tipo sexual.”
Este quadro, que não seria desconhecido do arguido, até como médico que é, em conjugação com os elementos descritos nºs nºs 22 a 24, perfazem a nosso ver os elementos subjectivos dos ilícitos em causa.

Aqui chegados, haverá que proceder à aferição das penas a aplicar ao arguido pela prática dos ilícitos em questão
Ao crime de importunação sexual p. e p. pelo artº 170º do Cod. Penal corresponde a pena abstracta de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias
Ao crime de violação praticado pelo arguido corresponde pena abstracta de prisão de 3 (três) a 10 (dez) anos nos termos do artº 164º, nº 1, do Código Penal.

As finalidades das penas vêm indicadas no nº 1 do art. 40º do C. Penal: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. São, pois, finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, i. e. “como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena[5]. No entanto, o equilíbrio desejável entre as finalidades relativas à prevenção geral e à prevenção especial não obsta a que, perante as especificidades do caso concreto, uma dessas finalidades haja de prevalecer sobre a outra.
Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa[6]. Limite este que vem expressamente consagrado no nº 2 do referido art. 40º.
Também o nº 1 do art. 71º do C. Penal manda atender, na determinação da medida concreta da pena dentro da moldura penal aplicável, à culpa do agente e às exigências de prevenção, contendo o nº 2 do mesmo preceito uma enumeração exemplificativa das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, e que devem ser levadas em consideração pelo tribunal.
Com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos (cfr. Ac. do STJ, de 04/06/1996, in CJ-STJ, Ano IV, t. 2, pág. 225),
Com o recurso à prevenção especial pretende dar-se resposta às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade (cfr. Ac. do STJ, supra citado).
Sendo um dos ilícitos criminais imputados o arguido punido com pena de prisão ou multa, haverá antes do mais que apreciar qual o tipo de pena a aplicar, relevando aqui o critério estabelecido no artº 70º do Cod. Penal, segundo o qual, deverá optar-se por pena não privativa, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como se sabe a escolha do tipo de pena é determinada apenas por considerações de natureza preventiva.
Ora do ponto de vista de prevenção especial, teremos que referir que as necessidades se revestem de um grau média/alta, já o arguido não tem antecedentes criminais mas negou os factos e, por isso mesmo, não evidenciou, em sede de julgamento, qualquer arrependimento ou algo que pudesse levar a pensar que interiorizou minimamente o mal causado ao ofendido.
No que se refere às necessidades de prevenção geral as mesmas são elevadas, atendendo não só ao número do tipo de crimes desta natureza praticados, ao alarme e choque que deles sempre resulta para a comunidade, como também ao local aonde os mesmos ocorreram e que vem exponenciar os sentimentos de insegurança, apreensão e até descrédito no ambiente de confidencialidade, de confiança e também de entrega, do paciente ao médico.
Como tal, deverá ser aplicada a pena de prisão pelo crime de importunação sexual.

Com vista à determinação da medida concreta das penas a aplicar ao arguido, importa, valorar as seguintes circunstâncias:
- o grau da ilicitude do facto, que se afigura médio/alto considerando, designadamente que foram duas as situações de envolvimento com a vítima de cariz sexual;
- a idade do assistente que contava com 16 anos de idade, bem como as deficiências limitações e fragilidades psíquicas daquele.
- o modo de execução dos factos (dentro de um consultório médico e aproveitando-se da relação de confiança e confidencialidade que deve existir entre médico e paciente).
- o dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo.
- as condições pessoais do arguido, que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas.
- a ausência de antecedentes criminais do arguido que tem diminuto significado, atento o tipo de crime.
- o facto do arguido, ter negado os factos, revelando de que não interiorizou o desvalor das suas condutas.

Os factos praticados pelo arguido revelarem uma personalidade mal formada, que se manifesta no seu modo de actuar, na lascívia e consequente perturbação da liberdade sexual do assistente condutas estas que ofendem, em elevado grau, os sentimentos gerais de pudor sexual.
Acresce que as exigências de prevenção, sendo prementes as de prevenção geral, atenta a objectiva gravidade jurídica dos crimes praticados e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de ilícito, existindo um sentimento de grande repugnância social pelos indivíduos que cometem tal tipo de actos.
Os crimes desta natureza constituem hoje, uma proeminente preocupação social, dado que a sociedade se consciencializou da problemática em causa, como assumiu uma firme atitude crítica e de rejeição dos abusos sexuais de menores e de violações, repudiando firmemente tais situações.
Ponderando todos estes elementos, julgamos adequado aplicar ao arguido as seguintes penas:
- 4 (quatro) meses de prisão, para importunação sexual p. e p. pelo artº 170º do Cod. Penal
- 4 (quatro) anos de prisão, para o violação p. e p. pelo artigo 164º, nº. 1 al. a) do Cod. Penal
Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de 4 (quatro) anos de prisão a 4 (quatro) anos e 4 meses de prisão (artº 41º, nºs. 2 e 3, do Código Penal) e, ponderando, em conjunto, os factos, a sua gravidade e as suas consequências, a personalidade do arguido, o numero de incidências, decidem os juízes deste Tribunal, em condená-lo na pena única de 4 (quatro) anos e dois (dois) meses de prisão.

O artigo 50° n° 1 do Código Penal estabelece que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o arguido da prática de novos crimes e satisfazem de forma adequada as finalidades da punição, sendo que tal suspensão tem duração igual à da pena determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano.
Por sua vez os artºs 53º nº 3 e 54º do mesmo diploma estabelecem que quando a pena de prisão cuja execução foi suspensa, for superior a 3 anos, deverá essa suspensão ser acompanhada por regime de prova, assente num plano de reinserção social elaborado pelos respectivos serviços de reinserção social.
No caso dos autos, beneficia o arguido o estar está social e profissionalmente inserido, não tendo antecedentes criminais, beneficiando de um quadro familiar estável.
Por outro lado haverá que ter em conta as fortes razões de prevenção geral, consubstanciadas não só no tipo de ilícitos praticados, mas nas circunstâncias e no local em que os mesmo ocorreram, ou sejam no interior de um consultório médico, local não acessível ao publico, gerador de um clima de tranquilidade e segurança para a vítima, e no exercício de uma função, cuja base assente na relação de confiança que terá que existir entre um médico e o seu paciente, e que o arguido com a sua conduta pôs completamente em causa.
Acresce que a nível de prevenção especial, ainda que o arguido não tenha antecedentes criminais, releva não só o facto de a conduta não se ter revestido de um acto isolado e pontual, como o mesmo em sede de audiência de julgamento, não denotou qualquer consciência crítica e auto responsabilização pelas suas condutas, o que resultou evidente do facto de ter negado por completo os factos.
Pelo exposto, forçoso será de concluir que a pena de prisão de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses em que o arguido foi condenado, deve ser uma pena de prisão efectiva e não suspensa na sua execução por inexistirem os pressupostos materiais legalmente previstos e admissíveis para o efeito e só assim se satisfazendo as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
Aqui chegados haverá que termos em atenção a pena acessória a que se refere o artº 66º do Cod. Penal.
Dispõe este preceito:
1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
(...)
5 - Sempre que o titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, for condenado pela prática de crime, o tribunal comunica a condenação à autoridade de que aquele depender
No caso em apreço o arguido é médico e exerce funções no Centro de Saúde de Agualva/Cacém do Agrupamento de Saúde (ACES) de Sintra, sendo como tal considerado funcionário público, já que a sua entidade empregadora é o Estado.
Por outro lado os factos imputados ao arguido são de extrema gravidade, resultando não só do facto de ter aproveitado da função que exerce na prática dos factos assim como da moldura penal a que corresponde um dos ilícitos criminais em causa (violação) o qual é punido com pena de prisão de três a dez anos.
Das circunstâncias fácticas conclui-se que o arguido actuou com flagrante e grave abuso da função e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes como médico, sendo o seu comportamento como tal como de manifesta gravidade e gerador de elevada intranquilidade pública e de forte repulsa social, até porque praticados no exercício das suas funções de Médico no Centro e Saúde.
Como tal e uma vez que o arguido foi condenado na pena de 4 anos de prisão deverá ser-lhe aplicada a penas acessória de proibição do exercício de funções, nos termos do artº 66º nº 1 al. a) do Cod. Penal.
Assim sendo e tendo em atenção as circunstâncias fáticas descritas, as razões de prevenção geral e especial e o grau de culpa, deverá ser aplicada ao arguido uma pena acessória de 2 anos de suspensão do exercício das sua funções.
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III DECISÃO
Por todo o exposto, julgam os recursos parcialmente procedentes, embora por razões distintas das invocadas, e, em consequência, procedem à alteração da qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido/recorrente de forma a integrar a prática de um crime de importunação sexual p. e p. pelo artº 170º, e um crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 al. a) todos preceitos do Cod. Penal, indo ele condenado, pela prática do primeiro em 4 (quatro) meses de prisão, e pela prática do segundo em 4 (quatro) anos de prisão.
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Em cúmulo jurídico na pena única de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão.
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- Nos termos do artº 66º do Cod. Penal determina-se a aplicação ao arguido de uma pena de 2 anos de suspensão do exercício das suas funções.
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- Comunique-se à Ordem dos Médicos
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- Determina-se a recolha de ADN do arguido, nos termos dos artigos 8º, nº. 2, 15º, nº. 1, al. e) e 18º, nº. 3, todos da Lei nº. 5/2008, de 12 de Fevereiro.

- Sem custas
 (processado por computador e revisto pelo1º signatário- artº 64º nº 2 do Cod. Proc. Penal)

Lisboa, 4 de Abril de 2018
Vasco Freitas                
Conceição Gonçalves   

[1] ( cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] 4 LEAL HENRIQUES / SIMAS SANTOS, op. e loc. citados
[4] MARQUES DA SILVA, Germano, Curso de Processo Penal, 111 vol., p. 367
[5] cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, págs. 72-73.
[6] Idem, Ibidem, pág. 73.