SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
REVISOR OFICIAL DE CONTAS
SOCIEDADE COMERCIAL
ABUSO DO DIREITO
BOA -FÉ
APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES
CORREIO ELECTRÓNICO
CORREIO ELETRÓNICO
CITIUS
IRREGULARIDADE
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário


CONCLUSÕES[42:

I - Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.
II - Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.
III – Quanto ao conceito de sociedades coligadas previsto no artigo 482º do CSC optou o legislador por um conceito jurídico determinado ou fixo, engloba todos os casos de coligação intersocietária que sejam reconduzíveis a situações de relações taxativamente previstas na norma, usando um conceito legal de referência de todo um particular sector normativo.
IV - A pura existência de uma comunidade de administradores, directores ou gerentes de duas ou mais sociedades não permite deduzir, sem mais, essa relação de influência dominante. Pode até acontecer que essa união pessoal entre as sociedades reflicta apenas a existência de um grupo de estrutura paritária, sujeita a uma direcção unitária comum, sem que sejam dependentes entre si.
V - A responsabilidade dos administradores de uma sociedade, no âmbito do artigo 78º nº 1 do CSC, é de natureza extracontratual e, por isso, impõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- A inobservância de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais;
- A insuficiência do património social;
- A culpa dos administradores; e
- O nexo de causalidade entre a referida inobservância e a insuficiência do património societário.
Donde o entendimento que tal previsão legal integra a situação em que, por força da violação das normas de protecção dos credores, o património social se tornou insuficiente para satisfação dos créditos.
VI - Salvo pontual estatuição (artigos 84º, 501º e 270º-F/4 do CSC), o instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva não tem consagração expressa no nosso ordenamento jurídico e foi a sua construção doutrinal que o corporizou em função das teorias do abuso ou da penetração institucional e da aplicação da norma ou do fim da norma.
VII - No contexto da primeira, afasta-se a separação entre a sociedade e o sócio sempre que a utilização da pessoa jurídica é desconforme à ordem jurídica, recorrendo-se ao conceito de abuso do direito. No contexto da segunda, os concretos problemas do afastamento da personalidade resolvem-se tomando em conta o sentido e a finalidade das normas no quadro do ordenamento jurídico geral.
VIII - A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação.
IX - Deve entender-se por desconsideração o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam. Existe, na desconsideração, um atingimento de pessoa jurídica diferente da visada.
X - Dentre os casos enquadrados pela doutrina na figura da desconsideração da personalidade jurídica conta-se o controlo da sociedade por um sócio, mas esse mero controlo não desencadeia, só por si, qualquer tipo de reacção jurídica. É necessário que o sócio use o controlo societário para a satisfação dos seus interesses pessoais, de carácter extrassocial, que não tenham em vista o lucro para o património social, antes redundem em prejuízo do ente societário e dos credores sociais.
XI - O recurso ao instituto do levantamento da personalidade colectiva tem em vista corrigir comportamentos ilícitos de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, actuando em abuso do direito, em fraude à lei ou com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros e, apesar disso, quando essa conduta envolva um juízo de reprovação ou censura e não exista outro fundamento legal que a invalide.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


A autora AA, Lda, com sede na Rua …, 1– Sala 6, …, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra os réus BB, S.A., CC, S.A.., DD - Construção Civil e Obras Públicas, S.A.., EE, FF, GG, HH, II & Associados, S.A. e JJ, pedindo que sejam condenados a pagar-lhe solidariamente a quantia de 390.048,90€, acrescida de juros vencidos, no montante de 329.641,66€, e da quantia de 164.145,57 €, a título de sanção pecuniária compulsória, e juros vincendos também adicionados da taxa de juro de (5%).


Sustentou a causa de pedir em dois contratos de subempreitada celebrados em 2004, dos quais adveio um crédito reconhecido, sobre a primeira ré, no processo nº 1812/05.7TBSTS, do extinto 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de …. Instaurada acção executiva, não foi possível encontrar bens penhoráveis, porque a demandada escondeu todo o seu património, num plano executado em conluio com os demais réus. Os contratos foram executados num empreendimento imobiliário edificado na …, levado a cabo num terreno situado no lugar de …, freguesia de …, concelho de …, com área de 4.352,21 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, …., sob o n.º 4…9/20040324-…, que a KK - Investimentos Imobiliários, Lda adquirira. Nesse terreno foi edificado o referido empreendimento, constituído por 8 blocos com 135 fracções autónomas, num valor global de venda superior a 10 milhões de euros. Apesar de não ser dona do prédio onde estava a ser edificado o empreendimento, a demandada BB, SA agiu, na formação e na outorga dos contratos de empreitada, como se fosse dona e promotora desse empreendimento. No decurso da execução desses dois contratos de empreitada, sempre essa demandada continuou a agir como dona e promotora do empreendimento. Assumia as dívidas da construção do empreendimento, mas o valor correlativo a essas dívidas era incorporado num prédio pertencente a uma sociedade dominada pelo administrador da BB, SA, directamente e através doutra sociedade que ele dominava, a DD, SA Todos os bens passíveis de penhora foram parar às mãos dos demandados, sociedades e seus administradores e gerentes. Mesmo a anterior acção foi orientada para que se prolongasse por muitos anos, desde a dedução de contestação e reconvenção com evocação de erro na forma do processo, à fase da instrução, na qual a ali autora requereu exame à escrita da demandada BB, SA e a que ela se opôs, à junção de documentos e ampliação do pedido, tudo de forma a que entre a distribuição e a prolação da sentença decorressem 5 anos e 8 meses. Período que a BB, S.A. aproveitou, em conluio com os restantes demandados, para dissipar o seu património. O balanço relativo ao ano de 2009 mostra que a sociedade tinha um activo bruto de 5.823.103,54 €, sendo o activo líquido de 4.486.463,21 €. O balanço do ano de 2010, ano no decurso do qual a sociedade foi condenada em 1.ª instância, mostra que a sociedade tinha um activo bruto de 4.454.247,57 €, sendo o activo líquido de 2.808.013,26 €. O balanço do ano de 2011, já com a pendência da execução desde 3 de Fevereiro desse ano, mostra que a sociedade tinha um activo bruto de 2.446.933,06 €, sendo o activo líquido de 2.093.192,74 €. O balanço de 2012 revela um activo bruto de 333.604,60 €. No termo do ano de 2009, a BB, S.A. tinha créditos sobre a praça no valor de 3.028.695,38 € e os correlativos devedores eram as sociedades do “Grupo LL”, especialmente a extinta KK. Porém, as contas de liquidação da sociedade não reflectem tais valores, embora, entre 2005 a 2007, as contas indicassem uma facturação da ordem de 18.500.000 €, com cerca de 450.000 € de disponibilidades financeiras em bancos. Por isso àquela facturação de 18.500.000 € e à disponibilidade de 450.000,00 € em bancos não poderia deixar de corresponder um crédito da BB, S.A. de idêntico valor. Com a conclusão do empreendimento e dissolução e liquidação da sociedade, quando a KK já não tinha quaisquer activos nem passivos, todas aquelas quantias se extraviaram para locais, ou mãos, que só os administradores demandados têm conhecimento. Administradores que agiram para a lesar, pois os seus balanços inculcam que recebeu de clientes: no ano de 2009, 1.625.079,75 €; no ano de 2010, 1.800.567,47 €; e no ano de 2011, 1.951.868,52 €. Para disfarçar, simulou a compra de participações na demandada DD, insolvente, na CC, S.A., no valor de 1.718.900,00 €, que correspondiam a 68,76% do capital social da DD. A compra dessas participações foi feita no ano de 2011, quando a ré BB, S.A. já tinha sido condenada e com a execução em curso. Ainda que possa não ter havido simulação, ao efectuar aquele negócio, sempre os administradores demandados da BB, S.A. praticaram um acto gravemente ilícito, pois utilizaram os fundos disponíveis na compra de uma participação social numa sociedade que bem sabiam estar insolvente. Com a prática desse acto, os demandados EE, FF, GG e HH, passaram para o activo da demandada CC, que também dominam, a quantia de 1.718.900,00 €, na troca por um activo tóxico que esta possuía, as acções da DD, e que passaram para a BB, S.A, prejudicando esta sociedade nesse montante de 1.718.900,00 €. A DD é uma sociedade insolvente a CC possui esse activo líquido no valor de 12.285.905,45 €, activos fixos tangíveis no valor de 242.778,59 €, imóveis de investimento, no valor de 2.137.773,61 € e imóveis em inventário, destinados a venda, no valor de 9.778.239,69 €. Em 2012 a sociedade contraiu um crédito bancário de cerca de 7.000.000,00 €, cujo cumprimento foi garantido com património imobiliário do seu activo. As contas revelam que entregou aos seus sócios a quantia de 6.600.000,00 €, que contabilizou como pagamento de suprimentos, tendo sido sempre seus accionistas os administradores e as outras duas sociedades demandadas, ambas materialmente falidas. Sociedades que nunca receberam da CC quaisquer suprimentos, nomeadamente aquele reembolso de 6.600.000,00 €, que foi parar às mãos dos administradores EE, FF, GG e HH. Realidade que não mereceu dos fiscalizadores demandados as pertinentes denúncias previstas na lei. E foi em consequência do comportamento dos demandados administradores e das sociedades demandadas, a “coberto” da falta de denúncia dos seus actos, por parte dos fiscalizadores também demandados, a revisora oficial de contas II. Por via disso, encontra-se desembolsada, desde há cerca de 10 anos, da quantia de 390.048,90 €, o que implicou a suspensão da sua actividade por falta de tal disponibilidades financeiras, o que poderia ter sido evitado pela entidade fiscalizadora, a revisora oficial de contas II, representada pelo último Réu.


Os réus II & Associados, SROC S.A. e JJ invocaram a sua ilegitimidade devido à ausência de demanda das co-seguradoras MM, Lda. e a NN Limited com quem foi celebrado o respectivo seguro obrigatório de responsabilidade profissional. Mais excepcionaram a prescrição do eventual direito da autora, incluindo dos juros, a caducidade e a sua culpa, por não ter recorrido aos meios gerais de conservação da garantia patrimonial. Mais defenderam que a condenação respeita apenas à ré BB, S.A, pelo que não há fundamento legal para a sua condenação. Negaram qualquer responsabilidade proveniente da sua actividade profissional, que exerceram de acordo com a lei e sem qualquer relação com a autora.

Terminaram pedindo a condenação da autora como litigante de má-fé em multa adequada e em indemnização não inferior a €15.000,00. Deduziram a intervenção principal das identificadas companhias de seguros.


Os restantes réus apresentaram contestação na defesa de que os interesses da autora podem ter sido lesados apenas pela primeira ré, a única condenada a pagar-lhe um crédito proveniente dos contratos que ambas celebraram, inexistindo qualquer grupo de facto formados pelas sociedades demandadas. Evocaram também as excepções de caso julgado e de prescrição, negando qualquer envolvência na administração da primeira ré, administrada pelos seus órgãos próprios.


Em resposta, a autora manteve a posição apresentada na petição inicial e enjeitou as arguidas excepções.


Admitida a intervenção das chamadas como associadas dos Réus II e JJ, as seguradoras MM e NN Limited aceitaram os alegados contratos de co-seguro e opuseram que cada uma delas apenas responde pela quota de risco que assumiu. No mais, fizeram sua a defesa desses réus.


Formulado convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, a autora juntou novo articulado.


Foi proferido despacho saneador e, julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva, caducidade e caso julgado, foi relegado para final o conhecimento da excepção de prescrição. Foram definidos o objecto da acção e os temas de prova, com reclamações tidas por improcedentes.


Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.


Por acórdão da Relação de 23.10.2018, foi julgado improcedente o recurso e confirmada a sentença recorrida.


Não se conformando com tal acórdão, dele recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - Como se procurou demonstrar, com alguns desenvolvimentos, nos parágrafos 1 a 28 da fundamentação destas alegações, este recurso de revista deve ser recebido, porque:

a) Como se procurou ai demonstrar, por força da Constituição e da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, nenhum recurso de revista pode ser recusado, desde que a alçada o permita.

b) Existem fortes razões jurídicas e sociais que postulam a sua apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.

c) O tribunal recorrido introduziu assinaláveis alterações aos fundamentos de facto à decisão do tribunal de 1.ª Instância, como, ao contrário deste, considerou, na fundamentação da sua decisão, não só o disposto no artº 78º do C.S.C, mas também o chamado instituto da desconsideração da personalidade jurídica colectiva.

2ª - Embora admitindo que se mantenha o respeito pela letra da lei, que impede o S.T.J de alterar, por si, os fundamentos de facto da decisão, sempre à mais alta instância caberá apreciar as eventuais falhas de julgamento dos fundamentos de facto, para que essas falhas (ou erros) sejam eliminados, ordenando a volta do processo ao tribunal recorrido, para que este as elimine.

Essa decisão é subsumível à regra que diz que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar (…) todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade”. E “quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”. No caso do recurso de revista, ao S.T.J compete conhecer dessas falhas ou erros, como lhe compete ordenar a sua eliminação ou correcção, como resulta da interpretação conjugada do disposto nos art.ºs 1.º, 2.º, 20.º, 1 e 4 e 202.º, 2 da Constituição, e art.ºs 411.º, 674.º, 1, b) e 3, 682.º, 3 e 683.º, 3 do C.P.C.

3ª - O tribunal recorrido alterou os factos julgados provados sob os artigos 35, 68, 69, 76 e 80 da Fundamentação de facto.

E, a sua fundamentação, aditou, porque provados, os factos que formam agora os artigos 92, 93, 94, 95, 96, 97 e 98.

4ª - As alterações introduzidas ficaram muito aquém do que as provas documental e pericial (ambas incontroversas) produzidas impunham, caso tivessem sido devidamente relevadas, mormente a três níveis, ou seja:

a) Ao nível dos fluxos de caixa da recorrida, e devedora directa da recorrente, “BB, S.A”, nos anos de 2009, 2010 e 2011, que recebeu, dos seus clientes, a quantia global de mais de 5.000.000 de euros, estando provado que, desse montante, foram recebidos, directa e indirectamente, pelo recorrido EE, a quantia de 2.401.500,00 euros (682.600,000 euros a pretexto de suprimentos de que seria credor, e 1.718.900,00 euros que a CC, SA” - de que possui 97,5% do seu capital – recebeu de venda das acções que tinha, sobre a falida “DD, S.A”), enquanto uma relevante quantia, alegadamente utilizada no pagamento a fornecedores, destes não se lobriga a identidade na prova pericial feita.

b) Ao nível das participações sociais não foi devidamente discriminado que o EE detém 97,5% do capital social da “CC, S.A”, e cada um dos seus filhos, os recorridos FF e GG 1,25% desse capital, e que o capital social do devedor “BB, S.A”, assim como o da “DD, S.A”, são dominados, na proporção de 96% em cada uma delas, pela BB e pela “CC”, cabendo a cada um dos filhos do EE, apenas 2% a cada um, no capital daqueles duas sociedades.

c) Ao nível da administração das sociedades em causa, como as certidões registrais o evidenciam, as funções desse órgão, ainda que eles se revezassem, foram sempre exercidas pelo EE, os seus filhos FF e GG e pela HH. Esses documentos mostram que, quando o crédito da recorrente se constituiu, a devedora era administrada pelos recorridos EE e os filhos FF e GG, e, em 2011, quando todo o dinheiro que possuía foi dissipado, era administrada pelas recorridas GG e HH. Nesses referidos momentos a “CC” era administrada, em 2005, pelo EE, e em 2011 pelos recorridos FF, GG e HH. Por seu lado, a “DD, S.A” era administrada pelo recorrido EE em 2005, e em 2011 pela sua filha GG e pela HH.

5ª - Mostra a experiência comum, que o afastamento do EE da administração das sociedades em causa, quando se aproximava o termo da acção intentada pela recorrente contra a “BB, S.A”, tinha um objectivo: mostrar que não fora ele a fazer “pagamentos” a si mesmo, e para isso contou com a fidelidade dos filhos FF e GG – e da HH.

6ª - É pelos fluxos de caixa que se percebe melhor como os recorridos, sob a égide do EE, mostraram a forma de defraudar a recorrente (movimentos que melhor se percebem pelo ANEXO I).

7ª - Nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012 (neste último ano apenas recebeu 25.594.32€), a devedora à recorrente, “BB, S.A”, recebeu dos seus clientes a quantia global de 5.436.461,99 €, e, segundo a sua escrita, até pagou 6.954.731,14 €, ficando por demonstrar onde foi buscar a diferença, entre o que recebeu e o que a escrita diz que pagou, de 1.518.269,42 €.

Pelos fluxos de caixa verifica-se ainda que a “DD” era a cliente da “BB, S.A”, pois, naquele período, pagou a esta a quantia de 4.594.950,00 euros que é correspondente a cerca de 85,5% da facturação da “BB, S.A”.

Essa documentação mostra que, ainda nesse período, e com o dinheiro recebido, nomeadamente da “DD”, aquela sociedade – nada pagando à recorrente – fez as utilizações seguintes dos dinheiros recebidos:

a) Entregou à “CC” a quantia de 1.718.900,00 €, a título de pagamento de acções que essa sociedade tinha no capital da (falida) “DD”, e que a

“BB” assim “adquirira”.

b) Diz ter pago a quantia de 1.989.483,88 €, a fornecedores não identificados.

c) Entregou a quantia de 682.600,00 € ao EE a título de suprimentos alegadamente a este devidos.

8ª - Os fluxos de caixa mostram assim que, do ponto de vista substancial – o substrato –, que as três sociedades formam uma organização única de meios económicos, em que uma só pessoa tudo determina, colhendo os proveitos, lícitos e ilícitos, gerados por essa organização.

A pessoa que é dona e desfrutadora dessa organização é o recorrido EE.

9ª - Essa organização, enquanto estrutura funcionalmente predisposta, dominada plenamente pelo recorrido EE, evidencia-se no ANEXO II junto a estas alegações. Ele tem 97,5% do capital social da “CC”. E, com as participações que ele e esta sociedade têm sobre as outras duas sociedades recorridas, o domínio dele sobre estas era de 96% do capital social de cada uma.

10ª - Por isso a vontade das três sociedades foi sempre expressão da vontade do recorrido EE.

11ª - As provas – e o sentido natural destas coisas – mostram quão errada foi o juízo do tribunal recorrido quando vê no domínio atrás descrito, com canalizações de dinheiro claramente ilícitas para o EE, apenas “uma simples coacção negativa”. Esse domínio – e os factos o mostram - era evidente, mesmo sobre os dele dependentes – os recorridos FF, GG e HH -, em que, funcionando entre si as três sociedades, nos negócios e nos fluxos financeiros, com sede no mesmo local, dirigidas pelas mesmas 4 pessoas, mostram a existência de uma organização materialmente única. E por isso todos sabiam que a “BB, S.A” fora condenada a pagar à recorrente o que esta peticiona, como bem sabiam que, naquela acção, desenvolveram manobras dilatórias, alegando factos crassamente falsos, para ganharem tempo para liquidar o património da devedora, e para nada pagarem à recorrente.

12ª - O tribunal recorrido – como o tribunal de 1.ª Instância – não fez a devida apreciação da natureza dos factos e do seu sentido: uma única organização que, através de manobras judiciais, financeiras e contabilísticas, lesou gravemente a recorrente, ao desviar ilicitamente para outros fins, os meios financeiros de que dispunha para pagar a esta o que lhe é devido.

13ª - Para que possa ser feita uma adequada aplicação do direito postulado pelo caso, através de ampliação da matéria de facto, cuja fundamentação deverá integrar novos factos, que terão os artigos 77-B, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108 e 109, e com o conteúdo indicado sob esses números, 40 e 41 da fundamentação destas alegações, o processo deverá voltar ao Tribunal da Relação do Porto, para que proceda a tal aditamento.

Este requerido procedimento funda-se nos artºs 674º, 3, 682º, 3 e 683º, 2 do C.P.C.

14ª - As sociedades comerciais são instrumentos de organização, com um substrato formado por pessoas e coisas que lhe são afectadas, ao serviço do desenvolvimento económico e social, e que permitem exponenciar a produção e distribuição de bens e serviços, pois, individualmente, essa produção dificilmente ultrapassaria os níveis das sociedades humanas primitivas.

Sendo obra da vontade e do saber humano, as sociedades comerciais, desde a sua fundação até à sua extinção, são sempre expressão e do saber e vontade humanos.

Isso implica que, juridicamente, seja antinatural que, mormente nas sociedades de responsabilidade e após a sua constituição, a vontade das sociedades seja representada em forma de hipóstase orgânica, que apaga a acção dos que lhe dão corpo, quer ao nível societário, quer da sua representação, pois a sociedade será sempre expressão da vontade dos seus sócios.

15ª – Consequentemente, as sociedades comerciais são contratos plurilaterais, de organização e não comutativos, de execução continuada (ou permanente) e fim comum, que racionalizam a sua actividade, mormente no mercado, pela via da personalização dessa organização, que assim autonomiza e afecta o seu património.

A personalidade jurídica das sociedades comercias é, assim, um esquema abstracto que permite a racionalização da organização societária. É um centro de imputação de relações jurídicas, mas nem analogicamente é concebível como pessoa. É sim um instrumento ao serviço do desenvolvimento sócio-económico, que se manifesta como forma de expressão da pessoa humana.

Enquanto instrumento, a sociedade comercial é assim um objecto mesmo quando age como sujeito.

A actividade da sociedade comercial não apaga o papel dos seus sócios nem dos que a representam, nomeadamente não apaga a sua responsabilidade perante aqueles que, por sua obra, são ilicitamente prejudicados.

16ª - Por isso, quando a sociedade não cumpre as suas obrigações, porque os seus sócios, representantes ou fiscalizadores, não cumprem a lei, estes serão responsáveis pelo cumprimento dessas obrigações, nos precisos termos da sociedade. Essa responsabilidade terá natureza contratual, quando esta for a responsabilidade da sociedade.

17ª - Assim, quando a sociedade não cumpre as suas obrigações, e quando torna impossível o seu cumprimento, por ter adoptada práticas que violam a lei, essa responsabilidade recairá também sobre aquelas que na sociedade têm o poder para engendrar situações que permitam a ocorrência da lesão dos interesses daqueles que se relacionaram com a sociedade.

18ª - Essas práticas ilícitas e abusivas não podem ser desresponsabilizadas sob a capa da personalidade jurídica colectiva, que é mero instrumento ao serviço da realização de fins lícitos. Por isso a sociedade comercial deve observar, desde a sua constituição até à sua extinção, total respeito por essa categoria legal, que deve ser enformada por um princípio que, por falta de melhor termo, poderemos chamar princípio da consideração e conservação da personalidade jurídica colectiva.

Esse princípio é imanente ao disposto no nº 1 do artº 36º do C.S.C., na parte que diz que, se dois ou mais indivíduos, pelo uso de uma firma comum - que é o sinal por que se distinguem as sociedades comerciais -, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade, responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles".

Aí a lei manifesta a sua repugnância pelas actividades que não cumprem escrupulosamente os deveres decorrentes da personalidade jurídica. Essa repugnância, tanto se manifesta no momento da fundação, como em qualquer momento da vida da sociedade, em que esta não cumpre as suas obrigações, em consequência da acção ou inacção dos seus sócios, representantes ou fiscalizadores.

E por isso a responsabilidade é a mesma, na conta e no tempo, da sociedade.

19ª - Entre muitos outros factos, mostram os autos que:

i - O recorrido EE fundou um grupo de sociedades que operavam no ramo da construção civil e obras públicas, entre elas as recorridas “BB, S.A” e “DD, S.A” (além de, pelo menos, mais uma já extinta), as quais eram dominadas por participações sociais, em mais de 90%, no capital social, por ele e pela sociedade comercial que gira sob a firma “CC, SA”, tendo ele 97,5% do capital desta última.

ii - Em datas anteriores ao ano de 2010, aquelas sociedades foram transformadas em sociedades anónimas e a administração de todas elas, ainda que alternando-se, foi sempre assegurada pelo referido EE, seus filhos FF e GG e HH pessoa de confiança de todos.

iii- Para assegurar a pluralidade do capital das sociedades, a “CC” participa no capital social das outras duas, e ambas participam entre si, assim como o EE e os seus filhos, estes em 2% do capital cada um.

iv - A “CC” não tem qualquer actividade visível, apenas tem participações sociais nas outras duas sociedades, que não têm património penhorável, a partir do início do ano de 2011.

v - Todas estas sociedades tinham a sede e os serviços de direcção e administrativos na Rua …, n.º 18, ED. …, 4.º, Fracção “AX”, ... , onde laboravam, enquanto administradores daquela sociedade, o EE, FF, GG e HH.

vi - Durante os anos de 2003 a 2004, a recorrente fez obras de serralharia e carpintaria a pedido da recorrida “BB, S.A” que foram executadas em um empreendimento imobiliário que estava a ser levado a cabo por outra sociedade do “Grupo LL” tendo a “BB ficado a dever à recorrente parte do preço desses fornecimentos, no montante de 390.048,90 €.

vii - Como a “BB” não pagava o que lhe devia, alegando inexistentes defeitos da obra, mas, ao mesmo tempo, contabilizou as facturas pertinentes e locupletou-se com o IVA que assim lhe fora debitado, mas que não pagou, como não pagou o preço sobre que recaiu esse IVA, a recorrente teve que agir judicialmente.

viii - A recorrente intentou assim a competente acção contra a devedora, que correu seus termos nos autos do Proc. nº 1812/05.7TBSTS do extinto 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ….

ix – A “BB, S.A” contestou a acção, invocou defeitos da obra “sem conta”, deduziu reconvenção, levantou sucessivos incidentes, e recorreu dessa acção, apesar de a prova pericial à obra e à escrita da sociedade, nas quais intervieram peritos indicados por si, terem mostrado, por unanimidade que:

- A obra não tinha qualquer defeito;

- a dívida à ora recorrente era exactamente aquela cujo pagamento era reclamado;

- a “BB, S.A” tinha deduzido o IVA que não pagara, nos pagamentos de IVA que devia à Administração Fiscal.

x - A acção transitou em julgado cerca de 6 anos após a sua dedução.

xi- De harmonia com a publicação das contas da sociedade, que ia sendo acompanhada, até ao fim do ano de 2010, ela era solvente.

xii - Como o “BB, S.A” não pagou voluntariamente o que lhe devia, a recorrente intentou a execução pertinente, mas nada de valor encontrou.

xiii - Feitas pertinentes pesquisas foi possível verificar, conforme o Anexo I, que a “BB, S.A”:

1 - Nos anos de 1999, 2010 e 2011 recebeu dos seus clientes – entre eles a DD, o montante de 4.594.950,21 € - a quantia de …     5.436.461,99 €.

2 - Com esse dinheiro pagou, até Janeiro de 2011:

• A fornecedores desconhecidos, 1.989.483,88 €;

• Ao EE, pagou suprimentos no valor de 682.600,00 €

• E comprou acções da DD, que estava falida, à CC a 1.718.900,00 €.

xiv – O anexo I ainda permite ver que, não fora o alegado pagamento de suprimentos e compra de acções da falida DD, a sociedade tinha disponibilidades para pagar à recorrente a quantia que lhe devia, caso não tivesse pago os suprimentos ao EE e não tivesse comprado as acções da DD, respectivamente, nos valores de 682-600,00 € e 1.718.900,00€.

Está assim claramente patenteado que as 4 pessoas que trabalhavam juntas, dominadas pelo EE, sabiam que:

- existia o crédito da recorrente sobre a “BB, S.A”.

- foram feitas por todos eles manobras com a acção anterior para permitir a dissipação do património da devedora.

- só a “CC” tinha património.

- as acções da DD não tinham qualquer valor, e que isso foi a forma para “drenar” o dinheiro que aquela tinha para “CC”, que é um esquema do EE.

Todos os recorridos não podiam ignorar o que enquadraram, por acção ou omissão, apenas tinha por fim impedir que a recorrente obtivesse satisfação do seu crédito.

20ª - Destes factos já resulta que as sociedades em causa agiram em relação de grupo, com domínio total da "CC, SA", que, conjuntamente com o recorrido EE dominava a "BB, S.A." e "DD, S.A.", com mais de 96% do capital de cada uma, dominando ele a sociedade dominante, na qual tem 97,5% do seu capital.

Como os factos sumariados o demonstram, as sociedades demandadas e os seus sócios e administradores, como fautores da actividade ilícita em causa, devem ser condenados solidariamente a pagar à recorrente as quantias por esta peticionadas, com base no disposto 481º, 501º e 503º, mas também nos artºs 64º e 78º do C.S.C.

21ª - Entendendo-se, mas sem prescindir, que os factos não traduzem a ajuizada relação de grupo, então as sociedades recorridas e os seus referidos sócios e administradores, com base no Instituto da desconsideração da personalidade jurídica colectiva, que assenta num princípio que vincula os sócios e administradores das sociedades comerciais a respeitarem as finalidades que a lei assinala a essas sociedades, também devem ser condenados solidariamente a pagar à recorrente as referidas quantias.

A consideração devida pelos recorridos, que foi incumprida, está consagrada, entre outras normas, no disposto nos artºs 36.º, 1 e 78.º do C.S.C., e nos art.ºs 280.º e segts., 762.º, 2 e 334.º do C.C., que assim foram violados.

22ª - A responsabilidade dos fiscalizadores resulta do facto de não terem tomado as iniciativas devidas, para que os factos, resumidamente referidos na conclusão 19ª, não tivessem ocorrido.

Por isso devem também ser condenados solidariamente com os demais demandados, e na mesma medida que estes, com base no disposto nos artºs 81º e 82º do C.S.C.

23ª - Em face dos factos já provados, os princípios normativos e normas legais invocados, os fundamentos jurídicos sumariados no acórdão recorrido, não só são insuficientes para qualificar aqueles factos, como até, à sua luz, fundariam uma decisão contrária.

Como foram violados os princípios e as normas invocadas nestas conclusões, este recurso deverá proceder.


Os réus BB, S.A., CC, S.A.., DD - Construção Civil e Obras Públicas, S.A., EE, FF, GG, HH, contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.


Os réus II & Associados, S.A. e JJ responderam às alegações da recorrente, aderindo às contra-alegações e conclusões dos demais demandados/recorridos, pedindo que seja negado provimento ao recurso.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


Por acórdão de 21.03.2019, a FORMAÇÃO ordenou a distribuição da revista nos termos gerais, sem embargo de oportuna intervenção se e quando se revelar necessária.

Fundamentou que “ a recorrente começa por invocar erro decisório no que respeita à matéria de facto, pretendendo que os autos sejam devolvidos à Relação para aditamento de novos factos. Nesta medida, não se verifica uma situação de dupla conformidade decisória, devendo proceder-se à distribuição da revista nos termos gerais. Distribuição que sempre deveria ser feita, tendo em conta que as recorridas suscitaram a verificação de uma nulidade atípica no que concerne ao modo de interposição do recurso de revista”.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


As instâncias deram como provados os seguintes factos:


1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comércio de produtos de carpintaria e serralharia para a construção civil, com fins lucrativos.

2. A R. “BB, S.A.” é uma sociedade comercial que foi fundada como sociedade por quotas, cuja fundação foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do …, no dia 23 de Outubro de 1989, tendo então o capital social sido dividido em 2 quotas, sendo uma de 12.750.000$00 do R. EE, e outra de 2.250.000$00 da então sua mulher OO com o objecto de construção civil e comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, e a gerência atribuída ao R. EE (doc.1).

3. Após algumas alterações ao contrato de sociedade, em 6 de Maio de 2005 a sociedade tinha o capital social de 997.595,79 euros, dividido em três quotas, sendo uma do valor nominal de 897.836,22 euros, pertencente ao demandado EE, e as outras duas, no valor de 49.879,79 euros, pertencentes, uma à demandada GG e a outra ao demandado FF (doc.1).

4. Nesse dia 6 de maio de 2005, foi registada a transformação da sociedade em sociedade anónima, tendo o seu capital social sido reforçado com a entrada do montante de 1.502.404,21 euros, realizado e subscrito pelos então sócios e aqui demandados EE, que subscreveu uma entrada de 2.163,79 euros, ficando assim a titular uma participação no capital da sociedade de 900.000 euros, e GG e FF, em que cada um deles, subscreveu uma entrada de 120,21 euros, ficando assim, cada um destes dois sócios, com participação no capital da sociedade de 50.000 euros, e com a entrada de dois novos sócios – as demandadas CC, S.A., ao tempo denominada PP - Investimentos Imobiliários, S.A.., e DD - Construção Civil e Obras Públicas, S.A.. – cada uma delas com uma entrada de 750.000 euros, que é o valor da participação que cada uma delas tem na sociedade “BB, S.A” (doc.1).

5. Em consequência dessa transformação, a sociedade passou a denominar-se “BB, SA”, com sede na Rua …, nº 18, Edifício …, 4º Andar, Fracção “AX”, na cidade do …, com o capital social de 2.500.000 euros, dividido em 5000 acções do valor nominal de 500 euros, cujo objecto é a construção civil, comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, sendo 1800 acções do R. EE, possuindo 500 acções cada um dos RR. FF e GG e 1500 acções cada uma das RR. “CC, S.A..” e “DD, S.A.” (doc.1).

6. Desde a altura em que foi transformada em sociedade anónima até 05 de Março de 2009, a demandada “BB, SA” foi administrada pelos demandados EE, FF e GG.

7. A partir de 05 de Março de 2009 e até ao presente, esta sociedade tem sido administrada pelos demandados GG, HH e FF.

8. A R. “CC, S.A..” é uma sociedade comercial cuja fundação foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do … no dia 09 de Março de 2000, com a denominação de “PP - INVESTIMNETOS IMOBILIÁRIOS, S.A..”, tendo alterado no ano de 2006 a sua denominação que é agora “CC, S.A..” (doc.2).

9. A R. “CC, S.A..” tem o capital social de 200 000 euros, dividido em 200 000 acções de valor nominal de 1 euro, cujo objecto é a revenda de imóveis adquiridos para esse fim, aquisição de imóveis para dar de arrendamento, bem como a prestação de serviços relacionados com a gestão e administração de imóveis, condomínios e espaços comerciais e ainda a prestação de serviços de consultadoria de gestão de empresas e patrimónios, e tem a sua sede na Rua …, n.º 18, …, 4.º, Fracção “AX”, na cidade do … .

10. Esta sociedade foi administrada, desde a sua fundação até 5 de Março de 2009, pelo R. EE.

11. Desde 5 de Março de 2009 até 11 de Setembro de 2009 a sociedade foi administrada pelos RR. GG, HH e FF.

12. Desde 11 de Setembro de 2009 até 13 de Fevereiro de 2014, esta sociedade tem sido administrada pelas RR. GG e HH.

13. Desde 13 de Fevereiro de 2014, passou a ser novamente administrada pelo R. EE.

14. A R. “DD - CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A..” é uma sociedade comercial cuja fundação foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do … no dia 17 de Março de 2000, com o capital social de 2.500.000 euros, dividido em 25 000 acções de valor nominal de 100 euros, com o objecto de exercício da actividade de construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (doc.3).

15. Esta sociedade, tal como as anteriormente referidas, também tem a sua sede na Rua …, n.º 18, …, 4.º, Fracção “AX”, na cidade do … .

16. Desde a sua fundação até 9 de Abril de 2008, a sociedade foi administrada pelos RR. EE, GG e HH.

17. Em 9 de Abril de 2008, a sociedade elegeu como administradores EE, GG e FF.

18. Em 9 de Junho de 2009 foi registada a cessação de funções de administradores da sociedade, dos ora referidos EE, GG e FF.

19. Nesse mesmo dia 9 de Junho de 2009 foi feito registo do novo conselho de administração da sociedade, ao qual continuaram a pertencer as demandadas GG e HH, tendo também entrado para o conselho de administração, o demandado FF, o qual renunciou em 11 de Setembro de 2009, mantendo-se as restantes no conselho de administração até 19 de Junho de 2012.

20. Desde 19 de Junho de 2012 até ao presente, a sociedade tem sido administrada pelas demandadas GG e HH.

21. A sociedade “KK - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.” Foi uma sociedade comercial cuja fundação foi registada na Conservatória do Registo Comercial do … no dia 28 de Março de 2001, com o capital social de 5000 euros, dividido em duas quotas, sendo uma de valor de 200 euros do demandado EE e a outra de 4.800 euros da demandada “DD - CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A..”, com o objecto de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e com a sede na Rua dos …., n.º 42, 4.º, sala 409, na cidade do … (doc.4).

22. A sociedade foi sempre administrada, enquanto existiu, pelo seu sócio, o R. EE.

23. Em 20 de Janeiro de 2004, esta sociedade passou a ter a sua sede no mesmo local das outras sociedades atrás indicadas, ou seja na Rua …, n.º 18, …, 4.º, Fracção “AX”, na cidade do … .

24. Em 14 de Dezembro de 2007 foi registada a dissolução e encerramento da sociedade.

25. Com a apresentação a registo foi declarado que já não havia passivo da sociedade a pagar nem activo a partilhar, e, na mesma data de 14 de Dezembro de 2007, foi registado o cancelamento da matrícula da sociedade.

26. Em consequência do cancelamento da matrícula, a sociedade extinguiu-se como pessoa colectiva, naquele dia 14 de Dezembro de 2007.

27. As sociedades identificadas nos artigos anteriores desta petição tinham no demandado EE o principal “elo” de ligação entre elas, mas com a participação directa dos demandados GG e FF, seus filhos, e da demandada HH.

28. Mormente na região Autónoma da …, essas sociedades eram todas conhecidas, nessa praça, como empresas por que se formava o “GRUPO LL”

29. A R. “II & ASSOCIADOS, SROC, S.A” é, pelo menos desde 2008, a revisora oficial de contas, como fiscal único, das RR. “BB, S.A.”, “CC, S.A..” e “DD - CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A..” (docs.1, 2 e 3).

30. O R. JJ é o revisor oficial de contas que representa a “II” naquelas três sociedades.

31. Em 22-03-2005, a sociedade A. intentou uma acção de condenação da sociedade comercial (também ora R., que gira sob a firma “BB, S.A.” (a seguir apenas referida por “EE”), que correu seus termos sob o processo n.º 1802/05.7TBSTS, do … Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial de …, em que foi proferida sentença com o dispositivo seguinte:

32. “Termos em que se decide:

- Julgar a acção procedente e, em consequência, condenar a Ré, BB Lda., a pagar à autora AA, Lda. a quantia de 390.048,90€ (trezentos e noventa mil e quarenta e oito euros e noventa cêntimos) acrescida de juros de mora contados à taxa legal aplicável a juros comerciais vencidos sobre as quantias e desde as datas acima referidas, e vincendos até integral pagamento”.

33. A R. “BB, Lda” interpôs recurso daquela sentença para o Tribunal da Relação do Porto, tendo esta instância confirmado aquela sentença por acórdão proferido em 15 de Maio de 2012 (doc.5).

34. A R. “BB, S.A.” não pagou à demandante o que lhe devia, quer após a prolação da sentença proferida no tribunal de 1.ª Instância, quer após o trânsito em julgado dessa decisão, com a sua confirmação pelo Tribunal da Relação do Porto.

35. Em 31 de Janeiro de 2011 a A. formulou a competente acção executiva, pela qual reclamou contra a demandada “BB, LDA.” o pagamento da quantia de 390.048,00 euros, acrescida dos juros vencidos no montante de 230.686,80 euros, bem como os que se vencessem até se concretizar a satisfação do seu crédito, no âmbito da qual não encontrou bens penhoráveis (alterado pela Relação).

36. Os contratos de empreitada, que originaram o crédito da demandante foram outorgados em 31 de Março de 2004.

37. Ambos os contratos destinavam-se a ser executados num empreendimento imobiliário que estava a ser edificado na Região Autónoma da ….

38. Esse empreendimento estava a ser levado a cabo num terreno situado no Lugar de …, freguesia de …, concelho de …, com área de 4.352,21 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, Região Autónoma da …, sob o n.º 4…9/20040324-…, que a referida “KK - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA” adquirira, por contrato de permuta, a QQ e mulher RR.

39. Nesse terreno foi assim edificado o referido empreendimento, constituído por 8 blocos, cuja área coberta é de 2.518,58 m2 e a área descoberta de 1.833,63 m2, que compreende 139 fracções autónomas.

40. O balanço relativo ao ano de 2009 mostra que a sociedade BB tinha um activo bruto de 5.823.103,54 €, sendo o activo líquido de 4.486.463,21 €, onde se destacam as rubricas seguintes, na formação daqueles valores:

I - As imobilizações fixas corpóreas tinham o valor bruto de 1.779.503,37 €, sendo o seu valor líquido de 442.863,04 €;

ii - Os créditos sobre clientes, em conta corrente, atingiam o montante de 3.028.695,38 €;

iii - Nesse exercício a sociedade declarou ter tido prejuízos no valor de 326.031,98 €, os quais, somados aos resultados transitados acumulados até ao ano de 2008 (+509.240,83 € - 576.040,71 € = 66.799,88 €), totalizam um valor negativo de (-326.031,98 – 66.799,88 €) 392.831,36 €.

41. Da soma do resultado dos períodos dos anos de 2008 e 2009 a sociedade teve prejuízos acumulados de 902.702,69 € (-326.031,98 € - 576.040,71 €).

42. Relativamente ao total da situação líquida a 31-12-2009 o seu valor é positivo no montante de 2.196.725,52 €.

43. O balanço do ano de 2010 mostra que a sociedade tinha um activo bruto de 4.077.756,40 €, sendo o activo líquido de 2.808.013,26 €, onde se destacam as rubricas seguintes, na formação daqueles valores:

i - As imobilizações fixas corpóreas tinham valor bruto de 1.646.234,41 €, sendo o valor líquido de 376.491,27 €;

ii - Os créditos sobre clientes, em conta corrente baixaram para 1.966.708,94 €;

iii - Nesse exercício a sociedade declarou ter tido prejuízo no valor de 821.972,70 €, os quais somados aos resultados transitados acumulados até ao ano de 2009 (-392.831,86 € - 821.972,70 €) totalizam – 1.214.804,56 €.

44. Da soma do resultado dos períodos dos anos de 2008, 2009 e 2010 a sociedade BB teve prejuízos acumulados de -1.724.045,39 € (-326.031,98 € - 576.040,71 € - 821.972,70 €).

45. Relativamente ao total da situação líquida a 31 de Dezembro de 2010 o seu valor é positivo, no montante de 1.374.752,82 €.

46. O balanço do ano de 2011mostra que a sociedade BB tinha um activo Bruto de 2.153.980,72 €, sendo o activo líquido de 2.093.192,74 €, onde se destacam as rubricas seguintes, na formação daqueles valores:

i - As imobilizações fixas corpóreas já apenas tinham o valor bruto de 353.740,32 €, sendo o seu valor líquido de 311.291,45 €;

ii - Os créditos sobre clientes, em conta corrente, baixaram, dos 1.966.708,94 € do ano anterior, para 27.594,32 €;

iii - Nesse exercício a sociedade declarou ter tido prejuízos no valor de 136.400,69 €, os quais somados aos resultados transitados acumulados até ao ano de 2010 (-1.214.804,56 € - 136.400,69 €) totaliza o montante de -1.351.205,25 €47.

Da soma do resultado dos períodos dos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 a sociedade BB teve prejuízos acumulados de -1.860.446,08 € (-326.031,98 € - 576.040,71 € - 821.972,70 € - 136.400,69 €).

48. Relativamente ao total da situação líquida a 31-12-2011 o seu valor é positivo no montante de 1.238.352,13 €.

49. O balanço do ano 2012 mostra que a sociedade tinha um activo líquido no montante de 333.604,60 €, e em que se destacavam as rubricas seguintes na formação daqueles valores:

i. As imobilizações fixas corpóreas tinham apenas o valor líquido de 305.985,33 €;

ii. Os créditos sobre clientes, em conta corrente baixaram para 178,17 €.

iii. Nesse exercício a sociedade declarou ter tido prejuízos no valor de 1.580.716,51 €, os quais somados aos resultados transitados acumulados até ao ano de 2011 (-1.351.205,25 € - 1.580.716,51 €) totaliza o montante de -2.931.921,76 €.

50. Da soma do resultado dos períodos dos anos de 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012 a sociedade BB teve prejuízos acumulados de – 3.441.162,59 € (-326.031,98 € - 576.040,71 € - 821.972,70 € - 136.400,69 € - 1.580.716,51 €).

51. Relativamente ao total da situação líquida a 31 de Dezembro de 2012 o seu valor é negativo de 1.315.097,06 €.

52. Os créditos sobre clientes, em conta corrente, no termo do ano de 2009 atingiam o montante de 3.028.695,38 €.

53. Do balancete de encerramento do ano de 2009, verifica-se que o seu principal cliente é a entidade DD, S.A. com um montante em dívida de 2.797.152,26 €.

54. Do relatório de gestão contabilística da BB verifica-se que se encontravam obras em curso, nenhuma delas concluída em 2007.

55. Da SS, Lda para os anos de 2005, 2006 e 2007, verifica-se o seguinte:

- Ano de 2005 – volume de negócios 14.907.307,90 €; disponibilidade financeira em bancos – 258.661,50 € €

- Ano de 2006 – volume de negócios – 3.476.577,60 €; disponibilidade financeira em bancos – 131.079,05 €•Ano 2007- 521.600,00 €; disponibilidade financeira em bancos – 404.693,75 €.

56. Dos balancetes de 2005, 2006 e 2007 da BB verifica-se que relativamente à entidade KK, Lda. a mesma era devedora a 31-12-2005 no montante de 578.466,82 € à entidade BB, S.A.

57. Neste ano também se verificaram movimentos acumulados a débito neste cliente no montante de 8.563.413,70 € e a crédito no montante de 7.984.946,88 €.

58. A 31/12/2006 a entidade KK, Lda era devedora no montante de 401.297,41 €, tendo sido este saldo regularizado durante o período de 2007.

59. A 31 de Dezembro de 2008 a BB tinha um montante a receber do cliente 21…6 – DD, S.A. no montante de 3.313.740,61 €, pelo que no ano de 2009 foi recebido o montante de 1.108.321,17 €, ficando um montante em dívida do cliente 21…6 – DD de 2.797.152,26 €.

60. No ano de 2010 foi recebido o montante de 1.793.777,18 € ficando um montante em dívida no cliente 211410086 – DD de 1.692.851,86 €.

61. No ano de 2011 foi recebido o montante de 1.692.851,86 €, pelo que a conta do cliente ficou saldada.

62. Nos anos de 2009 e 2010 a BB teve actividade produtiva.

63. A 31-12-2011 tinha um valor patrimonial no montante de 1.238.352,13 €.

64. Em termos de activos não correntes detinha activos fixos tangíveis no montante de 311.291,45 € e de participações financeiras o montante de 1.718.900,00 €, bem como activos correntes no montante de 63.001,29 €, a que corresponde o montante de 27.594,32 € de dívidas de clientes, outras contas a receber o montante de 22.633,97 €, créditos sobre o Estado o montante de 6.730,79 € e créditos sobre accionistas de 5.538,25 €, em diferimentos o montante de 266,20 € e ainda em meios financeiros líquidos o montante de 237,76 €.

65. Em termos de passivo possuía o montante de 854.840,61 €.

66. O montante recebido de clientes em 2009 foi de 1.684.026,00 €; em 2010 de 1.800.567,47 € e em 2011 de 1.951.868,52 €.

67. A BB fez os pagamentos seguintes no ano de 2009: a fornecedores de 1.000.430,04 €; de impostos 45.962,17€; a pessoal de 407.417,36 €; de financiamentos 430.749,20 € e de juros 75.645,27 €.

68. No ano de 2010: a fornecedores de 886.945,68 €; de impostos 16.731,43 €; a pessoal de 191.375,12 €; de financiamentos 1.387.366,93 €, dos quais 518.506,70 € de reembolso de suprimentos ao sócio EE e de juros 27.179,90 € (alterado pela Relação).

69. No ano de 2011: a fornecedores de 102.108,16 €; de impostos 1.978,49 €; a pessoal de 127.034,88 €; de financiamentos 562.086,68 €, dos quais 164.093,30 € de reembolso de suprimentos ao sócio EE e empréstimo de 5.538,25 € e de juros 10.465,75 € (alterado pela Relação).

70. Em 7/11/2011, a BB adquiriu e pagou através de transferências bancárias à CC o montante relativo à aquisição de 17.189 acções ao portador da DD ao valor nominal de 100,00 € cada acção, que totaliza o montante de 1.718.900,00 €.

71. A DD em 2011 apresentava um valor patrimonial positivo no montante de 1.472.584,17 €.

72. Em 2012 apresentava um valor patrimonial negativo de 809.451,27 €.

73. Em 2012 foram evidenciados em variação dos inventários um montante negativo de 1.910.015,41 € e uma imparidade em investimentos não depreciáveis no montante de250.364,76 € que contribuíram para o valor negativo do património da DD.

74. O certificação legal das Contas da BB relativamente à aquisição supra referida em 70) contém uma reserva com o teor seguinte: “A participação financeira na empresa subsidiária está reconhecida pelo método de custo por não se encontrarem disponíveis as demonstrações financeiras/auditadas da participada, não estamos em condições de quantificar em que extensão o valor daquela participação é ou não recuperável”.

75. De harmonia com o balanço do exercício de 2011, a “DD, S.A” teria a seguinte situação económica, medida em euros:

i - Activo ---------------------------- 3.355.209,64 €

ii - passivo -------------------------- 1.882.625,47 €

iii – Capitais próprios ---------------- 1.472.584,17 €

76. O activo tinha, em 2011 a composição seguinte:

i - Participações sociais (de 30% do capital social da demandada “BB, S.A.” e 20 % de uma tal “TT, LDA.” (também sociedade do “Grupo LL”), cujos outros 80% do capital desta são da demandada “CC”) no valor de 751.000,00 €. Confirmado pela peritagem fls. 1031 fls. 1069

ii - Valores de inventário, no montante de 2.269.904,44 € onde se encontrava registado, entre outros, um terreno no sitio da …., descrito na C.R.P. …. sob o n.º 034…/130…1 sob a rubrica 3611 – Produtos e trabalhos em curso, com o valor de 1.230.400,64 € (alterado pela Relação).

77. De harmonia com o balanço do exercício de 2012, a “DD, S.A” passa a ter a situação económica seguinte:

i - Activo --------------------------------- 338.799,36 €;

ii - Passivo -------------------------------- 1.148.250,63 €;

iii - Capitais próprios (negativos) ------- 809.451,27 €

78. A “CC” possui o activo líquido no valor de 12.285.905,45€ cujas rubricas mais relevantes são:

i – Activos fixos tangíveis no valor de 242.778,59€;

ii – Propriedades imóveis de investimento, no valor de 2.137.773,61€;

iii – Propriedades imóveis em inventário, destinados a venda, no valor de

9.778.239,69€.

79. A 31/12/2012 a CC em termos de financiamentos tinha um montante em dívida de 8.944.943,39 € decomposto da seguinte forma: dívida a instituições bancárias – 1.510.343,39 € e suprimentos – 7.434.600,00 €.

80. As contas da CC dos anos de 2008 a 2012 revelam o pagamento em 16/02/2011 de suprimentos no montante de 5.000,00 € a António Catanho (alterado pela Relação).

81. Os capitais das sociedades CC, BB e DD sempre foram detidos unicamente pelos administradores demandados.

82. As sociedades BB, CC e DD desde 2008 que tinham como fiscal único a R. II, a actividade exercida pelo sócio aqui R. JJ.

83. A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas disponibiliza aos revisores oficiais de contas e às sociedades de revisores oficiais de contas uma apólice colectiva de responsabilidade civil profissional, sendo tomadores os revisores e seguradores as ora intervenientes MM (Europe), LTD e NN Limited.

84. Encontram-se abrangidos pelo referido contrato de seguro, nos termos do Ponto 2 da condições particulares da apólice “ (As) Sociedades de Revisores Oficiais de Contas, associados do Tomador, assim como os colaboradores ao serviço das mesmas, quando actuando sobre a supervisão de um revisor oficial de contas”.

85. Nos termos definidos nas Condições Especiais do Contrato, as ora chamadas assumiram, perante o Tomador, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade profissional desenvolvida pelos seus segurados, garantindo até ao limite do capital seguro o pagamento das “indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado por responsabilidade civil profissional resultante de danos patrimoniais causados a clientes e/ou terceiros, no exercício da actividade descrita no ponto 4”.

86. Encontrava-se em vigor (à data da reclamação do sinistro) a apólice de seguro n.º PI-013….2, cujo limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência/ “período seguro” foi fixado em € 3.000.000,00 por sinistro e € 9.000.000,00 por anuidade.

87. Sendo a esta quantia, deduzida a correspondente franquia contratual aplicável, igualmente prevista nas condições particulares da Apólice, cujo valor será dedutível ao valor da indemnização que às Seguradoras couber pagar e a cargo do Segurado, cujo montante ascende a 10 % da quantia reclamada no montante mínimo de € 100,00 e máximo de € 6.000,00.

88. Encontrando-se de facto a segurada, II & Associados, SROC, SA e o Revisor Oficial de Contas JJ, efectivamente abrangidos pelas coberturas previstas na referida apólice.

89. Nas condições particulares da apólice PI-013…2 sob o apartado 15, são indicados como Seguradores a ora Chamada MM (EUROPE), LTD. e a NN LIMITED.

90. Nas condições particulares da apólice PI-013…2 sob o apartado 15, é estabelecida uma cota de participação de 36% à MM (EUROPE), LTD. e uma cota de participação de 64% à NN LIMITED.

91. Nos termos da apólice é determinado que sem que haja solidariedade entre Seguradoras “cada uma das co-seguradoras procede à liquidação da parte do sinistro proporcional à quota-parte do risco que garantiu ou à parte percentual do capital assumido”.

92. O Revisor de Contas coloca na IES de 2011 da “DD” a seguinte reserva: “A participação financeira na empresa subsidiária está reconhecida pelo método do custo por não se encontrarem disponíveis demonstrações financeiras certificadas/auditadas da participada, não estamos em condições de quantificar em que extensão os valores daquela participação é ou não recuperável.” (aditado pela Relação).

93. O Revisor de Contas coloca na IES de 2011 da “CC” a seguinte reserva: “As participações financeiras na empresa subsidiária e nas associadas estão reconhecidas pelo método do custo. Por não se encontrarem disponíveis demonstrações financeiras certificadas/auditadas do conjunto das empresas participadas, não estamos em condições de quantificar em que extensão os valores daquelas participações financeiras são ou não recuperáveis” (aditado pela Relação).

94. O Revisor de Contas coloca na IES de 2011 da BB, S.A. a seguinte reserva: “As participações financeiras na empresa subsidiária e nas associadas estão reconhecidas pelo método do custo. Por não se encontrarem disponíveis demonstrações financeiras certificadas/auditadas do conjunto das empresas participadas, não estamos em condições de quantificar em que extensão o valor daquela participação financeira é ou não recuperável” (aditado pela Relação).

95. As contas da “BB, S.A.” de 2010 a 2012 revelam o reembolso de suprimentos ao accionista EE no montante de 688.138,25 € (aditado pela Relação).

96. As contas da “DD” de 2010 a 2012 revelam o reembolso de suprimentos ao acionista EE no montante de 1.932.200,00 € (aditado pela Relação).

97. As contas da “CC, S.A..”, nos anos de 2010 a 2012, revelam que esse mesmo accionista entregou suprimentos no valor global de 2.893.200 € (aditado pela Relação).

98. A Autora contratou com a BB, S.A. no convencimento de que o prédio do  empreendimento lhe pertencia” (aditado pela Relação).


B) Fundamentação de direito


As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, são as seguintes:

(i) – Nulidade atípica;

(ii) - Aditamento de novos factos - (erro decisório).

(iii) – A questão de direito.


NULIDADE ATÍPICA


Nas suas contra-alegações, (fls 1727 vº a 1633) as recorridas suscitaram a verificação de uma nulidade atípica no que respeita ao modo de interposição de recurso de revista pela autora, ora recorrente.

Alegam que a recorrente apresentou o recurso de revista por correio electrónico pessoal do mandatário e fax. Tal facto contraria o disposto no artigo 18º da Portaria 267/2018 de 20 de Setembro, que veio regulamentar a tramitação electrónica da actividade processual nos Tribunais Superiores.

No que se refere aos Tribunais da Relação a norma em causa estabeleceu a data de início em 9 de Outubro de 2018, enquanto que no Supremo Tribunal de Justiça fixou a data de 11 de Dezembro de 2018.

Ora, tendo a recorrente praticado o ato processual sem ser por transmissão electrónica de dados a que se refere o artigo 144º do C.P.C, entende-se que a recorrente praticou uma nulidade atípica a que se refere o artº 195º do CPC, que impede o recebimento do recurso apresentado, por tal via.


Cumpre decidir.

A recorrente interpôs recurso de revista no Tribunal da Relação em 30 de Novembro de 2018, conforme se vê do carimbo aposto respectivo requerimento (fls 1553), tendo notificado a parte contrária de tal requerimento por email de 29 de Novembro de 2018 (fls 1621)


A Portaria 267/2018, de 20 de Setembro, procedeu à alteração dos regimes de tramitação electrónica dos processos nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos e fiscais (Citius/SITAF).


O artigo 18º da referida Portaria, sob a epígrafe (Aplicação no tempo), preceitua o seguinte:

1 - A aplicação do regime de tramitação electrónica previsto na Portaria nº 280/2013, de 29 de Agosto, na redacção dada pela presente portaria, aos processos no Supremo Tribunal de Justiça ocorre a partir do dia 11 de dezembros de 2018.

2 - A aplicação do regime de tramitação electrónica previsto na Portaria nº 280/2013, de 29 de Agosto, na redacção dada pela presente portaria, aos processos nos tribunais da Relação ocorre a partir do dia 9 de Outubro de 2018.


Ora, a partir de 09 de Outubro de 2018, a recorrente deveria ter interposto recurso de revista através da plataforma informática Citius a que se refere o artigo 144º do Código de Processo Civil.

Não fez e nem sequer invocou o justo impedimento a que se refere o nº 8 do artigo 144º do CPC.


Qual a consequência da prática deste acto não prevista na lei? Nulidade atípica, como referem as recorridas, com a rejeição das alegações e a sua devolução à recorrente? Ou pelo contrário, é uma irregularidade a apresentação em juízo das alegações por um meio não admitido?


Efectivamente, dificilmente se poderá afirmar que tal irregularidade pode “influir no exame ou na decisão da causa” (artº 195º nº 1 do CPC), pelo que não ferirá o acto de nulidade – o mesmo se diga do consequente acto irregular de junção ou recebimento pela secretaria judicial . Se o acto for praticado em suporte de papel – meio admitido pelo nº 7 do artigo 144º -, mas fora dos casos previstos, estaremos perante um acto irregular, mas não nulo, por regra.


Por conseguinte, contrariamente à posição defendida pelas recorridas, o acto praticado pela recorrente não é nulo, constituindo apenas uma simples irregularidade que não influi no exame e decisão da causa, tanto assim que as recorridas apresentaram as contra-alegações.


Assim, admitem-se as alegações da recorrente.


ADITAMENTO DE NOVOS FACTOS - (ERRO DECISÓRIO).


A autora, ora recorrente, invocando um erro decisório no que respeita à matéria de facto, pretende a devolução dos autos à Relação para aditamento de novos factos.

Os factos que pretende aditar são os seguintes:

77-B - Em 2012 a sociedade DD registou uma variação negativa do valor dos seus inventários no valor de 1.910.015,41€ e imparidades no montante de 250.364,76€. Nesse ano os Inventários decresceram em 2.269.90,44€ declarados ao final de 2011 para inventário nulo, apresentando Vendas e Serviços prestados no valor apenas de 645.100,00€.

99 - Da prova pericial e registral resulta que, em 20 de Junho de 2012 a PRETETES vendeu à sociedade CC o terreno no sítio da …., descrito na C.R.P. … sob o n.º 3…9/13062001, registado à data de 31/12/2011, sob a rubrica 3611 – Produtos e trabalhos em curso, com o valor de 1.230.400,64€ pelo valor de 461.00,00€.

100 - Da prova pericial, que até foi assumida nos factos atrás julgados provados, resulta que a sociedade BB, S.A teria pago mais que o recebido nos anos de 2009 a 2011, inclusive, na quantia de 1.518.269,42€, sendo 276.178,04€ no ano de 2009, 681.851,69€ no ano de 2010 e 560.239,69€ no ano de 2011. (Confronte anexo I junto a estas alegações).

101 - De todas as certidões registrais juntas e demais prova, resulta que o acionista EE controla 97,50% do capital social da CC, SA.

102 - Da prova pericial, certidões registrais e demais prova, que até foi assumida nos factos atrás julgados provados n.ºs 2 a 7, resulta que a sociedade BB, S.A era detida no ano de 2011 nas seguintes proporções:

- Em 30% pela sociedade CC

- Em 36% pelo accionista EE

- Em 30% pela sociedade DD, SA

- Em 2% cada pelos accionistas FF e GG (filhos do EE).

103 - Da prova pericial, certidões registrais e demais prova, resulta que a sociedade DD, SA, era detida até à data da venda da participação detida pela CC, SA à BB, SA nas seguintes proporções: - Em 30,90% pela CC

- Em 68,76% pela BB, S.A

- Nos restantes 0,34% pela família LL ou sociedades por ela detidas.

104 - Pelo facto de a DD, SA, deter uma participação na sociedade sua dominante BB, S.A, os seus 30% de direitos de voto na BB, S.A, estariam suspensos por via dos artigos 325º A, 325º B e 324º 1-a) do CSC, sendo que face aos restantes 70% de votos disponíveis, os 30% da CI adicionados aos 36% detidos pelo accionista EE representariam 94% dos votos decisórios na BB.

105 - Em consequência de controlar 94% dos votos da BB, o accionista EE controlaria, assim, 99,66% da sociedade DD, SA, 30,90% através da CI e 68,76% através da BB, S.A.

106 - Através do controle da “CC” e das acções que detém na “BB”, e no quadro existente de participações sociais, todo o poder patrimonial e decisório em todas estas três sociedades estaria, e está, positiva e integralmente nas mãos do accionista EE, e sempre ele e os filhos – FF e GG – e a HH, se revezam na administração dessas sociedades.

107 - Dos factos julgados provados, com base na prova registral junto aos autos e demais prova, decorre que as sociedades demandadas são meros elementos constitutivos de um grupo empresarial, de facto, cujo domínio patrimonial e decisional pertence ao demandado EE. (confronte o diagrama Anexo II).

108 -108 - Dos factos julgados provados e da prova junta aos autos, resulta que todas as sociedades demandadas estão insolventes, menos a CC, S.A, que nunca agiu no mercado.

109 - E por isso essa sociedade tem no seu domínio um património elevado, que foi desviado daquelas para si, em prejuízo dos credores das outras sociedades.


As recorridas, nas contra-alegações, referiram que, no caso em apreço, é manifesto não se configurar nenhuma das hipóteses em que a lei veda o recurso à prova testemunhal e, por remissão, às presunção judiciais.

Não existe, em síntese, erro ou violação de regras de direito probatório substantivo. Não existindo erro ou violação de regras do direito probatório substantivo, tão-pouco se vislumbra qualquer ilogicidade no juízo de inferência ou desconformidade com as regras da experiência comum, pelo que o resultado probatório obtido pelo Tribunal recorrido com apoio na presunção judicial não é sindicável.


Cumpre decidir.

Como é sabido, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.


Efectivamente, preceitua o nº 3 do artigo 674º do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.


Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito[1].

Ou seja, e nas palavras do acórdão do STJ de 06/07/2011[2], “se a este Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei”.


Trata-se, por conseguinte, de verificar se o Tribunal da Relação, ao usar os seus poderes, respeitou a lei processual, o que é inequivocamente, e como também destaca o Acórdão do STJ de 06/07/2011, matéria de direito[3].


Entremos agora na questão nuclear que diz respeito, essencialmente, à questão de saber se a Relação deveria ter dado como provados os factos elencados pela recorrente.


Porém, importa estabelecer previamente umas breves considerações relativamente à fundamentação da matéria de facto e à análise crítica das provas.


Se se exige que o Tribunal da Relação forme livremente a sua própria convicção, ainda que a mesma porventura possa coincidir com a (também ela livre) convicção do julgador de 1ª instância, a fundamentação da decisão deve, de modo transparente, mostrar o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu ao formar essa convicção e ao decidir da matéria de facto.


Nas palavras do Acórdão do STJ de 08.06.2011[4], “motivar é justificar a decisão de modo a que possa ser controlada, desde logo, pelo tribunal e, naturalmente, pelos sujeitos processuais e pelas instâncias de recurso”.

Assim, da fundamentação deve resultar, com clareza, o caminho próprio que o Tribunal da Relação seguiu para formar a sua própria convicção, não podendo ser suficiente uma remissão ou concordância genérica com a fundamentação da 1ª instância, como destacou, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/09/2013[5], anotado em sentido concordante por Miguel Teixeira de Sousa[6], e em que se afirma inequivocamente que “a reapreciação das provas não pode traduzir-se em meras considerações genéricas, sem qualquer densidade ou individualidade que as referencie ao caso concreto”.


Sobre esta matéria prescreve o artigo 607º nº 4 do C.P.Civil o seguinte:

“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.


No regime de fundamentação da sentença ou do acórdão sobre matéria de facto, para além da fundamentação das respostas positivas, o juiz passa a ter de justificar as respostas negativas; por outro lado, a decisão, para além de especificar os fundamentos que foram decisivos para convicção do julgador, tem de proceder à análise crítica das provas.


Isto significa que o juiz deve esclarecer quais as provas que o levaram a formar a sua convicção e deve ainda analisar criticamente as provas produzidas, explicando os motivos que o levaram a optar por uma determinada resposta.


Para Antunes Varela, “além do mínimo traduzido na menção especificada dos meios de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova”[7].


Miguel Teixeira de Sousa refere que “ o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente”[8].


Em anotação ao artigo 653º nº 2 (a que corresponde o actual 607º nº 4), Lopes do Rego escreveu: “… a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador – só assim se realizando verdadeiramente uma “análise crítica das provas”. Tal circunstância determinou a alteração do preceituado no nº 5 do artigo 712º do CPC, podendo ter lugar a remessa do processo à 1ª instância para fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto sempre que ela se não mostre “devidamente fundamentada” (e não apenas quando omita a menção dos concretos meios de prova que a suportaram)[9].


Segundo o acórdão nº 55/85 do Tribunal Constitucional[10], a fundamentação das decisões jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções:

a) Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido;

b) Outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz “ad quem”, que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – e que visa garantir, em última análise, a “transparência” do processo e da decisão.


Não sendo satisfatoriamente cumprida, quanto a algum facto essencial, a exigência de fundamentação emergente do estatuído no nº 2 do artigo 653º, pode a parte prejudicada requerer que o tribunal de 1ª instância supra a nulidade, procedendo à fundamentação adequada. Face à actual relevância – constitucional e legal – da exigência de fundamentação, temos como duvidosa a solução consistente em considerar que a lei não estabelece qualquer sanção para a falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto: o que, a nosso ver, decorre do nº 5 deste artigo 712º é que a nulidade cometida, quando reclamada adequadamente pela parte, deve, na medida do possível, ser sempre suprida pela 1ª instância; mas, se tal suprimento for impossível, não nos parece excluída a possibilidade de a Relação anular o julgamento com base numa omissão essencial e relevante de fundamentação (sublinhado nosso)[11].


A fundamentação deve conter, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador e ainda a indicação, na medida do possível, das razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, a menção das razões justificativas da opção feita pelo julgador entre os meios probatórios de sinal oposto relativos ao mesmo facto[12].


“Quando a prova é gravada, a sua análise crítica constitui complemento fundamental da gravação; indo, nomeadamente, além do mero significado das palavras do depoente (registadas em audiência e depois transcritas), evidencia a importância do modo como ele depôs, as suas reacções, as suas hesitações e, de um modo geral, todo o comportamento que rodeou o depoimento”[13].


A análise crítica das provas prevista para o julgamento referido na primeira parte do nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil não difere funcionalmente do exame pressuposto no julgamento regulado na segunda parte deste número: ambos visam concluir se a prova produzida é, em concreto, bastante para a demonstração do facto. O modo como se chega a tal conclusão é, no entanto, profundamente diferente, o que se reflecte na motivação da convicção.

Na motivação da decisão sobre os factos julgados de acordo com a norma constante da primeira parte do nº 4, o juiz explica por que razão, de acordo com a sua livre convicção (primeira parte do nº 5), o meio é idóneo, em abstracto e em concreto, à prova do facto; na motivação do julgamento feito no contexto da segunda norma, o juiz partindo da certeza e afirmando que o meio é, em abstracto, idóneo (v.g. um documento), esclarece por que razão se extrai dele (ou não) o facto a provar (segunda parte do nº 5).

Num caso, o juízo de conformidade entre os factos alegados e a realidade histórica estriba-se na prudente convicção do julgador; noutro, este juízo funda-se, em especial, no valor que a lei atribui a determinados meios de prova[14].


Entrando mais directamente no caso dos autos, lendo a decisão da 1ª instância sobre a fundamentação das respostas à matéria de facto (Cfr fls. 1310 a 1321), verificamos que a mesma, quase de forma exaustiva e bastante linear, analisou criticamente as provas, especificou, de forma racional, coerente e lógica os fundamentos que foram decisivos para a respectiva convicção e com respeito pela prova testemunhal, pericial e documental produzida.


Não vislumbramos que tenha havido grosseira valoração da prova que foi feita na 1ª instância recorrida relativamente aos factos postos em crise pela recorrente.

Pelo contrário, a prova foi apreciada com análise crítica e com o cuidado e atenção devidos, dando o tribunal credibilidade ao que merecia e refutando o que considerou sem interesse para a decisão de facto. Nela foram discriminados e analisados criticamente os factos considerados provados e não provados e integrados juridicamente nos institutos invocados pela autora para legitimar o seu pedido.


No que respeita ao acórdão da Relação, (Cfr fls 1530 vº a 1535 vº), o mesmo apreciou livremente as provas, fazendo o seu próprio juízo com total autonomia.

E fê-lo, fundando-se na prova pericial e na prova testemunhal, cuja valoração está sujeita à livre apreciação do julgador, como resulta, respectivamente, dos artigos 389º e 396º do Código Civil.


Relativamente aos factos que a recorrente pretende ver provados e que devem ser inseridos na Fundamentação de facto sob os nºs 77-B e 99 a 109, os mesmos, para além de conterem matéria de direito, são conclusivos e sem interesse para a boa decisão da causa.


A reapreciação da matéria de facto justifica-se quando, se for alterada, essa alteração tiver incidência na questão de direito; se assim não suceder, não tem o Tribunal da Relação de proceder à análise do material probatório tendo em vista saber se a prova produzida justifica ou não justifica que determinado quesito seja dado como provado integralmente[15].

No Acórdão da Relação de Coimbra de 24.4.2012[16],escreveu-se a este propósito:

“A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.

Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.

Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2º nº 1, 137º e 138º”.


No acórdão da mesma Relação de 14.1.2014[17], a mesma ideia é assim expressa:

“De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).

Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação.

Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção”.


Nesta conformidade, improcedem as conclusões 2ª a 13ª das alegações da recorrente, confirmando-se, o acórdão da Relação, não havendo, pois, a violação do disposto no artigo 674º nº 3 e 682º nº 2 do Código de Processo Civil.


A QUESTÃO DE DIREITO


O acórdão da Relação do Porto de 23.10.2018 considerou não haver quaisquer elementos que revelem a existência de elos de ligação entre as sociedades demandadas.


Mais decidiu que a situação factual não se reconduz a um uso ilícito ou abusivo da personalidade colectiva para prejudicar terceiros, numa utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.

A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura à conduta do sócio, que deve revelar-se ilícita, impondo verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso do direito. Tal não se verificou, ou seja, não está demonstrada a ilicitude e o carácter culposo dos administradores da sociedade BB pelos danos correspondentes.


A recorrente alega e conclui que, entendendo-se, mas sem prescindir, que os factos não traduzem a ajuizada relação de grupo, então as sociedades recorridas e os seus referidos sócios e administradores, com base no Instituto da desconsideração da personalidade jurídica colectiva, que assenta num princípio que vincula os sócios e administradores das sociedades comerciais a respeitarem as finalidades que a lei assinala a essas sociedades, também devem ser condenados solidariamente a pagar à recorrente as referidas quantias.

A consideração devida pelos recorridos, que foi incumprida, está consagrada, entre outras normas, no disposto nos artigos 36º, 1 e 78º do C.S.C., e nos artigos 280º e segts, 762º, 2 e 334º do C.C., que assim foram violados.


Cumpre decidir.


A COLIGAÇÃO DE SOCIEDADES


O Código das Sociedades Comerciais regula a matéria das sociedades coligadas nos artigos 481º e 482º.

O artigo 482º do CSC considera sociedades coligadas:

a) As sociedades em relação de simples participação;

b) As sociedades em relação de participações recíprocas;

c) As sociedades em relação de domínio;

d) As sociedades em relação de grupo


No ensinamento de José A. Engrácia Antunes[18], quanto ao conceito de sociedades coligadas optou o legislador por um conceito jurídico determinado ou fixo, engloba todos os casos de coligação intersocietária que sejam reconduzíveis a situações de relações taxativamente previstas na norma, usando um conceito legal de referência de todo um particular sector normativo. Dispositivos que se aplicam a relações que entre si estabeleçam sociedades por quotas, sociedades anónimas e sociedades em comandita por acções com sede em Portugal (artigo 481º nºs 1 e 2 do CSC).


No caso dos autos está em causa uma coligação de sociedades que o regime legal materializa quando as respectivas participações atingem uma participação igual ou superior a 10% do capital das participadas (artigo 485º do CSC). Esta tipologia de sociedades coligadas exige pressupostos positivos, no sentido de que duas ou mais sociedades detenham uma participação no capital das outras e que tais participações sejam todas de valor igual ou superior a 10% e inferior a 50%, e um pressuposto negativo, consubstanciado na inexistência simultânea de uma relação de domínio[19].


O núcleo essencial da matéria de facto é o seguinte:

4. Nesse dia 6 de maio de 2005, foi registada a transformação da sociedade em sociedade anónima, tendo o seu capital social sido reforçado com a entrada do montante de 1.502.404,21 euros, realizado e subscrito pelos então sócios e aqui demandados EE, que subscreveu uma entrada de 2.163,79 euros, ficando assim a titular uma participação no capital da sociedade de 900.000 euros, e GG e FF, em que cada um deles, subscreveu uma entrada de 120,21 euros, ficando assim, cada um destes dois sócios, com participação no capital da sociedade de 50.000 euros, e com a entrada de dois novos sócios – as demandadas CC, S.A., ao tempo denominada PP - Investimentos Imobiliários, S.A., e DD - Construção Civil e Obras Públicas, S.A.. – cada uma delas com uma entrada de 750.000 euros, que é o valor da participação que cada uma delas tem na sociedade “BB, S.A” (doc.1).

5. Em consequência dessa transformação, a sociedade passou a denominar-se “BB, SA”, com sede na Rua …, nº 18, …, 4º Andar, Fracção “AX”, na cidade do …, com o capital social de 2.500.000 euros, dividido em 5000 acções do valor nominal de 500 euros, cujo objecto é a construção civil, comércio por grosso e a retalho de materiais de construção, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, sendo 1800 acções do R. EE, possuindo 500 acções cada um dos RR. FF e GG e 1500 acções cada uma das RR. “CC, S.A..” e “DD, S.A.” (doc.1).

8. A R. “CC, S.A..” é uma sociedade comercial cuja fundação foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do … no dia 09 de Março de 2000, com a denominação de “PP - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, S.A..”, tendo alterado no ano de 2006 a sua denominação que é agora “CC, S.A..” (doc.2).

9. A R. “CC, S.A..” tem o capital social de 200 000 euros, dividido em 200 000 acções de valor nominal de 1 euro, cujo objecto é a revenda de imóveis adquiridos para esse fim, aquisição de imóveis para dar de arrendamento, bem como a prestação de serviços relacionados com a gestão e administração de imóveis, condomínios e espaços comerciais e ainda a prestação de serviços de consultadoria de gestão de empresas e patrimónios, e tem a sua sede na Rua …, n.º 18, …., 4.º, Fracção “AX”, na cidade do ….

14. A R. “DD - CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A..” é uma sociedade comercial cuja fundação foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial do … no dia 17 de Março de 2000, com o capital social de 2.500.000 euros, dividido em 25 000 acções de valor nominal de 100 euros, com o objecto de exercício da actividade de construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (doc.3).

15. Esta sociedade, tal como as anteriormente referidas, também tem a sua sede na Rua da …, n.º 18, …, 4.º, Fracção “AX”, na cidade do ….

21. A sociedade “KK - INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, LDA.” Foi uma sociedade comercial cuja fundação foi registada na Conservatória do Registo Comercial do … no dia 28 de Março de 2001, com o capital social de 5000 euros, dividido em duas quotas, sendo uma de valor de 200 euros do demandado EE e a outra de 4.800 euros da demandada “DD - CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A..”, com o objecto de compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, e com a sede na Rua …., n.º 42, 4.º, sala 409, na cidade do … (doc.4).

27. As sociedades identificadas nos artigos anteriores desta petição tinham no demandado EE o principal “elo” de ligação entre elas, mas com a participação directa dos demandados GG e FF, seus filhos, e da demandada HH.


Assim, a DD detinha 96% do capital da KK, 99% do capital da CC e 30% do capital da BB, S.A, sendo também titular de 30% do capital desta última o réu EE.

Por seu turno, o accionista EE detém 90% do capital da CC. A sociedade BB, SA tem como accionistas a CC, S.A.. e a DD, S.A., detendo cada uma 30% do seu capital social e o EE com uma participação social de 36% (nº 5 da Fundamentação de facto).


A partir daqui a recorrente não contrapõe qualquer argumento válido ao que o acórdão da Relação tão doutamente decidiu, limitando-se a referir na conclusão 20º que as sociedades em causa agiram em relação de grupo, com domínio total da "CC, SA", que, conjuntamente com o recorrido EE dominava a "BB, S.A." e "DD, S.A.", com mais de 96% do capital de cada uma, dominando ele a sociedade dominante, na qual tem 97,5% do seu capital.


E tão doutamente decidiu sobre esta matéria que iremos transcrever o que ali se deixou escrito.

“Desta co-participação social entre as sociedades podemos afirmar que estas

 sociedades são sociedades coligadas. Como antecipámos, a coligação de sociedades assume as modalidades de sociedades em relação de simples participação (artigo 483º/1 do CSC), as sociedades em relação de participação recíprocas (artigo 485º/1 do CSC) e as sociedades em relação de domínio (artigo 486/1 do CSC). As sociedades em relação de participações recíprocas são aquelas que participam no capital social uma da outra em 10% ou mais do respectivo capital social. Assim, mantêm entre si essa relação de participações recíprocas a DD e a BB, S.A. e esta BB, S.A e a CC. Porém, a DD e a KK e a DD e a CC estão numa relação de domínio. Efectivamente, considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, directamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º/2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante (artigo 486º/1 do CSC). E,

presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, directa ou indirectamente, detém uma participação maioritária no capital; dispõe de mais de metade dos votos; tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização (artigo 486º/2 do CSC).

Consabido que o direito societário postula a independência da sociedade comercial, a figura das sociedades coligadas, mormente numa relação de domínio, derroga esse princípio e faculta um controlo intersocietário. Todavia, esta relação de domínio supõe uma influência dominante, relativamente à qual o CSC apenas enuncia presunções da sua verificação. Cremos, no entanto, que a ilação desse juízo se encontra facilitado pelo facto de apenas ser necessária a mera possibilidade do exercício da influência dominante, irrelevando a circunstância de ela ser ou não exercitada[20]. Com efeito, o texto da norma especifica que basta que a sociedade dominante possa exercer essa influência dominante sobre a sociedade dependente, independentemente de fazer dela ou não uso efectivo. Esta noção transporta ainda outras dúvidas, como seja a de saber se a influência dominante tem de ser estável ou se basta ser esporádica, mas a doutrina tem entendido que é necessário um domínio institucionalizado, estável, sendo irrelevante o domínio fortuito, esporádico[21].

Não obstante não ser suficiente para afirmar uma relação de domínio intersocietário, a influência dominante esporádica de uma sociedade sobre a outra, é o caso concreto que deverá registar os aspectos relevantes, a ponto de permitir aferir se uma situação de domínio de origem fortuita não poderá ter originado a criação de um estado de domínio duradouro e estável[22]. De todo o modo, independentemente de saber se essa influência foi exercida sobre a sociedade dependente durante muito ou pouco tempo, o que importa é apurar se ela foi efectivamente exercida e se não resultou de factores fortuitos e ocasionais que a sociedade não podia prever ou controlar e com os quais não podia razoavelmente contar.

Na situação factual delineada temos que as sociedades em causa foram, conjunta ou alternadamente, administradas pelas mesmas pessoas, a maior parte delas unidas por relações de parentesco, e tinham a mesma sede social, o que facultava a influência na gestão das sociedades dependentes. Sabemos que a estrutura organizativa das sociedades assume particular relevo nas opções negociais e nas políticas de gestão das sociedades e, por isso, aceitamos que esse é o facto que mais releva na influência dominante nas sociedades dependentes.

A Autora defende que através do domínio da “CC” o EE dominava todas as demais sociedades do “grupo”, mas olvida um elemento de especial relevância para a apreciação da tese edificada no sentido do conluio para o não pagamento do crédito que detém sobre a BB. É que a influência dominante deverá consistir numa influência positiva, relativa aos casos em que “uma sociedade possa determinar através de um comportamento activo e positivo (“facere”) a condução geral dos negócios sociais” da sociedade dependente[23]. Ficam, portanto excluídas as situações de condicionamento ou impedimento mediante “uma simples coacção pela negativa”, que é o que parece estar erigido pela demandante, ao defender que o EE engendrou um plano para descapitalizar a devedora BB e, assim, obstar ao pagamento do crédito que sobre ela detém. Embora não disponhamos de um quadro fáctico que sustente qualquer ilação nesse sentido, a relação de domínio também não alicerça semelhante juízo. Mesmo admitindo que a CC tivesse influenciado a vida e a gestão social da BB, a influência dominante sempre teria de supor a supressão do poder de autodeterminação da sociedade dependente e que, aqui, teria de corresponder à limitação da liberdade da BB de solver à Autora aquele crédito, o que se reconduziria à faculdade de impedir tal ato.

É verdade que a construção da Autora é erigida a partir de relações fácticas de domínio num quadro de relações de dependência pessoal através da pessoa do demandado EE. Ora, a pura existência de uma comunidade de administradores, directores ou gerentes de duas ou mais sociedades não permite deduzir, sem mais, essa relação de influência dominante. Pode até acontecer que essa união pessoal entre as sociedades reflicta apenas a existência de um grupo de estrutura paritária, sujeita a uma direcção unitária comum, sem que sejam dependentes entre si[24].  Em suma, todos os juízos emitidos pela Autora a propósito dessa matéria não encontram suporte nos dados de facto adquiridos no processo.

É certo que as presunções legais a que aludimos constituem presunções juris tantum (artigo 350º/2 do Código Civil), que invertem o ónus probatório e, portanto, provado o facto base da presunção, cabe ao demandado afastar o facto presumido, aqui a influência dominante. Digamos que as presunções cedem perante a prova de que a sociedade dominante não retirou dos instrumentos de domínio ou não dispõe de qualquer possibilidade de exercício de influência dominante, devido a determinados circunstancialismos ocorridos no caso concreto. Ora, os demandados não intentaram qualquer prova nesse sentido e, por isso, é convocável a figura da responsabilidade dos administradores por violação dos seus deveres funcionais gerais. Como os administradores, gerentes ou directores devem actuar sempre no interesse da sociedade que gerem, essa responsabilidade é perante a sociedade dependente. Porém, a responsabilidade perante os credores sociais existe apenas nas situações de grupo de sociedades e as sociedades em relação de grupo são apenas aqueles agrupamentos ou coligações entre sociedades cuja constituição e organização resultem da utilização de instrumentos expressa e taxativamente elencados no CSC, os quais se reconduzem ao contrato de subordinação (artigos 403º/508º), ao contrato de grupo paritário (artigo 492º) e ao domínio total (artigos 498º/491º)[25]. Na situação sob enfoque não há quaisquer elementos que revelem a existência de um desses elos de ligação entre as sociedades demandadas.

Importa, então, averiguar se as regras gerais de responsabilidade para com os credores sociais facultam a responsabilização perante a demandante, pois os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos (artigo 78º/1 do CSC). É uma responsabilidade por incumprimento ou por actos ilícitos culposos[26]

A responsabilidade dos administradores de uma sociedade, no âmbito deste quadro normativo, é de natureza extracontratual e, por isso, impõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) a inobservância de disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais; (ii) a insuficiência do património social; (iii) a culpa dos administradores; e (iv) o nexo de causalidade entre a referida inobservância e a insuficiência do património societário. Donde o entendimento que tal previsão legal integra a situação em que, por força da violação das normas de protecção dos credores, o património social se tornou insuficiente para satisfação dos créditos[27].

Mesmo aceitando a tese menos exigente de que basta a mera insuficiência do activo disponível em relação ao passivo exigível para se verificar esse requisito da insuficiência do património, não é certo que possamos aqui extrair tal conclusão, porque à data da constituição do crédito da Autora, o património da devedora sustentava a realização coactiva daquele crédito, por ainda exibir um activo líquido superior a 2.000.000,00 €. Por outro lado, não dispomos de dados factuais que permitam ajuizar que os administradores demandados violaram um qualquer dever funcional cujo escopo proteccionista fosse dirigido aos interesses dos credores. E sendo o primeiro pressuposto da sua responsabilidade a inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais, logo concluímos que a ilicitude em causa não abarca a violação de todo e qualquer dever que recaia sobre os administradores, mas apenas os deveres prescritos em disposições legais ou contratuais de protecção dos credores sociais, como sejam a distribuição de bens sociais aos sócios sem prévia deliberação social ou quando o património líquido da sociedade seja ou se torne (em consequência da distribuição) inferior à soma do capital e das reservas legais e estatutárias, a subscrição de acções próprias ou certas aquisições e detenções de acções próprias, as indevidas amortizações de quotas sem ressalva do capital social, as ilegais constituição e utilização da reserva legal e a violação das normas que delimitam a capacidade jurídica das sociedades (artigos 31º, 34º, 514º, 236º, 346º/1, 513º, 220º/2, 317º/4, 218º, 295º, 296º, 316º/1, 317º/2, 323º e 6º do CSC)[28].

Do que fica dito resulta que os autos não revelam que os administradores das sociedades em causa infringiram qualquer dever inscrito no perímetro de normas protectoras dos credores sociais e, por isso, falecem os necessários pressupostos à sua responsabilização – sublinhado nosso.

A estruturação da tese da Autora parte de um conluio entre os administradores, comuns às sociedades demandadas, no sentido de dissipar o património da devedora BB para criar uma situação de insuficiência patrimonial insusceptível de lhe garantir a solvabilidade do seu crédito. Só que os factos apurados não facultam a corporização de tal juízo, que não é extraível dos elementos fácticos disponíveis. Nem a compra das acções da DD na CC surge como um ato prejudicial aos credores: a mesma foi realizada em 07/11/2011, pelo montante global de 1.718.900,00 €, numa altura em que a DD apresentava um valor patrimonial positivo no montante de 1.472.584,17 € (n.ºs 70 e 71 dos factos provados). Reconhecemos que essa situação justificou a reserva aposta pelo revisor oficial de contas na certificação das contas desse ano, porque a participação financeira foi reconhecida pelo método de custo e não estavam disponíveis as demonstrações financeiras/auditadas da participada, para quantificar em que medida o valor daquela participação era ou não recuperável (n.º 74 dos factos provados). Admitimos que o rigor financeiro justificava a utilização do apelidado método de custo, referenciado quer pelas testemunhas revisores oficiais de conta quer pelos peritos, o qual suporia um processo avaliativo que permitiria alcançar o valor real das acções adquiridas. De todo o modo, a situação patrimonial da DD ainda parecia estável, pois exibia valores de inventário, no montante de 2.269.904,44 €, onde se encontrava registado, entre outros, um terreno no sítio da …, descrito na C.R.P. … sob o n.º 03…9/13062001 sob a rubrica 3611 – Produtos e trabalhos em curso, com o valor de 1.230.400,64 € (n.º 76 dos fundamentos de facto).

 Pesem embora estes considerandos, para que esse negócio pudesse responsabilizar os administradores da BB perante os credores sociais, no caso a Autora, seria necessário que a compra fosse interditada por qualquer norma legal de protecção aos credores sociais, o que não se vislumbra. Ademais, mesmo que esse ato tivesse diminuído o património social da devedora, sempre teríamos de ter presente que não é todo e qualquer dano para a sociedade devedora que justifica a responsabilidade dos administradores perante os credores sociais, mas apenas aquele que consista numa diminuição do património social em montante tal que ele fique sem forças para cabal satisfação dos direitos dos credores. E nesse ano de 2011, a BB ainda fez pagamentos a fornecedores de 102.108,16 €, de impostos 1.978,49 €, a pessoal de 127.034,88 €, de financiamentos 562.086,68 €, dos quais 164.093,30 € de reembolso de suprimentos ao sócio EE e empréstimo de 5.538,25 € e de juros 10.465,75 € (n.º 69 dos factos apurados), a manifestar alguma liquidez.

Mesmo o reembolso de suprimentos não é ilícito e não funda a pretendida ilação de que os administradores actuaram em detrimento da solvência do crédito da Autora. Poderia, no entanto, ter sido impugnado pelos meios específicos de protecção dos credores.

Para além disso, sempre importaria apurar que os administradores agiram com culpa, cabendo o ónus de tal prova ao credor, sem olvidar que a responsabilização dos administradores da sociedade devedora só ocorreria se eles diminuíssem ou dissipassem o património social em violação de leis destinadas a proteger os credores[29]. A demandante não invocou sequer qualquer norma que, com tal perímetro de protecção dos credores, tivesse sido violada pelos Réus e, transpondo o exposto para o acervo factual dado como provado, concluímos não haver elementos bastantes para responsabilizar os administradores da devedora perante a credora. Ora, impendendo sobre a Autora o ónus de provar todos os requisitos da responsabilidade civil que lhes assaca (artigos 483º/1 e 342º/1 do Código Civil), sobre ela recaem as desvantagens dessa ausência de prova e soçobra a sua correspondente pretensão”.


Diremos, para concluir, que a actuação dos réus, conforme resulta da factualidade provada, insere-se no âmbito de uma actividade corrente na vida das sociedades, não havendo provas de que tal actuação tenha obedecido ao propósito de impedir ou dificultar o pagamento do crédito da autora.


A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOCIETÁRIA


Alega a recorrente que as sociedades recorridas e os seus referidos sócios e administradores, com base no Instituto da desconsideração da personalidade jurídica colectiva, que assenta num princípio que vincula os sócios e administradores das sociedades comerciais a respeitarem as finalidades que a lei assinala a essas sociedades, também devem ser condenados solidariamente a pagar à recorrente as referidas quantias.


Salvo pontual estatuição (artigos 84º, 501º e 270º-F/4 do CSC), o instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva não tem consagração expressa no nosso ordenamento jurídico e foi a sua construção doutrinal que o corporizou em função das teorias do abuso ou da penetração institucional e da aplicação da norma ou do fim da norma.

“ No contexto da primeira, afasta-se a separação entre a sociedade e o sócio sempre que a utilização da pessoa jurídica é desconforme à ordem jurídica, recorrendo-se ao conceito de abuso do direito. (…) No contexto da segunda, os concretos problemas do afastamento da personalidade resolvem-se tomando em conta o sentido e a finalidade das normas no quadro do ordenamento jurídico geral[30].


E continua a mesma autora:

“Em Portugal, o afastamento da personalidade jurídica foi invocado pela primeira vez, tanto quanto se sabe, por FERRER CORREIA, em 1948 (sete anos antes de ROLF SERICK ter baptizado e desenvolvido a teoria). A verdade é que (ainda) hoje não há nenhuma norma de carácter geral que o consagre.

Não é fácil, por isso, reconhecer-se-lhe a categoria de instituto jurídico — de instituto jurídico autónomo — e isto repercute-se na sua aplicação (rara).

Tentou-se suprir a insuficiência, convocando vários institutos — sem grande sucesso. Os institutos convocados não abrangem todos os casos e são, também eles, imprecisos. O que mais bem se harmoniza com o afastamento é o abuso do direito (cfr. art. 334.º do CC), na modalidade do abuso institucional — uma vez que está em causa não exactamente um abuso do direito (não o direito de constituir sociedades comerciais ou de exercer actividades por meio delas nem o direito de invocar a separação patrimonial) mas um abuso do instituto (a personalidade jurídica das sociedades comerciais ou a separação dos patrimónios) ”[31].


Ora, a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial significa o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros, ou seja, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que actuam por detrás dela.

Como também diz Pedro Cordeiro[32]:

“ Todas as instituições de criação humana estão sujeitas a abusos. A esta realidade também o instituto sociedade comercial não se furta. Como Fischer reconhece, até a melhor lei possível não poderá impedir totalmente o abuso, a fraude ou a sua própria insuficiência”.

Nos casos de desconsideração o que se passa é que a própria pessoa colectiva foi desviada da rota que o ordenamento jurídico lhe traçou. A sociedade é utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade[33].


Alguma jurisprudência portuguesa também se pronunciou sobre o assunto.

O Acórdão do STJ de 07.11.2017[34] decidiu nos seguintes termos:

“O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros.

Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa-fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”.


E ainda o acórdão do STJ de 10.05.2016[35]

“A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, “disregard of legal entity”, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação”.


Também o Acórdão do STJ de 12.05.2011 deu contributo sobre o tema:[36]

“Como é sabido, o ordenamento jurídico acolhe, a par das pessoas singulares, as pessoas colectivas. Comporta, assim, no seu seio, novos entes dotados de personalidade jurídica. Desta personalidade jurídica emerge a titularidade de direitos e obrigações autónomos e, inerentemente, além do mais, a distinção entre as pessoas singulares que são, ao mesmo tempo, membros da pessoa colectiva e esta. Os direitos e as obrigações duns não se confundem com os direitos e obrigações dos outros.

Veio-se, porém, ao longo do tempo, a constatar que casos havia em que o conceder à linha demarcadora um valor absoluto não seriam de admitir. Paulatinamente, doutrina e jurisprudência anglo-americanas e alemãs, foram construindo a figura – que cremos ainda em forte evolução – da desconsideração da personalidade jurídica das pessoas colectivas ou, porque, de longe, reportada a maior parte das vezes a sociedades comerciais, a figura da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais.

Já Castro Mendes afirmava que: “Não devemos antropomorfizar a pessoa colectiva a ponto de perdermos de vista que – ao contrário da pessoa singular, fim em si mesma – ela não é mais que um instrumento de realização de interesses humanos. Inclusivamente, a personificação pode ser, ou passar a ser, instrumento de abuso; e deve neste caso ponderar quais os verdadeiros interesses humanos em causa. Esta atitude é o que os juristas anglo-saxónicos chamam romper o véu da pessoa colectiva”(Teoria Geral do Direito Civil, ed. da AAFDL, I, 246). No mesmo sentido, se pode ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 141, nota de pé de página, dizendo também Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 183) que a “autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas é susceptível de ser abusada.” Por sua vez, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, I, Tomo III, 617 e seguintes), ainda que afastando-se da terminologia habitual, tece longas considerações sobre esta figura, à qual Pedro Cordeiro (A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais) dedicou também aturado estudo.

Segundo este autor (ob. cit., pág. 19), deve entender-se por desconsideração “o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam”. Existe, na desconsideração, um atingimento de pessoa jurídica diferente da visada. Será directa, se se ultrapassar a sociedade para atingir os sócios e indirecta se se partir dos sócios, se atingir a sociedade (cfr-se, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, IV, 58).

Pelo menos em grande parte dos casos, a desconsideração ocorre por exigência da boa fé (assim Menezes Cordeiro, ob. e vol. cit.s, 648). A lei não contem referência expressa àquela figura, mas as dimensão deste princípio – emergente, no essencial do que aqui nos importa, do artigo 762.º, n.º2, concatenado com o artigo 334.º, ambos do Código Civil – alcança-a”.


Dentre os casos enquadrados pela doutrina na figura da desconsideração da personalidade jurídica conta-se o controlo da sociedade por um sócio, mas esse mero controlo não desencadeia, só por si, qualquer tipo de reacção jurídica. É necessário que o sócio use o controlo societário para a satisfação dos seus interesses pessoais, de carácter extrassocial, que não tenham em vista o lucro para o património social, antes redundem em prejuízo do ente societário e dos credores sociais[37].

Assim, o recurso ao instituto do levantamento da personalidade colectiva tem em vista corrigir comportamentos ilícitos de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, actuando em abuso do direito, em fraude à lei ou com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros e, apesar disso, quando essa conduta envolva um juízo de reprovação ou censura e não exista outro fundamento legal que a invalide[38].


Importa agora, no caso concreto, tomar posição sobre se deve ser tomado em conta o caminho da desconsideração da personalidade jurídica.


Reproduzimos o excerto do acórdão recorrido que tão acertadamente decidiu sobre o assunto:

“ Ao contrário do que ajuíza a autora, não contemplam os factos provados comportamentos ilícitos do réu António Catanho que tenham gerado prejuízo à sociedade. Nem a compra das acções da DD, para além de não ter um cariz ilícito, gerou prejuízos no património da sociedade adquirente, como já referenciámos, nem está apurado qualquer fraude à lei ou intenção de defraudar o património da BB. O negócio parece ter correspondido – não há indícios que contrariem tal juízo - a um acto gestionário, do qual não emerge ilicitude e mesmo que tenha constituído um negócio de insucesso financeiro não traduz um acto abusivo que legitime o levantamento da personalidade jurídica da sociedade para, por essa via, responsabilizar directamente os sócios pelos danos correspondentes (sublinhado nosso).

Aportados estes princípios à situação de domínio da CC, a que também apela a recorrente, exige-se a demonstração de que o interesse social da sociedade dominada foi sacrificado pelo interesse da sociedade dominante de modo a causar prejuízos no património social daquela e, reflexamente, nos direitos dos credores sociais em verem satisfeitos os seus créditos sobre a sociedade dominada. Para tanto, seria essencial provar que houve uma actuação em prejuízo dessa sociedade, identificar os actos danosos e as respectivas consequências no património social[39]. É que nos casos em que “a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas, com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios, o levantamento da personalidade jurídica societária conduz à imputação de tais actos aos sócios por eles responsáveis[40].

Não temos aqui uma situação factual que se reconduza a um uso ilícito ou abusivo da personalidade colectiva para prejudicar terceiros, numa utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura à conduta do sócio, que deve revelar-se ilícita, impondo verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso do direito[41].

Embora a demandante qualifique de ilícitas as condutas societárias, incluindo a compra das acções da DD, nada está apurado que infirme a normalidade dos actos dos demandados, designadamente que os mesmos tiveram em vista a optimização da rentabilidade das sociedades ou a sustentabilidade financeira de algumas delas. Mesmo que tivéssemos por adquirido o carácter ruinoso do negócio da compra das acções não estariam reunidas condições para levantar o véu da personalidade jurídica da BB e responsabilizar os seus administradores pelos danos correspondentes. Para tanto, teria de estar demonstrada a ilicitude e o carácter culposo da sua conduta. Destarte, também não é esta via de análise que aporta êxito à formulação indemnizatória da autora.


Finalmente, invoca a recorrente, na conclusão 22ª, a responsabilidade dos fiscalizadores, que resulta do facto de não terem tomado as iniciativas devidas, para que os factos, resumidamente referidos na conclusão 19ª, não tivessem ocorrido.

Por isso devem também ser condenados solidariamente com os demais demandados, e na mesma medida que estes, com base no disposto nos artigos 81º e 82º do C.S.C.


Cumpre decidir.

O artigo 82º do CSC, sob a epígrafe “Responsabilidade dos revisores oficiais de contas”, preceitua que:

“1. Os revisores oficiais de contas respondem para com a sociedade e os sócios pelos danos que lhes causarem com a sua conduta culposa, sendo-lhes aplicável o artigo 73º.

2. Os revisores oficiais de contas respondem para com os credores da sociedade nos termos previstos no artigo 78º”.


Quanto à responsabilização da sociedade “II & ASSOCIADOS, SROC, S.A”, na qualidade de revisora oficial de contas das sociedades anónimas demandadas, e do seu sócio, o réu JJ, não se tendo apurado quaisquer actos ilícitos das sociedades ou dos seus administradores não lhes é imputável qualquer omissão no controlo da legalidade da gestão das sociedades demandadas.


Sublinhamos, em jeito de conclusão, a parte final do acórdão recorrido:

“Reafirmamos a posição da sentença recorrida no sentido de que o direito da autora poderia merecer acolhimento e a correspondente tutela jurídica se a mesma tivesse, oportunamente, recorrido aos meios gerais de conservação da garantia patrimonial, nomeadamente a impugnação pauliana (artigos 610º a 618º do Código Civil), a declaração de nulidade dos actos ou a acção de sub-rogação do credor ao devedor (artigos 606º a 609º do Código Civil ex vi artigo 78º/2 do CSC) ou mesmo requerendo a insolvência da sociedade, já sem qualquer actividade produtiva. Não foi essa a opção assumida, decerto por fundadas razões inapreensíveis nestes autos, e do explanado redunda a improcedência da apelação e a consequente confirmação da sentença sindicada, assim ficando prejudicada a análise da excepção de prescrição, objecto de ampliação do recurso pelos réus (artigos 608º/2 ex vi 663º/2, ambos do CPC)”.


Deste modo, improcedem todas as conclusões das alegações da recorrente.



III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido

Custas pela recorrente.

Lisboa, 09 de Maio de 2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Paula Sá Fernandes

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[1] Ac STJ de 13/11/2012, in www.dgsi.pt Proc.º nº 10/08.0TBVVD.G1.S1/jstj
[2] Proc.º nº 645/05.2TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[3] Proc.º nº 8609/03.4TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[4] Proc.º nº 350/98.4TAOLH.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[5] Proc.º nº 1965/04.9TBSTB.E1.S1, in www.dgsi.pt/ jstj
[6] Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia, Cadernos de Direito Privado nº 44, Outubro/Dezembro de 2013, pp. 29 e ss.
[7] Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 653.
[8] Estudos sobre o novo Processo Civil, pág. 348.
[9] Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª edição, 2004, pág. 545.
[10] BMJ 360 (Suplemento), pág. 195, citado por Lopes do Rego, loc e ob cit.
[11] Lopes do Rego, ob cit, em anotação ao artigo 712º, pág. 610.
[12] Antunes Varela, ob cit pág. 653 a 655.
[13] Lebre de Freitas,  Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2ª edição, pág. 660.
[14] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil- Os Artigos da Reforma”, 2014, 2ª Edição, Vol I, Almedina, pág588 e 589.
[15] Ac RL de 21.06.2007, Proc.º nº 5629/2007-8, in www.dgsi.pt/jtrl .
[16] Proc.º nº 219/10.6T2VGS.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
[17] Proc.º nº 6628/10.3TBLRA.C1, in www.dgsi.pt/jtrc
[18] Os Grupos de Sociedades, Almedina, 1993, págs. 213/214.
[19] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 319.
[20] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 359.
[21] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 361.
[22] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 363.
[23] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 383.
[24] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág.435.
[25] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 484.
[26] José A. Engrácia Antunes, ibidem, pág. 766.
[27] António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, 2009, pág. 275.
[28] Ac STJ de 28/01/2016, processo nº 1916/03.8TVPRT.P2.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[29] In www,dgsi.pt: Ac. do STJ de 28/01/2016, processo 1916/03.8TVPRT.P2.S1; RL de 13/01/2011, processo 26108/09.9T2SNT-A.L1-2.
[30] Catarina Serra, “DESDRAMATIZANDO O AFASTAMENTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (E DA AUTONOMIA PATRIMONIAL) ”in Revista Julgar, nº 9, págs. 113/114.
[31] Loc cit, págs 116-117
[32] A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais”, pág. 17.
[33] Pedro Cordeiro, ob cit, pág, 73, nota 75.
[34] Proc.º nº 919/15.4T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[35] Proc.º nº 136/14.0TBNZR.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[36] Proc.º nº 280/07.0TBGVA.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[37] Maria de Fátima Ribeiro, A Tutela dos Credores da Sociedades por Quotas e a “Desconsideração da Personalidade Jurídica”, Almedina, 2012, pág. 240.
[38] Ac. do STJ de 07/11/2017, citado na nota de rodapé nº 34.
[39] Maria de Fátima Ribeiro, ibidem, pág. 259.
[40] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Tomo III, Almedina, 2009, pág. 648.
[41] In www,dgsi.pt: RC de 3-07-2013, processo P. 943/10.8TTLRA.C1.
[42] Da responsabilidade do relator nos termos do artigo 663º nº 7 do CPC.