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CITAÇÃO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Sumário
- A culpa da demora na citação do R. – a qual apenas se realizou em 11/9/2018 – incumbe, em exclusivo, à A. e, por via disso, não se verificam os requisitos para que seja declarada a interrupção da prescrição com base no disposto no nº 2 do art. 323º do Cód. Civil. - As quatro facturas descriminadas pela A. no requerimento de injunção correspondem ao período de Setembro de 2017 a Dezembro de 2017 (28/9/2017, 28/10/2017, 28/11/2017 e 11/12/2017), sendo que o R. apenas foi citado em 11/9/2018, pelo que o crédito reclamado pela A. já se mostra prescrito, face ao estipulado no art. 10º, nº 1, da Lei nº 23/96, de 26/7, uma vez que já decorreram mais de 6 meses desde a prestação dos serviços em causa até à citação do R., prescrição essa que, como excepção peremptória que é, importa a absolvição do R. da totalidade do pedido formulado pela A. – cfr. art. 576º, nºs 1 e 3, do C.P.C.. (Sumário do Relator)
Texto Integral
P. 17647/18.1YIPTR.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:
EDP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., apresentou requerimento de injunção, contra (…), pedindo que o R. seja condenado no pagamento da quantia de € 8.872,43, acrescida de juros de mora à taxa de 7% ao ano, desde a data do incumprimento, que perfazem a quantia de € 145,98, de juros de mora vincendos à mesma taxa legal.
Para tanto, alegou, em síntese, que ao abrigo do contrato n.º (…) forneceu ao R. eletricidade para o imóvel aí devidamente identificado. Sucede que o R. não procedeu ao pagamento dos valores que constam das faturas vencidas entre Outubro de 2017 e Janeiro de 2018, faturas essas que são devidas a título do fornecimento de eletricidade por parte da A.
Em sede de oposição, veio o R. defender-se apenas por excepção, alegando que o direito da A. a exigir o pagamento dos serviços extinguiu-se por prescrição, por terem decorrido mais de seis meses desde a prestação dos serviços em causa até à citação do R. para a presente ação. Invocou ainda a ineptidão do requerimento de injunção.
No articulado de resposta à oposição veio a A. responder às excepções invocadas pelo R., entendendo que o prazo de prescrição só poderá começar a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, desde a data do vencimento da fatura. Em face do exposto, não pode proceder a exceção da prescrição invocada, pois desde a data do vencimento da fatura peticionada até à data do requerimento de injunção (08.02.2018) não decorreram mais de 6 meses. Além disso, deve ser considerado interrompido tal prazo prescricional cinco dias após a entrada do requerimento de injunção, por força do estipulado no art. 323º, nº 2, do Cód. Civil.
Uma vez que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais provas, a apreciação total do pedido deduzido pela A., foi pela M.ma Juiz “a quo” proferido saneador-sentença, no qual se conheceu imediatamente do mérito da causa, tendo sido julgadas improcedentes a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, bem como a excepção peremptória de prescrição do crédito da Autora. Em consequência, foi a acção julgada parcialmente procedente e, por via disso, foi o R. condenado a pagar à A. a quantia de € 8.872,43, acrescida de juros moratórios à taxa de 4%, desde a data do vencimento de cada uma das quatro faturas supradescritas (que até à data da entrada do requerimento de injunção perfazem a quantia de € 84,39), até integral e efetivo pagamento.
Inconformado com tal decisão dela apelou o R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
a) O presente recurso é interposto da douta sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu (…) a pagar à autora EDP Comercial – Comercialização de Energia, S.A., a quantia de € 8.872,43, acrescida de juros moratórios à taxa de 4% desde a data do vencimento de cada uma das quatro faturas supradescritas – que até à data da entrada do requerimento de injunção perfazem a quantia de € 84,39, até integral e efetivo pagamento.
b) De acordo com a matéria de facto dada como provada, assim como da documentação junto aos autos pela Recorrida, torna-se possível constatar de forma medianamente esclarecedora que o atraso na citação destes autos se deveu a culpa exclusiva da EDP;
c) E é da sua exclusiva responsabilidade porque na citação via postal (art. 236.º do Código do Processo Civil), a carta registada com aviso de receção deve ser dirigida ao demandado e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, em conformidade com a indicação feita na petição inicial ou articulado equivalente – alínea a) do n.º 1 do art. 467.º do Código do Processo Civil. Acontece que a Recorrida tinha acesso (porque juntou aos autos tal documento) ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais da titularidade do Recorrente, onde consta o domicílio deste, morada essa onde efectivamente o mesmo veio a ser citado em 11.09.2018.
d) Se o supra referido contrato se destina a arrendamento para fins não habitacionais, torna-se por demais evidente que o local de consumo não coincide com a morada da residência do Recorrente (expressamente descrita naquele documento). A descrição desta morada constava do contrato e a Recorrida não pode alegar que a desconhecia;
e) Acresce que no âmbito desse contrato, as partes haviam acordado que a correspondência seria dirigida para “Rua Doutora (…), n.º 42, Lj, 2900- 541 Setúbal”. Acontece que a Recorrida nem esse endereço contratual descreveu no seu requerimento de injunção, o que revela que esta correu os riscos processuais advenientes da sua própria incúria;
f) Aliás, mesmo que nenhuma desses endereços se encontrasse na posse da Recorrida (que se encontrava efetivamente), esta teria sempre acesso à sua base de dados onde constam os endereços ativos dos seus clientes, bastando socorrer-se dos respetivos contribuintes fiscais;
g) Na citação via postal (art. 236.º do Código do Processo Civil), a carta registada com aviso de receção deve ser dirigida ao demandado e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, em conformidade com a indicação feita na petição inicial ou articulado equivalente – alínea a) do n.º 1 do art. 467.º do Código do Processo Civil;
h) Assim, e ao contrário do que se entende na douta sentença recorrida, a EDP é a única e exclusiva responsável pela não realização da citação no prazo de 5 dias após a data de entrada do requerimento de injunção, pelo que deverá suportar as consequências processuais dessa delonga evitável.
i) Não fez a douta sentença a melhor interpretação dos artigos 323º, 232º e 236º, todos do Código Civil, devendo, em consequência, ser alterada por outra que considere a prescrição dos valores constantes das faturas objeto dos presentes autos. Vossas Excelências farão a habitual Justiça.
Pela A. não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1][2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3][4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se se verifica a excepção peremptória da prescrição relativamente aos créditos reclamados pela A. na presente acção.
Antes de apreciar a questão suscitada pelo recorrente importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever: 1. A autora é uma empresa que se dedica à compra e venda de energia, sob a forma de eletricidade e outras, bem como ao exercício de atividades e prestações de serviços afins e complementares daquelas. 2. No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com o Réu o contrato n.º (…) para o fornecimento de energia elétrica para o local de consumo sito na Rua (…), n.º 33, 2900-395 Setúbal. 3. Dispõe a cláusula 3.ª do referido contrato que “A título de contrapartida pelo fornecimento objeto do presente contrato, o cliente obriga-se a pagar um preço global, em euros, que corresponde ao somatório dos valores resultantes da aplicação dos números 2 e 3 da presente cláusula”. 4. Nessa conformidade, a autora forneceu ao réu energia elétrica na morada descrita no ponto 2., tendo emitido as seguintes faturas: i. Fatura n.º (…), no valor de € 6.346,08, relativa ao período entre 29.08.2017 e 28.09.2017, emitida em 28/09/2017 e vencida em 25/10/2017; ii. Fatura n.º (…), relativa ao período entre 29.09.2017 e 28.10.2017, no valor de € 182,95, emitida em 28/10/2017, vencida em 20/11/2017; iii. Fatura n.º (…), relativa ao período entre 29.10.2017 e 28.10.2017, no valor de € 189,13, emitida em 28/11/2017, vencida em 20/12/2017; iv. Fatura n.º (…), no valor de € 2.154,27, relativa ao período entre 29.10.2017 e 11.12.2017, emitida em 11/12/2017, vencida em 05/01/2018; 5. Em 08.02.2018, a autora apresentou no Balcão Nacional de Injunções o requerimento de injunção. 6. Em 12.02.2018, o Balcão Nacional de Injunções tentou citar o réu para a morada referida em 2., mas a carta veio devolvida com a menção ‘mudou-se’, com data de registo em 01.03.2018. 7. Em 10.08.2018, o Balcão Nacional de Injunções realizou pesquisas para apuramento da morada do réu. 8. Em 11.09.2018, o réu foi citado para se opor ao requerimento de injunção na seguinte morada: “Rua Engenheiro (…), n.º 5, 3.º esquerdo, Setúbal”. 9. No âmbito da celebração do contrato referido em 2., as partes acordaram que a morada para envio da correspondência seria a “Rua Doutora (…), n.º 42, Lj, 2900-541 Setúbal”.
Apreciando, de imediato, a questão suscitada pelo R. – saber se se verifica a excepção peremptória da prescrição relativamente aos créditos reclamados pela A. na presente acção – importa dizer a tal respeito que a Lei nº 23/96, de 26/7 (Lei de protecção dos serviços públicos essenciais) inserida na “ordem pública de protecção“, concretizou a tutela geral do consumidor, criando mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente, o serviço de fornecimento de energia eléctrica.
Assim, com a entrada em vigor da referida Lei n° 23/96, pretendeu-se, inequivocamente, não só salvaguardar o utente das entidades com as quais se vê obrigado a contratar, mas também a defendê-lo de si próprio relativamente à possibilidade de sobre - endividamento por consumo de bens que tendem a satisfação de necessidades primárias, básicas e essenciais dos cidadãos.
O art. 10º da Lei nº 23/96, na sua actual redacção (dada pelo art. 1º da Lei nº 12/2008, de 26/2), estipula que: 1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. 2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento. 3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data limite fixada para efectuar o pagamento. 4 - O prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos. 5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.
Ora, tendo por base a actual redacção do citado art. 10º, resulta claro que o legislador quis consagrar uma das orientações que era já defendida em face da redacção originária do referido artº 10º, mais concretamente a posição que sustentava ser o prazo de seis meses previsto, um prazo de prescrição do direito ao pagamento dos serviços, o qual se contava a partir da prestação dos mesmos.
Deve, pois, considerar-se que a nova lei se assume como claramente interpretativa, integrando-se, por isso, na lei interpretada, sendo que a própria intenção que presidiu à criação da lei de proteger o consumidor final, contra a acumulação de dívidas de fácil contracção, evitando que se vissem confrontados com a exigência de débitos acumulados que dificilmente poderiam satisfazer, confirma aquela orientação legislativa, determinando, assim, que os prestadores de serviços mantenham uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo.
Consagra-se uma prescrição extintiva dos créditos provenientes de serviços públicos essenciais, como o fornecimento de energia eléctrica.
O reconhecimento do instituto da prescrição nos termos enunciados decorre da conceptualização do próprio instituto, por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não exercitados durante o período de tempo para tanto fixado na lei – cfr., nesse sentido, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II, 1974, pág. 445.
Nos termos do art. 298º, nº 1, do Cód. Civil, estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
Ora, a figura da prescrição assenta num facto jurídico não negocial (o decurso do tempo), tendo na sua génese o não exercício dum poder, uma inércia de alguém que, podendo ou devendo actuar para realizar um direito, se abstém de o fazer – cfr., nesse sentido, Dias Marques, Prescrição Extintiva, Coimbra, 1953, pág.4.
Com efeito, a prescrição do direito tem como principal fundamento a negligência do titular do direito em exercitá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou, pelo menos, o torna indigno de ser merecedor de protecção jurídica, embora, reconheçamos, a existência de outras razões justificativas à extinção do direito, que se prendem com a certeza e a segurança do tráfico jurídico, a protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância temporal, e exercer pressão sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.
Embora visando satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, desse modo, proteger o interesse do sujeito passivo, o instituto da prescrição extintiva atende ao desinteresse ou inércia negligente do titular do direito.
Para ser eficaz, a prescrição necessita de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita – art. 303º do Cód. Civil – sendo de observar que completado o prazo de prescrição sem que o titular do direito tenha praticado os actos necessários e com virtualidade de obstar àquela, interrompendo-a, pode o devedor, nos termos do art. 304º, nº 1, do Cód. Civil, recusar a prestação ou opor-se ao exercício do direito, como sucedeu no caso em apreço.
Na verdade, com a entrada em vigor do diploma que veio criar mecanismos de protecção do utente de serviços públicos essenciais, a prescrição como facto extintivo de obrigação que o utente do serviço público essencial haja assumido, já não carece do decurso do prazo de cinco anos do art. 310º do Cód. Civil, bastando-se, assim, com os seis meses estabelecidos no nº 1 do art. 10º da Lei nº 23/96, de 26/7.
Para conferir um maior grau de protecção ao utente do serviço, o sistema jurídico deixou, assim, de aplicar a estas situações o prazo consagrado no Código Civil.
Reclamando a especial natureza dos serviços em causa foi entendido impor ao respectivo prestador do serviço público essencial previsto no art. 1º da Lei nº 23/96, a obrigação de exercer o seu direito de crédito no prazo de seis meses, contado a partir do momento em que o possa fazer, ou seja, do termo de cada período da relação mensal obrigacional duradoura e de execução continuada.
Além disso, importa ter presente que, para se ter por exercido o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado, a que se reporta o citado n° 1 do art. 10º, da Lei nº 23/96, não basta ao prestador do serviço proceder à emissão e entrega da factura/recibo no prazo de seis meses ali fixado, já que tal interpelação apenas releva para efeitos de determinação do momento da constituição do utente em mora, nos termos do art. 805º do Cód. Civil.
Conforme foi sustentado por Calvão da Silva, em anotação ao Ac. da R.P. de 28/6/1999, in RLJ, ano 132.º, págs. 135 e segs.: "não pode pensar-se que o n°. 1, do artigo 10.º da Lei n.° 23/96, valha (só) para a liquidação da dívida, enquanto para o crédito assim apurado ou liquidado se continuaria a aplicar a al. g) do artigo 310.º do Código Civil" (…) "semelhante interpretação não tem fundamento válido, consistente, constituiria um non sense e seria mesmo contra-legem."
Daqui decorre que a aludida norma da Lei n°. 23/96, de 26 de Julho (art. 10º, nº 1), operou uma redução substancial do prazo de prescrição dos créditos periódicos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como é o serviço de fornecimento de electricidade, cujo decurso, em razão da natureza extintiva ou liberatória da prescrição, confere ao utente a possibilidade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, de qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, podendo mesmo dizer-se, como já acima tínhamos referido, ter o diploma em análise o objectivo de sancionar a indiferença e a inércia do credor em fazer prevalecer ou exigir o seu direito, de tal sorte que a prescrição extintiva semestral converte a obrigação civil em obrigação natural.
Concluindo, forçoso é reconhecer que, com a Lei n° 23/96, o legislador quis estabelecer um prazo prescricional novo e mais curto do que o previsto no Cód. Civil, dentro do qual cumpre à entidade gestora, não só proceder à apresentação da factura como, não sendo voluntariamente paga a obrigação pecuniária, praticar qualquer acto com eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo de prescrição, como seja a citação ou a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, nos termos do art. 323°, n° 1, do Cód. Civil.
Por outro lado, haverá que ter presente que o acto que consubstancia a instauração da acção não tem, em si mesmo, efeito interruptivo da prescrição, pois, na verdade, não consta das normas do direito substantivo civil atinentes à interrupção da prescrição (cfr. arts. 323º a 327º do Cód. Civil), ou, no limite, que a demora na citação se deveu a razões de pura orgânica judiciária ou logística.
Com efeito, o nosso ordenamento jurídico estabelece no respectivo direito substantivo civil, por forma inequívoca, os actos a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição.
Ora, são apenas os seguintes actos, aqueles a que é atribuído efeito interruptivo da prescrição:
a) A citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (art. 323º, nº 1, do Cód. Civil), ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (art. 323º, nº 4, do Cód. Civil);
b) O compromisso arbitral (art. 324º, nº 1, do Cód. Civil);
c) O reconhecimento do direito (art. 325º, nº 1, do Cód. Civil).
O acto e o momento a que a lei concede relevância para produzir o efeito interruptivo da prescrição não é o da sua prática pelo titular do direito (credor), mas sim, o acto e o momento em que chega ao conhecimento do obrigado que o direito foi ou vai ser exercício pelo credor.
O acto de propositura da acção judicial para o exercício de um direito de crédito só chega ao conhecimento do demandado através da citação (cfr. art. 219º, nº 1, do C.P.C.), salvo se antes tiver havido notificação judicial para esse fim, o que equivale por dizer que o efeito interruptivo da prescrição só se produz no momento em que esse facto chega ao conhecimento do demandado, através do acto de citação.
Neste particular, dever-se-á também ter em consideração o nº 2 do art. 323º do Cód. Civil que consubstancia um mecanismo criado pelo legislador para desonerar o credor das consequências imputáveis ao Tribunal, nos casos de demora na citação.
Assim, preceitua o citado nº 2 do art. 323º que: - "Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias".
A este propósito, cumpre-nos adiantar que a redacção deste preceito é bem clara no sentido de que a respectiva aplicação está subordinada a dois propósitos, quais sejam, de uma parte, a citação ou notificação judicial ter sido requerida pelo interessado, e, por outro lado, não ter sido realizada no prazo de cinco dias por causa não imputável ao requerente, sendo entendimento da jurisprudência que a expressão "causa imputável ao requerente" tem de ser interpretada no sentido de causalidade objectiva, isto é, só deverá ser imputada ao autor, a verificada demora na requerida citação, nos casos em que o autor/requerente postergue, de modo objectivo, qualquer regra/preceito que seja determinante e esteja ligada com a tramitação processual até à citação, entendimento este também aprovado pela nossa doutrina ao sustentar não ser razoável repercutir na espera jurídica do autor as consequências da demora na concretização da citação por razões de pura orgânica judiciária ou logística.
Em anotação ao referido preceito legal – art. 323º, nº 2 – afirmam Pires de Lima e Antunes Varela que: - “Se a citação ou notificação é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição. Atende-se, neste caso, ao momento da citação ou notificação. Se é feita, posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados os cinco dias. Se a culpa da demora é do requerente, atende-se ao momento da citação ou notificação”.
Voltando agora ao caso em apreço constata-se que se apurou nos autos que, no contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre as partes, ficou expressamente acordado quea morada para envio da correspondência seria a “Rua Doutora (…), n.º 42, Lj, 2900-541 Setúbal”, ou seja uma morada bem diferente do local de consumo onde era fornecida a energia eléctrica, sito na “Rua (…), n.º 33, 2900-395 Setúbal” (morada esta para a qual foi tentada a citação do R. por indicação da A. no cabeçalho da respectiva injunção).
Além disso, com o contrato celebrado entre A. e R., para o fornecimento de energia eléctrica, foi junto o contrato de arrendamento que o R. havia celebrado com o respectivo senhorio, no qual se refere expressamente que o mesmo se destinava a fins não habitacionais e onde consta também qual é, afinal, a morado do domicílio do R. – “Rua Engenheiro (…), n.º 5, 3.º esquerdo, Setúbal”.
Ora, com a entrada em juízo da injunção, verifica-se que a A., em vez de indicar como moradas para a citação do R., aquela que ficou expressamente convencionada no contrato entre ambos celebrado – Rua Doutora (…), n.º 42, Lj, 2900-541 Setúbal – e/ou aquela outra que consta do contrato de arrendamento para fins não habitacionais como sendo a do domicílio do R. – Rua Engenheiro (…), n.º 5, 3.º esquerdo, Setúbal – indicou, afinal, não será demais repetir, a morada do local de consumo da energia eléctrica – Rua (…), n.º 33, 2900-395 Setúbal – ou seja, uma morada não convencionada entre as partes e que, de todo em todo, também não era a do domicílio do R.!
Isto porque, também resultou apurado nos autos que o R. foi citado para, querendo, deduzir oposição, na morado do seu domicílio, ou seja, na Rua Engenheiro (…), n.º 5, 3.º esquerdo, Setúbal!
Na verdade, provou-se que em 8/2/2018, a A. apresentou no Balcão Nacional de Injunções o requerimento de injunção, sendo que em 12/2/2018, o Balcão Nacional de Injunções tentou citar o R. para a morada sita na Rua (…), n.º 33, 2900-395 Setúbal (morada indicada pela A. e que era a do local de fornecimento da energia eléctrica), mas a carta veio devolvida com a menção “mudou-se”, com data de registo em 1/3/2018.
Em 10/8/2018, o Balcão Nacional de Injunções realizou pesquisas para apuramento da morada do R., sendo que em 11/9/2018, o R. foi citado para se opor ao requerimento de injunção na seguinte morada: Rua Engenheiro (…), n.º 5, 3.º esquerdo, Setúbal (que é aquela que consta como domicílio do R. no contrato de arrendamento que foi junto ao contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre as partes).
Daqui resulta que a não citação do R., de uma forma célere e tempestiva se deveu, afinal, a uma incúria completa e total da A., pois em vez de requerer, desde logo, a citação do R. na morada convencionada entre as partes e/ou na morada do seu domicílio (as duas, repete-se, do conhecimento da A.), veio requerer a citação do R. na morada que constituía o local de fornecimento da energia eléctrica, morada essa que bem sabia, ou devia saber, não ser a da residência do R., nem a que tinham acordado entre eles, pelo que esta conduta descuidada e temerária da A. – que devia prever que o R., muito provavelmente, podia não ser citado na morada que indicou, como, efectivamente, veio a suceder – só à mesma poderá ser imputável, suportando, assim, as consequências processuais dessa delonga perfeitamente evitável!
Deste modo, pelas razões supra referidas, forçoso é concluir que a culpa da demora na citação do R. – a qual apenas se realizou em 11/9/2018 – incumbe, em exclusivo, à A. e, por via disso, não se verificam os requisitos para que seja declarada a interrupção a prescrição com base no disposto no nº 2 do art. 323º do Cód. Civil.
Por outro lado, como vimos supra, a prestação de serviços de fornecimento de energia eléctrica está sujeito à disciplina da Lei nº 23/96, de 26/7, sendo que o art. 10º, nº 1, da referida Lei, já acima transcrito, estatui que o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
Ora, as quatro facturas descriminadas pela A. no requerimento de injunção correspondem ao período de Setembro de 2017 a Dezembro de 2017 (28/9/2017, 28/10/2017, 28/11/2017 e 11/12/2017), sendo que o R. apenas foi citado nestes autos em 11/9/2018, pelo que o crédito reclamado pela A. já se mostra prescrito.
Com efeito, o direito da A. exigir o pagamento dos serviços fornecidos ao R. (energia eléctrica) extinguiu-se por prescrição, uma vez que já decorreram mais de 6 meses desde a prestação dos serviços em causa até à citação do R.
Nestes termos, resulta claro que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, tendo decorrido mais de 6 meses entre a prestação do serviço e a citação do R. (facto este interruptivo da prescrição, de harmonia com o estipulado no nº 1 do citado art. 323º), resulta claro estar prescrita a dívida reclamada pela A. nestes autos, prescrição essa que aqui se declara para os devidos e legais efeitos e que, como excepção peremptória que é, importa a absolvição do R. da totalidade do pedido formulado pela A. – cfr. art. 576º, nºs 1 e 3, do C.P.C..
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
Decisão:
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pelo R. e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, nos exactos e precisos termos acima explanados (absolvendo-se o R. da totalidade do pedido formulado pela A.).
Custas pela A., ora apelada.
Évora, 12 de Junho de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).