PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
DESOBEDIÊNCIA
FALTA
PASSADO DISCIPLINAR
Sumário

I - A nota de culpa é a peça essencial do procedimento disciplinar laboral, porque é ela que delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa para o culpabilizar.
II - A nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar, descrever o modo como os factos foram praticados e indicar por quem, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar, correctamente, a sua defesa.
III - A ausência ao trabalho durante 2h50m não integra nenhuma das situações previstas na alínea g) do n.º 2, do artigo 351.º do CT, quando inicialmente autorizada para 15 minutos.
IV - Resulta da experiência comum que uma ida ao banco, tanto pode demorar 10/15 minutos, como 30 minutos ou mais, dependendo do número de clientes para atender. E a alegada demora prolongada no atendimento, sendo um factor externo ao elemento evolitivo do trabalhador, não lhe poderá ser imputada, sem mais elementos de facto, para efeitos de violação do dever de obediência.
V - O passado disciplinar de qualquer trabalhador, não constitui, só por si, fundamento para a justa causa de despedimento.

Texto Integral

Proc. n.º 4714/17.8T8VNG.P1
Origem: Comarca Porto - V.N. Gaia - Juízo Trabalho J3.
Relator - Domingos Morais – Registo 816
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. - B… apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de Processo de Trabalho (CPT), na Comarca Porto - V.N. Gaia - Juízo Trabalho J3.
- C…, frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado para motivar o despedimento com justa causa, alegando, em resumo, que:
“12º No dia 22/02/2017, segunda-feira, cerca das 14,40 horas, o A. ausentou-se das instalações da empregadora, pelo período de 15 minutos, com prévia autorização do seu superior hierárquico, para tratar de assunto pessoais, mais propriamente ir ao banco.
13º Depois desse período, o A. foi procurado, por diversos colaboradores, em vários locais das instalações, não sendo encontrado.
14º Cerca das 17,30 horas, foi encontrado pelo Dr. D…, director de serviços, nas traseiras do edifício,
15º Perguntado sobre o motivo de tão prolongada ausência, o A. respondeu que tinha regressado às instalações cerca das 16,00 horas,
16º Perguntado sobre o serviço que tinha efectuado, o A. respondeu que respondeu que esteve “no jardim a tratar das folhas”.
17º Confrontado pelo referido director de serviços, que tal não correspondia à verdade, pois tinha sido procurado e não foi encontrado nas instalações da empregadora,
18º O A. persistiu na sua versão, não esclarecendo o período da sua ausência nem o serviço que efectivamente tinha realizado.
19º O A. não registou, no sistema de controle de presença, o momento do seu regresso às instalações da empregadora.”.

Terminou, concluindo: “Deve a presente acção ser julgada improcedente por não provada e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido.”.
2. - Notificado, o autor apresentou contestação, impugnando, parcialmente, a factualidade alegada pela ré, e pedindo: “deve ser julgada procedente, por provada, a presente ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e, consequentemente,
i) Ser declarado ilícito o despedimento do autor;
ii) Ser a ré condenada a pagar ao autor as retribuições que deixou desde o despedimento até à sua efetiva reintegração, sem qualquer prejuízo, nomeadamente quanto à sua antiguidade.”.
3. – A ré respondeu, alegando, além do mais, a extemporaneidade da contestação apresentada pelo autor.
4. – Por despacho de 29.9.2018, a Mma Juiz não admitiu a contestação do autor, por extemporânea.
5. - E proferiu sentença, decidindo:
“Pelo exposto, julgo improcedente a presente acção que o trabalhador B… intentou contra a entidade empregadora C…, absolvendo-se esta do pedido formulado por aquele.
Custas a cargo do trabalhador B…, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia.
Fixa-se à causa o valor de €2.000,00 – art. 98.º-P, n.º 1 e n.º 2, do Cód. Processo Tribunal.”.
6. – O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação,
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9. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“1 - A entidade empregadora “C…” é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), registada na respetiva Direcção-Geral sob o n.º 15/02, a fls. 45, 45-v e 46 do livro 9 das Associações de Solidariedade Social, conforme documento n.º 1 junto a fls. 20 verso dos autos, e que se dedica a responder às carências e necessidades da população deficiente da área geográfica onde está implantada, em diversas respostas sociais, designadamente Lares Residenciais (LR), Centros de Actividades Ocupacionais (CAO) e sócio-educativo. - Arts. 1.º, 4.º e 5.º do articulado do empregador.
2 - O trabalhador B… foi admitido ao serviço da entidade empregadora com a categoria de Auxiliar de Serviços Gerais (ASG), em 01/04/2011. - Art. 3.º do articulado do empregador.
3 - No dia 22/02/2017, segunda-feira, cerca das 14,40 horas, o trabalhador ausentou-se das instalações da empregadora, pelo período de 15 minutos, com prévia autorização do seu superior hierárquico, para tratar de assunto pessoais, mais propriamente ir ao banco. - Art. 12.º do articulado do empregador.
4 - Depois desse período, o trabalhador foi procurado, por diversos colaboradores, em vários locais das instalações, não sendo encontrado. - Art. 13.º do articulado do empregador.
5 - Cerca das 17,30 horas, foi encontrado pelo Dr. D…, director de serviços, nas traseiras do edifício. - Art. 14.º do articulado do empregador.
6 - Perguntado sobre o motivo de tão prolongada ausência, o trabalhador respondeu que tinha regressado às instalações cerca das 16,00 horas. - Art. 15.º do articulado do empregador.
7 - Perguntado sobre o serviço que tinha efectuado, o trabalhador respondeu que respondeu que esteve “no jardim a tratar das folhas”. - Art. 16.º do articulado do empregador.
8 - Confrontado pelo referido director de serviços, que tal não correspondia à verdade, pois tinha sido procurado e não foi encontrado nas instalações da empregadora, o trabalhador persistiu na sua versão, não esclarecendo o período da sua ausência nem o serviço que efectivamente tinha realizado. - Arts. 17.º e 18.º do articulado do empregador.
9 - O trabalhador não registou, no sistema de controle de presença, o momento do seu regresso às instalações da empregadora. - Art. 19.º do articulado do empregador.
10 - O trabalhador já havia sido sancionado, em 04/12/2014, com 15 (quinze) dias de suspensão com perda de retribuição, pela prática dos factos descritos no documento 3, junto a fls. 29 a 32 frente dos autos, designadamente (além de outros), pelos seguintes factos: no dia 11/11/2014, após ter entrado ao serviço nas instalações da entidade empregadora, ter saído cerca das 9h30m apenas regressando às 11h25m, sem ter informado ou pedido autorização aos seus superiores hierárquicos, e por no mesmo dia se ter ausentado entre as 16h30m e as 17h45m, e por no dia 12/11/2014 ter saído das instalações da empregadora entre as 13h15m e as 14h20 e entre as 16h40 e as 17h20m. - Art. 21.º do articulado do empregador.
11 - Em 02/10/2015, o trabalhador foi novamente punido, agora com 5 (cinco) dias de suspensão com perda de retribuição, pela prática dos factos descritos no documento 4, junto a fls. 32 verso e 33 dos autos, designadamente, por no dia 30-06-2015 ter retirado das instalações da empregadora sem prévia autorização nem conhecimento desta das máquinas de corte de relva, levando-as consigo, para fazer trabalhos de jardinagem na moradia de uma sua cliente fora do horário de trabalho. - Art. 22.º do articulado do empregador.
12 - Na referida decisão de aplicação da sanção foi referido que a sanção disciplinar que lhe foi aplicada “consistia numa derradeira oportunidade da empregadora de manter a relação laboral existente, considerando a sua actual situação pessoal e familiar”. - Art. 23.º do articulado do empregador.
13 - Por deliberação da direcção da entidade empregadora, foi instaurado processo disciplinar tendente ao despedimento com justa causa, contra o trabalhador B…, com fundamento na participação efectuada pelo seu superior hierárquico, Dr. D…, cuja cópia se encontra junta a fls. 22 frente e verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. - Art. 6.º do articulado do empregador.
14 - O instrutor do processo nomeado em 1 de março de 2017 - Dr. E…, advogado com escritório na Maia, conforme cópia do despacho junta a fls. 21 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido - elaborou a nota de culpa, constante do processo disciplinar tendente ao despedimento com justa causa, junta como documento 2 a fls. 23 verso e 24 frente, com o seguinte teor: «No dia 05 de Abril de 2017, na qualidade de instrutor do processo disciplinar em que é empregadora C… (…),
Deduzo
NOTA DE CULPA
Contra
O trabalhador B…, (…)
Porquanto:
1.º No dia 22/02/2017, segunda-feira, cerca das 14,40 horas, o Arguido ausentou-se das instalações da empregadora, pelo período de 15 minutos, com prévia autorização do seu superior hierárquico, para tratar de assunto pessoais, mais propriamente ir ao banco.
2.º - Depois desse período, o Arguido foi procurado, por diversos colaboradores, em vários locais das instalações, não sendo encontrado.
3.º - Cerca das 17,30 horas, foi encontrado pelo Dr. D…, director de serviços, nas traseiras do edifício,
4.º - Perguntado sobre o motivo de tão prolongada ausência, o trabalhador respondeu que tinha regressado às instalações cerca das 16,00 horas,
5.º - Perguntado sobre o serviço que tinha efectuado, o trabalhador respondeu que respondeu que esteve “no jardim a tratar das folhas”.
6.º - Confrontado pelo referido director de serviços, que tal não correspondia à verdade, pois tinha sido procurado e não foi encontrado nas instalações da empregadora,
7.º - O Arguido persistiu na sua versão, não esclarecendo o período da sua ausência nem o serviço que efectivamente tinha realizado.
8.º - O Arguido não registou, no sistema de controle de presença, o momento do seu regresso às instalações da empregadora.
O Arguido infringiu assim os seus deveres de assiduidade, obediência, zelo, respeito, diligência e produtividade. Pela sua gravidade e consequências, bem como por ter antecedentes disciplinares por factos idênticos, o comportamento do Arguido tona imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, sendo intenção da empregadora proceder ao despedimento com justa causa.
O instrutor
(E…)»
- Art. 7.º do articulado do empregador.
15 - Por carta registada remetida em 08/04/2017, a entidade empregadora procedeu à notificação do trabalhador da Nota de Culpa, bem como da intenção de proceder ao despedimento com justa causa, tudo conforme cópia da carta e registo postal juntos a fls. 24 verso e fls. 25 frente. - Art. 8.º do articulado do empregador.
16 - O trabalhador, notificado da Nota de Culpa, apresentou a sua defesa, não requerendo a produção de qualquer prova, conforme cópia junta a fls. 25 verso, que aqui se dá por reproduzida. - Art. 9.º do articulado do empregador.
17 - Foram considerados provados todos os factos constantes da Nota de Culpa referida em 14., após o que foi proferida a respectiva decisão final de despedimento com justa causa, a qual foi comunicada ao trabalhador por carta registada datada de 17/05/2017 e recebida em 18/05/2017, tudo conforme consta de fls. 26 a 28 dos autos, que aqui se dá por reproduzido. - Arts. 10.º e 11.º do articulado do empregador.”.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, supra transcritas, restrito a matéria de direito.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.Objecto do recurso da ré.
- Da (i)nexistência de justa causa de despedimento.
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3. - Da (i)nexistência de justa causa de despedimento.
3.1. – Sobre a questão da justa causa, a sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“(…). No caso em análise, resulta da fundamentação de facto que, tendo o trabalhador, na sequência de solicitação sua para o efeito, sido autorizado pelo seu superior hierárquico no dia 22/02/2017, pelas 14h40m, para se ausentar do local de trabalho pelo período de 15 minutos, para ir ao Banco, o mesmo esteve ausente do local de trabalho por tempo muito superior, apenas tendo sido detectada a sua presença nas instalações da empregadora às 17h30m.
O trabalhador não registou, no sistema de controle de presença, o momento do seu regresso às instalações da empregadora.
O mesmo referiu que tinha regressado às 16h00 e tinha estado no jardim a tratar das folhas, o que não corresponde à verdade, não tendo justificado a sua ausência nem o serviço que tinha efectivamente realizado.
(…).
Tais comportamentos integram, assim actuações ilícitas, porque violadoras dos deveres (que sobre si recaem) de assiduidade e pontualidade, de realização do trabalho com zelo e diligência e de cumprimento das ordens e instruções do seu superior hierárquico, que apenas o autorizou a ausentar-se no período normal de trabalho do local onde o exercia durante o curto período de 15 minutos, o que o trabalhador não respeitou.
São também actuações culposas (presume-se a sua culpa nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Cód. Civil, sendo que, no caso concreto, não foi ilidida, uma vez que não existe qualquer motivo ou fundamento justificativo da sua conduta). De resto, um trabalhador medianamente diligente e cumpridor das suas obrigações não se ausentaria mais de duas horas, quando apenas foi autorizado a ausentar-se por 15 minutos para se deslocar ao Banco para tratar de assuntos pessoais, sem qualquer outra comunicação e sem apresentação de qualquer justificação, nem procuraria fazer crer que tinha regressado às 16h00 e que tinha estado a executar um serviço que não realizou.
Verificada a existência das actuações ilícitas e culposas do trabalhador (violadoras dos deveres que recaem sobre o trabalhador, nos termos supra referidos, no âmbito da relação contratual estabelecida com a entidade empregadora), cumpre apreciar se as condutas ilícitas e culposas do trabalhador põem, definitivamente, em causa a relação de confiança em que assenta o referido vínculo laboral.
A “impossibilidade de subsistência da relação laboral” a que alude a lei (n.º 1 do art. 351.º do Cód. Trabalho) há-se aferir-se em função da repercussão do comportamento do trabalhador no futuro da relação (vd. Ac. do S.T.J. de 22.05.05, in C.J., t. I, pág. 281, onde se defende, para este efeito, “um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico – o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica frequentes e intensos contacto entre os sujeitos”).
Aqui há que ponderar que esta não é a primeira vez que o trabalhador foi sancionado por violação dos seus deveres para com a entidade empregadora, sendo que já havia sido anteriormente sujeito de um processo disciplinar com a aplicação de sanção de 15 dias de suspensão com perda de retribuição, também por factos em tudo idênticos aos aqui relatados, como resulta da leitura do n.º 10. da fundamentação de facto.
O comportamento do trabalhador evidencia a violação do dever de assiduidade, elemento essencial da relação laboral cujo incumprimento refuta de ofensa à disciplina e objectivos da associação empregadora, de quebra de lealdade à entidade patronal, que lhe é imposto pelo artigo 128.º, nomeadamente, al. b) do CT.
A circunstância de o trabalhador reiterar tal comportamento, de ausência injustificada e não autorizada do local de trabalho, por períodos indeterminados, a despeito da aplicação da anterior sanção de suspensão por 15 dias com perda de retribuição, eleva a gravidade do seu comportamento por forma a colocar em causa, de forma que se afigura irreversível, a base de confiança que se exige na execução das suas funções, tanto mais que além desse comportamento o trabalhador faltou à verdade à entidade patronal, quando confrontado com a verificação dessa sua ausência.
Não se pode, assim, deixar de concluir que, no caso vertente, a repetição pelo trabalhador do mesmo comportamento violador dos seus deveres, comportamento esse que já havia sido anteriormente sancionado, a que acresce ainda uma outra sanção disciplinar subsequente, de 5 dias de suspensão sem vencimento que, embora por factos diferentes, foi aplicada com expressa advertência de que tal sanção “consistia numa derradeira oportunidade da empregadora de manter a relação laboral existente, considerando a sua actual situação pessoal e familiar”, torna impossível a manutenção do vínculo laboral, por afectar de forma irreversível a confiança da entidade empregadora no ulterior cumprimento pelo trabalhador dos deveres que sobre si recaem.
Com efeito, não vemos como poderia a entidade empregadora continuar a manter ao serviço um trabalhador que não demonstra qualquer dedicação e interesse na execução das funções, ausentando-se do local onde exerce as suas funções (ou a ele não regressando tempestivamente, após uma autorização de saída por 15 minutos) sem qualquer aviso ou justificação, circunstancialismo com implicações directas na respectiva organização e execução do serviço da entidade empregadora.
Atendendo aos critérios objectivos, de normalidade e de razoabilidade impostos por lei, não vemos pois com poderia ser outra sanção suficiente que não o despedimento – dada a ineficácia das anteriores sanções aplicadas por factos idênticos – mostrando-se proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor – art. 330.º, n.º 1, do Cód. Trabalho.
Encontra-se, pois, verificada a justa causa para o despedimento do trabalhador, com as consequências legais resultantes dessa conclusão face ao pedido formulado por aquele, ou seja, a total improcedência da presente acção e a natural absolvição da entidade patronal quanto a esse pedido.”.
3.2. - Em sede de recurso, o autor alegou, em síntese:
“III – Embora o recorrente tenha extravasado o tempo que lhe foi concedido pela entidade patronal (15 minutos), não é menos verdade que a sua ausência havia sido previamente autorizada.
IV - O Tribunal A Quo fundamenta a justa causa de despedimento com a falta injustificada por atraso superior a trinta ou sessenta minutos e a possibilidade da entidade patronal poder não aceitar a prestação de trabalho durante todo ou parte do período normal de trabalho – artigos 248.º, 249.º e 256.º do CT, sendo certo que não resulta dos factos dados como provados que a recorrida tenha obstado à prestação do trabalho por parte do recorrente no dia aqui em crise.
V – A sanção que lhe foi aplicada não se mostra proporcionada à gravidade da infração e à culpabilidade, violando, assim, o Tribunal A Quo o disposto no artigo 330.º, n.º 1 do CT e, em consequência, o artigo 351.º do mesmo diploma.
VI - A sanção disciplinar aplicada viola o critério da sua graduação, nomeadamente o princípio da proporcionalidade, vetores determinantes, para o efeito, a gravidade da infração e a culpa do infrator.”.
3.3. - Quid iuris?
3.3.1. - A ré acusou o autor de ter violado os deveres “de assiduidade, obediência, zelo, respeito, diligência e produtividade”.
A sentença recorrida, como supra transcrito, concluiu pela violação dos deveres “de assiduidade e pontualidade, de realização do trabalho com zelo e diligência e de cumprimento das ordens e instruções do seu superior hierárquico, que apenas o autorizou a ausentar-se no período normal de trabalho do local onde o exercia durante o curto período de 15 minutos, o que o trabalhador não respeitou.”.
3.3.2. - O contrato de trabalho é uma fonte de direitos e de deveres para as partes contratantes (cf. artigo 126.º e segs. do CT).
No âmbito do seu poder disciplinar (cf. artigo 98.º do CT), a ré remeteu ao autor a Nota de Culpa transcrita no ponto 14) da decisão sobre matéria de facto, imputando-lhe a violação dos deveres “de assiduidade, obediência, zelo, respeito, diligência e produtividade”, e enquadrou a sanção de despedimento aplicada, na previsão do artigo 351.º, n.º 2, alíneas a), c), d), e) e i) do CT.
O artigo 128.º - Deveres do trabalhador – do CT estatui:
1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;
e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
3.3.3.1.Do dever de respeito e urbanidadealínea a).
O dever de respeito e urbanidade, sendo um “dever acessório legal específico”, isto é, dever acessório especificamente cominado por norma legal específica - cf. Menezes Cordeiro, in Manual do Direito do Trabalho, págs. 129 e 130 -, é uma norma de conduta social que foi transposta para o universo do domínio jurídico-laboral, tanto assim, que é também o primeiro dos deveres do empregador, elencados no artigo 127.º, n.º 1, do CT.
Importa afirmar que a conduta humana deve pautar-se por regras de convivência social “e por isso têm significado os nossos gestos e atitudes, as nossas palavras e frases, as nossas acções no contexto dos papéis que desempenhamos face aos outros e em correlação com os papéis representados por esses outros” – cf. Batista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 22.
O dever de respeito e urbanidade representa um pilar essencial para o estabelecimento de um bom ambiente de trabalho na comunidade empresarial.
Tal dever apresenta-se em três planos de concretização:
1.º - Nas relações dos trabalhadores com outros companheiros de trabalho;
2.º - Nas relações dos trabalhadores com o empregador;
3.º - Nas relações dos trabalhadores com pessoas que estabeleçam quaisquer contactos com a empresa, mormente, os clientes – cf. Coutinho de Abreu, in Da empresarialidade – as empresas no direito, págs. 49 e segs..
O trabalhador viola o dever previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º do CT quando ofende a honra, a reputação e o bom nome de alguém. Pode acontecer que a vítima do insulto ou da ofensa não se sinta ofendida na sua honra e dignidade. Neste caso, tal comportamento apenas poderá constituir uma violação do dever de respeito e urbanidade se provocar uma perturbação no ambiente de trabalho e/ou se denegrir o bom nome da empresa, pondo, designadamente, em crise a relação de confiança que se estabelece entre o empregador e o trabalhador e entre o trabalhador e os restantes companheiros de trabalho – cf. Paula Quintas/Helder Quintas, Código do Trabalho, Anotado e Comentado, 2009, pág. 303.
O grau de intensidade deste dever depende de condições objectivas e subjectivas, sendo que a ponderação da gravidade subjectiva e objectiva do trabalhador só pode ser feita no caso concreto (por exemplo, em função da existência ou não de uma provocação prévia) e à luz da adequação social; com efeito, a mesma palavra, o mesmo gesto, a mesma expressão verbal, podem ter significados muito distintos consoante o ambiente social e cultural e o contexto concreto em que se inserem – cf. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, págs. 530/531.
No mesmo sentido, escreve Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, pág. 369: “A formulação necessariamente vaga do dever de respeito obriga à sua concretização e esta deve ter em conta o contexto específico de cada vínculo laboral – assim, um tratamento mais rude poderá ser comum em determinado contexto organizacional e intolerável noutro contexto, pelo que apenas no segundo caso deverá substanciar uma situação de incumprimento.”.
Podemos afirmar, pois, que a aferição do grau de incumprimento do dever de respeito e urbanidade deve ter em conta, mormente, o perfil e a categoria do próprio trabalhador em concreto.
3.3.3.2. - Do dever de zelo e diligênciaalínea c).
O trabalhador, como devedor de uma relação obrigacional, está adstrito a executar a prestação de trabalho, com diligência, realizando “a prestação com a atenção, o cuidado, o esforço e as cautelas razoavelmente exigíveis” - cf. Jorge Leite, obra citada, vol. II, pág. 96.
“Trata-se de um dever que releva no domínio da vontade, diferentemente do que sucede com a inaptidão ou imperícia que se inscrevem na esfera da capacidade natural (física ou psíquica) do trabalhador e da sua capacidade técnico-profissional” – cf. Jorge Leite/Coutinho de Abreu, Colectânea de Leis do Trabalho, pag. 69.
O grau de diligência deve aferir-se pelo critério do trabalhador normal colocado na situação concreta, sendo “que este critério objectivo de normalidade de deve temperar com elementos subjectivos, já que o grau de diligência exigível pode variar em função de factores individuais, como a idade, a experiência, a fadiga, etc.”. cf. Jorge Leite, obra citada, vol. II, pág. 96.
No dizer de João Moreira da Silva, in Direitos e Deveres dos Sujeitos da Relação Individual de Trabalho, “o trabalhador deve efectuar a prestação de trabalho com zelo e diligência, isto é, pondo na execução das tarefas que representam o cumprimento do seu dever um esforço de vontade e correcta orientação adequadas ao cumprimento da prestação a que está vinculado”.
A prestação de trabalho tem natureza contratual e, como tal, está sujeita ao princípio geral sobre o cumprimento das obrigações, “considerando-se que o devedor cumpre a sua obrigação quando, procedendo de boa fé, realiza a prestação a que está vinculado, devendo essa execução ser balizada pela diligência de um bom pai de família” - sobre a boa fé no cumprimento do contrato, ver artigo 126.º, n.º 1, do CT.
Acontece, porém, que a falta de diligência a que o artigo 128.º, n.º 1, c) do CT, atribui relevância, à semelhança do que sucedia com o artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 49 408, de 24.11.1069, refere-se apenas ao elemento subjectivo da vontade, a culpa.
A falta de diligência por razões objectivas (inaptidão ou imperícia, por exemplo) não é fundamento para sanção disciplinar, mas poderá ser, eventualmente, um problema de formação ou classificação profissional.
Apenas haverá incumprimento do dever de diligência quando o trabalhador, repetidamente, não coloca na execução da prestação do trabalho um esforço de inteligência e vontade no correcto cumprimento das funções, para que foi contratado, isto é, quando tal incumprimento é culposo.
3.3.3.3.Dever de obediênciaalínea e).
O dever de obediência é o contraponto do poder de direcção da entidade patronal, isto é, o poder que o empregador tem de fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem (cf. artigo 97.º do CT).
O dever de obediência representa o corolário mais significativo da subordinação jurídica, assumindo-se, como posição passiva do poder de direcção atribuído ao empregador. O poder de direcção é susceptível de desdobramento num: (I) poder determinativo da função; (II) poder confirmativo da prestação; (III) poder regulamentar e poder disciplinar - cf. Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", 12.ª edição, págs. 250 e segs..
Na separata do BMJ, de 1979, pág. 221, sob o título, Poder disciplinar, José António Mesquita escreveu “Que o poder directivo tem sido definido como a faculdade de determinar as regras, de carácter prevalentemente técnico-organizativo, que o trabalhador deve observar no cumprimento da prestação ou, mais precisamente, o meio pelo qual o empresário dá uma destinação concreta à energia do trabalho (física e intelectual) que o trabalhador se obrigou a pôr e manter à disposição da entidade patronal (...)”.
3.3.3.4. - Do dever de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresaalínea h).
No que reporta a este dever, a produtividade e produção da empresa são objectivos de consunção essencial para o mundo laboral. Qualquer um dos deveres do trabalhador e do empregador (cf. artigo 127.º do CT) procura, não só conservar a cooperação e a confiança entre as partes, mas também garantir o sucesso da empresa.
Deste modo, e como decorre do princípio da boa fé (cf. artigo 126.º do CT), o trabalhador deve, no âmbito da relação laboral, actuar de modo a melhorar a produtividade da empresa, bem como abster-se de comportamentos que prejudiquem tal objectivo.
3.3.4. - Exposta a doutrina sobre o sentido dos deveres enunciados, passemos à subsunção jurídica dos factos.
3.3.4.1. - O objecto do recurso está centrado nos pontos 3) a 9) dos factos dados como provados, os quais são uma transcrição de todos os artigos - 1.º a 8.º - da Nota de Culpa – cf. ponto 14) dos factos dados como provados.
Conforme dispõe o artigo 353.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT), “No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”. (negrito nosso)
A nota de culpa é a peça essencial do procedimento disciplinar laboral, porque é ela que delimita o âmbito fáctico de apreciação do comportamento do trabalhador, já que, conforme dispõe o artigo 357.º, n.º 4, segmento final, do CT, “não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa” para culpabilizar o trabalhador.
Isto significa que a nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar, descrever o modo como os factos foram praticados e indicar por quem, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar, correctamente, a sua defesa.
A finalidade de tais normativos é, assim, a de garantir ao trabalhador, além do mais, o direito ao contraditório, princípio fundamental de direito.
O direito ao contraditório, e consequente direito à defesa, só podem ser exercidos, cabalmente, pelo trabalhador, se a nota de culpa, que lhe foi comunicada, apresentar “a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”, isto é, se o empregador descrever de forma concreta e circunstanciada - no tempo, no lugar, no modo e por quem -, os factos imputados ao trabalhador.
Conforme estatui o artigo 387.º, n.º 3, do CT, “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador.”.
Assim, a lei exige que a nota de culpa delimite os comportamentos censuráveis ao trabalhador, passíveis de serem reapreciados em juízo, quanto à sua gravidade e alcance. E, consequentemente, se entre os tipos de sanção, o despedimento constitui a censura mais adequada.
Com se disse, o alcance e sentido da nota de culpa cingirá a defesa do trabalhador, direito fundamental no regime democrático.
Do teor da Nota de Culpa, notificada ao autor, resulta que a circunstância do tempo é referenciada, apenas, ao dia 22.02.2017, durante o qual terão ocorrido os factos imputados ao autor.
Se o elemento temporal é essencial, mormente, para a defesa do autor, atentos os prazos de prescrição ou de caducidade legalmente previstos, também o são os restantes elementos, como o modo e as circunstâncias em que os factos foram praticados.
Ora, diga-se, desde já, que na referida Nota de Culpa não foram descritos quaisquer factos que sustentem a alegada violação dos deveres de obediência, zelo e diligência, respeito/urbanidade e produtividade por parte do ao autor/recorrente.
Impõe-se perguntar: que tipo de “ordens e instruções do seu superior hierárquico”, quando e em que circunstâncias terão sido dadas ao autor e que este não cumpriu? Não se sabe em absoluto.
Atento o teor do artigo 1.º da Nota de Culpa, transcrito no ponto 3 dos factos dados como provados – “1.º No dia 22/02/2017, segunda-feira, cerca das 14,40 horas, o Arguido ausentou-se das instalações da empregadora, pelo período de 15 minutos, com prévia autorização do seu superior hierárquico, para tratar de assunto pessoais, mais propriamente ir ao banco” - a Mma Juiz considerou existir violação do dever de obediência, por o autor/recorrente “não ter respeitado o autorizado período curto de 15 minutos”.
Ora, para além da redacção do artigo 1.º da Nota de Culpa não ser inequívoca quanto à autorização estar, expressamente, limitada ao período de 15 minutos (não está alegado, nem provado, que essa autorização implicava o registo, no sistema de controle de presença, do momento da saída do autor), resulta da experiência comum que uma ida ao banco, tanto pode demorar 10/15 minutos, como 30 minutos ou mais, dependendo do número de clientes para atender na respectiva agência. E a eventual demora prolongada no banco (alegada, aliás, na resposta à Nota de Culpa), sendo um factor externo ao elemento volitivo do autor/recorrente, não lhe poderá ser imputada, sem mais elementos de facto, para efeitos de violação do dever de obediência, propriamente dito.
Mas mesmo que se interpretasse o artigo 1.º da Nota de Culpa como contendo uma ordem de ausência pelo período de 15 minutes, o seu incumprimento, no contexto dos autos – ida a um espaço de acesso público, sem controlo do utente do tempo de demora -, não constitui, só por si, justa causa de despedimento, atenta o conceito de justa causa consagrado no artigo 351.º do CT, infra analisado.
O mesmo se diga em relação à alegada violação dos deveres de zelo, diligência e respeito. Na verdade, apesar de estar provado que o autor foi admitido ao serviço da ré com a categoria de “Auxiliar de Serviços Gerais (ASG)”, não se sabe quais as concretas funções que lhe estavam atribuídas e que devia ter exercido na tarde do dia 22.02.2017 e que não exerceu entre as 14.40 e as 17.30 horas; bem como não constam da Nota de Culpa quais as atitudes tomadas pelo autor que pudessem sustentar a falta de respeito e urbanidade perante qualquer pessoa, nomeadamente, colega de trabalho ou superior hierárquico. Nem mesmo no Relatório Final do procedimento disciplinar a ré invocou ofensa que fosse susceptível de integrar como falta de respeito, incluindo uma eventual “mentira” do autor sobre a sua ausência na tarde do dia 22.2.2017.
De igual modo se diga em relação à violação do dever de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, já que na Nota de Culpa não foi descrito qualquer facto concreto, no tempo e no modo, que possa ser tido como violador do dever de promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, designadamente, qualquer concreta tarefa que devesse ter sido executada e que o haja deixado de ser por virtude do comportamento do autor, razão pela qual também não se pode concluir pela violação de tal dever.
Em síntese: da Nota de Culpa notificada ao autor/recorrente não consta, em bom rigor, qualquer facto que possa ser integrado nas alíneas a), c), d), e) e i), do n.º 2, do artigo 351.º do CT.
3.3.4.2. Resta apreciar a alegada violação do dever de assiduidade e pontualidadealínea b) do arigo 128.º do CT.
Em síntese, o autor foi acusado, pela ré, de, no dia 22.02.2017, se ter ausentado das suas instalações cerca das 14.40 até às 17.30 horas, quando a autorização de ausência era reportada a 15 minutos.
A noção de falta é dada pelo artigo 248.º, n.º 1, do CT: “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário.”.
E o n.º 2 acrescenta: “Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respectivos tempos são adicionados para determinação da falta.”.
Resulta deste normativo que o legislador apenas considera falta, propriamente dita, a ausência ao serviço pelo período de um dia de trabalho, isto é, as 8 horas/dia, previstas no artigo 203.º, n.º 1, do CT.
Assim, as faltas surgem como interrupções na prestação do trabalho por dia ou dias úteis e têm as seguintes modalidades: faltas justificadas e injustificadas – artigo 249.º, n.º 1, do CT.
E o n.º 2 indica quais as faltas que são consideradas justificadas, como, as autorizadas ou aprovadas pelo empregador – cf. alínea i) do n.º 2.
Para efeitos disciplinares, o artigo 351.º - Noção de justa causa de despedimento – do CT, estatui:
“1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Como é sabido, a justa causa tem a natureza de uma infracção disciplinar, analisando-se numa conduta censurável do trabalhador, quer esta se traduza numa acção ou numa omissão.
Em resumo, a gravidade do comportamento deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjectiva do empregador, mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objectivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses em presença.
Do mesmo modo, quanto ao conceito da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, isto é, um conceito objectivo-normativo carecido de ser temperado por ingredientes de objectividade. Uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores própria, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável ou normal.
E também não deve ser pelo critério pessoal do juiz, que deve afastar, no processo de formação da decisão, qualquer motivação não jurídica.
Além disso, entre os dois referidos elementos - Comportamento culposo e grave do trabalhador e Impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho - deve existir um nexo de causalidade, um nexo de “imediação lógica”, como resulta da própria letra do artigo 351.º, n.º 1 do CT (comportamento que torne imediatamente impossível).
No domínio da justa causa, a lei adoptou o sistema da cláusula geral, definindo no artigo 351.º, n.º 1 a justa causa, embora com enumeração exemplificativa de alguns comportamentos infraccionais nas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo.
As alíneas do n.º 2 do artigo 351.º do CT não são, porém, normas tipificadoras da justa causa, mas tão somente normas tipificadoras de um dos seus elementos - o do comportamento culposo do trabalhador.
Elas não são, por isso, neste sentido, proposições jurídicas completas. Pode dizer-se que cada uma delas contém uma referência implícita à norma do n.º 1, em termos de os comportamentos aí descritos só se considerarem justa causa quando se verifiquem os restantes elementos constantes da cláusula geral, ou seja, quando, pela sua gravidade e consequências, tornarem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Dito de outro modo: não há entre as normas do n.º 2 e a do n.º 1 uma relação de especialidade, dado que aquelas não apreciam ou valoram os factos que descrevem sob todos os seus aspectos, isto é, a sua valoração não exaure todo o significado disciplinar dos comportamentos tipificados, não excluindo, por isso, a aplicação da “norma geral” do n.º 1.
(cf., a este propósito, o Prof. Jorge Leite, Direito do Trabalho, lições policopiadas, Faculdade Direito Universidade Coimbra, págs. 417 e segs.).
Ora, a alínea g) do n.º 2, do artigo 351.º estatui que constituem justa causa de despedimento as “Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;”.
A citada alínea g) prevê duas situações de faltas: (i) faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou (ii) um número mínimo de faltas, em cada ano civil, seguidas ou interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco para a empresa.
No caso dos autos, atento o teor da Nota de Culpa, está afastada a segunda situação.
E quanto à primeira situação, a ausência do autor, no dia 22.02.2017, cifrou-se, no total, em 2 horas e 50 minutos, sendo certo que a autorização de ausência estava reportada a 15 minutos, mas que o autor alegou, na resposta à nota de culpa, não terem sido suficientes para ser atendido na instituição bancária onde se deslocou.
Ora, não só não está imputada ao autor a falta por um dia completo de trabalho – não foi alegado, sequer, qual o horário de trabalho do autor -, como a ré não alegou, nem provou, que a ausência de 2 horas e 35 minutos lhe tenha determinado, directamente (ou, mesmo, indirectamente) qualquer prejuízo ou risco grave para o seu objecto social (nada consta, a este respeito, na Nota de Culpa), razão pela qual também não se verifica a primeira das situações da alínea g) n.º 2 do artigo 351.º do CT.

3.3.4.3. - Apesar de nada ter sido alegado pela ré sobre falsas declarações do autor, nem tal questão ter sido apreciada na sentença recorrida, importa, no entanto, anotar, para que não restem dúvidas, o seguinte:
Outro dos comportamentos previstos no n.º 2 do artigo 351.º é o da alínea f): “Falsas declarações relativas à justificação de faltas;”.
Ora, da factualidade inserida nos pontos 6) a 8) da decisão de facto, apenas se pode concluir por versões diferentes, entre o autor e o director de servições da ré, sobre a presença ou ausência do autor nas instalações da ré, a partir das 16.00h, pois, nenhuma das versões foi confirmada ou infirmada por qualquer outro elemento de prova que permitisse concluir, eventualmente, pela inverdade da versão do autor, isto é, que não tenha estado no banco até às 16.00h e que não tenha estado “no jardim a tratar das folhas” até às 17.30h.
Perante a versão do autor, a ré não alegou, nem muito menos provou, que lhe tenha exigido o comprovativo da sua presença no banco até às 16.00h, como o podia ter feito – cf. artigo 254.º, n.º 1 do CT. Sibi imputet.
Assim, no rigor dos princípios, não se pode afirmar que o autor tenha falseado a justificação da ausência ao serviço na tarde do dia 22.02.2017, para efeitos da alínea f) do n.º 2 do artigo 351.º do CT.
Tal não significa, porém, que o autor tenha tido um comportamento sem reparo.
Na verdade, o autor, por respeito ao princípio da boa fé, deveria ter informado o Director de Serviços do alegado tempo de demora na agência bancária e do momento do seu regresso às instalações da ré.
Acontece, porém, que essa falta de informação/justificação da sua ausência, durante 2 horas e 35 minutos, isoladamente considerada, não se enquadra em nenhuma dos comportamentos previstos no artigo 351.º, n.º 2, do CT para efeitos de justa causa de despedimento.

3.3.4.4. - Um último apontamento para referir que o passado disciplinar de qualquer trabalhador, não constitui, só por si, fundamento para a justa causa de despedimento. Poderá, eventualmente, ser um dos elementos a considerar na apreciação do grau de culpa do trabalhador, no concreto caso em que estiver a ser apreciada a gravidade de determinado comportamento desse trabalhador.
No caso dos autos, não estando provados factos que integrem o conceito de justa causa de despedimento, nos termos previstos no artigo 351.º do CT, pelo ocorrido na tarde do dia 22.02.2017, irreleva o passado disciplinar do autor no contexto desta acção.
Em conclusão: a ré não alegou, nem provou factos que, juridicamente, sustentem a sanção de despedimento que aplicou ao autor, isto é, a ré não provou qualquer facto que integre o conceito de justa causa de despedimento estatuído no artigo 351.º do CT.
Deste modo, a procedência do recurso implica, consequentemente, a revogação da sentença recorrida.
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IV.A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em:
1. – Julgar procedente o recurso apresentado pelo autor, e em consequência, revogar a sentença recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão que:
2. - Declara ilícito o despedimento do autor e
3. - Condena a ré:
a) A reconhecer a ilicitude do despedimento do autor;
b) A reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c) A pagar ao autor a importância a liquidar, a título das retribuições intercalares, até à efectiva reintegração, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e sem prejuízo de eventual dedução, nos termos do 390.º. n.º 2, alínea c), do CT, acrescida dos juros de mora à taxa legal, calculados a partir da data da decisão a proferir no incidente de liquidação.
Custas a cargo da ré.
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Porto, 2019.05.22
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha