CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
REGISTO DE HORAS DE TRABALHO
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
Sumário

I - O registo que permite apurar o número de horas de trabalho prestado pelo trabalhador destina-se, em suma, a apurar a conformidade da organização da actividade da empresa com a disciplina do tempo de trabalho.
II - O empregador não está dispensada do registo dos tempos de trabalho mesmo em relação aos trabalhadores que exerçam actividade regular fora do estabelecimento da empresa, sem controlo imediato da hierarquia, incluindo dos motoristas de veículos afectos a serviços de recolha e tratamento de lixo doméstico.

Texto Integral

Proc. n.º 2235/18.0T8AVR.P1 - Recurso de contra-ordenação (Secção Social)
Origem: Comarca Aveiro-Aveiro-JuízoTrabalho-J2
Relator - Domingos Morais – R 807
Adjunta – Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. - B…, S.A., com sede na Rua …, Lote .., … na Marinha Grande, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que julgou improcedente o recurso de impugnação e manteve a decisão administrativa impugnada, que a condenou na coima no valor de €620,00, pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação qualificada com referência aos artigos 216.° n.ºs 1, 4 e 5 e 554.º n.º 1 e 2, al. b) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e artigo 1.º n.ºs 1 e 3 da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.
Terminou, pugnando pela procedência da impugnação com revogação da decisão do processo e a sua consequente absolvição.
2. - Recebida a impugnação pelo Tribunal ora recorrido, o Ministério Público deduziu acusação nos termos previstos no artigo 37.º do Regime Processual das Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14-09.
3. - A impugnação foi judicialmente admitida.
4. - Procedeu-se a julgamento, tendo a Mm.ª Juiz proferido o seguinte despacho:
Na decisão recorrida, foi a arguida condenada em coima no valor de €649,00, pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação consubstanciada no facto do seu trabalhador, C…, no dia 20 de Março de 2018, pelas 10h20m, na Estrada Nacional … Km 70, 01, comarca de Aveiro- Juízo do Trabalho de Aveiro conduzir viatura ligeira de mercadorias, na Área de Serviço D…, …, e não ser portador de livrete individual de controlo, que não lhe foi fornecido pela arguida.
Sendo a qualificação jurídica da contra-ordenação feita, na decisão recorrida, com referência aos arts. 216° n.ºs 1, 4 e 5 e 554º n.º 2, al. b) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e 1º n.ºs 1 e 3 da Portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto.
Existe dissonância entre a norma legal sancionatória invocada na decisão recorrida (art. 216º n.ºs 1, 4 e 5 do Cód. do Trabalho) e os factos em que se baseia a condenação.
Com efeito, uma coisa é a obrigatoriedade de publicitação do mapa de horário de trabalho, prevista no art. 216º n.ºs 1 e 2 do Cód. do Trabalho e, no caso dos trabalhadores afectos à exploração de veículo automóvel que tenham horários de trabalho fixos, também nos arts. 1º n.º 1 e 2º n.º 1 da Portaria n.º 983/2007, de 27/08, por remissão do n.º 4 do citado art. 216º do Cód. do Trabalho.
Outra coisa diferente é a obrigatoriedade de registo dos tempos de trabalho, prevista para os trabalhadores em geral no art. 202º do Cód. do Trabalho, registo esse que no caso dos trabalhadores móveis que conduzam veículos não sujeitos a tacógrafo, deve ser feito em livrete individual de controlo, a fornecer pela entidade empregadora, de acordo com os arts. 4º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho e 1º n.º 2, 3º e 5º al. a) da Portaria n.º 982/07, de 27 de Agosto.
Sendo que a falta de publicitação do mapa de horário de trabalho constitui contraordenação leve, nos termos do n.º 5 do art. 216º do Cód. do Trabalho. Enquanto a falta de registo dos tempos de trabalho, no caso dos trabalhadores móveis que conduzam veículos não sujeitos a tacógrafo, constitui contra-ordenação qualificada como muito grave, de acordo com o art. 14º n.º 3 al. a) do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.
Ora o que está em causa, como expressamente se diz na decisão recorrida, não é a falta de publicidade de mapa de horário de trabalho do motorista em questão, mas sim a falta de livrete individual de controlo.
Pelo que a decisão recorrida padece de uma errada qualificação jurídica dos factos.
Tornando-se necessário, em cumprimento do disposto no art. 358º n.ºs 1 e 3 do Cód. de Processo Penal (ex vi arts. 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 e 41º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), conceder à arguida e ao Ministério Público prazo para se poderem pronunciar quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos, em conformidade com o acima exposto.
Termos em que se decide:
- Comunicar à arguida e ao Ministério Público a alteração da qualificação jurídica dos factos, nos termos supra expostos, concedendo-lhes o prazo de 5 dias para se poderem pronunciar, por escrito.
- Reagendar para 25.11.18, pelas 14.00 horas, a leitura da sentença.”.
5. – A arguida/recorrente respondeu, concluindo:
A impugnante deve ser absolvida pois nullum crimen sine lege e nulla pæna sine lege.”.
6. - A Mm.ª Juiz proferiu a seguinte decisão:
“Termos em que se decide julgar improcedente o recurso, condenando a sociedade recorrente pela prática em autoria material da contra-ordenação, p.p. pelo art.º 202º, do Código do Trabalho na coima de €3.570,00.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, tendo em conta a gravidade do ilícito e o grau de complexidade das questões suscitadas no processo – arts. 93.º n.º 3 do DL n.º 433/82, de 27/10 e 8º n.ºs 7, 8 e 9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa.
Notifique e comunique a sentença, de imediato, ao Centro Local do Baixo Vouga da Autoridade Para as Condições do Trabalho - cfr. art. 45º n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.”.
7. - B…, S.A., não se conformando com a sentença judicial proferida, veio interpor recurso da mesma para este Tribunal da Relação do Porto.
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10. - O relator proferiu a decisão sumária que consta de fls. 105 a 125 dos autos, no sentido da improcedência do recurso interposto pela recorrente B…, S.A.
11. – Notificada, a recorrente reclamou para a conferência.
12. - Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação de facto
Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
1. Factos provados:
1. No dia 20 de Março de 2018, pelas 10h 20m, na E.N. …, Km 70, 01, Concelho de …, a Sociedade arguida B… mantinha ao seu serviço, sob a sua ordem, direção e no exercício das suas funções, o condutor C…, o qual conduzia o veículo de matrícula .. - .. - NA.
2. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar o condutor não apresentou as folhas de registo respeitantes aos 28 dias anteriores, nem o LIC com os registos manuais.
3. A B… dedica-se à recolha, transporte, armazenamento, tratamento e valorização do lixo doméstico.
4. A atividade de recolha e transporte obriga, por natureza, a paragens sucessivas dos veículos.
5. Sendo necessário que tais veículos mantenham o motor em funcionamento para gerar energia hidráulica e potência necessária ao acionamento das básculas, gruas, compactadores ou outros equipamentos mecânicos e hidráulicos.
6. O trabalhador C… cumpre um horário fixo, por turnos.
7. O veículo de matrícula .. - .. - NA é um pesado de mercadorias afeto, pela Sociedade Recorrente, afeto à recolha de lixo doméstico.
8. No ano de 2017, a sociedade Recorrente declarou um prejuízo para efeitos ficais no valor de €1.658.730, 44.
II.2 Fatos não provados
Dos fatos invocados na decisão administrativa e nas alegações de recurso, com relevo para a decisão a proferir não se provaram quaisquer outros.”.
III. – Fundamentação de direito
1. - Legislação adjectiva aplicável
Os presentes autos de recurso de contra-ordenação conheceram a sua génese no Auto de Contra-ordenação de fls.6, datado de 20.03.2018, ou seja, quando já vigorava, nesta matéria, o Código do Trabalho de 2009, que iniciou a sua vigência a 17.02.2009[1], bem como o actual Regime Processual das Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14.09, que começou a produzir efeitos no dia 1.10.2009, como, finalmente, as alterações introduzidas no Código de Processo de Trabalho, pelo Decreto-Lei n.º 259/2009, de 13.10, que tiveram começo de vigência em 1.1.2010.
Manteve-se, naturalmente e em termos subsidiários, o Regime Geral das Contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10) e o Código de Processo Penal.
Ora, portanto, será de acordo com o Regime Processual das Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14.09) e com os demais diplomas legais de carácter supletivo, já acima identificados, que iremos apreciar as questões de índole adjectiva que eventualmente se suscitem neste recurso de contra-ordenação.
2. - Do objecto do recurso.
2.1. - Das conclusões do recurso resulta, na sua essência, que a recorrente pretende a revogação da decisão recorrida, por se verificar “erro de julgamento e contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida, nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P.”, dado que ““o caso da sociedade Recorrente” não tem pessoal afecto à exploração de veículos automóveis ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalhoe “Também não está em causa um “…trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou no AETR”, mas antes e como igualmente vem provado “6. O trabalhador C… cumpre um horário fixo, por turnos”.”.
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2.2.- Apreciemos.
O artigo 51º, n.º 1 da Lei n.º 107/09, de 14.9, dispõe que, “se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Ressalta do citado normativo que, em sede de contra-ordenações laborais, a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando, em regra, vedado o seu conhecimento quanto à decisão sobre a matéria de facto proferida em 1.ª instância.
Dito de outro modo, “a segunda instância tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída, por regra, a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto” – cf., neste sentido, o acórdão do TRC de 26.05.2015, disponível in www.igfej.pt, e a decisão sumária do TRP de 12.07.2017, proc. n.º 3472/16.8T8OAZ.P1, proferida pelo ora relator.
Tais poderes de cognição não vedam ao Tribunal da Relação, porque oficiosa, a apreciação dos vícios elencados no artigo 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP (ex vi dos arts. 41.º, n.º 1 e 74.º, n.º 4 do DL 433/82, de 27-10, na sua redacção actual (RGCO) – cf. acórdão do STJ de 19/10/95 (DR, 1ª série, A, de 28/12/95).
Quanto a estes, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, verificam-se os vícios da sentença sempre que do seu, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Ora, das conclusões da recorrente não se alcança em que medida se verificam tais vícios: o que a recorrente defende é que o tribunal recorrido deveria ter dado decisão diferente quanto à matéria de facto provada, isto é, a recorrente discorda do enquadramento jurídico dado pelo tribunal da 1.ª instância, atenta a factualidade provada em sede de julgamento, argumentando, em síntese, “nullum crimen sine lege e nulla pæna sine lege”.
2.3.Quid iuris?
2.3.1. - A questão essencial que cumpre apreciar nestes autos de contra-ordenação é a da obrigatoriedade do registo de tempos de trabalho de todos os trabalhadores, sem excepção, por forma a que esse registo, obrigatório, possa ser consultado imediatamente por qualquer autoridade pública competente.
Sobre o registo de tempos de trabalho, o artigo 202.º do Código do Trabalho (CT), dispõe:
“1 - O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.
2 - O registo deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam, por forma a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador, por dia e por semana, bem como as prestadas em situação referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 257.º
3 - O empregador deve assegurar que o trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa, ou envie o mesmo devidamente visado, de modo que a empresa disponha do registo devidamente visado no prazo de 15 dias a contar da prestação.
4 - O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, bem como a declaração a que se refere o artigo 257.º e o acordo a que se refere a alínea f) do n.º 3 do artigo 226.º, durante cinco anos.
5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.”. (negritos nossos).
A matéria compreendida no citado artigo estava prevista no artigo 162.° do CT/2003, o qual correspondia, por sua vez, ao Despacho Normativo n.º 36/87, de 04 de Abril.
Em anotação ao artigo 162.º do CT/2003, Pedro Romano Martinez e Outros, in Código do Trabalho Anotado, 2004, escreveram:
A norma impõe a todos os empregadores aos quais se aplique o Código do Trabalho a criação de registo do tempo de trabalho diário e semanal prestado pelos respectivos trabalhadores, do qual conste a indicação dos momentos em que se iniciaram e terminaram as correspondentes prestações de trabalho diárias. Embora a norma não obrigue expressamente a indicar os períodos em que foram gozados o intervalo de descanso e outras eventuais pausas que não integrem o tempo de trabalho, parece evidente que essa indicação é instrumental da correcta determinação do número de horas de trabalho que o registo deve proporcionar.
O registo a que a norma se refere terá óbvios aproveitamentos, como o de permitir controlar o respeito pelos regimes legal e contratual da adaptabilidade, cumprir os limites legais da isenção de horário de trabalho, do trabalho nocturno e do suplementar e, de um modo geral, apurar da conformidade da organi­zação da actividade da empresa com a disciplina do tempo de trabalho.”.
O legislador consagra, assim, a obrigatoriedade de um registo para apuramento do número de horas prestadas pelo trabalhador, para melhor controlo do cumprimento das regras sobre tempo de trabalho.
Sobre o “registo dos tempos de trabalho”, ainda que no âmbito do Código do Trabalho de 2003, o Juiz Conselheiro Júlio Gomes, em “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, 2007, página 666, afirma que o mesmo se destina a “(…) permitir o controlo do respeito dos condicionalismos legais nesta matéria”.
Por seu turno, Maria de Fátima Ribeiro, em “Breves Notas críticas sobre a evolução de alguns aspectos do regime da duração e organização do tempo de trabalho”, publicado em Questões Laborais, número 28, Ano XIII, 2006, págs 219 e seguintes, também no quadro do anterior Código, sustenta que a “necessidade desse registo surge em virtude da flexibilização dos tempos de trabalho: visa garantir a fiscalização do cumprimento dos preceitos legais imperativos em matéria de duração e organização do tempo de trabalho. (…)”.
Também, António Nunes de Carvalho, em “Duração e Organização do Tempo de Trabalho no Código do Trabalho”, texto inserido em “VI Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias”, páginas 95 e seguintes, com especial incidência para a página 100, acerca do artigo 162.º do Código do Trabalho de 2003, refere que “esta regra, de alcance geral, é imposta pela introdução de mecanismos de flexibilização da gestão do tempo de trabalho (por exemplo, pelos novos regimes de isenção do horário de trabalho, de que adiante se tratará), por forma a garantir a fiscalização do cumprimento dos limites relativos à duração do tempo de trabalho. Insere-se, em termos mais gerais, numa nova perspectiva quanto à intervenção da Administração do Trabalho. Neste âmbito, a principal linha de força do Código do Trabalho pode enunciar-se nos seguintes termos: essa intervenção deve dar-se no plano da fiscalização do cumprimento das leis e não em termos de concessão de autorizações ou de controlos substanciais prévios à tomada de decisões empresariais”. Este mesmo autor, já no âmbito do Código do Trabalho de 2009, depois de saudar a “novidade” consistente na “definição de um verdadeiro regime para o registo dos tempos de trabalho (artigo 202.º”, por contraponto à não criação, pelo legislador, no quadro do Código do Trabalho de 2003, e “em sede de normas complementares, das regras indispensáveis à operacionalidade de tal registo”, refere a exigência legal, “no sentido de facilitar a acção inspectiva, (d)a imediata acessibilidade do registo”, onde deverão estar discriminados os momentos e períodos elencados no número 2 do artigo 202.º (inicio e termo da prestação diária, intervalos de descanso e outras pausas que não integrem o período de trabalho), 257.º, número 1, alínea b) do artigo 257.º e número 1, alínea f) do artigo 226.º (compensação pelo trabalhador, em acréscimo ao período normal de trabalho, de ausências justificadas ou injustificadas que impliquem perda de retribuição, quer por força de instrumento de regulamentação colectiva, quer por proposta daquele com o acordo do empregador). No que toca ao número 3 do artigo 202.º, realça a semelhança com as regras do registo do trabalho suplementar (números 2 e 3 do artigo 231.º), muito embora a omissão por parte do trabalhador externo do registo de tal trabalho não implica a aplicação de contraordenação (número 9 do artigo 231.º), ao contrário do que acontece com o registo dos tempos de trabalho (número 5 do artigo 202.º), o que impõe que o empregador assuma “uma posição de garante do cumprimento desse dever do assalariado (cabendo-lhe envidar os esforços que se devam considerar razoáveis para obter do trabalhador os elementos exigidos)”.
E o Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se no acórdão de 02.06.2008, in CJ, Ano XXXIII, T. III, p. 231, nos seguintes termos sumariados:
I - O registo que permite apurar o número de horas de trabalho prestado pelo trabalhador destina-se, em suma, a apurar a conformidade da organização da actividade da empresa com a disciplina do tempo de trabalho.
II - A entidade patronal não está dispensada do registo supra aludido mesmo em relação aos trabalhadores que exerçam actividade regular fora do estabelecimento da empresa sem controlo imediato da hierarquia.
2.3.2. - Neste contexto - o da obrigatoriedade do registo do tempo de trabalho -, a sentença recorrida consignou:
“Nos termos do disposto nos art.º 1º e 2º da Portaria 222/2008, de 5 de Março, “ficam dispensados da obrigação de instalar e ou utilizar o aparelho de controlo (tacógrafo), para além dos referidos no artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, os transportes a que se refere o n.º 2.º
2.º Ficam isentos do disposto nos artigos 5.º a 9.º Regulamento (CE) n.º 561/2006 os transportes efectuados por: (…). g) Veículos afectos a serviços de recolha e tratamento de lixo doméstico.”
O D.L. 237/ 2007, de 19 de Junho “procede à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, regulando determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho de trabalhadores móveis que participem em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CEE) n.º 3820/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.”
Para efeitos do referido diploma «Trabalhador móvel» é o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR (art.º 2º, al. d).
No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162.º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.
A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes (art.º 4º, n.º 1 e 2º, do D.L.).
Como se retira do seu preâmbulo a portaria 983/2007, de 27 de Agosto, define: a) as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis – como é o caso da sociedade Recorrente; b) e a forma do registo dos tempos de trabalho e de repouso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, ou no AETR.
No preâmbulo lê-se ainda: “O Código do Trabalho prescreve a necessidade de regulamentar as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições daquele Código. Importa regulamentar esta matéria, tendo presente que tais trabalhadores podem estar sujeitos a horário de trabalho fixo ou com horas de início e termo da actividade variáveis. (sublinhado nosso).
E, continuando: “A presente portaria estabelece ainda a forma do registo referido no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, que regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado para ratificação pelo Decreto n.º 324/73, de 30 de Junho.
Ou seja a Portaria regula duas atividades que distingue claramente, sendo estas a dos trabalhadores móveis e as dos trabalhadores afetos à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do trabalho.
Assim, se é certo que, em nosso entendimento, o trabalhador da Recorrente não é um trabalhador móvel, para efeitos do disposto no D.L. 237/2007, de 19 de Junho, não deixa de estar abrangido pela referida Portaria, conforme o seu art.º 1º: “A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho.” (Sublinhado nosso).
“O registo do tempo de trabalho efetuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características: (…) (art.º 3º da Portaria 983/2007). (…).
No caso concreto resulta da aplicação conjunta da Portaria 983/2007 e do artigo agora transcrito, designadamente do n.º 3, por nós sublinhado que, no caso de trabalhadores afetos à exploração de veículos automóveis, o registo dos tempos de trabalho deve efetuar-se no respetivo LIC.
Assim, ao invés do afirmado pela Recorrente, os seus trabalhadores não estão isentos de registar os tempos de trabalho, que, in caso, deve ser efetuado no respetivo LIC.” – fim de citação.
Por sua vez, a arguida/recorrente limita-se a alegar que “necessariamente está isenta de preencher o modelo previsto na Portaria nº 983/2007 de 27 de agosto, o dito livrete individual de controlo que, em alternativa, visa igualmente o controlo do cumprimento daquelas “…disposições relativas aos tempos de condução e repouso…”.” – cf. conclusão 21 do recurso.
Com todo o respeito, discordamos de tal afirmação, atento o histórico legislativo descrito na sentença recorrida, assente na obrigatoriedade do registo dos tempos de trabalho para todos os trabalhadores, sem excepção, e respectiva publicidade, previstas, respectivamente, no citado artigo 202.º, e no artigo 216.º, n.º 4, do CT/2009 (anteriormente, artigos 162.º e 179.º do CT/2003).
Neste particular, a única isenção para a arguida/recorrente é a da instalação no veículo do aparelho tacógrafo, previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho.
No mais, a arguida/recorrente está obrigada nos termos do Dec. Lei n.º 237/07, de 18.06; da Portaria n.º 983/2007, de 27.08, e dos artigos 202.º e 216.º, n.º 4, do CT/2009, ao registo dos tempos de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, incluindo dos motoristas de veículos afectos a serviços de recolha e tratamento de lixo doméstico, como é o caso do condutor C…, que conduzia o veículo de matrícula .. - .. - .., no dia 20 de março de 2018, pelas 10h 20m, na E.N. …, Km 70, 01, Concelho de ….
2.3.2. - O DL n.º 237/07, de 18/06, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, nos seguintes termos:
“Artigo 1º:
1 - O presente decreto-lei regula determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, adiante referido como regulamento, ou pelo Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos Que Efectuam Transportes Internacionais Rodoviários (AETR), aprovado, para ratificação, pelo Decreto nº 324/73, de 30 de Junho.
2 - O presente decreto-lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário.
3 - O disposto nos artigos 3º a 9º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho.
Artigo 2º.
Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
(…).
d) «Trabalhador móvel» o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a actividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.
Artigo 4º.
1 - No caso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou previsto no AETR, o registo do número de horas de trabalho prestadas a que se refere o artigo 162º do Código do Trabalho indica também os intervalos de descanso e descansos diários e semanais e, se houver prestação de trabalho a vários empregadores, de modo a permitir apurar o número de horas de trabalho prestadas a todos eles.
2 - A forma do registo referido no número anterior é estabelecida em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes.”.
Ora, a Portaria n.º 983/2007, de 27.08, dispõe:
“Nos termos do n.º 3 do artigo 179.º do Código do Trabalho, e do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, manda o Governo, pelos Ministros das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Trabalho e da Solidariedade Social, o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
1 - A presente portaria regulamenta as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis propriedade de empresas de transportes ou privativos de outras entidades sujeitas às disposições do Código do Trabalho. (negrito e sublinhado nossos).
2 - A presente portaria estabelece ainda a forma do registo a que se refere o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho.
3 - O registo referido no número anterior aplica-se a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários.
Artigo 2.º
Publicidade de horários de trabalho
1 - A publicidade dos horários de trabalho fixos dos trabalhadores referidos no n.º 1 do artigo anterior é feita através de mapa de horário de trabalho, com os elementos e a forma estabelecidos no artigo 180.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o qual deve ser afixado no estabelecimento e em cada veículo aos quais o trabalhador esteja afecto.
2 - O empregador envia cópia do mapa de horário de trabalho ao serviço da autoridade para as condições de trabalho da área em que se situe a sede ou o estabelecimento a que o trabalhador esteja afecto, com a antecedência mínima de quarenta e oito horas relativamente à sua entrada em vigor.
Artigo 3.º
Registo
O registo do tempo de trabalho efectuado pelos trabalhadores referidos no artigo 1.º, incluindo o prestado ao serviço de outro empregador, dos respectivos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso e descansos diários e semanais, é feito em livrete individual de controlo devidamente autenticado, de modelo anexo à presente portaria e com as seguintes características:
a) Formato tipo A6 (105 mm x 148 mm);
b) Uma capa;
c) Instruções;
d) Um exemplo de folha diária preenchida;
e) 84 folhas diárias numeradas;
f) 12 relatórios semanais numerados.
Artigo 4.º
Autenticação do livrete individual de controlo
1 - O livrete individual de controlo é autenticado pelo serviço da autoridade para as condições de trabalho da área em que se situar a sede ou estabelecimento do empregador a que o trabalhador está afecto.
2 - Para efeitos de autenticação, o livrete individual de controlo é preenchido com indicação do nome, data de nascimento, domicílio do respectivo titular e identificação do empregador.
3 - Só é autenticado novo livrete desde que se mostrem preenchidas, pelo menos, 60 folhas diárias do livrete anterior em uso.
4 - A autenticação do livrete processa-se através de número e data de registo, bem como selo branco e chancela ou perfuração das folhas.
Artigo 5.º
Deveres do empregador
O empregador:
a) Fornece ao trabalhador o livrete individual de controlo, devidamente autenticado;
b) Organiza um registo em livro próprio dos livretes fornecidos a cada trabalhador, do qual constem o número do livrete, nome do titular, bem como a assinatura deste aquando da respectiva entrega e devolução ou, quando for o caso, a razão justificativa da falta de devolução;
c) Examina semanalmente ou, em caso de impedimento, logo que possível, os registos constantes do livrete;
d) Fornece ao trabalhador novo livrete depois da completa utilização do anterior, ou quando as folhas diárias ou os relatórios semanais forem insuficientes para a viagem a iniciar, tendo em conta a sua duração previsível;
e) Recolhe o livrete anterior, decorridas duas semanas sobre o termo da sua utilização.”.
Em síntese: da conjugação dos citados normativos somos a concluir que o livrete individual de controlo - LIC - deve ser utilizado relativamente a trabalhadores não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio rodoviário, vulgo tacógrafos, façam eles parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça actividade de transporte rodoviária (dispensados da utilização do dito tacógrafo, por força do artigo 3.º do REG (CE) 561/06 ou pela Portaria 222/08, de 05.03), ou por serem trabalhadores privativos de outras entidades sujeitas ao Código do Trabalho – cf. citado artigo 1.º, n.º 1, último segmento, da Portaria n.º 983/2007, de 27.08.
No caso sub judice, estando o trabalhador motorista sujeito a um horário de trabalho fixo, por turnos, ainda que a arguida/recorrente utilize o veículo como elemento de trabalho coadjuvante da sua actividade, ou seja, não sendo transportador no verdadeiro sentido do termo, não se encontrando o trabalhador motorista directamente afecto à exploração de veículos automóveis, ainda assim o empregador não está dispensado de registar o tempo de trabalho, de acordo com o artigo 3.º da Portaria n.º 983/2007, de 27.08, e artigo 202.º, n.º 3, do CT.
Assim, o que releva no caso dos autos, não é o registo “dos tempos de condução, dos tempos de repouso, dos tempos de trabalho diverso da condução, dos quilómetros percorridos”, como argumenta a recorrente, mas tão só o registo do horário de trabalho diário do motorista em causa – cf. artigo 200.º do CT -, tanto mais que o mesmo trabalha por turnos.
E o trabalho por turnos tem regras próprias – cf. artigos 220.º a 222.º do CT - que só podem ser controladas pelas entidades competentes, incluindo os agentes policiais de trânsito, se registado o tempo de trabalho no respectivo livrete individual de controlo – cf. artigos 4.º e 5.º da Portaria n.º 983/2007, de 27.08.
Deste modo, estando preenchidos os pressupostos da supra citada contra-ordenação, improcede o recurso interposto pela arguida.
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IV – A Decisão
Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente B…, S.A.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Registe e notifique.
Após trânsito em julgado, comunique à ACT, com cópia certificada do mesmo.
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Porto, 2019.05.22
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
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[1] Cf. arts. 548.º a 566.º do Código do Trabalho de 2009, tendo o seu artigo 560.º sido alterado pela Lei n.º 23/2012, de 25-06, com entrada em vigor em 1 de Agosto de 2012, convindo realçar que, de acordo com o artigo 12.º, número 3, alínea e) da Lei n.º 7/2009, de 12/02, que aprovou o atual Código do Trabalho, os artigos 630.º a 640.º do Código do Trabalho de 2003 (procedimento de contraordenações laborais) mantiveram-se em vigor até ao dia 30-09-2009, ou seja, até à entrada em vigor da mencionada Lei n.º 107/2009, de 14/09.