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FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
DEFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTOS ILÍCITOS
Sumário
I - Não há violação do direito à prova quando o tribunal indefere o terceiro requerimento apresentado pela parte para que os peritos venham prestar esclarecimentos ao relatório apresentado, quando já é patente a existência de um impasse entre as posições manifestadas, além de que o art.º 485.º n.º 2 do C.P.C. apenas consagra a possibilidade da parte reclamar do relatório pericial por uma vez, não estando a parte impedida de solicitar a comparência dos peritos em audiência de julgamento para prestarem os esclarecimentos pretendidos. II - O art.º 607.º n.º 4 do C.P.C. reporta-se à fundamentação da decisão de facto da sentença, ali se aludindo aos deveres que incumbem ao juiz na prolação de tal decisão. A falta de observância destes deveres do que pode incorrer uma motivação da decisão de facto deficiente ou insuficiente, não determina a sua nulidade nos termo do art.º 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C. – situação reservada à total ausência dos fundamento de facto que suportam a sentença – apenas podendo dar origem a que o tribunal da Relação determine que o tribunal de 1ª instância proceda à devida fundamentação, em observância àquela norma, conforme dispõe o art.º 662.º n.º 1 al. d) do C.P.C. III - O tribunal não está impedido de ter em conta e considerar como provada a realidade que atestam documentos juntos aos autos, com referência ao seu teor, conforme foi alegado pela parte, em razão de se tratar de matéria eminentemente técnica e não obstante terem sido impugnados, a partir do momento em que considera que os factos aí referidos são corroborados pelos restantes meios de prova produzidos no processo, livremente formando a sua convicção. IV - É quando está em causa um mesmo facto voluntário que pode determinar o nascimento de uma obrigação para o agente ao abrigo de mais do que um instituto jurídico e na sua subsunção às normas legais, no caso relativas à responsabilidade contratual e extracontratual, que pode colocar-se a questão do concurso de responsabilidades e do regime legal aplicável. V - Tal questão não se coloca quando nos encontramos perante diferentes factos voluntários ou comportamentos, imputáveis a diferentes sujeitos, que determinaram a ocorrência de um dano cuja indemnização é requerida a todos, como acontece no caso em que o 1º e 4º RR. são demandados, respectivamente, enquanto director da obra e enquanto director da fiscalização da obra, com fundamento na violação dos deveres contemplados legalmente para o exercício de cada uma daquelas funções e a 3ª R. é demandada por não ter cumprido o contrato com ele celebrado. Embora o dano seja o mesmo, estão em causa comportamentos autónomos ou diferentes factos quer numa perspectiva naturalística, quer numa perspectiva jurídica. VI - A responsabilidade civil por acto ilícito prevista no art.º 483.º n.º 1 do C.Civil, pode fundamentar-se num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão, entendendo-se que a omissão é causa do dano sempre que haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Facto voluntário significa apenas facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade, sendo a ilicitude revelada pela violação do direito de outrem ou das normas destinadas a proteger interesses alheios.
Texto Integral
Proc. Nº 2674/14.6T8VNG.P1
Apelação em processo comum e especial
Sumário: (art.º 663 n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório
Vem B… intentar a presente acção declarativa de condenação que segue a forma de processo comum, contra os RR. C…, D…, E…, Ld.ª e F…, pedindo a condenação solidária dos 1.º, 2.º e 4.º RR. e ainda a condenação da 3ª R., a pagarem-lhe a quantia de 168.130,29€ acrescida de juros de mora calculados desde a data da citação até integral pagamento.
Alega, em síntese, para fundamentar o seu pedido que em Maio de 2012, incumbiu a G…, Lda. de executar, em regime de empreitada, parte dos trabalhos de construção de uma moradia, incluindo todas as fases da construção até atingir os toscos, tais como a execução das fundações, paredes de alvenaria, lajes do piso -1 e do piso 0 e a cobertura, tendo o 1.º R., engenheiro civil que mantinha contrato de trabalho com essa sociedade, apresentado termo de responsabilidade como director da obra e tendo a 3.ª R., por contrato celebrado com o A., ficado incumbida da fiscalização da obra mediante remuneração. O 4.º R., também engenheiro civil e sócio-gerente da 3.ª R., apresentou termo de responsabilidade como autor do projecto de estabilidade e como director da fiscalização da obra. Quando terminou a execução das fundações, das paredes de alvenaria e das lajes do piso -1, do piso 0 e do piso de cobertura, o A. solicitou a outro empreiteiro a execução dos restantes trabalhos de construção da moradia, tendo sido detectado que a laje do piso 0 apresentava, na sua zona central, uma inflexão para baixo de cerca de 7 centímetros, assim como fissuras, tendo sido apurado, por peritos do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e do Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto que o edifício executado não satisfazia as condições de segurança estrutural previstas em projecto, necessitando de uma profunda intervenção de reabilitação estrutural. A debilidade da construção devia-se ao facto de ter sido colocado na laje do piso 0 um betão de baixa resistência, correspondente a uma classe de resistência C12/15, e à não colocação das armaduras previstas em projecto, à utilização de armaduras de aço A400 e não de aço A500, de varões de diâmetro inferior ao projectado e ao incumprimento das alturas mínimas das lâminas das zonas das vazadas e ao comportamento deficiente da laje (já fissurada) e ao facto de na laje de cobertura, pilares e paredes do piso 0 e -1 ter sido colocado um melhor betão, da classe C20/25, ainda assim, de resistência muito inferior à prevista em projecto. Alega que as condições de durabilidade da estrutura estão comprometidas, tornando necessária uma alargada intervenção de reforço, que teria que abranger praticamente toda a estrutura ou como melhor opção a demolição de toda a construção existente e a execução de nova estrutura, o que importa custo não inferior a 150.000,00 €. Refere a A. que os responsáveis pela direcção da obra não fizeram respeitar os projectos de estabilidade e de estruturas, nem as normas do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 349-C/83, designadamente o seu artigo 13º, o que só foi possível pela deficiente verificação da execução da obra, i.e., pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso dos deveres da 3.ª e do 4.º RR., que assumiram a incumbência da fiscalização da obra, concluindo pela condenação dos RR. no ressarcimento dos danos sofridos.
Devidamente citadas os RR. vieram contestar, tendo os 3.º e 4.º RR. requerido a intervenção acessória da H… – Companhia de Seguros, S.A., actualmente I…, o que foi admitido.
Alegou o 1.º R. na sua contestação que a empresa que se comprometeu perante o Autor a realizar a obra em causa foi a 3.ª R. dada a longa relação de amizade que o unia ao seu representante legal, e que “foi na sequência desse contacto comercial que a referida E… acertou com a “G…”, então empregadora do ora Réu, a execução da mencionada obra. Mais refere que ao longo da execução da obra, actuou sempre em obediência às ordens e instruções que lhe iam sendo dadas pela Construções G…, Lda., por intermédio do 2.º R., e que embora tenha acabado por subscrever a declaração por via da qual acabou por figurar formalmente como director da mencionada obra, não assumiu quaisquer funções de direcção da obra.
Os 3.º e 4.º RR. vieram contestar, aceitando que o projecto de estabilidade foi contratado à 3ª R. e elaborado pelo 4º R., tendo sido também a 3ª R. incumbida da fiscalização da obra. Alegam que o A. acompanhou os trabalhos e ia dando directamente ao empreiteiro instruções de alteração ao projecto para diminuir os custos da obra. Refere a 3ª R. que procedeu à efectiva fiscalização da obra e que quanto ao diferente betão utilizado trata-se de uma diferença que não é visível a olho nu. Concluem pela improcedência do pedido.
A interveniente H…, S.A. vem apresentar contestação impugnando os factos alegados pelo A.
Foi junta aos autos certidão da sentença que decretou a insolvência de D… e mulher, datada de 27/11/2014.
Notificadas as partes da possibilidade do tribunal conhecer da inutilidade da lide quanto ao 2º R. em face da sua insolvência, os 3º e 4º RR. vieram pronunciar-se no sentido de considerarem não se verificar a inutilidade da lide, por a exoneração do passivo não abranger as obrigações decorrentes de ilícitos culposos.
Foi realizada audiência prévia, nos termos que constam de fls. 476, tendo as partes requerido a realização de uma perícia colegial, tendo sido proferido despacho a convidar os 3º e 4º RR. a corrigirem o seu requerimento instrutório, o que os mesmos vieram fazer.
No despacho de 10-12-2015 veio a ser julgada a inutilidade superveniente da lide quanto ao 2º R. D…, em razão da sua declaração de insolvência e julgada extinta a instância quanto a ele.
No mais foi determinada a validade da lide e enunciado o objecto do litígio e os temas da prova, tendo sido admitidos os meios de prova apresentados pelas partes, designadamente a prova pericial na modalidade colegial, tendo sido fixado o seu objecto e nomeados os peritos.
Os peritos vieram apresentar o seu relatório, nos termos que constam de fls. 620 ss.
Os 3º e 4º RR. vieram reclamar do relatório apresentado requerendo que sejam apresentadas respostas pelos peritos com base nas observações e diligências que fizeram como técnicos e desconsiderando os relatórios do LNEC e da FEUP, mais solicitando que os mesmos prestem os esclarecimentos que enunciam e requerendo desde logo a realização de uma segunda perícia.
Por despacho de fls. 665 foi determinada a notificação dos peritos para prestarem os esclarecimentos pedidos pelas partes.
Os peritos vieram apresentar relatório complementar a fls. 668 ss. referindo que o relatório apresentado foi fruto de uma análise criteriosa e aprofundada dos elementos de que dispunham e complementada com uma visita e observação do local e apresentam respostas aos esclarecimentos pedidos.
Os 3º e 4º RR. vêm pronunciar a fls. 691, reiterar que o relatório apresentado não corresponde a uma verdadeira perícia, consideram que não foram respondidas questões por si colocadas e insistem que os peritos prestem os esclarecimentos.
A 30/11/2016 foi proferido o seguinte despacho sobre esta questão: “Face à natureza da perícia, à causa em discussão, excepcionalmente ordeno que se solicite os indicados esclarecimentos.”
Os peritos vêm a fls. 700 ss. “dar resposta aos pedidos de esclarecimentos formulados”, em que essencialmente mantêm o referido no relatório anterior e dão como respondidas as questões suscitadas pelos 3º e 4º RR.”
Por requerimento de 19/01/2017 vêm os 3º e 4º RR. requerer de novo que os peritos sejam notificados para prestar os esclarecimentos pedidos, insistindo que não se trata de uma verdadeira perícia realizada.
A 26/01/2017 foi proferido o seguinte despacho sobre o requerido: “Da prova pericial. Como ressalta dos autos, foi ordenada perícia – folhas 533/534 – sendo que a mesma teve laudo – folhas 620 e seguintes. O mesmo foi respondido de modo unânime. O 1.º R. veio pedir esclarecimentos – folhas 648. O A. veio, igualmente, pedir esclarecimentos – folhas 651/652. Os RR. (3.º e 4.º) vieram pedir esclarecimentos – folhas 655 e seguintes. Os srs. peritos de modo unânime responderam a tais pedidos – folhas 668 e seguintes e 700 e seguintes. Vieram de novo os 3.º e 4.º RR. pedir novos esclarecimentos. Estes RR., aquando da notificação do primeiro laudo, pedir a realização de 2.ª perícia. Cumpre decidir. Em primeiro lugar, importa afirmar que aos esclarecimentos não assiste o “direito” de pedir novos – ainda que o Tribunal de modo excepcional os tenha admitido da primeira vez. Deste modo, não admito segundos pedidos de esclarecimentos, sem prejuízo do que se vai decidir. Face à posição dos 3.º e 4.º RR., repetidamente afirmada nos seus requerimentos e supra referidos, ao afirmado, também repetidamente, pelos srs. peritos, ao abrigo do poder de gestão processual – artigos 6.º e 547.º do Código de Processo Civil – com vista a evitar a realização de segunda perícia, e evitar mais delongas e inútil processado, com o consequente aproveitamento da primeira, ordeno que se realize diligência perante mim, com a presença dos srs. peritos e das partes, a fim de esclarecer e definir os termos desta primeira perícia.”
No âmbito da diligência designada foi determinada a realização de uma segunda perícia, que foi efectuada e o relatório junto aos autos a fls. 717 ss. e complementado a fls. 791 ss. em resposta aos esclarecimentos pedidos pelas partes.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a 3ª R. a pagar ao A. a quantia de € 166.482,00 acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento,
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……………………… II. Questões a decidir Questão prévia: - da (in)admissibilidade do recurso interposto pelo 4º R. quanto aos dois despachos intercalares e quanto à sentença proferida e do recurso interposto pela 3ª R. quando à decisão que absolveu da instância o 2º R.
Os 3º e 4º RR. vêm interpor recurso da sentença proferida, bem como do despacho de 10/12/2015 que julgou extinta a instância quanto ao 2º R. com fundamento na inutilidade superveniente da lide, em razão da sua declaração de insolvência e do despacho de 26/01/2017 que indeferiu o requerimento para que os peritos prestassem novos esclarecimentos.
O art.º 631.º n.º 1 do C.P.C. referindo-se à legitimidade para recorrer, vem estabelecer: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa tenha ficado vencido.” Os números seguintes conferem legitimidade para recorrer a quem não seja parte na causa, mediante a verificação dos pressupostos aí definidos.
A parte apenas dispõe de legitimidade para recorrer, relativamente à decisão em que tenha ficado vencida, nos termos do disposto no art.º 631.º n.º 1 do C.P.C.
A questão está pois em saber se os Recorrentes podem ser considerados parte vencida, face à concreta decisão por eles impugnada.
Com respeito ao 4º R. verifica-se que a sentença proferida o absolveu do pedido contra ele formulado nestes autos pelo A., pelo que dessa forma o mesmo obteve ganho de causa, conforme por si havia sido pugnado na contestação que apresentou, não tendo por isso o mesmo ficado de modo algum vencido na causa.
Já quanto ao despacho de 10/12/2015 que absolveu da instância o 2º R. não pode dizer-se que qualquer um dos outros RR. ficou vencido, na medida em que não está em causa nenhum pedido por si formulado contra o mesmo, sendo que naturalmente quem ficou vencido nesta decisão foi o A. A decisão proferida de absolver o 2º R. da instância não vem repercutir-se de forma negativa na esfera jurídica destes RR.
Estes Recorrentes, através do recurso que interpõe, vêm pretender a alteração de uma decisão em que não ficaram vencidos com vista ao prosseguimento da acção quanto ao 2º R. e sua eventual condenação num pedido que eles não formularam contra ele e que não tem qualquer interferência no pedido que o A. contra si apresenta nestes autos, nele não podendo influir, na medida em que apenas absolve da instância quem é seu comparte na acção.
A legitimidade que os RR. têm para recorrer da decisão, enquanto parte na causa e sujeita à previsão do art.º 631.º n.º 1 do C.P.C. situa-se no âmbito da relação material controvertida estabelecida entre eles e o A. e relativamente ao seu vencimento na decisão.
Diz-nos Abrantes Geraldes, in. Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 63: “O vencimento ou decaimento devem aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objecto de decisão. É parte vencida aquela que é objectivamente afectada pela decisão, ou seja, que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o réu quando, no todo ou em parte seja prejudicado pela decisão. Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir.”
Nesta medida, e tendo em conta o caso em presença, já se vê que o interesse do R. em recorrer e o seu vencimento na decisão, não pode dissociar-se das consequências que a decisão recorrida pode ter para si no âmbito da relação material controvertida configurada pelo A. na acção e que suporta o pedido contra si apresentado, só tendo o R. legitimidade para recorrer se tiver ficado vencido na decisão, visando o recurso, com a pretendida alteração da decisão, obstar ao prejuízo que para ele resulta da mesma.
Os RR. nos presentes autos são demandados numa situação de coligação, atenta a previsão do art.º 36.º n.º 2 do C.P.C. admissível porque sendo embora diferente a causa de pedir relativamente aos RR., a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação dos mesmos factos. Se relativamente ao 1º R. o A. invoca como causa de pedir a violação dos seus deveres enquanto Director da obra, quanto ao 2º R. fundamenta o pedido na deficiente execução da obra pelo mesmo pelo facto de ser sócio da empresa empreiteira Sociedade de G… e encarregado da obra, já relativamente à 3ª R. o pedido fundamenta-se no incumprimento do contrato com ela celebrado para a fiscalização da obra e quanto ao 4º R. no incumprimento dos seus deveres enquanto director da fiscalização da obra e ao abrigo da responsabilidade extra contratual.
Não podem os 3º e 4º RR. interpor recurso pugnando pela alteração da decisão não por terem ficado vencidos, mas antes saindo do âmbito da relação material controvertida que opõe cada um deles ao A., pretendendo que o processo prossiga quanto ao 2º R. para que também ele seja eventualmente condenado no pedido, assim adoptando no processo uma posição que se destina a tutelar o interesse do A. e contrária ao interesse do 2º R. seu comparte na acção.
Não se vê que os RR. Recorrentes sejam objectivamente afectados ou prejudicados com a decisão que absolve da instância o 2º R. declarado insolvente, até na medida em que não estão impedidos de ver apreciados no processo os factos que se referem ao invocado defeito da obra, pressupostos da responsabilidade que lhes é pedida, não podendo considerar-se parte vencida naquela decisão, de forma a legitimar o recurso que pretendem interpor da mesma.
No caso, a legitimidade dos RR. é apenas para interpor recurso da decisão proferida na parte em que ficam vencidos e por isso contra o A., contra quem decaem. Já quem dispunha de legitimidade para pôr em causa a decisão que absolveu da instância o 2º R. era o A., já que foi ele quem nesta parte ficou vencido na acção e não os seus compartes.
Conclui-se por isso que os 3º e 4º RR. não têm legitimidade para recorrer da decisão de 10/12/2015 que absolveu o 2º R. da instância, o que constitui um obstáculo ao conhecimento do recurso por eles interposto sobre a mesma, impondo-se a sua rejeição, mais se constatando ainda que o recurso sobre tal decisão sempre seria extemporâneo, atento o disposto no art.º 644.º n.º 1 al. b) do C.P.C. por se tratar de decisão que admite recurso autónomo, que oportunamente não foi interposto.
Já quanto ao recurso da sentença proferida e uma vez que na mesma o 4º R. F… também foi absolvido do pedido, não tem o mesmo legitimidade para dela recorrer, por não ter ficado vencido, antes tendo saído vencedor, rejeitando-se o recurso por si interposto sobre a sentença e sobre o despacho intercalar de 26/07/2017.
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Tendo em conta o objecto dos recursos delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine: Do recurso da A.:
- da impugnação da matéria de facto;
- do concurso entre responsabilidade contratual e extra contratual;
- da responsabilidade extra contratual dos 1º e 4º RR. Do recurso da interveniente:
- da impugnação da matéria de facto;
- da responsabilidade do empreiteiro G… e do 2º R. enquanto encarregado da obra; Do recurso da 3ª R.: - do despacho de 26/01/2017
- do indeferimento dos esclarecimentos a prestar pelos peritos; - da sentença
- da impugnação da matéria de facto;
- da nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b), c) e d) do C.P.C.;
- do concurso entre responsabilidade contratual e extra contratual;
- da responsabilidade contratual da 3ª R.
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III. Do recurso do despacho de 26/01/2017 - do indeferimento dos esclarecimentos a prestar pelos peritos
Os factos relevantes para a apreciação desta questão são os que constam do relatório elaborado, na referência aos procedimentos que foram seguidos no âmbito da 1ª perícia determinada e na sequência do relatório apresentado pelos Srs. Peritos.
Vem a 3ª R. J…, Ld.ª recorrer do despacho proferido a 26/01/2017 por não concordar com o mesmo na parte em que indefere os segundos pedidos de esclarecimentos, entendendo que há violação de caso julgado porque não se tratou de um novo pedido de esclarecimentos mas antes de uma insistência para que os esclarecimentos já determinados fossem prestados, invocando ainda a sua nulidade por omissão de pronuncia e uma limitação do seu direito à prova.
A prova pericial, no dizer do art.º 388.º do C.Civil, tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais ou técnicos que os julgadores não têm, não obstante na sua força probatória as respostas dos peritos estejam sujeitas à livre apreciação do tribunal, nos termos estabelecidos no art.º 389.º do C.Civil.
Determinada a realização de uma perícia, o seu resultado é expresso num relatório que é apresentado ao processo, em que os peritos se pronunciam sobre o objecto da perícia, respondendo às questões que lhes são colocadas e fundamentando as conclusões a que chegaram.
A propósito das reclamações contra o relatório pericial rege o art.º 485.º do C.P.C. nos seguintes termos:
“1.A apresentação do relatório pericial é notificada às partes. 2. Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações. 3. Se as reclamações forem atendidas, o juiz ordena que o perito complete, esclareça ou fundamente, por escrito, o relatório apresentado. 4. O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores.”
Esta norma vem permitir que as partes em face do teor do relatório apresentado solicitem esclarecimentos, designadamente se considerarem que as respostas dadas não se encontram devidamente fundamentadas ou se entenderem que são deficientes, obscuras ou contraditórias.
Importa ainda ter em conta que a parte tem adicionalmente ao seu dispor a possibilidade de requerer que os peritos compareçam na audiência final a fim de aí prestarem os esclarecimentos que pretendam, como prevê o art.º 486.º do C.P.C. independentemente de já anteriormente terem reclamado do relatório pericial e de ter sido determinado o seu esclarecimento ou aditamento.
Na situação em presença e com respeito ao despacho impugnado pela 3ª R. não pode deixar de ter-se em conta, por um lado, todas as vicissitudes ocorridas anteriormente e direccionadas para o acolhimento da sua pretensão e por outro lado, a questão de fundo que afinal está na base da sua discordância com o relatório apresentado e que resulta essencialmente da circunstância dos peritos se terem socorrido e fundamentalmente baseado as suas respostas na análise que efectuaram dos relatórios juntos aos autos elaborados pelo LNEC e FEUP.
Notificada do relatório pericial apresentado a Recorrente dele reclamou, requerendo que fossem apresentadas respostas pelos peritos com base nas observações e diligências que fizeram como técnicos e desconsiderando os relatórios do LNEC e da FEUP, mais solicitando que os mesmos prestem os esclarecimentos que enuncia e solicitando desde logo a realização de uma segunda perícia.
Tendo sido determinada a notificação dos peritos para prestarem os esclarecimentos pedidos pelas partes, os mesmos apresentaram relatório complementar a fls. 668 ss. referindo que o relatório apresentado foi fruto de uma análise criteriosa e aprofundada dos elementos de que dispunham, entre os quais aqueles relatórios, e complementada com uma visita e observação do local e apresentam respostas aos esclarecimentos pedidos.
Os 3º e 4º RR. vêm pronunciar-se a fls. 691, reiterando que o relatório apresentado não corresponde a uma verdadeira perícia e considerando que não foram respondidas questões por si colocadas, insistindo que os peritos prestem os esclarecimentos formulados.
A 30/11/2016 foi proferido o seguinte despacho sobre esta questão: “Face à natureza da perícia, à causa em discussão, excepcionalmente ordeno que se solicite os indicados esclarecimentos.”
Os peritos vêm posteriormente a fls. 700 ss. “dar resposta aos pedidos de esclarecimentos formulados”, em que essencialmente mantêm o referido no relatório anterior e dão como respondidas as questões suscitadas pelos 3º e 4º RR.
Por requerimento de 19/01/2017 vêm os 3º e 4º RR. requerer de novo que os peritos sejam notificados para prestar os esclarecimentos pedidos, insistindo que não se trata de uma verdadeira perícia realizada.
Foi a 26/01/2017 proferido o despacho recorrido, que entendeu não assistir aos RR. o direito a pedir novos esclarecimentos, que o tribunal anteriormente deferiu a título excepcional, não admitindo o requerido pelos RR., decidindo porém, face à posição manifestada pelos 3º e 4º RR. e ao repetidamente afirmado pelos Peritos, ao abrigo dos poderes de gestão processual, designar diligência com a presença das partes e dos peritos “a fim de esclarecer e definir os termos desta primeira perícia.”
Não se vê que o despacho recorrido mereça qualquer censura, quando na prática o que o mesmo pretendeu foi evitar o arrastar de uma situação que já estava revelada como sendo de impasse, entre o entendimento dos peritos que consideraram ter realizado a perícia com uma opção de trabalho que tiveram como válida e os 3º e 4º RR. que consideraram que o método por eles seguido não se traduziu numa verdadeira perícia, insistindo pela sua realização.
Os procedimentos anteriores fazem supor aliás a inutilidade da insistência por um novo pedido de esclarecimentos, que previsivelmente não teria qualquer resultado, uma vez que na resposta ao pedido de esclarecimentos anteriores os peritos já davam como respondidas as questões. Além do mais como forma de desbloquear a situação foi até designada uma diligência com a presença de todos.
Concretamente quanto aos vícios apontados pelos RR. Recorrentes a este despacho, não se vislumbra que exista qualquer ofensa do caso julgado formal por o tribunal ter determinado anteriormente que tais esclarecimentos fossem prestados, na medida em que os peritos vieram apresentar uma resposta conforme lhes foi exigido, que não sendo a resposta pretendida pelos RR. não pode deixar de considerar-se que vieram dar cumprimento ao determinado pelo tribunal.
Foi sobre o novo requerimento de esclarecimentos apresentado pelos RR., o terceiro, que o tribunal se pronunciou, indeferindo o mesmo, sob pena do arrastar de uma situação que já se via inultrapassável em face das posições tomadas nos autos, não constituindo este despacho uma qualquer substituição do despacho anteriormente proferido.
Não há ainda qualquer violação do direito à prova, como referem os Recorrentes. É que, por um lado, a lei apenas consagra a possibilidade da parte reclamar do relatório pericial por uma vez – art.º 485.º n.º 2 do C.P.C. e, por outro lado, a parte não está impedida de solicitar a comparência dos peritos em audiência de julgamento para prestarem os esclarecimentos pretendidos, nos termos previstos no art.º 486.º n.º 1, sem esquecer até que, no caso, foi ainda designada uma diligência com a presença das partes e dos peritos em face das reclamações e respostas apresentadas e no sentido de se esclarecerem os termos da perícia.
Finalmente quanto à questão da suscitada da nulidade do despacho recorrido por omissão de pronuncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., por não ter avaliado a necessidade dos esclarecimentos pretendidos, já se vê também que a mesma não ocorre.
O art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. aplicável aos despachos por força do art.º 613.º n.º 3 estabelece que a sentença é nula quando, entre outras situações: “d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
No art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C. o legislador comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do C.P.C. segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem vindo a ser comumente entendido que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões – neste sentido, vd. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005 no proc. 05S2137 in. www.dgsi.pt
No caso em presença, o tribunal a quo pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pelos RR. dirigido à notificação dos peritos para que prestassem esclarecimentos ao relatório apresentado, sobre ele tomando posição, sendo esta a questão que se lhe impunha decidir e que fundamentou.
Confunde a R. Recorrente a nulidade do despacho por omissão de pronuncia com o que considera ser um erro da decisão ao não ter determinado uma nova notificação dos peritos para prestarem os esclarecimentos pretendidos.
Sem necessidade de outras considerações, já se vê que não estamos perante uma qualquer situação de omissão de pronuncia pelo tribunal de 1ª instância, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., tendo sido tomado posição sobre a questão que lhe competia apreciar.
Por tudo o que fica exposto, conclui-se que não existe fundamento para revogar o despacho recorrido, mantendo-se o mesmo e improcedendo consequentemente o recurso interposto pela 3ª R. sobre ele. IV. Do recurso da sentença
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Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) A obra de construção da moradia do A. teve por base os seguintes elementos, entre outros: - Projecto de estabilidade, com memória descritiva e justificativa e peças desenhadas, de Janeiro 2012, da autoria do 4.º R.; e - Projecto de estruturas, com memória descritiva e justificativa e peças desenhadas, de Julho 2012, da autoria de Eng.º K….
2) E foi objecto de licenciamento pela Câmara Municipal …, através do processo de obra nº …/10, do qual resultou o Alvará de licença de obras de edificação nº …/12, de 30/05/2012.
3) Nesse processo de licenciamento, a sociedade G…, Lda. apresentou declaração pela qual se firmou titular do Alvará de Construção nº ….., emitido pelo IMPI, contendo autorizações nas subcategorias da Categoria - Edifícios e Património Construído, com o valor até 2.656.000,00 €.
4) O 1.º R., que é engenheiro civil e mantinha contrato de trabalho com essa sociedade, apresentou termo de responsabilidade como director da obra.
5) A sociedade 3.ª R, por contrato celebrado com o A., ficou incumbida da fiscalização da obra, mediante remuneração.
6) Tendo o 4.º R., que foi autor do projecto de estabilidade, também é engenheiro civil e é sócio gerente da 3.ª R., apresentado termos de responsabilidade como autor desse projecto e como director da fiscalização da obra.
7) A obra iniciou-se em Maio de 2012.
8) Os trabalhos de construção decorreram entre Maio de 2012 e Janeiro de 2013, tendo a G…, Lda. executado, nomeadamente, as fundações, as paredes de alvenaria e as lajes do piso -1, do piso 0 e o piso de cobertura.
9) Actuando sempre os operários da G…, Lda. sob as ordens e instruções do 2.º R.
10) Entre Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013, mostravam-se concluídos os trabalhos da G…, Lda., a quem foi pago a quantia global de 129.000,00 €.
11) E o A., em Abril de 2013, solicitou a outro empreiteiro a execução dos restantes trabalhos de construção da moradia.
12) Este outro empreiteiro, ao analisar a obra, detectou que a laje do piso 0 apresentava, na sua zona central, uma inflexão para baixo de cerca de 7 centímetros, assim como fissuras.
13) Com vista a esclarecer a origem e as consequências das anomalias, o A. solicitou uma perícia ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), da qual viriam a resultar os relatórios n.º …/2013 - DE/NCE e n.º …/2013 - DE/NCE.
14) Registou o LNEC no relatório n.º …/2013 - DE/NCE que o edifício, tal como foi executado, não satisfaz as condições de segurança estrutural previstas em projecto, seja para os estados limites últimos de resistência (flexão, esforço normal, esforço transverso e punçoamento), seja para os estados limites de utilização (fendilhação e deformação), seja relativamente às exigências de durabilidade (corrosão das armaduras).
15) Concluindo o LNEC nesse relatório que a estrutura executada pelos denunciados não corresponde minimamente à prevista no projecto de estabilidade, necessitando de uma profunda intervenção de reabilitação estrutural.
16) O LNEC verificou que foi colocado na laje do piso 0 um betão de baixa resistência, correspondente a uma classe de resistência C12/15, cuja utilização o Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 349-C/83, de 30/07, não permite em estruturas de importância normal, como seja um edifício de habitação.
17) E que este condicionamento, aliado à não colocação das armaduras previstas em projecto, à utilização de armaduras de aço A400 e não de aço A500, de varões de diâmetro inferior ao projectado, ao incumprimento das alturas mínimas das lâminas das zonas das vazadas e ao comportamento deficiente da laje (já fissurada) aponta para a necessidade da demolição da laje.
18) Verificou ainda o LNEC que na laje de cobertura, pilares e paredes do piso 0 e -1 foi colocado um melhor betão, da classe C20/25, mas que é, ainda assim, de resistência muito inferior à prevista em projecto.
19) Apontando, também, o LNEC que, para além da utilização de betão e aço de classes de resistência inferiores às previstas em projecto, há também sinais de não terem sido executadas as armaduras previstas em projecto.
20) Relativamente ao especificado no projecto, as armaduras aplicadas apresentam uma resistência inferior em pelo menos 20% ao previsto e a quantidade de armadura aplicada nas zonas analisadas é, em alguns casos, inferior, em mais de 50% à prevista.
21) Sempre de acordo com o relatório do LNEC, as graves deficiências de execução da obra só admitem duas soluções de intervenção, a saber: a) Intervenção de reabilitação global da estrutura, incluindo a demolição e reconstrução da laje do piso 0; ou b) Demolição integral e reconstrução da estrutura.
22) A escolha da solução a adoptar, terá de ser baseada numa análise comparativa de custos e benefícios, como indica o próprio LNEC, sendo certo que, nenhuma delas terá um custo inferior a 150.000,00 €.
23) Sensivelmente idêntico ao custo que importou a edificação da estrutura. 24) O A. solicitou também ao Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (IC-FEUP) um relatório técnico de avaliação de segurança e de avaliação do comportamento em serviço da laje do piso 0 do edifício.
25) Registou o IC-FEUP, nesse relatório, que a laje do piso 0 apresenta flechas pronunciadas, com valores máximos que ultrapassam o limite regulamentar, sendo expectável que esses valores venham a aumentar, considerando que não estão ainda aplicadas todas as cargas na laje e que uma parte dos efeitos de fluência ainda não ocorreu.
26) Verificou ainda o IC-FEUP que os aligeiramentos da laje não correspondiam à solução definida em projecto, tendo sido colocada apenas uma banda com 0,35 m de largura, quando o projecto previa 2 bandas de 0,60 m de largura, cada uma, separadas por uma nervura de 0,15 m.
27) Por outro lado, também o IC-FEUP verificou que foi colocado na laje do piso 0 um betão de baixa resistência, correspondente à classe C12/15, cuja utilização o Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado não permite em edifícios de habitação,
28) Quando o betão definido em projecto era o da classe C30/37.
29) Concluindo o IC-FEUP, no seu relatório, que os pilares apresentam uma resistência à pressão de cerca de metade da resistência necessária e que, face à permeabilidade elevada do betão.
30) As condições de durabilidade da estrutura estão comprometidas não sendo aceitáveis para uma obra nova que está em construção.
31) Face ao estado da obra padece, afirmam os subscritores do relatório que, embora seja possível uma intervenção de reforço bastante alargada, que teria que abranger praticamente toda a estrutura, a melhor opção para a construção passa pela demolição de toda a construção existente e a execução de uma nova estrutura.
32) O que implica a demolição das paredes de alvenaria já executadas, a remoção dos enchimentos e revestimentos das lajes, a remoção de todas as tubagens executadas, bem como a demolição do pavimento térreo da cave e a remoção das terras na envolvente da obra e da pintura com emulsão betuminosa dos muros de suporte.
33) Trabalhos que, como se referiu, importarão custo não inferior a 150.000,00 €.
33A) Em Maio de 2012, o A. incumbiu a sociedade G…, Lda. de executar, em regime de empreitada, parte dos trabalhos de construção de uma moradia, de cave, rés-do-chão e andar (piso -1, piso 0 e cobertura), a implantar no prédio do A. sito na Estrada Nacional …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial respectiva sob o nº 4217.
33B) E incluindo os trabalhos a realizar pela mencionada sociedade todas as fases da construção até atingir os toscos, e compreendendo, portanto, a execução das fundações, as paredes de alvenaria, as lajes do piso -1 e do piso 0 e a cobertura.
33C) Por referência ao facto provado em 7) que o foi sob a direcção do 1.º R., que recebia, durante a execução da obra, ordens e instruções do 2.º R.
34) O 1.º R. exercia a suas funções sob a direcção do 2.º R. que, na qualidade de superior hierárquico do 1.º R., como gerente da G… lhe dava ordens e instruções.
35) A construção erguida não está dotada da necessária resistência e estabilidade, sofreu já alterações na laje do piso 0, que inflectiu para baixo e abriu fissuras, e vai continuar a deformar-se e a abrir fissuras.
36) A construção tem que ser totalmente reabilitada ou demolida. (alterado).
37) Acarretando a reabilitação global, incluindo demolição e reconstrução da laje do piso 0, ou a demolição integral e reconstrução, custo não inferior a 150.000,00 €.
38) Em 27.03.2014, o A. apresentou queixa-crime contra eles, o que deu origem ao processo de inquérito sob o n.º 3525/14.7TAVNG, que corre termos na 2.ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia.
38A) O 1º R. que assumiu a responsabilidade pela direcção da obra, não fez respeitar os projectos de estabilidade e de estruturas, não assegurando a realização da obra em conformidade com o projecto de execução.
39) A 3.ª R, a quem o A. pagou a importância de 15.500,00 €, pelos trabalhos de fiscalização da obra, não assegurou a verificação da execução da obra em conformidade com o projecto de execução. (alterado).
40) O 4.º R., na qualidade de director de fiscalização da obra não assegurou a verificação da execução da obra em conformidade com o projecto de execução, e o dever de participar ao dono da obra situações que comprometam a segurança da obra.
41) A G…, Lda. foi declarada insolvente no processo n.º 1826/13.0TBBCL do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos e está em liquidação.
42) As perícias do LNEC e do IC-FEUP, tiveram um custo de 10.947,00 € e 5.535,00 €, respectivamente, que perfazem 16.482,00 €.
43) O A. pagou 129.000,00 € à G…, Lda., 7.148,29 € à M… pelo levantamento da licença da obra, e 15.500,00 € à 3ª R. (129.000,00 € + 7.148,29 € + 15.500,00 € = 151.648,29 €).
44) A empresa que se comprometeu perante o Autor no que diz respeito à realização da obra em causa nos presentes autos foi a 3.ª Ré, “E…, Lda.”, dada a longa relação de amizade que unia aquele e representante legal desta.
45) Foi a 3.ª Ré quem ajustou com o Autor o orçamento referente a todo o projecto.
46) E foi na sequência desse contacto comercial que a referida E… acertou com a “G…”, então empregadora do ora Réu, a execução da mencionada obra.
47) Quem estabelecia e estabeleceu todos os contactos com o Autor e dono da obra, ao longo e quanto à execução da mesma, dando conta inclusive do andamento da mesma, era a 3.ª Ré.
48) Do mesmo modo que quem transmitia à “G…” e ao 2.º Réu todas as informações sobre o estado da obra, era também a 3.ª Ré, que acabou por ser quem dirigiu toda a construção.
49) O 1.º Réu, ao longo da execução da mesma obra, actuou sempre em obediência às ordens e instruções que lhe iam sendo dadas pela sua entidade patronal, por intermédio do 2.º Réu.
50) Foi por imposição da “G…” que o 1.º Réu acabou por subscrever a declaração por via da qual acabou por figurar formalmente como director da mencionada obra.
51) O 1.º R. não assumiu quaisquer funções de direcção da obra, já que estas foram entregues pela Autor à 3.ª Ré.
52) O A. quando pretendia obter informações sobre o andamento da obra, ou fornecer instruções quanto à mesma, dirigia-se à 3.ª R..
53) Os operários da “G…” obedeciam sempre às instruções que lhes eram dadas pela 3.ª Ré acerca da execução da obra.
54) A 3.ª R. é uma sociedade que tem por objecto a actividade de «Estudos, projectos e consultoria de engenharia e técnicas afins; consultoria e fiscalização de obras; projectos, consultoria e fiscalização de segurança em obra; projectos de segurança contra incêndios; estudos, projectos e consultoria de arquitectura e planeamento urbano; formação profissional; outras actividades de consultoria, cientificas, técnicas e similares.».
55) O 4.º R é Engenheiro Civil, integra os quadros da 3.ª R. e, além disso é seu sócio e gerente, exerce a sua actividade profissional como Engenheiro Civil por intermédio da 3.º R. e não exerce qualquer actividade independente.
56) Efectivamente o A., no ano de 2011, contratou a 3.ª R., para que esta procedesse à elaboração, para efeito de licenciamento, de todos os projectos de especialidade de engenharia civil para um edifício destinado a uma habitação unifamiliar a construir em …, Vila Nova de Gaia, tendo por base um projecto de arquitectura elaborado por entidade diversa, contratada para o efeito também pelo A..
57) Dentre esses projectos de especialidade de engenharia civil contratados à 3.ª R. incluía-se um “Projecto de Estabilidade” (também passível de ser designado de “Projecto de Estruturas e Fundações”) para aquele edifício, a elaborar tendo por base o referido projecto de arquitectura elaborado por entidade diversa.
58) A referida construção foi licenciada, por iniciativa do A., tendo o procedimento de licenciamento sido conduzido e instruído pelo gabinete de arquitectura contratado pelo A..
59) O A. contratou também a 3.ª R. para a elaboração dos projectos de especialidades de engenharia civil para a obra em causa para efeito de execução, o que incluiu um “Projecto de Estruturas e Fundações” (também passível de ser designado por “Projecto de Estabilidade”) para o mesmo edifício destinado a uma habitação unifamiliar, vulgo moradia, a construir em …, Vila Nova de Gaia, tendo por base o projecto de arquitectura elaborado por entidade diversa, contratada para o efeito também pelo A., e o “Projecto de Estabilidade” já elaborado pela 3.ª R. por contratação do A..
60) Em 09-11-2011, a 3.ª R., por intermédio do 4.ª R., procedeu à elaboração do “Projecto de Estabilidade” referente à obra em causa, tornando viável esse licenciamento, e que foi elaborado tendo por base o projecto de arquitectura fornecido.
61) Posteriormente, a 3.ª R. procedeu à elaboração do “Projecto de Estruturas e Fundações” para a obra em causa, para efeito de execução, tornando viável a execução do projecto de arquitectura e de estabilidade que lhe serviu de base,
62) Já estes projectos foram entregues ao A. em 09-02-2012, por intermédio da mesma sociedade L…, LDA.
63) De igual modo, a 3.ª R. procedeu à elaboração e entrega, naquela data, de todos os restantes projectos de especialidade de engenharia civil necessários para efeito de execução, cumprindo todas as regras legais, regulamentares e da arte para o efeito.
64) O A., aquando da preparação para a execução da obra em causa, com todas as especialidades que integrava (arquitectura e engenharias, incluindo estruturas, hidráulica, electrotécnica, abastecimento de água e drenagem de águas residuais, domésticas e pluviais, etc.), veio ainda a contratar a 3.ª R. para que procedesse à fiscalização da obra em causa.
65) Assim foi que a 3.ª R. assumiu a incumbência de fiscalizar a execução da obra em causa, tendo em consideração os projectos por esta elaborados e, bem assim, os restantes projectos elaborados por terceiros por contratação do A. para o efeito (nomeadamente arquitectura).
66) Por essa razão: Em Abril de 2012, o 4.º R., como quadro da 3.ª R., assumiu a fiscalização da execução da referida obra, assumindo a responsabilidade da função de Director de Fiscalização.
67) Efectivamente, os trabalhos de execução da referida obra iniciaram-se em Junho de 2012, com a execução dos trabalhos preparatórios de desmatação do terreno e movimentação destinadas permitir a definição concreta da implantação do edifício no terreno.
68) Iniciando-se os trabalhos de execução de estruturas propriamente ditos, com a feitura das fundações, em 14.06.2012.
69) Tendo decorrido os trabalhos de execução de estruturas até 11-08-2012.
70) No que especificamente respeita à laje em causa nestes autos - laje do piso 0 -, esta foi betonada em 20-07-2012, com recurso a moldes tal qual os previstos no projecto.
71) Esses trabalhos de betonagem foram efectuados com recurso uma cofragem com escoramento ao solo.
72) O A., dono-de-obra, desde o primeiro momento, e durante todo tempo em que estiveram em curso trabalhos na obra em causa, acompanhou os trabalhos executados na obra por cada um dos intervenientes nesta.
73) O A., além de acompanhar os trabalhos, interveio nestes, dando opiniões, pedindo explicações directamente aos executantes.
74) De igual modo, o A. acompanhou o trabalho de fiscalização, assistindo as inspecções e visitas de fiscalização à obra, pedindo informações e esclarecimentos quanto às opiniões e solicitações feitas no âmbito da fiscalização, e inclusivamente acompanhando os testes efectuados no âmbito da fiscalização.
75) Pelo A. foram feitos pedidos de alterações à obra.
76) Nas alterações solicitadas pelo A. de que foi dado conhecimento à 3.ª R., e que implicaram a revisão de projectos, a 3.ª R., na qualidade de projectista de engenharia civil, estudou a possibilidade de introdução das alterações solicitadas pelo A., revendo os projectos de execução de especialidades elaborados, quando possível.
77) São o exemplo de alterações introduzidas por solicitação do A. relativamente ao que estava inicialmente definido nos projectos de execução de especialidade em engenharia civil elaborados pela 3.ª R., e que foram analisadas pela 3.ª R.:
a) Alteração da implantação da obra, quer em termos de localização, quer em termos de altimetria;
b) Alteração da localização das tubagens de abastecimento de água, que segundo o projecto deveriam estar adossadas ao tecto da cave, passando a estar embebidas na camada de enchimento do pavimento – tendo a 3.ª R. alertado para o facto de que esta alteração implicava o incumprimento da legislação em vigor;
c) A alteração quanto à rede de aquecimento, que passou a ser constituída por duas centrais térmicas alimentadas pela caldeira através de tubagens de 22 mm de diâmetro, derivando, destas centrais tubagens de cobre de 15 mm de diâmetro embebidas na camada de enchimento do pavimento a constituir a rede de ligação aos radiadores cuja localização foi definida e marcada em obra pelo picheleiro de acordo com as instruções dadas directamente pelo A.;
d) A alteração quanto às tubagens da rede de águas residuais que passaram a estar inseridas na laje estruturante de acordo com o projecto alterado por instrução do A.;
e) Alteração relativa à ampliação da cave;
f) Alteração da geometria da envolvente da moradia, por alteração à geometria do alpendre e entrada principal (idem);
g) Alteração da localização da área técnica para o piso -1;
h) Aumento do espaço interior da cozinha regional;
i) Alteração do tipo de tubagem referente ao abastecimento de água de PEX para PPR;
j) Alteração das paredes exteriores para paredes simples de alvenaria de tijolo térmico Preceram 30x19x29; k) Alteração da localização das botijas de gás da cozinha regional para a zona do canil;
l) Previsão de execução de golas para fixação da caixilharia;
m) Recuo do limite do muro que delimita a rampa de acesso à garagem em 1,50m e recuso idêntico para o outro muro que delimita a rampa;
n) Alteração do revestimento do piso térreo da garagem de cerâmica para betão polido;
o) Alteração por introdução de 3 pontos de luz na entrada principal; p) Alteração do muro limite da propriedade;
q) Alteração das instalações sanitárias;
r) Inclusão de canil;
s) Inclusão de torre de rádio amador;
t) Inclusão de poste de iluminação exterior;
u) Colocação de estores nas janelas.
78) A 3.ª R. sempre deu resposta a todas as solicitações do A., nomeadamente quanto à introdução de alterações referidas durante a execução dos trabalhos de construção civil, revendo os projectos na medida do necessário, aconselhando o A. e dando parecer relativamente às sugestões de todos e cada um dos restantes intervenientes em obra e fiscalizou a execução da obra.
79) Para além daquela laje do piso 0, a obra em causa integra trabalhos de execução de betão que não integram qualquer defeito, nomeadamente: a) Fundações; b) Muros de suporte do piso -1; c) Pilares do piso -1; d) Caixas de escada; e) Muros da rampa de acesso ao piso -1; f) Paredes do piso 0; g) Pilares do piso 0; h) Vigas da cobertura; i) Laje da cobertura; j) Zona técnica.
80) A laje do piso 0 apresenta um betão cuja especificação não corresponde à devida e prevista no projecto elaborado pela 3.ª R..
81) A 3.ª R. e 4.º RR. tomaram conhecimento de tal facto em Julho de 2013.
82) Apenas mediante o recurso a ensaios laboratoriais foi possível aferir do tipo de betão que se encontra utilizado na laje em causa.
83) Naquele concreto tipo de obra nem é sequer habitual, de acordo com os padrões de normalidade do sector, proceder-se a quaisquer tipo de testes laboratoriais ao betão – embora os mesmos possam ser realizados, conquanto o dono de obra se disponha a custear os mesmos.
84) A 3.ª R. fez, efectivamente, ensaios ao betão utilizado, com recurso a esclerómetro de Schmidt, para efeito de aferir da resistência do betão ali utilizado.
85) Por recurso àquele equipamento, nos ensaios feitos, confirmou a 3.ª R. que o betão da estrutura da edificação em causa cumpria os parâmetros necessários e corresponde a betão C30/37, mas aquele equipamento não permite ensaios com exactidão a lajes, mas apenas a muros, paredes e pilares.
86) Assim, efectuados pela 3.ª R. ensaios ao betão dos restantes elementos estruturais da obra em causa, e confirmado o tipo de betão C30/37, e considerando que não seria possível efectuar o teste ao betão da laje por recurso ao esclerómetro de Schmidt.
87) Os 3.ª e 4.º RR. partiram, por isso, do princípio, razoavelmente adquirido, de que o betão utilizado pelo empreiteiro na construção da lage seria de idêntica qualidade. IV.Razões de Direito - da nulidade da sentença
Invoca a 3ª R. a nulidade da sentença, em diversas vertentes, quer por falta de fundamentação, quer por contradição entre os fundamentos e a decisão, quer por omissão de pronuncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b), c) e d) do Civil.
O art.º 615.º n.º 1 do C.P.C. estabelece que a sentença é nula quando:
“a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
A alínea b) deste artigo surge na sequência do dever de fundamentação que se impõe ao juiz, nos termos do art.º 154.º do C.P.C., e reporta-se à ausência de fundamentação de facto e de direito que suportam a decisão.
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação.
Tem vindo a ser entendido, de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação é cominada com tal nulidade, que não se basta com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd. neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008, no proc. 08A2179, in. www.dgsi.pt.
No que respeita à previsão da al. c) do art.º 615.º n.º 1 do C.P.C., verifica-se uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos invocados, de facto e de direito, conduzem, de uma forma lógica ou necessária a uma decisão diferente, revelando um vício de raciocínio do julgador. Como nos diz, a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2011, no proc. 2903/05.7TBCSC.L1.S1 in. www.dgsi.pt: “A nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão só ocorre quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente.”
Já a alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., comina com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronuncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do C.P.C. segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem vindo a ser comumente entendido que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões – neste sentido, vd. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005 no proc. 05S2137 in. www.dgsi.pt
O tribunal tem de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelas partes e sobre as questões por elas suscitadas, não constituindo omissão de pronuncia quando isso acontece, sem que o tribunal tome posição expressa sobre todos os argumentos apresentados. As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma – tal omissão não pode porém qualificar-se como falta de pronuncia do tribunal sobre questão que lhe cabia resolver, susceptível de determinar a nulidade da decisão, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C.
A Recorrente alega que o tribunal não fundamentou a conclusão a que chegou quando considera que a sua responsabilidade contratual consome a responsabilidade extracontratual dos restantes RR., embora os sujeitos lesantes sejam diferentes, decidindo como se as responsabilidades decorressem dos mesmos factos. Invoca ainda a falta de factos susceptíveis de poderem determinar a sua obrigação de indemnizar seja por não se referenciar um qualquer facto ilícito que lhe seja imputável, seja porque os factos apurados não permitem a quantificação dos danos, integrando estes vícios na omissão de fundamentação, contradição e omissão de pronuncia.
Desde já se avança, que não se vislumbra uma qualquer nulidade da sentença, enquanto vício formal de que padeça, nos termos da previsão do art.º 615.º n.º 1 do C.P.C., afigurando-se que a Recorrente confunde estes vícios com as circunstâncias que são susceptíveis de poder fundamentar o erro da decisão, quer da decisão de facto, quer da decisão de direito.
No caso, a decisão recorrida está fundamentada e embora a sua fundamentação seja abreviada com respeito a algumas questões, dela constam os elementos de facto que são levados em conta, individualizados especificadamente, bem como são invocadas as normas jurídicas consideradas aplicáveis, com indicação das normas legais que são consideradas na decisão, não se verificando por isso a violação do art.º 154.º do C.P.C.
A decisão enuncia, quer os fundamentos de facto, quer os de direito que, no seu entender a justificam, não se verificando a ausência de fundamentação a que alude o art.º 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C. e que determina a nulidade da decisão.
Não há também qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão que possa determinar a nulidade da sentença, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al c) do C.P.C., antes se constata que os fundamentos de facto e de direito expressos na sentença são perfeitamente compatíveis, apresentando-se como corolário lógico da decisão proferida.
O que a Recorrente qualifica de contradição entre alguns factos considerados provados e a decisão tem a ver com a avaliação jurídica da causa, com a errada subsunção dos factos ao direito ou com o eventual erro da decisão, não existindo na sentença uma incompatibilidade ou incoerência lógica entre os factos provados e a decisão proferida, capaz de determinar a sua nulidade nos termos da norma mencionada. É por isso no âmbito da avaliação do aspecto jurídico da causa que consta da decisão que tais circunstâncias têm de ser ponderadas.
Também quanto à invocada omissão de pronuncia, o que a Recorrente entende é, no essencial, que a matéria considerada na decisão de facto é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado, nos termos em que o foi. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro da decisão de facto, se foram omitidos factos alegados e relevantes para a decisão, ou da decisão de direito, por errada subsunção dos factos aos direito.
Tal como nos diz com toda a clareza o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/03/2017 no proc. 7095/10.7TBMTS.P1. S1 in. www.dgsi.pt com respeito à decisão de facto, a mesma pode: “padecer dos vícios de deficiência, obscuridade ou de contradição nos termos especificamente previstos na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC. Por sua vez, a falta ou insuficiência da fundamentação da decisão sobre algum facto essencial constitui irregularidade suprível, mesmo oficiosamente, nos termos do citado artigo 662.º, nº 2, alínea d), e 3, alínea b). Nessa medida, em sede de decisão de facto, não se afigura, em princípio, aplicável o regime das nulidades da sentença previsto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do CPC. (…) Por outro lado, o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.”
A situação de eventualmente não terem sido ponderados factos relevantes para a decisão tem a sua sede própria de avaliação no âmbito da apreciação da matéria de facto e da sua suficiência ou insuficiência, não determinando a situação de omissão de pronuncia prevista no art.º 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., tendo o tribunal tomado posição sobre todas questões que lhe competia apreciar.
Já as situações relatadas pela Recorrente relativamente às quais a mesma conclui pela existência de contradições e omissões, circunscrevem-se a alegados erros da decisão em termos de subsunção dos factos ao direito e solução encontrada para o aspecto jurídico da causa.
Sem necessidade de outras considerações, já se vê que não podemos dizer que na sentença proferida estamos perante uma qualquer situação de falta de fundamentação de facto ou de direito, contradição entre os fundamentos e a decisão ou omissão de pronuncia, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. b), c) e d) do C.P.C., não sendo a mesma nula. - do concurso entre responsabilidade contratual e extra contratual
Tanto o A. como a R. vêm discordar da sentença proferida, entendendo que não se verifica no caso uma qualquer situação de concurso entre responsabilidade contratual e delitual, defendendo o A. que cada um dos RR. demandados está obrigado a indemnizar o A. com origem em diferentes fundamentos e concluindo a R. que não há motivo para excluir a responsabilidade do 1º R., estando em causa agentes diversos.
A sentença recorrida colocando a questão a decidir no âmbito da concorrência da responsabilidade extracontratual e contratual, defendeu que, fundamentando-se a pretensão do A. quanto à 3ª R. na responsabilidade contratual, e sendo a mesma julgada procedente, fica afastada a responsabilidade extracontratual dos demais RR., que é consumida por aquela, não a tendo sequer apreciado.
A sentença segue de perto a posição que é defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/09/2012, que transcreve em parte, sem atentar porém, que o mesmo se reporta a uma situação totalmente diversa da dos presentes autos, sendo a questão ali apreciada a de um mesmo facto ou comportamento poder configurar simultaneamente um incumprimento contratual e um facto ilícito susceptível de determinar a obrigação de indemnizar nos termos do art.º 483.º n.º 1 do C.Civil, não interpretando devidamente aquela decisão.
A respeito do concurso entre responsabilidade contratual e extracontratual, refere-se a dada altura no Acórdão citado, disponível em www.dgsi.pt: “Salienta a este propósito, Vaz Serra, que se trata de um único dano, que atinge um único interesse (à vida, à integridade física), e que é produzido por um único facto. E que, perante essa realidade, para uns «a norma que tutela genericamente um interesse fica sem função em face de outra norma que mais especificamente tutela o mesmo interesse», pois que, uma vez que «as partes voluntariamente atribuíram a um seu interesse uma determinada tutela, subtraíram-no, por isso mesmo, a qualquer outra tutela». Enquanto que, para outros, «não parece justo que só porque Ticio concluiu com Caio um contrato, se considere ter renunciado à defesa de que teria gozado independentemente do contrato; não pode falar-se já de renúncia e de restrição da tutela jurídica, mas, pelo contrário, de reforço e integração dela; na realidade da vida, em verdade, quem conclui um contrato não pensa circunscrever, mas antes aumentar a sua tutela». «O contrato não priva as partes da protecção geral, pois pela celebração de um negócio jurídico não se renuncia à defesa que se teria independentemente dele», antes «não sendo de presumir que, com o contrato, se tenha querido afastar a responsabilidade delitual, principalmente quando os contraentes teriam dificuldade em prever a possibilidade do dano» (…) Ou, nas palavras de Almeida Costa, «nas hipóteses de concurso das duas variantes da responsabilidade civil, há-de convir-se que cada uma delas, a funcionar isoladamente, esgotaria a protecção que a ordem jurídica pretende dispensar a casos deste tipo. A integração de tais hipóteses num ou noutro esquema – o que equivale à correspondente qualificação como ilícito contratual ou extracontratual – depende, portanto, da perspectiva geral que preside à regulamentação do direito das obrigações. Ora, neste âmbito impera, como não se ignora, o princípio da autonomia privada, segundo o qual compete às partes fixarem a disciplina que deve reger as suas relações com ressalva dos preceitos imperativos. Assim, parece que, perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio, o facto tenha em primeira linha de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da responsabilidade contratual consome o da extra-contratual. Nisto se traduz o princípio da consunção».”
É quando está em causa um mesmo facto voluntário que pode determinar o nascimento de uma obrigação para o agente, ao abrigo de mais do que um instituto jurídico e na sua subsunção às normas legais, no caso relativas à responsabilidade contratual e extracontratual, que pode colocar-se a questão da cumulação ou consumpção de responsabilidades e do regime legal aplicável. Um mesmo facto pode em simultâneo representar uma violação de um contrato (facto ilícito contratual) e uma violação de normas destinadas a proteger interesses alheios (facto ilícito delitual). Temos nessa hipótese um único facto que produz um único dano, coexistindo duas espécies de responsabilidade civil – contratual a extracontratual. Só nesta circunstância é que faz sentido colocar a questão do concurso entre os dois regimes de responsabilidade e não quando estão em causa diferentes factos imputados a diferentes agentes causadores do dano.
Tal como nos diz com clareza a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/02/2017 no proc. 4444/03.8TBVIS.C1.S1 in. www.dgsi.pt: “Porém, a questão da coexistência ou da prevalência dos dois tipos de responsabilidade coloca-se sempre que um único facto humano do comportamento do agente provoque uma lesão que abra ao credor a tutela contratual e, simultaneamente, a tutela delitual, em relação ao mesmo facto ilícito que se encontre na origem simultânea dos dois, que represente, ao mesmo tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito extracontratual, sendo certo que não pode haver cumulação de responsabilidades resultantes do mesmo facto jurídico, quando tal acarrete duplicação de indemnizações. (…) Assim, as hipóteses de concurso da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual em análise reconduzem-se à figura do concurso aparente, legal ou de normas, em que só, supostamente, se pode falar de um concurso, porque o que se verifica é uma única conduta ilícita, a merecer, portanto, uma única indemnização. Não se trata, então, de um concurso de ações que gozam de uma total autonomia, mas antes de “uma única acção, a que corresponde no plano material um único direito, fundamentada em diversas normas.”
A questão da integração da conduta do agente na responsabilidade civil contratual ou extracontratual assume relevância essencialmente por causa da diferente exigência que tem para o credor a prova da culpa que, em qualquer dos casos, é requisito da obrigação de indemnizar. É que, enquanto no âmbito da responsabilidade contratual se presume a culpa do devedor, nos termos do art.º 799.º n.º 1 do C.Civil, incumbindo ao devedor provar que o incumprimento não resulta de culpa sua, já no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual compete em regra ao lesado a prova de todos os factos constitutivos do seu direito e por isso da existência de culpa, de acordo com o previsto no art.º 483.º n.º 1 e 487.º n.º 1 do C.Civil, culpa que deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, como estipula o n.º 2 deste artigo.
Na situação em presença, não estamos perante a alegação de um só facto imputável a um único agente que seja susceptível de determinar a obrigação de indemnizar ao abrigo de diferentes institutos jurídicos, antes nos encontramos perante diferentes factos voluntários ou comportamentos, imputáveis a diferentes sujeitos, que determinaram a ocorrência de um dano cuja indemnização é requerida a todos, não se colocando por isso a questão da cumulação ou da consumpção da responsabilidade civil extracontratual com a responsabilidade civil contratual.
O 1º e 4º RR. são demandados pelo A., respectivamente, enquanto director da obra com fundamento na violação dos deveres previstos nos art.º 14.º n.º 1 da Lei 31/2009 de 3 de Julho e enquanto director da fiscalização da obra com fundamento na violação dos deveres previstos no art.º 16.º n.º 1 do mesmo diploma; a 3ª R. é demandada por não ter cumprido o contrato com ele celerado.
Se é verdade que o pedido indemnizatório apresentado pelo A. é apenas um, na medida em que o dano sofrido cujo ressarcimento é peticionado é o mesmo, o pedido é porém dirigido contra vários RR., assentando o A. a invocada obrigação de indemnizar dos RR. em diferentes fontes, em factos ou comportamentos individualizados: quanto à 3ª R. a pretensão indemnizatória apresentada fundamenta-se na sua conduta que o A. integra na violação dos seus deveres contratuais e por isso na responsabilidade contratual e quanto aos 1º e 4º RR. no seu comportamento individual violador das normas destinadas a proteger os interesses alheios que estavam obrigados a cumprir e na responsabilidade por facto ilícito.
A própria Lei 31/2009 de 3 de Julho, diploma que regula a Qualificação Profissional dos Responsáveis por Projectos e pela Fiscalização e Direcção de Obra e os seus deveres, aplicável ao caso na sua versão original, atenta a data da prática dos factos, diploma que o A. apresenta como suporte jurídico para a sua pretensão relativamente aos 1º e 4º RR. enquanto respectivamente director da obra e director de fiscalização da obra, contempla no seu art.º 19.º a possibilidade de cumulação de responsabilidades, prevendo a co-existência de responsabilidades, não só dos vários técnicos, como ainda a destes com outros responsáveis, designadamente contratuais, ao estabelecer: “1 - Os técnicos e pessoas a quem a presente lei seja aplicável são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros decorrentes da violação culposa, por ação ou omissão, de deveres no exercício da atividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar, sem prejuízo da responsabilidade criminal, contraordenacional, disciplinar ou outra que exista. 2 - Os técnicos e pessoas referidos no número anterior respondem ainda, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos seus representantes, mandatários, agentes, funcionários ou por quaisquer pessoas que com eles colaborem na sua atuação. 3 - A responsabilidade dos técnicos e pessoas a quem esta lei seja aplicável não exclui a responsabilidade, civil ou outra, das pessoas, singulares ou coletivas, por conta ou no interesse das quais atuem, nem de quaisquer outras entidades que tenham violado deveres contratuais ou legais, nos termos gerais. 4 - A responsabilidade civil prevista na presente lei abrange os danos causados a terceiros adquirentes de direitos sobre projetos, construções ou imóveis, elaborados, construídos ou dirigidos tecnicamente pelos técnicos e pessoas indicados no n.º 1.”
Deste artigo, nomeadamente dos seus n.º 1 e 3 decorre expressamente que a responsabilidade dos técnicos resultante da violação culposa dos seus deveres, por um lado não exclui a sua responsabilidade criminal, contraordenacional ou outra a que possa haver lugar e, por outro lado, não exclui a responsabilidade civil de outras entidades que tenham violado deveres contratuais ou legais, aqui se contemplando a possibilidade de coexistirem diversos responsáveis pelos danos, mesmo que a fonte da responsabilidade de cada um seja diferente.
No caso, os factos jurídicos que estão na origem da invocada obrigação de indemnizar de cada um dos RR. não são os mesmos, antes constituindo comportamentos omissivos individualizados e imputáveis a cada sujeito, que para a 3ª R. são alegadamente susceptíveis de configurar um incumprimento do contrato com ela celebrado e quanto aos restantes RR. assentam na violação de normas destinadas a proteger os interesses alheios. Embora o dano seja o mesmo, estão em causa comportamentos autónomos, quer numa perspectiva naturalística, quer numa perspectiva jurídica.
Só quando o facto voluntário que pode dar origem à obrigação de indemnizar é o mesmo, é que pode colocar-se a questão do concurso da responsabilidade civil contratual e extra-contratual.
Outro entendimento, designadamente aquele que foi seguido na decisão sob recurso, iria constituir uma limitação da tutela jurídica do lesado para a qual não encontramos qualquer suporte no nosso ordenamento jurídico, que pelo contrário infirma tal entendimento, desde logo no art.º 19.º do diploma referido, nem justificação plausível.
Quando um sujeito celebra um contrato com outro, pretendendo com o mesmo assegurar o cumprimento de determinadas obrigações, não abdica dos seus interesses legítimos e direitos protegidos por outras disposições legais, designadamente se estas são violadas por outrem que não aquele com quem contratou.
Em conclusão, já se vê que não pode ficar prejudicada a avaliação da pretensão formulada pelo A. contra o 1º e 4º RR. fundamentada na responsabilidade civil extracontratual, apenas pela circunstância de ter sido responsabilizada a 3ª R. ao abrigo do regime da responsabilidade contratual, por esta não consumir aquela, impondo-se por isso a sua apreciação. - da responsabilidade extra contratual dos 1º e 4º RR.
O A. fundamenta a responsabilidade do 1º e do 4º RR. respectivamente enquanto Director da Obra e Director da Fiscalização da Obra, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, concluindo que os mesmos não cumpriram os deveres que para eles resultam da Lei 31/2009 de 3 de Julho, permitindo dessa forma a ocorrência do dano cujo ressarcimento reclama.
A respeito da responsabilidade civil por factos ilícitos, vem o art.º 483.º do C.Civil consagrar o princípio geral deste regime a que é direccionado o pedido do A. contra a estes dois RR.
Estipula o art.º 483.º do C.Civil que: “Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação.”
Para a avaliação do caso em presença tem ainda particular importância a previsão do art.º 486.º do C.Civil, com a epígrafe “Omissões”, que estabelece: “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.”
Em qualquer caso, torna-se necessária a verificação cumulativa de cinco requisitos, para que haja responsabilidade civil: o facto; a ilicitude; um vínculo de imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, vd. neste sentido, Antunes Varela, in. Das Obrigações em Geral, pág. 355 ss.
De forma impressiva, diz-nos Menezes Leitão, in. Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 285, a respeito de tal norma, que nela se estabelece: “uma cláusula de responsabilidade civil subjectiva, fazendo depender a constituição da obrigação de indemnização da existência de uma conduta do agente (facto voluntário), a qual representa a violação de um dever imposto pela ordem jurídica (ilicitude), sendo o agente censurável (culpa), a qual tenha provocado danos (dano), que sejam consequência dessa conduta (nexo de causalidade entre o facto e o dano).”
É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário ilícito do agente, sendo que este facto consiste em regra numa acção, ou seja, num facto positivo que importe a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto, mas pode também traduzir-se num facto negativo, numa abstenção, numa omissão, entendendo-se que a omissão é causa do dano sempre que haja o dever jurídico de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano. Facto voluntário significa apenas facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade, sendo a ilicitude revelada pela violação do direito de outrem ou das normas destinadas a proteger interesses alheios.
A culpa exprime um juízo de reprovação pessoal da conduta do agente e pode revestir duas formas distintas, o dolo e a negligência ou mera culpa.
Tem também que haver dano, para haver obrigação de indemnizar, sendo condição essencial que o facto ilícito culposo tenha causado prejuízo a alguém.
Finalmente tem de verificar-se um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação.
De realçar ainda que a violação de um direito só é ilícita quando reprovada pela ordem jurídica. De um modo geral, a ilicitude é afastada quando o agente actua no regular exercício de um direito ou no cumprimento de um dever jurídico.
Vejamos então em primeiro lugar se pode imputar-se a cada um destes RR. a prática de um facto ilícito, no caso sob a forma de uma conduta omissiva, para o que importa avaliar se por força da lei existia para os mesmos o dever de praticar o acto omitido.
De acordo com o art.º 483.º n.º 1 do C.Civil a ilicitude do facto tanto pode resultar da violação de um direito de outrem, como da violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
No caso em presença, é esta última a previsão que nos interessa avaliar, sendo invocado pelo A. a violação por parte dos RR. dos deveres que para eles resultam da Lei 31/2009 de 3 de Julho, diploma que regula a Qualificação Profissional dos Responsáveis por Projectos e pela Fiscalização e Direcção de Obra e os seus deveres, enquanto assumiram respectivamente as funções de Director de Obra e de Director da Fiscalização da Obra, factos estes que não são controvertidos e resultam dos factos provados.
Com respeito ao 1º R., na sua qualidade de Director da obra, estabelece o art.º 14.º do diploma mencionado, referindo-se aos deveres do Director da Obra, no seu n.º 1 que, sem prejuízo do disposto na legislação vigente, o director de obra fica obrigado, com autonomia técnica, a: “a) Assumir a função técnica de dirigir a execução dos trabalhos e a coordenação de toda a actividade de produção, quando a empresa, cujo quadro de pessoal integra, tenha assumido a responsabilidade pela realização da obra; b)Assegurar a correcta realização da obra, no desempenho das tarefas de coordenação, direcção e execução dos trabalhos, em conformidade com o projecto de execução e o cumprimento das condições da licença ou da admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público; c) Adoptar os métodos de produção adequados, de forma a assegurar o cumprimento dos deveres legais a que está obrigado, a qualidade da obra executada, a segurança e a eficiência no processo de construção; d) Requerer, sempre que o julgue necessário para assegurar a conformidade da obra que executa ao projecto ou ao cumprimento das normas legais ou regulamentares em vigor, a intervenção do director de fiscalização de obra, a assistência técnica dos autores de projecto, devendo, neste caso, comunicar previamente ao director de fiscalização de obra, ficando também obrigado a proceder ao registo desse facto e das respectivas circunstâncias no livro de obra; e) Quando coordene trabalhos executados por outras empresas, devidamente habilitadas, no âmbito de obra cuja realização tenha sido assumida pela empresa cujo quadro de pessoal integra, deve fazer-se coadjuvar, na execução destes, pelos técnicos dessas mesmas empresas; f)Comunicar, no prazo de cinco dias úteis, a cessação de funções, enquanto director de obra, ao dono da obra, bem como ao director de fiscalização de obra e à entidade perante a qual tenha decorrido procedimento administrativo, em obra relativamente à qual tenha apresentado termo de responsabilidade, para os efeitos e procedimentos previstos no RJUE e no Código dos Contratos Públicos, sem prejuízo dos deveres que incumbam a outras entidades, nomeadamente no caso de impossibilidade; g)Cumprir as normas legais e regulamentares em vigor.”
Ao 1.º R. Director da obra, imputa o A. o incumprimento dos deveres que lhe são impostos nas al. b) e c) do mencionado art.º 14.º, designadamente no sentido de assegurar a direcção e execução dos trabalhos em conformidade com o projecto de execução, bem como adoptar os métodos de produção necessários a assegurar não só a qualidade da obra mas também a segurança no processo de construção.
Os factos provados revelam-nos que a obra executada não só não satisfaz as condições de segurança em vários parâmetros (ponto 14 da decisão de facto) como também que a estrutura executada não corresponde minimamente à prevista no projecto de estabilidade.
Na laje do piso 0 foi utilizado um betão de baixa resistência, que o Regulamento de Estruturas de betão armado e pré-esforçado não admite sequer para um edifício de habitação; não foram colocadas as armaduras previstas em projecto; as armaduras utilizadas são de aço 400 e não de aço 500 como previsto no projecto; os varões têm também um diâmetro inferior ao projectado; as lâminas das zonas das vazadas não têm a altura mínima; na laje de cobertura pilares e paredes foi igualmente colocado um betão de resistência muito inferior à prevista no projecto, não tendo sido executadas as armaduras previstas em projecto, que nuns casos foram aplicadas em quantidade inferior e noutros apresentam uma qualidade inferior à prevista.
A obra executada poucos meses depois de ter sido feita apresentou flechas pronunciadas; a laje do piso 0 apresentou uma inflexão para baixo de cerca de 7 centímetros e fissuras; os pilares representam uma resistência à pressão de cerca de 50% da resistência necessária, não estando a construção realizada dotada da resistência e estabilidade previstas, tendo de ser totalmente reabilitada ou demolida.
Todos estes factos revelam que o 1º R. não dirigiu os trabalhos nem providenciou para que a sua execução fosse em conformidade com o projecto de estabilidade aprovado, nem tão pouco assegurou que os métodos de produção empregues eram os necessários a garantir a qualidade e a segurança da execução da obra, omitindo os deveres legais que para ele resultam da função que assumiu como director da obra, dessa forma se verificando a prática de acto ilícito na forma de omissão, conforme previsto no art.º 486.º do C.Civil.
Esta conduta omissiva, veio admitir a realização de uma obra defeituosa, não só por não ter sido feita em conformidade com o projecto, mas também por colocar em causa a estabilidade e segurança do edifício, bem como a durabilidade da construção, de tal forma que se torna necessária a sua reabilitação global com demolição e reconstrução da laje do piso 0, ou a demolição integral e reconstrução, o que tem um custo não inferior a € 150.000,00 o que constitui o dano ou prejuízo sofrido pelo A. resultante de tal conduta, já que um comportamento deste R. em conformidade com os deveres mencionados, iria impedir a realização da construção nos moldes em que o foi.
Para haver obrigação de indemnizar exige-se ainda que o facto seja imputável ao agente a título de culpa.
De acordo com o disposto no art.º 487.º n.º 2 do C.Civil a culpa é apreciada, na falta de outro citério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, correspondendo à formulação de um juízo de censura que tem de passar pela avaliação de cada situação em concreto.
No caso, não pode deixar de avaliar-se a conduta omissiva do 1º R. como culposa, na medida em que as funções de director da obra por ele assumidas impunham que o mesmo tivesse adoptado um comportamento activo na exigência da execução da obra de acordo com o projecto, garantindo-a nesses termos e na observância das normas de segurança. É aliás por isso que a lei determina que que essas funções sejam assumidas por um técnico, socorrendo-se dos seus particulares conhecimentos para dirigir os trabalhos, que se querem conformes às normas, dispondo o director da obra autonomia técnica.
O 1º R. na direcção da execução da obra pela qual se responsabilizou, podia e devia ter adoptado uma conduta susceptível de evitar a realização da obra nos moldes desconformes em que foi feita, nomeadamente recusando a colocação dos materiais com características não conformes às previstas ou exigindo a aplicação dos materiais na quantidade e qualidade constante dos projectos aprovados, fazendo cumprir os procedimentos de segurança na execução da construção, assim evitando que a mesma viesse a padecer dos graves defeitos que vieram a verificar-se, revelando os factos uma displicência da sua parte face ao correcto andamento do processo da obra, do que parece resultar que apenas assumiu aquelas funções no papel, pretendendo desresponsabilizar-se de tudo o resto.
Se é certo que o 1.º R. trabalhava para a sociedade G…, resultando ainda provado que ao longo da execução da obra actuou sempre em obediência às ordens ou instruções da sua entidade patronal, por intermédio do 2º R. encarregado da obra, a verdade é que, enquanto director da obra o mesmo não podia olvidar as funções que assumia, nas quais dispunha de autonomia, e os seus deveres legais, sob pena do termo de responsabilidade que assinou enquanto tal ficar totalmente esvaziado de conteúdo e de sentido.
Do ponto de vista subjectivo, se os factos apurados são insuficientes para se dizer que o 1º R. agiu com dolo ou intencionalmente, já permitem concluir que agiu pelo menos com culpa, pois que não podia deixar de saber os deveres que lhe incumbiam enquanto director da obra, e a relevância em adoptar um comportamento exigente e efectivo na sua execução, conforme às normas legais e aos projectos aprovados, agindo com leviandade censurável e não adoptando na sua conduta a diligência de um bom pai de família- critério que serve de base à apreciação da culpa, nos termos do disposto no art.º 487.º n.º 2 do C.Civil, revelando um grave desrespeito não só para com o A. enquanto dono da obra, mas também pelas regras destinadas à protecção do interesse público a que o legislador associa tal função.
A culpa do 1ª R. e a formulação de um juízo de censura não pode deixar de ser afirmada, pois que os mais elementares deveres de honestidade e boa fé lhe impunham outro comportamento na assunção das suas funções de director da obra, não obstante o seu vínculo contratual à empresa executante, tendo assim com o sua atitude omissiva e com culpa, violado os deveres que lhe são impostos pelo art.º 14.º n.º 1 al. b) e c) da Lei 31/2009 de 3 de Julho.
No que se refere à responsabilidade do 4º R., que o A. demanda enquanto director de fiscalização da obra, verifica-se que o A. contratou com a 3ª R. a fiscalização da obra e o 4º R. apresentou termo de responsabilidade como director de fiscalização da obra.
De acordo com o disposto art.º 21.º n.º 4 da Lei 31/2009: “O director de fiscalização de obra está obrigado à subscrição de termo de responsabilidade pela verificação da execução da obra em conformidade com o projecto admitido ou aprovado e as condições da licença ou autorização, em sede de procedimento administrativo, pelo cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como pelo cumprimento das obrigações previstas no artigo 16.º da presente lei, nos termos do RJUE, com as devidas adaptações.”
Este art.º 16.º estabelece no seu n.º 1 que o director de fiscalização da obra este fica obrigado, com autonomia técnica a: “a) Assegurar a verificação da execução da obra em conformidade com o projecto de execução, e o cumprimento das condições da licença ou admissão, em sede de procedimento administrativo ou contratual público, bem como o cumprimento das normas legais e regulamentares em vigor; b) Acompanhar a realização da obra com a frequência adequada ao integral desempenho das suas funções e à fiscalização do decurso dos trabalhos e da actuação do director de obra no exercício das suas funções, emitindo as directrizes necessárias ao cumprimento do disposto na alínea anterior; c) Requerer, sempre que tal seja necessário para assegurar a conformidade da obra que executa ao projecto de execução ou ao cumprimento das normas legais ou regulamentares em vigor, a assistência técnica ao coordenador de projecto com intervenção dos autores de projecto, ficando também obrigado a proceder ao registo desse facto e das respectivas circunstâncias no livro de obra, bem como das solicitações de assistência técnica que tenham sido efectuadas pelo director de obra; d) Comunicar, de imediato, ao dono da obra e ao coordenador de projecto qualquer deficiência técnica verificada no projecto ou a necessidade de alteração do mesmo para a sua correcta execução; e) Participar ao dono da obra, bem como, quando a lei o preveja, ao coordenador em matéria de segurança e saúde, durante a execução da obra, situações que comprometam a segurança, a qualidade, o preço contratado e o cumprimento do prazo previsto em procedimento contratual público ou para a conclusão das operações urbanísticas, sempre que as detectar na execução da obra; f) Desempenhar as demais funções designadas pelo dono da obra de que tenha sido incumbido, conquanto as mesmas não se substituam às funções próprias do director de obra ou dos autores de projecto, não dependam de licença, habilitação ou autorização legalmente prevista e não sejam incompatíveis com o cumprimento de quaisquer deveres legais a que esteja sujeito; g) Comunicar, no prazo de cinco dias úteis, ao dono da obra e à entidade perante a qual tenha decorrido procedimento de licenciamento ou comunicação prévia a cessação de funções enquanto director de fiscalização de obra, para os efeitos e procedimentos previstos no RJUE e no Código dos Contratos Públicos, sem prejuízo dos deveres que incumbam a outras entidades, nomeadamente no caso de impossibilidade; h) Cumprir os deveres de que seja incumbido por lei, designadamente pelo RJUE e respectivas portarias regulamentares, bem como pelo Código dos Contratos Públicos e demais normas legais e regulamentares em vigor.”
De acordo com este regime legal, o director de fiscalização da obra assume a responsabilidade pela verificação da execução da obra em conformidade com os projectos aprovados e com as normas legais, o que lhe vai exigir o acompanhamento efectivo da mesma nesse sentido, decorrendo também de tais funções o dever de informar o dono da obra de qualquer anomalia ou desconformidade detectada, sendo que uma comunicação atempada dos vícios é que permitirá colmatá-los a tempo de evitar males maiores no prosseguimento de uma obra defeituosa.
No caso, escusamo-nos aqui de repetir os graves defeitos de que padece a construção realizada, já mencionados na avaliação da conduta do director da obra.
Estes factos, quer pela sua gravidade, revelada não só pela repercussão que têm na segurança da obra, mas também pela sua dimensão quantitativa, na medida em que são diversos os aspectos que não se apresentam em conformidade com o projecto aprovados, revelam que o 4º R. não adoptou os comportamentos necessários a uma fiscalização efectiva dos trabalhos, ou pelo menos que negligenciou as suas funções de forma grave, não agindo de foram a percepcionar como a obra estava a ser construída e não comunicando ao A. a forma como a obra se ia fazendo em desconformidade com os projectos e de modo a comprometer a sua segurança e durabilidade, não o informando das consequências daquela execução.
Competindo ao R. fiscalizar a execução da obra, avaliando se a mesma se fazia em conformidade com o projecto de estabilidade aprovado e se os métodos de produção empregues eram os necessários a garantir a qualidade e a segurança da execução da obra, bem como comunicar ao A., dono da obra, as desconformidades que ia detectando, é forçoso concluir que a circunstância da obra se ter vindo a fazer nos termos que resultam dos factos provados, revelam que o R. não efectuou uma fiscalização efectiva e diligente, por não ter detectado tais discrepâncias, algumas delas que pela sua natureza seriam evidentes para quem tem conhecimentos técnicos e acompanhasse a obra, ou se algo detectou também de nada informou o A., omitindo assim os deveres legais que para ele resultam da função que assumiu como director de fiscalização da obra, dessa forma se verificando a prática de acto ilícito na forma de omissão, conforme previsto no art.º 486.º do C.Civil.
A sua conduta omissiva, veio a possibilitar que a obra se fosse realizando até à sua conclusão de forma defeituosa, não só por não se encontrar executada em conformidade com os projectos, mas também por colocar em causa a estabilidade e segurança do edifício, bem como a durabilidade da construção, de tal forma que se torna necessária a sua reabilitação global com demolição e reconstrução da laje do piso 0, ou a demolição integral e reconstrução, sendo que um comportamento deste R. em conformidade com os deveres mencionados, era apto a impedir a realização da construção nos moldes em que o foi.
A circunstância de terem sido realizados testes ao betão utilizado numa parte da obra não é de forma alguma suficiente para se dizer que com isso o 4º R. cumpriu os deveres que decorrem das funções que assumiu, uma vez que, mesmo sem cuidar de saber se era apenas essa a diligência que lhe era exigível para se assegurar da qualidade do betão empregue, se verificou que a menor resistência do betão utilizado na construção foi apenas um dos vícios que ocorreram na execução da obra, tendo existido vários outros, conforme se deixou já enunciado.
Não obstante ter resultado provado que o 4.º R. exerce a sua actividade profissional como engenheiro civil por intermédio da 3ª R., a verdade é que como director de fiscalização da execução da obra assume a obrigação de cumprir os deveres legais que lhe são impostos com autonomia, como resulta do art.º 16.º da lei mencionada.
O mesmo juízo de censura que se fez quanto à conduta do 1º R. tem inteira pertinência quanto ao comportamento do 4º R. que foi culposo, não podendo o 4º R. deixar de saber os deveres que lhe incumbiam enquanto director de fiscalização da obra e que se deixaram enunciados e a importância de adoptar uma conduta exigente e efectiva, na observação e avaliação de que a execução da obra se fazia de forma conforme às normas legais de segurança e aos projectos aprovados, agindo com leviandade censurável e não adoptando na sua conduta a diligência que era exigível a um homem médio no exercício daquelas funções, nos termos do disposto no art.º 487.º n.º 2 do C.Civil, revelando igualmente um grave desrespeito não só para com o A. enquanto dono da obra, mas também pelas regras destinadas à protecção do interesse público a que o legislador associa tal função
O facto do A. também ter acompanhado os trabalhos, como resultou provado, também não exclui a responsabilidade do R., pois não se provou que o A. tivesse os conhecimentos técnicos e a percepção da forma como estava a ser executada a obra, designadamente dos seus desvios relativamente ao projectado e do facto destes desvios poderem vir a viciar o edifício, designadamente comprometendo a estabilidade e durabilidade da obra, como se verificou, sendo os factos totalmente insuficientes para que se possa dizer que o A. aceitou de forma consciente a execução da obra nos moldes em que a mesma ocorreu, sabendo ainda as suas implicações.
Resta referir que o nexo de causalidade relativamente aos danos reclamados pelo A. se verifica da mesma forma que quanto ao 1º R., e na medida em que foi a circunstância do 4º R. ter, por um lado, omitido uma fiscalização efectiva da execução da obra, na avaliação da sua conformidade com o projecto e, por outro lado, a não comunicação ao dono da obra das desconformidades detectadas, que impediu que cedo se corrigissem os problemas, não obviando à consumação da construção com os defeitos que dela resultaram e que agora não têm outro remédio que não a demolição e reconstrução da laje do piso 0, ou a demolição integral da obra, com um prejuízo para o A. que ascende a € 150.000,00.
Em conclusão, verificam-se quanto ao 1º e 4º RR. os requisitos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos art.º 483.º e 486.º do C.Civil o que permite responsabilizá-los solidariamente pelo pagamento das quantias peticionadas pelo A. correspondentes aos prejuízos sofridos, nos termos do art.º 497.º n.º 1 do C.Civil.
Tal determina a revogação da sentença proferida quanto a estes RR. e a sua substituição por outra que julga procedente o pedido de condenação dos mesmos no pagamento da quantia de € 150.000,00 por corresponder ao prejuízo do A. com a reconstrução ou reabilitação da obra, acrescido dos valores despendidos com as perícias realizadas, no montante de € 16.482,00 sendo devidos juros de mora sobre este valor, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, nos termos do art.º 805.º n.º 1 do C.Civil - da responsabilidade do empreiteiro G… e do 2º R. enquanto encarregado da obra
Vem a interveniente no seu recurso, pugnar pela responsabilidade da G… enquanto empreiteira e do 2.º R. enquanto encarregado da obra, concluindo que não está afastada a sua responsabilidade e que respondem perante o dono da obra, nos termos do art.º 1226.º do C.Civil.
Na sentença recorrida não foi apreciada a responsabilidade da G… e do 2º R. e também não tinha que ser. Nos presentes autos a relação material controvertida que serve de fundamento ao pedido formulado pelo A. não corresponde ao contrato de empreitada que o mesmo refere ter celebrado com aquela sociedade.
A sociedade G… não foi demandada pelo A. na presente acção em razão de ter sido declarada insolvente e o 2º R. demandando originariamente enquanto encarregado da obra, foi entretanto declarado insolvente, tendo sido proferida decisão a julgar extinta a instância quanto a si, decisão transitada em julgado.
Assim sendo, a avaliação da responsabilidade destes agentes configuraria um acto absolutamente inútil na medida em que, por um lado, estes nunca poderiam ser condenados pelo tribunal em qualquer pedido, que quanto à G… nem sequer foi formulado nos autos e, por outro lado, a sua eventual responsabilidade não tem a virtualidade de excluir a eventual responsabilidade dos restantes RR. demandados, designadamente da segurada da interveniente, como se referiu na avaliação da anterior questão do concurso de responsabilidades.
Basta isto para se considerar que improcede esta questão suscitada pela Interveniente no recurso que apresenta, não havendo qualquer utilidade no seu conhecimento. - da responsabilidade contratual da 3ª R.
Entende a 3ª R. que não se encontra provado qualquer facto que lhe seja imputável, mesmo que por omissão de qualquer acto que estivesse obrigada a praticar de que pudessem resultar os danos invocados, sendo alegados meros juízos conclusivos, faltando por isso um dos requisitos da obrigação de indemnizar.
Do ponto de vista jurídico, a discordância desta R. quanto à sentença proferida, para além de se centrar no entendimento seguido relativamente à situação do concurso de responsabilidades já apreciado, confina-se a esta questão – a (não) verificação de um acto ilícito capaz de fundamentar a sua responsabilidade contratual.
A sentença proferida entendeu que a 3ª R. não cumpriu o contrato celebrado com o A., omitindo a obrigação de realizar a fiscalização da obra ao não garantir a conformidade da sua execução com o projecto aprovado, não garantindo também as condições de segurança da obra.
No âmbito do contrato de empreitada e a propósito da sua fiscalização, rege o art.º 1209.º do C.Civil que prevê no seu n.º 1 a possibilidade do dono da obra fiscalizar a sua execução, ainda que à sua custa, desde que não perturbe o normal andamento da empreitada.
Esta fiscalização da execução da obra não tem de ser feita pessoalmente pelo dono da obra, podendo o mesmo incumbir outrem de a realizar em seu nome, situação a que aliás alude o n.º 2 deste artigo quando fala na fiscalização feita pelo dono da obra ou por comissário.
Quando o dono da obra não disponha de conhecimentos técnicos e pretenda precaver a realização de uma obra defeituosa, terá assim todo o interesse em contratar a fiscalização da mesma por outrem, na medida em que, só uma fiscalização efectiva feita por pessoas com conhecimentos técnicos na área da construção civil é que pode vir a detectar defeitos na execução da obra que não se apresentem como aparentes e que por isso não são logo perceptíveis para um leigo na matéria.
Dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela, in. Código Civil anotado, Vol. II, pág. 549 que: “A fiscalização por parte do dono da obra tem por fim principal impedir que o empreiteiro oculte vícios de difícil verificação no momento da entrega.”
A fiscalização da execução da obra tem como finalidade evitar que a mesma seja ou continue a ser executada em termos defeituosos – seja por falta da sua conformidade com o previsto nos projectos, seja por poder pôr em causa a sua segurança ou o fim a que se destina – permitindo a vigilância ou fiscalização da execução da obra que sejam atempadamente prevenidos, detectados e eventualmente corrigidos os vícios da obra, antes que a mesma fique completa na sua execução, assim se evitando problemas maiores.
No caso em presença, e conforme resultou provado, a 3ª R. por contrato celebrado com o A. ficou incumbida de fiscalizar a execução da obra em causa, mediante remuneração, tendo sido também ela que anteriormente foi contratada pelo A. para elaborar os projectos de especialidade de engenharia civil, designadamente o projecto de estabilidade ou de estruturas e fundações da obra, com base no projecto de arquitectura que lhe foi fornecido.
O A. optou assim por contratar a fiscalização da execução da obra à mesma entidade a quem anteriormente já havia contratado a elaboração dos projectos de engenharia civil, que foram realizados e que por essa razão sobre eles dispunha de um conhecimento privilegiado.
Estabelece o 798.º do C.Civil que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
O facto ilícito que pode fundamentar a obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade contratual é aquele que representa o incumprimento ou cumprimento defeituoso dos deveres que resultam da obrigação contratualmente assumida, pretendendo a 3ª R. Recorrente que nada resultou apurado que permita constatar a violação de um qualquer dever contratual da sua parte.
No que respeita ao âmbito ou conteúdo do contrato de fiscalização celebrado entre as partes e quanto às concretas obrigações a que cada uma ficou vinculada, é possível delimitar em parte o conteúdo dos deveres da 3ª R. pelo teor do termo de responsabilidade assinado pelo 4º R. gerente daquela, que assumiu a função de director de fiscalização, que subscreveu o documento cuja cópia está junta aos autos a fls. 54, lavrado em papel com o logotipo da 3ª R. do qual consta: “…que assume a responsabilidade pela direcção da fiscalização da obra e da sua execução de acordo com os projectos apresentados, assegurando o cumprimento das disposições regulamentares aplicáveis, nomeadamente as disposições de SCIE estabelecidas no DL 220/2008, de 12 de Novembro.”
O conteúdo da obrigação da 3ª R. podendo ser mais amplo do que este que foi assumida pelo director de fiscalização, não podia necessariamente ser mais restritivo.
Daqui resulta que a obrigação de fiscalização da obra assumida pela 3ª R. se cumpre com a fiscalização da conformidade da execução da obra com os projectos apresentados, bem como da sua execução em acordo com as normas de segurança contra incêndios em edifícios, previstas neste DL 220/2008, não tendo sido previsto pelas partes os moldes específicos em que essa fiscalização deveria ocorrer, designadamente quanto à periodicidade no acompanhamento da obra, ou qual a actividade em concreto a desenvolver pela R. com vista ao cumprimento da fiscalização da conformidade da execução da obra aos projectos e às normas legais.
Na falta de tais especificações, não obstante o A. ter o direito ao cumprimento do contrato de fiscalização pela R. no sentido da mesma a avaliar se a execução da obra era feita de acordo com os projectos e com as normas legais, ficou ao critério desta a determinação e concretização das acções necessárias para assegurar aquela fiscalização efectiva a que se obrigou.
Os factos provados revelam porém que a 3ª R. não assegurou a verificação da execução da obra em conformidade com o projecto ou que o fez de forma deficiente que a tal se reconduz, na medida em que os vícios que vieram a ser detectados mais tarde e as desconformidades da obra com os projectos têm uma tal dimensão, quantitativa e qualitativa, que não poderiam deixar de ser assinalados numa situação em que uma fiscalização efectiva da execução da obra tivesse sido feita e que foi contratada com o objectivo de garantir a boa execução da obra na sua conformação aos projectos aprovados, assim garantindo também as suas condições de segurança.
Não pode por isso deixar de se reconhecer revelada uma conduta omissiva e ilícita da 3ª R. por desconforme aos seus deveres contratuais, susceptível de determinar o incumprimento do contrato de fiscalização da obra que celebrou com o A., não estando assim em falta o requisito da existência de um facto ilícito, que é pressuposto da obrigação de indemnizar, posto em causa pela R. no presente recurso, sendo por isso a mesma responsável pelos danos causados, nos termos do art.º 798.º do C.Civil, conforme decidiu a sentença proferida, que nesta parte não merece censura e se mantém. V. Decisão:
Em face do exposto decide-se:
- rejeitar o recurso interposto pela 3ª R. J…, Ld.ª sobre a decisão de 10/12/2015 que absolveu da instância o 2º R. D… na sequência da sua declaração de insolvência;
- rejeitar os recursos interpostos pelo 4.º R. F…, sobre a decisão proferida a 10/12/2015, sobre o despacho intercalar de 26/07/2017 e sobre a sentença proferida por não ter ficado vencido;
- julgar improcedente o recurso interposto pela 3ª R. sobre o despacho intercalar de 26/07/2017, mantendo-se o mesmo;
- julgar procedente o recurso interposto pelo A., revogando-se a sentença proferida quanto aos 1º e 4º RR. que se substitui por decisão que julga parcialmente procedente o pedido contra si formulado pelo A. condenando-se os mesmos, solidariamente, a pagar ao A. a quantia de € 166.482,00 (cento e sessenta e seis mil quatrocentos e oitenta e dois euros) acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento;
- julgar improcedente o recurso interposto pela interveniente I… – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A.;
- julgar improcedente o recurso interposto pela 3ª R. sobre a sentença proferida, mantendo-se a mesma quanto a si.
Custas por Recorrentes e Recorridos na proporção do decaimento.
Notifique.
*
Porto, 9 de Maio de 2019
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
(assinado electronicamente)