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CONTRATO BANCÁRIO
HOMEBANKING
RELAÇÃO NEGOCIAL COMPLEXA
RESPONSABILIDADE DO BANCO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Sumário
I - Os bancos em geral passaram a conceder aos seus clientes serviços designados de homebanking, permitindo aos seus clientes, mediante a aceitação de determinados condicionalismos, a utilização de uma panóplia de operações bancárias, online, 25 quais se revestem de grande utilidade para o cliente e para o banco. II - O contrato de homebanking é um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento, enquadrando-se numa relação negocial complexa entre o banco e o cliente, constituída a partir de um contrato de abertura de conta. III - Tendo essa Sociedade conferido poderes á sua funcionária, através de procuração, em execução de deliberação do seu Conselho de Administração, para movimentar a conta bancária sempre com duas assinaturas, não pode o banco, que tinha em seu poder tais documentos, autorizar que aquela movimentasse sozinha a conta através do serviço de homebanking, IV - Incorre em responsabilidade contratual o banco ao permitir tal atuação, encontrando-se obrigado a indemnizar a Sociedade Cliente pelos prejuízos sofridos relativamente a movimentações efetuadas por aquela funcionária em proveito próprio e que por isso não foram ratificadas por essa mesma Sociedade. V - Existe, concorrência de culpa da sociedade lesada, se a mesma concorreu para o “agravamento dos danos”, que se foram verificando ao longo de uma década, com movimentações não autorizadas de pelo menos 3 902 251,11 EUR, os quais foram usados em benefício próprio da funcionária, não tendo aquela agido com a diligência de um gestor criterioso ao não consultar o extrato da conta on line, apesar de o poder fazer.
Texto Integral
Processo n.9452/15.3T8PRT.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Juízo Central Cível do Porto –Juiz 5
Relatora: Alexandra Pelayo
1º Adjunto: Vieira e Cunha
2ª Adjunta: Maria Eiró
SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO B…, S.A., propôs contra C…, SA ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do Réu na quantia de 3.300.083,39 EUR, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alega em suma que existe responsabilidade contratual do banco réu, em virtude de ter aceite que dois procuradores da Autora, sem poderes para tanto, subscrevessem documentação contratual que alterava as condições de movimentação duma sua conta á ordem, permitindo que aqueles fizessem transferências on line com apenas uma assinatura, o que lhe causou diversos prejuízos, já que uma das procuradoras procedeu a transferências do aludido montante em seu benefício pessoal, sendo que o banco violou as obrigações a que se encontrava adstrito.
Tal pedido veio a ser objeto de duas ampliações, que foram admitidas:
-a primeira em 30 de novembro de 2015, pelo montante de € 144.787,57, correspondente ao valor das transferências, também alegadamente indevidas, que entretanto veio a apurar terem sido realizadas pela mesma ex-funcionária, com recurso ao sistema de homebanking, no período compreendido entre 06.06.2010 e 02.02.2014;
-a segunda em 7 de dezembro de 2016, pelo montante de € 585.825,54, correspondente ao valor das transferências, também alegadamente indevidas, que entretanto veio a apurar terem sido realizadas pela mesma ex-funcionária, com recurso ao sistema de homebanking, no período compreendido entre 14.01.2005 e 28.11.2011.
O Réu contestou negando a sua responsabilidade sustentando tal posição essencialmente quer na sua falta de responsabilidade pela realização das transferências em causa quer na responsabilidade da Autora na fiscalização que não efetuou sobre a sua contabilidade, classificando ainda de abusivo o exercício do direito por parte da Autora.
Foi proferido despacho saneador do processo, que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova, prosseguindo a ação para julgamento.
Veio a ser realizada a audiência de discussão e julgamento, e, no final, o tribunal proferiu sentença que decidiu a ação da seguinte forma: “Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente a presente ação, condena-se o Réu a pagar à Autora a quantia de 3.902.251,11 EUR, acrescida de juros de mora à taxa definida pelo artigo 2.º, da Portaria n.º 277/13, de 26/08 desde a data da citação até integral pagamento. Custas por Autora e Réu na proporção do decaimento.”
Inconformado, o Réu C…, SA interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
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Contra-alegou a Autora/recorrida B…, S.A., pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões:
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Nestes termos, conclui dever ser o recurso julgado improcedente, mantendo-se a sentença em conformidade com o acima exposto.
A Autora B…, S.A., interpôs ainda recurso subordinado da sentença, na parte que lhe foi desfavorável, apresentando as seguintes conclusões:
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Conclui pela procedência do recurso com revogação da sentença final em conformidade com o acima exposto.
Juntou o Réu/apelado C…, SAcontra-alegações, concluindo da seguinte forma:
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Por acórdão do TRP de 23.10.2018, que transitou em julgado, foi proferida decisão que julgou improcedente o recurso que subiu em separado do despacho proferido em 25.09.2017, que indeferiu a realização da segunda perícia requerida pelo Réu.
II - OBJETO DOS RECURSOS
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes: No recurso principal:
- modificabilidade da decisão de facto, por existirem factos provados que não foram considerados pelo Tribunal e reapreciação das provas produzidas;
-falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do banco;
-abuso de direito; No recurso subordinado:
-modificabilidade da decisão de facto, por reapreciação das provas produzidas e consequente alteração da decisão de mérito.
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IV-FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão e introduzidas as alterações ora decididas, são estes os factos provados com interesse para a decisão: 1). A Autora foi constituída por escritura pública outorgada no 10.º Cartório Notarial de Lisboa, em 15/07/1991 (fls. 51 a 63). 2). A Autora tem por objeto o exercício da atividade de agente de navegação – fls. 65 -. 3). O Réu é uma sociedade comercial que exerce a atividade bancária. 4). A Autora é cliente do Réu desde 1991, sendo titular da conta de depósito à ordem nº 65609734. 5). A Administração da Autora compete a um Conselho de Administração, composto por três membros que designam um deles o Presidente - fls. 60 –. 6). Desde 1999, os membros do Conselho de Administração são D…, E… e F… (print da C. R. Comercial). 7). Nos termos do artigo 15.º dos seus estatutos, a Autora, obriga-se nos seguintes termos: «Um a) Pela assinatura de dois administradores ou pela de um administrador e de um procurador, quando o Conselho de Administração o delibere por voto unânime da totalidade dos seus membros; b) Pela assinatura de um ou mais mandatários, nos termos exatos do respetivo mandato; c) Pela assinatura isolada do administrador D…, para todos os atos e contratos, independentemente da sua natureza, até ao montante de cinquenta mil euros. Dois Para as questões de mero expediente, entendendo-se como tais a movimentação de contas bancárias, bastará a assinatura de um administrador.» - fls. 69 e 70 -. A alínea c) acima indicada do artigo 15.º dos Estatutos não integrava a sua versão originária, tendo sido introduzida por deliberação da Assembleia Geral de 01/09/2000 conforme fls. 71 e 72 -. 8). Nos termos do artigo 12.º, n.º 3 dos Estatutos, «…, o Conselho de Administração poderá constituir mandatários.» - fls. 68 -. 9). O Conselho de Administração da Autora deliberou a constituição de procuradores, para movimentar as contas bancárias da empresa, nas reuniões realizadas em 15/07/1991 (fls. 71), 25/10/1995 (fls. 74 e 75), 11/12/1995 (fls. 76 e 77), 01/04/1996 (fls. 78 a 80), 15/04/1996 (fls. 81 e 82) e 02/07/1996 (fls. 83 e 84). 10). Como decorre dessas deliberações, para a movimentação das contas bancárias da Autora eram necessárias, nuns casos, as assinaturas conjuntas de dois procuradores e, noutros, de um procurador e um Administrador, mas sempre duas assinaturas. 11). Na sequência das referidas deliberações, foram outorgadas as respetivas procurações, com vista à sua entrega aos Bancos de que a Autora era cliente. 12). Em 04/07/2001, o Conselho de Administração da Autora reuniu e deliberou nos termos da ata nº 16 (fls. 85 a 88) revogar os mandatos conferidos a G…, H… e I…, por anterior deliberação de 15/04/1996 e a J…, por deliberação de 20/03/1998 e, seguidamente, aquele órgão deliberou nomear como procuradores da sociedade os colaboradores K…, L…, M…, G… e N…. 13). Ao primeiro procurador não foram conferidos quaisquer poderes em matéria de movimentação de contas bancárias. 14). Aos restantes procuradores foram-lhes conferidos poderes para movimentar as contas bancárias da sociedade, incluindo emitir e assinar cheques e ordenar transferências, nas seguintes condições: a). A procuradora L… em conjunto com um Administrador ou com as procuradoras M…, G…; b). A procuradora M… em conjunto com um Administrador ou com a procuradora L…; c). A procuradora G… em conjunto com um Administrador ou com a procuradora L…; d). O procurador N… em conjunto com um Administrador ou com L… ou G…. 15). Mais deliberou o Conselho de Administração conferir poderes ao Administrador D… para outorgar as respetivas procurações notariais. 16). Em 25/10/2001, na sequência da referida deliberação do Conselho de Administração de 04/07/2001, aquele Administrador outorgou três procurações notariais conforme fls. 89 a 94. 17). Em 27/05/2009, o mesmo Administrador outorgou nova procuração refletindo a deliberação do Conselho de 04/07/2001: institui procuradores da Autora L…, M…, G…, N… – fls. 97 a 100 -. 18). Em 07/02/2011, o Conselho de Administração da Autora reuniu e deliberou nos termos da ata nº 24 (fls. 111 a 113) onde o referido órgão delibera revogar a procuração outorgada em 27/05/2009 que conferia poderes a L…, M… (agora M1…), G… e N… e constituiu procuradores os mesmos L…, M1…, G… e N…, conferindo-lhes poderes para, qualquer um deles, em conjunto com um Administrador, ou dois deles conjuntamente: . «abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade e em quaisquer instituições de crédito; movimentar as contas bancárias da sociedade, emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferências de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias». 19). Em 03/03/2011, o Administrador D…, no uso dos poderes que lhe foram conferidos pela referida deliberação de 07/02/2011, outorgou uma procuração em 03/03/2011 – fls. 116 a 119 – onde constituiu procuradores da Autora: . L…, M1…, G… e N… conferindo-lhes poderes para qualquer um deles em conjunto com um Administrador da sociedade ou dois deles conjuntamente, entre outros negócios, abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade, em quaisquer instituições de crédito, movimentar contas bancárias da sociedade emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferência de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias. 20). Em 01/08/2014, o Conselho de Administração da Autora reuniu nos termos da ata nº 43 – fls. 121 a 125 – tendo deliberado: . revogar os poderes conferidos aos procuradores L…, M1…, G… e N… concedidos por procuração de 03/03/2011; . nomear procuradores L…, O…, P…, M1… e G…, conferindo-lhes poderes para, em representação da Autora: . L…, O… e P… – qualquer um deles com um administrador da sociedade ou dois dos procuradores em conjunto; . M1… e G…, qualquer uma delas com um administrador da sociedade ou uma delas com L…, O… e P…, «abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade, em quaisquer instituições de crédito; . movimentar as contas bancárias da sociedade, emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferências de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias». 21). Em 16/09/2014, o Administrador D…, no sentido de dar cumprimento à deliberação do Conselho de Administração de 01/08/2014, outorgou a respetiva procuração – fls. 126 a 129 – 22). Todas as procurações acima referidas, nomeadamente as outorgadas em 25/10/2001, 03/03/2011 e 16/09/2014, foram entregues ao Réu, com a consequente emissão de novas fichas de assinatura. 23). Os procuradores L… e N… exerciam, respetivamente, os cargos de diretor financeiro e de diretor de exportação. 24). A procuradora G… prestava o seu trabalho na sede da Autora, em Lisboa, e era responsável pela tesouraria e assistente do sector de contabilidade, competindo-lhe, nomeadamente, receber pagamentos, preparar e efetuar pagamentos de serviços, receber e conferir extratos bancários, tratar de assuntos bancários em geral e efetuar registos e verificações contabilísticas. 25). A procuradora M1… desenvolvia a sua atividade nas instalações da Autora sitas em Matosinhos e, tal como aquela, era responsável pela tesouraria e assistente do sector de contabilidade, competindo-lhe, designadamente, receber pagamentos, preparar e efetuar pagamentos de serviços e efetuar registos e verificações contabilísticas. 26). No decorrer de outubro de 2014, a Autora detetou transferências bancárias ordenadas pela procuradora G… com origem da conta de depósito à ordem nº …….. da Autora com destino a contas bancárias diversas, tituladas por aquela procuradora, pelo seu marido, por pessoas das suas relações ou por sociedades, detidas pela referida procuradora ou seus familiares, nuns casos, ou a quem aquela ou estes adquiriram bens ou serviços ou com quem estabeleceram algum tipo de negócio, noutros. 27). Na sequência, a Autora promoveu uma auditoria, com vista a identificar os movimentos bancários destinados a desviar dinheiro. 28). No período compreendido entre 20/02/2012 e 13/10/2014, G… ordenou trezentas e dezassete transferências bancárias, no valor total de 3.300.083,39 EUR, da referida conta à ordem da Autora para as seguintes contas e beneficiários: 28.1). a). quatro transferências, no valor total de 9.558,30 EUR, para as contas com o NIB ………………… (uma delas) e o NIB ………………… (as outras três), tituladas pela procuradora G…; b). duzentas e sessenta e quatro transferências, no valor total de 1.530.752,06 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pelo marido de G…, Q…; c). dezoito transferências, no valor total de 924.461,86 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «S…, Lda.”; d). quinze transferências, no valor total de 521.400,72 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada por T…; e). uma transferência, no valor de 1.599 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «U…, Unipessoal, Lda.»; f). quatro transferências, no valor total de 12.946,50 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «V… – Unipessoal, Lda.»; g). uma transferência, no valor de 48.000 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «W…, Lda.»; h). seis transferências, no valor total de 162.359 EUR para as contas com o NIB ………………… (uma delas), NIB ………………… (três delas) e o NIB ………………… (as outras duas), tituladas por X…; i). duas transferências, no valor total de 33.540 EUR para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «Y…, Lda.»; j). uma transferência, no valor de 17.465,95 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «Z…, Unipessoal, Lda.»; l). uma transferência, no valor de 38.000 EUR, para a conta com o NIB …………………, titulada pela sociedade «AB…, Unipessoal, Lda.» - fls. 40 a 50 -. 28.2). Entre 14/01/2005 e 28/11/2011, G… ordenou adicionalmente cento e trinta e seis transferências bancárias no valor total de 585.825,54 EUR da referida conta n.º …….. para diversas contas bancárias com distintos beneficiários, montantes sendo: a). Entre o período de 14/01/2005 a 28/10/2011 G… executou cento e nove transferências bancárias adicionais, no valor total de 384.929,75 EUR da conta n.º …….. para a conta nº ……………….., cujo titular é Q…; b). Entre o período de 07/09/2007 a 04/03/2011 G… executou doze transferências bancarias adicionais, no valor total de 31.861,95 da conta n.º …….. para diversas contas bancarias cuja titular é G…. c). Entre o período de 26/06/2007 a 05/09/2008 G… executou cinco transferências bancárias adicionais, no valor total de 4.114,38 EUR da conta n.º …….. para a conta bancaria NIB …………………, titulada por «U…, Unipessoal Lda.»; d). No dia 11/12/2008 G… executou uma transferência bancária adicional, no valor de 2.500 EUR para a conta NIB ……………….., titulada pela M1… aberta no AC…; e). G… executou três transferências bancárias adicionais, no valor total de 51.062 EUR da conta n.º …….. para a conta bancaria NIB …………………, titulada pela AD…, Lda.; f). G… executou três transferências bancárias adicionais, no valor total de 67.634,16 EUR da conta n.º …….. para a conta bancária NIB …………………, titulada por «AE…, Lda.; g). No dia 20/04/2011 G… executou uma transferência bancária adicional no valor de 1.374,03 EUR para a conta NIB ……………….., titulada por «AF…, Lda.» aberta no AH…; h). G… executou mais duas transferências bancárias adicionais, no valor total de 42.349,27 EUR da conta n.º …….. para duas contas bancárias tituladas por «S…, Lda.». 28.3). Entre 06/06/2010 e 02/02/2014, G… ordenou adicionalmente oito transferências bancárias no valor total de 144.787,57 EUR da referida conta à ordem n.º …….. para as seguintes contas: a). 1.500 EUR realizada a 09/06/2010 para a conta NIB ………………. titulada por «AF…, Lda.»; b). 32.246,28 EUR, executada a 18/09/2013 para a conta NIB …………………, titulada por AI…; c). 50.000 EUR realizada a 22/09/2014 para a conta NIB …………………, titulada por X…; d). 56.088 EUR executada a 25/01/2014 para a conta NIB …………………, titulada por «AE…, Lda.»; e). 82,49 EUR, realizada a 25/03/2014 para a conta NIB …………………., titulada por AJ…; f). 3.044,25EUR executada em 04/10/2012, para a conta NIB ………………… titulada por G…; g). 608,85 EUR, executada a 25/10/2012 para a conta NIB …………………, titulada por U…, Unipessoal, Lda.; h). 1.217,70 EUR realizada a 26/02/2014 para a conta NIB ……………….., titulada por V… - Unipessoal. Lda.»; 29). A Autora não teve qualquer tipo de relação comercial ou contratual com os beneficiários das transferências acima identificados com exceção de «U… …» e «V… …» 30). A empresa «S… …» tem por objeto a «Importação, exportação, comércio por grosso e a retalho de artigos para a prática de desporto, motociclos, suas peças e acessórios, veículos automóveis, acessórios para automóveis, bicicletas, reparação e manutenção de motociclos e bicicletas e organização e gestão de atividades desportivas» sendo sócia-gerente T… – fls. 132 a 139 -. 31). A empresa «AE…, Lda.» dedica-se à comercialização e publicação de espaços publicitários em listas telefónicas, guias, roteiros, diretórios, outdoors e publicações diversas em todos os meios de comunicação e informação – fls. 1255 -. 32). A empresa «AF…, Lda.» tem por objeto o comércio, manutenção e reparação de motos, veículos motorizados, acessórios e afins, incluindo a importação e exportação – fls. 1240 -. 33). O filho da procuradora G…, AK… tem gosto por conduzir veículos motorizados nomeadamente motos, praticando desportos motorizados. 34). A empresa «U… …» tem por objeto «Contabilidade, prestação de serviços de limpeza industrial e de gestão de condomínio» e como sócia gerente a procuradora G… – fls. 140 e 141-. 35). A empresa «V… …» tem por objeto «Venda ambulante de comida e bebidas. Compra e venda de detergentes, detergentes industriais e produtos de higiene» e como sócia gerente AL…, filha da procuradora G… – fls. 142 a 144 -. 36). A empresa «W… …» tem por objeto «Comércio de vestuário e calçado, Importação e Exportação» e como sócios gerentes AL… e AM… – fls. 145 e 146 -. 36.1). AM… foi companheiro de AL…. 37). X… é sócia de «AN…, Lda.” – fls. 147 e 148 -. 38). Todas as transferências foram ordenadas somente por G… por meio da internet. 39). Por cartas datadas de 12/11/2014 e 10/12/2014, a Autora imputou à Ré a inobservância das condições de movimentação da sua conta de depósito à ordem nº 65609734, responsabilizando-a pelos prejuízos daí decorrentes anunciando a reclamação do reembolso de todos os montantes transferidos injustificadamente – fls. 149 a 151 -. 40). Por carta datada de 19/12/2014 a Autora apresentou ao Banco de Portugal reclamação contra o Réu fundamentando-a nos seguintes termos: «No decurso de uma auditoria em curso, foi apurado que, pelo menos desde o início de 2012, o C… efetuou, pelo menos, 292 (…) transferências, no valor total de € 2.448.019,49 (…), a partir da conta de depósitos à ordem da B… … com o número …….., para diversos beneficiários em violação do contrato de depósito celebrado entre as duas empresas, desrespeitando a forma de obrigar da B…, ou seja, sem que nenhuma dessas transferências tenha sido ordenada nem pela assinatura de dois administradores, nem pela assinatura conjunta de um administrador e de um procurador, nem pela assinatura isolada do Administrador signatário, D…, nem pela assinatura de um ou mais mandatários, nos termos exatos do respetivo mandato. …» - fls. 152 a 154 -. 41). Por carta datada de 06/01/2015 o Réu recusou assumir qualquer responsabilidade por essencialmente, entender que «o Banco não compreende como foi possível, numa sociedade com contabilidade organizada, e contas auditadas, possam ter passado “despercebidas”, durante dois anos, 296 transferências bancárias “indevidas”, num montante global de € 2.460.166,49, sem que os normais mecanismos de controlo, interno e externo, tivessem atuado». Mais refere que «De igual modo, o Banco não acolhe plausível que a sociedade desconhecesse as condições em que eram efetuadas as transferências via internet, quando, na verdade, assim as promove e nelas consente há mais de uma década.» - fls. 156 -. 42). A Autora respondeu ao Réu por carta datada de 19/01/2015 onde refere que «…o facto de os ilícitos praticados pela trabalhadora em questão, Sra. D. G…, não terem sido detetados, antes, pelos mecanismos de controlo interno e externo não afasta a responsabilidade do Banco pela inobservância das condições de movimentação da conta estabelecidas entre as partes» e «relativamente ao segundo argumento, e segundo nos foi transmitido pela nossa cliente, esta nunca autorizou a referida trabalhadora, ou qualquer outra pessoa, a movimentar, sozinha, as contas bancárias da empresa» pois «… nos termos das procurações outorgadas em 27/05/2009, 03/03/2011 e 16/09/2014, a referida trabalhadora tinha apenas poderes para movimentar as contas bancárias da sociedade em conjunto com um Administrador ou com outro procurador». Assim, «em virtude de o Banco ter aceitado executar ordens de transferência em desrespeito das referidas condições de movimentação, aquela trabalhadora conseguiu desviar da empresa, em proveito próprio ou de terceiras pessoas, através de 292 transferências, o montante total, até agora, apurado, de € 2.448.019,494 (retifica-se, pois, o valor referido na carta da nossa cliente de 10.12.2014 – fls. 156 e 157 -. 43). Por carta datada de 27/01/2015, o Réu informou a Autora que todas as 296 transferências, relacionadas na listagem aí anexa haviam sido ordenadas com o código de utilizador G1…, correspondente ao da procuradora G… - fls. 158 a 166 -. 44). Por meio dessa carta, o Réu enviou à Autora cópia de um conjunto de documentos que segundo a mesma, forma o contrato de utilização de operações bancárias online, celebrado entre as partes - fls. 175 a 190, dos quais constam autorizações de consulta da conta on line a AC…, L…, M… dos movimentos promovidos na conta bancária titulada pela Autora e um anexo ao contrato datado de setembro de 2010, assinado pelo administrador da Autora e L…, onde consta a atribuição a exta de “poderes máximos de assinatura – Tipo A”. (alterado) 45). Em 12/12/2002, os procuradores G… e N… assinaram o dito contrato, mais concretamente as 1.ª, 2.ª e 9ªs. páginas da referida documentação; Nessas páginas, nos campos onde ambos assinaram, surge, manuscrita, a expressão «A Administração», logo a seguir ao carimbo da Autora. Nas mesmas três páginas, ao lado das assinaturas dos referidos procuradores, surge um carimbo do Réu, com a data manuscrita e os seguintes dizeres: «As assinaturas conferem com as existentes nos nossos ficheiros». Na 1.ª página, em cujo topo surge a menção «para empresas que se obrigam com duas ou mais assinaturas», indicou-se como «Representantes (Responsáveis que obrigam a Empresa)» o Administrador D… e a procuradora G… e nomeou-se esta última como Administradora da Aplicação; Pela 2.ª página, correspondente ao anexo relativo às regras para autorização das operações, autorizou-se a emissão de ordens de transferência, até ao limite de 50.000 EUR com uma única assinatura digital do tipo «A». Pelas 4.ª a 9ªs. páginas, correspondentes ao perfil da utilizadora G…, com o código de utilizador G1…, atribuiu-se-lhe uma assinatura do tipo «A» e deu-se-lhe acesso «… a todas as contas da Empresa incluindo as abertas após a adesão do serviço» e a «todos os serviços disponíveis e a disponibilizar pelo Banco». Em fevereiro de 2011, os mesmos procuradores, G… e N…, subscreveram um novo anexo, relativo às regras para autorização de operações (que corresponde à 3ª página da documentação), conferindo poderes aos utilizadores titulares de uma assinatura digital do tipo «A» para, isoladamente, darem ordens de transferência sem qualquer limite de valor. 46). Ao fazer depender a movimentação da conta à ordem nº …….. de duas assinaturas, o Conselho de Administração da Autora quis prevenir ou dificultar situações de transferências não autorizadas por si. 47). O Conselho de Administração desconhecia que a procuradora G… ordenava transferências pela internet sozinha e que nos termos do referido contrato, tinha poderes para isso. 48). O Conselho de Administração da Autora estava convicto que as suas deliberações eram observadas e todas as ordens de transferência, em suporte papel ou pela internet, eram dadas por dois procuradores, um dos quais, em princípio, a procuradora G…. 49). O Réu sabia que as assinaturas que surgem na documentação contratual de 12/12/2002 e fevereiro de 2011 eram da autoria de G… e N… e que estes eram procuradores e não administradores da Autora. 50). O Réu sabia que os poderes dos procuradores G… e N… se encontravam delimitados pelos instrumentos pelos quais os mesmos lhes haviam sido conferidos e se restringiam à movimentação da conta, com as combinações de assinaturas previstas nesses instrumentos. 51). O Réu sabia que os procuradores G… e N… não tinham poderes para celebrar um contrato do qual resultava a ampliação dos poderes que o Conselho de Administração da Autora conferira à primeira. 52) (eliminado); 53) (não existe); 54). Em 31/10/2014 a Autora determinou a abertura de inquérito e a suspensão preventiva da trabalhadora G…, até à conclusão do processo disciplinar - fls. 167 e 168 -. 55). Por carta datada de 11/11/2014, a Autora comunicou G… a intenção de proceder ao seu despedimento e enviou-lhe a correspondente nota de culpa - fls. 169 -. 56). Em 22/01/2015, a Autora determinou o despedimento da referida trabalhadora com justa causa – fls. 170 e 171 -. 57). Em 18/11/2014, a Autora apresentou no D.I.A.P de Lisboa queixa contra G… e respetivo marido, T… (pessoalmente e na qualidade de gerente de «S… …»), M1… e o ex-marido desta, AP…, pela prática dos crimes de furto qualificado (as duas procuradoras) e recetação (os demais participados) tendo sido proferido Acórdão em 27/04/2017 no juízo central criminal de Lisboa, J12, processo n.º 437/14.8TELSB que condenou: . G… pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, 4, b) e 5, do C. P. e de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, nºs. 1 e 3, do C. P. na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução; . M1… pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205.º, n.º 1, 4, b) e 5, do C. P. e de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, nºs. 1 e 3, do C. P. na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução; . Q… pela prática de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do C. P., na pena de 1 ano e seis de prisão, suspensa na sua execução; . AK…, pela prática de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do C. P., na pena de um ano e nove de prisão, suspensa na sua execução; . AL… pela prática de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 1, do C. P., na pena de um prisão, suspensa na sua execução tendo tal decisão sido confirmada por Acórdão da relação de Lisboa de 09/01/2018 – fls. 2000 a 2198 e 2530 a 2552 verso -.58). A Autora, para além das transferências referidas em 28), ordenou a realização de outras para pagamento a clientes, impostos, vencimentos. 58) Para além das transferências supra referidas em 28), a funcionária G… ordenou ao banco Réu ao longo dos anos, milhares de outras, para pagamentos a clientes da Autora, impostos e vencimentos.(alterado). 59) A Em fevereiro de 2000, a Autora celebrou com o C… o contrato denominado “Terminal Empresa – Operadores / Supervisores”, que foi preenchido por G… e subscrito pelo Administrador da Autora D…, constando do mesmo autorização para G… movimentar online, isoladamente, a conta bancária titulada pela Autora, até ao montante de Esc. 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) (fls. 1619 – 1620).(aditado) 60) O C… remeteu mensalmente à Autora os extratos bancários de junho de 2010 e de outubro de 2012 a junho de 2014, com o registo dos movimentos da conta nº …….., titulada pela Autora quer a crédito, quer a débito.(aditado) 61) A Autora moveu uma ação contra a sociedade AE…, Lda, que corre termos no Juízo Central Cível de Lisboa-Juiz 17, pedindo a condenação daquela sociedade a pagar-lhe a quantia de € 413.99, 38 euros, cuja petição inicial se encontra junta por certidão a fls. 2372 e ss e a contestação aí apresentada a fls. 2392. (aditado)
Factos não provados: 1). As duas transferências, no valor total de 33.540 EUR, recebidas pela agência de viagens «Y… …» se tenham destinado ao pagamento de duas viagens, uma à … e outra às …, em nome de AK…. 2). A transferência no valor de 17.465,95 EUR, recebida pela empresa «Z…» se tenha destinado à aquisição de televisores cuja fatura foi emitida em nome de AQ…, companheira de AK…. 3). A transferência no valor de 38.000 EUR recebida pela empresa «AB…» se tenha destinado ao pagamento parcial do preço de um automóvel «Porsche …», registado em nome de Q…. 4). A Autora não tivesse um sistema de controlo interno da sua contabilidade.
V- DO DIREITO APLICÁVEL AOS FACTOS: DO RECURSO PRINCIPAL:
Na sentença proferida, o tribunal condenou o banco Réu no pagamento à Autora da quantia da quantia de € 3.902.251,11 EUR, acrescida de juros de mora, com fundamento na responsabilidade contratual do Banco Réu ao permitir que G…, funcionária da Autora, que não tinha poderes para realizar as transferências, sozinha, dos valores provados, o fizesse, via homebanking, não obstante ter conhecimento de tal falta de poderes, porque os poderes de movimentação da conta lhe haviam sido previamente comunicados pela Autora.
Insurge-se o Banco Réu quanto a esta condenação, através do presente recurso, desde logo afirmando que, ao invés do decidido, “G… tinha poderes para, sozinha, realizar movimentações “online”. Que ao subscreverem o Contrato de 2002, N… e G… atuaram dentro dos poderes que lhe foram conferidos (não decorrendo das procurações – documentos de fls. 89 a 94 – quaisquer limitações ao concreto modo utilizado para a permitida movimentação), pelo que as mesmas podiam ser promovidas através dos serviços de homebanking (online) – sendo reconhecida a possibilidade de movimentação bancária online pelo próprio Tribunal.
Acresce que G… era talvez a pessoa de maior confiança do Presidente do Conselho de Administração da Autora, sendo de 1996 até outubro de 2014 a única (ou pelo menos principal) pessoa de contacto do Banco por instruções do Presidente do CA da Autora, responsável por todos os assuntos bancários, tendo processado e realizado efetivamente milhares de transferências bancárias online, no exercício das suas funções de tesoureira.”
Esta é precisamente a questão fulcral da presente ação e do recurso: saber se G…, funcionária da Autora atuou dentro dos poderes que lhe haviam sido concedidos pela Autora e que haviam sido oportunamente comunicados ao Banco, ao utilizar sozinha, os serviços de homebanking (online) fornecidos pelo Banco, procedendo a movimentações da conta de depósito aberta pela Autora no banco Réu. 1.Poderes de G… para proceder á movimentação bancária online da conta da Autora no Banco Réu:
Analisemos então a questão dos poderes de G….
Com interesse para esta questão resulta da Factualidade apurada o seguinte: A Autora é cliente do Banco Réu desde 1991, sendo titular da conta de depósito à ordem nº …….. (facto supra nº 4). A Administração da Autora compete a um Conselho de Administração, composto por três membros que designam um deles o Presidente (facto supra 5) Nos termos do artigo 15.º dos seus estatutos, a Autora, obriga-se nos seguintes termos: «Um a) Pela assinatura de dois administradores ou pela de um administrador e de um procurador, quando o Conselho de Administração o delibere por voto unânime da totalidade dos seus membros; b) Pela assinatura de um ou mais mandatários, nos termos exatos do respetivo mandato; c) Pela assinatura isolada do administrador D…, para todos os atos e contratos, independentemente da sua natureza, até ao montante de cinquenta mil euros. Dois Para as questões de mero expediente, entendendo-se como tais a movimentação de contas bancárias, bastará a assinatura de um administrador.» A alínea c) acima indicada do artigo 15.º dos Estatutos não integrava a sua versão originária, tendo sido introduzida por deliberação da Assembleia Geral de 01/09/2000 (facto supra 7) Nos termos do artigo 12.º, n.º 3 dos Estatutos, «…, o Conselho de Administração poderá constituir mandatários.» (facto supra 8). Nos termos do artigo 12.º, n.º 3 dos Estatutos, «…, o Conselho de Administração poderá constituir mandatários.» - fls. 68 (facto supra 8). O Conselho de Administração da Autora deliberou a constituição de procuradores, para movimentar as contas bancárias da empresa, nas reuniões realizadas em 15/07/1991 (fls. 71), 25/10/1995 (fls. 74 e 75), 11/12/1995 (fls. 76 e 77), 01/04/1996 (fls. 78 a 80), 15/04/1996 (fls. 81 e 82) e 02/07/1996 (fls. 83 e 84). (facto supra 9). Na reunião do conselho de administração da Autora de 01.04.1996 foi deliberado nomear G… procuradora da Autora, conferindo-lhe os poderes necessários para movimentar as contas bancárias da sociedade, podendo emitir e assinar cheques e transferências bancárias, sendo para o efeito necessária a assinatura conjunta de AS…. Daquela documentação decorre que, na reunião do conselho de administração da Autora de 15.04.1996, para além de ter sido deliberado manter a procuração conferida a G… em 01.04.1996, foi deliberado nomear G… procuradora da Autora, conferindo-lhe os poderes necessários para movimentar as contas bancárias da sociedade, podendo emitir e assinar cheques e transferências bancárias, sendo para o efeito necessária a assinatura conjunta de um administrador. Na reunião do conselho de administração da Autora de 02.07.1996, foi deliberado nomear G… procuradora da Autora, conferindo-lhe os poderes necessários para movimentar as contas bancárias da sociedade, podendo emitir e assinar cheques e transferências bancárias, sendo para o efeito necessária a assinatura conjunta de um administrador, sendo ainda deliberado manter a procuração conferida em 01.04.1996. Como decorre dessas deliberações, para a movimentação das contas bancárias da Autora eram necessárias, nuns casos, as assinaturas conjuntas de dois procuradores e, noutros, de um procurador e um Administrador, mas sempre duas assinaturas. (facto supra 10). Na sequência das referidas deliberações, foram outorgadas as respetivas procurações, com vista à sua entrega aos Bancos de que a Autora era cliente. (facto supra 11). Em 04/07/2001, o Conselho de Administração da Autora reuniu e deliberou nos termos da ata nº 16 (fls. 85 a 88) revogar os mandatos conferidos a G…, H… e I…, por anterior deliberação de 15/04/1996 e a J…, por deliberação de 20/03/1998 e, seguidamente, aquele órgão deliberou nomear como procuradores da sociedade os colaboradores K…, L…, M…, G… e N…. (facto supra 12). Foram conferidos poderes a G… para movimentar as contas bancárias da sociedade, incluindo emitir e assinar cheques e ordenar transferências, nas seguintes condições: em conjunto com um Administrador ou com a procuradora L…. (facto 14 c) o procurador N… em conjunto com um Administrador ou com L… ou G… (facto supra 14 d). Na sequência da deliberação do Conselho de Administração de 04/07/2001, o administrador da Autora em 25/10/2001 outorgou a competente procuração notarial (facto supra 16). Em 27/05/2009, o mesmo Administrador outorgou nova procuração refletindo a deliberação do Conselho de 04/07/2001 e instituiu procuradores da Autora L…, M…, G…, N… (facto supra 17). Em 07/02/2011, o Conselho de Administração da Autora reuniu e deliberou nos termos da ata nº 24, onde o referido órgão delibera revogar a procuração outorgada em 27/05/2009 e constituiu procuradores os mesmos L…, M1…, G… e N…, conferindo-lhes poderes para, qualquer um deles, em conjunto com um Administrador, ou dois deles conjuntamente (facto supra 18): «abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade e em quaisquer instituições de crédito; movimentar as contas bancárias da sociedade, emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferências de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias». Em 03/03/2011, o Administrador D…, no uso dos poderes que lhe foram conferidos pela referida deliberação de 07/02/2011, outorgou uma procuração em 03/03/2011 constituindo procuradores da Autora, L…, M1…, G… e N… nos aludidos termos (facto supra 19). Em 01/08/2014, o Conselho de Administração da Autora reuniu nos termos da ata nº 43 – fls. 121 a 125 – tendo deliberado revogar os poderes conferidos aos procuradores L…, M1…, G… e N… concedidos por procuração de 03/03/2011 e nomear procuradores L…, O…, P…, M1… e G…, conferindo-lhes poderes para, em representação da Autora M1… e G…, qualquer uma delas com um administrador da sociedade ou uma delas com L…, O… e P…, «abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade, em quaisquer instituições de crédito; movimentar as contas bancárias da sociedade, emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferências de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias».(facto supra 20) Em 16/09/2014, o Administrador D…, no sentido de dar cumprimento à deliberação do Conselho de Administração de 01/08/2014, outorgou a respetiva procuração (facto supra 21). Todas as procurações acima referidas, nomeadamente as outorgadas em 25/10/2001, 03/03/2011 e 16/09/2014, foram entregues ao Réu, com a consequente emissão de novas fichas de assinatura (facto supra 21).
A Autora é uma pessoa coletiva, uma sociedade comercial (sociedade anónima).
As pessoas coletivas manifestam a sua vontade deliberando, através das suas assembleias ou reuniões de sócios.
Através de deliberações válidas, e dentro dos poderes estatuários que expressamente previam a possibilidade do seu Conselho de Administração constituir mandatários, a Autora, através do seu Conselho de Administração deliberou a constituição de procuradores, (onde se inclui G…) para movimentar as contas bancárias da empresa, mandatando-os para a prática de tais atos, vindo a conferir poderes á sua funcionária G…, mediante procuração que outorgou àquela para movimentar as contas bancárias da empresa. De todas as procurações que foram outorgadas pela Autora àquela funcionária ao longo do tempo resulta de forma inequívoca que os poderes que lhe eram conferidos tinham de ser exercidos em conjunto, com o administrador ou com outro procurador.
Posto isto.
Procuração e mandato são figuras jurídicas distintas, que podem coexistir, mas não coexistem necessariamente. Sendo a procuração um ato unilateral, o mandato é um contrato que impõe a obrigação de celebrar atos jurídicos por conta de outrem, ao passo que a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem, como refere Inocêncio Galvão Telles, Contratos Civis, pág. 7. Vale por dizer que o mandato é um contrato de prestação de serviço, mediante o qual o mandatário assume a obrigação de praticar atos jurídicos de acordo com as indicações e instruções do mandante, quer quanto ao objeto, quer quanto à própria execução, podendo ser com ou sem representação (artigos 1178º e 1180º do Código Civil). A procuração é, diversamente, um negócio jurídico unilateral autónomo, pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (artigo 262º/1 do Código Civil).
A outorga da procuração tem, por via de regra subjacente um negócio-base. E tipicamente, o negócio-base da procuração é um contrato de mandato com representação.
É dentro deste condicionalismo que, G…, se vem a relacionar com o Banco Réu, importando desde logo apurar se G… atuou dentro dos limites dos poderes que lhe foram concedidos pela autora, através das procurações que outorgou, nomeadamente ao movimentar a conta bancária da Autora, através do sistema de homebanking.
Desde já convém referir que, não constitui facto controvertido, o facto da conta da Autora no banco Réu, terem, a partir duma determinada altura (por acordo entre as partes) passado a ser movimentada através do sistema de homebanking, o que ocorreu durante mais de uma dezena de anos.
O Banco Réu aponta a data do início de tal relacionamento em 7.2.2000, com a celebração do contrato “terminal”.
A celebração deste contrato que é mencionada na fundamentação da sentença, mas não constava do elenco dos factos provados foi ora aditado aos mesmos, na sequência da impugnação dos factos feita pelo banco Réu, no presente recurso, dada a sua relevância para a decisão.
Assim sendo, nesta matéria, constata-se que existe um contrato «terminal» que terá dado início ao relacionamento “eletrónico” entre o banco e a Autora, onde se indica como utilizadora da conta G… até ao valor de 5.000.000$00 (equivalente a 24.939,89 EUR) – fls. 1619 e 1620 – assinado pelo administrador da Autora, celebrado em 07/02/2000.
O Administrador da Autora D…, ouvido em depoimento de parte, alegou não ter dúvidas que foi uma decisão da administração, a Autora passar a utilizar os serviços on line que o banco Réu passou a disponibilizar, mas não se recorda de ter assinado o documento em causa, apesar da semelhança da sua assinatura, admitindo que possa tê-lo assinado e que o teria assinado certamente se G…, pessoa da total confiança da Autora lho desse a assinar, nomeadamente para esse efeito, reconhecendo que o mesmo se mostra preenchido com a letra daquela funcionária. Como vimos, a assinatura não foi impugnada pela Autora, pelo que têm-se o contrato por assinado por aquele administrador, como já tivemos oportunidade de apreciar.
Provou-se ainda que G… subscreve em 12 de Dezembro de 2002, um contrato de operações bancáriasonline-portal AT… contrato de utilização, para empresas que se obrigam com duas ou mais assinaturas – fls. 256 a 262 - onde se indica como utilizador G…, num montante desde 0 EUR até 50.000 EUR, bastando a sua assinatura (letra «A»), de 16/12/2002, assinado por G… e N….
As assinaturas mostram-se apostas com o carimbo da Autora e onde constam também os dizeres “administração”.
A descrição das operações que podia realizar consta a fls. 1626 e 256 a 262.
Face ao que está exarado nesse documento, G… podia efetuar movimentações bancárias online sozinha até 50.000 EUR.
Apesar de no formulário constar a possibilidade de “combinação de tipos de assinatura”, mostra-se preenchido com a comb I (uma assinatura).
Nesse documento consta ainda o seguinte: “A partir da data em que forem ativadas pelo Banco as condições expressas no presente Anexo. Fica sem efeito qualquer outro Anexo relativo a regras para autorização de operações formalizado em data anterior entre o Cliente e o Banco.”
Existe um documento de 24/02/2011, denominado «contrato de utilização operações bancárias online – fls. 1627.
Neste contrato G… tem poderes para movimentar a conta bancária sozinha (letra «A») sem qualquer limite monetário, estando assinado por G… e N…, também constantes sobre o carimbo da Autora, mas agora sem os dizeres Administração, sob a expressão “representantes de cliente”.
Consta no mesmo que “A partir da data em que forem ativadas pelo Banco as condições expressas no presente Anexo. Fica sem efeito qualquer outro Anexo relativo a regras para autorização de operações formalizado em data anterior entre o Cliente e o Banco.”
Vejamos.
Na sentença sub judice concluiu-se da seguinte forma: “Posto isto, temos que em 2000 é celebrado um contrato bancário entre Autora e Réu e sobre este não existe qualquer dúvida que vincula as partes pois foi celebrado pela administração da Autora e pelo Réu através de funcionário que o representa. A questão começa a divergir quanto a certeza quanto ao contrato de 2002 pois quem o assina não é a administração mas dois procuradores – N… e G… -.que “em 2000 é celebrado um contrato bancário entre Autora e Réu e sobre este não existe qualquer dúvida que vincula as partes pois foi celebrado pela administração da Autora e pelo Réu através de funcionário que o representa.”
Quanto ao contrato de 2002, o mesmo não se mostra assinado pela Administração da Autora, (apesar da indicação errónea e “enganosa”, sob o carimbo da mesma), mas sim por dois procuradores – N… e G….
Através deste contrato G… tem poderes perante o banco para movimentar a conta bancária sozinha (letra «A») com o limite monetário “até 50.000 euros”, estando assinado por G… e N….
Há assim que aferir se esses dois procuradores tinham poderes para celebrar esse contrato de 12/12/2002.
Ora, de acordo com os poderes conferidos pela Autora, em 2002, G… podia apenas movimentar contas bancárias incluindo ordenando transferências em conjunto com um administrador ou com a procuradora L… (facto 14, c).
G… podia movimentar contas bancárias desde que o fizesse em conjunto ou com outra procuradora ou com um administrador.
Daí que o tribunal tenha concluído que “No caso concreto, para nós, o problema está desde logo sobre quem celebrou o contrato em finais de 2002 pois os dois procuradores não tinham poderes para representar a Autora para celebrar esse contrato; teriam poderes para movimentar as contas e fazer transferências mas essa questão é posterior à celebração do contrato: primeiro o contrato tem de ser celebrado por quem tem poderes e depois afere-se se quem movimenta a conta o pode fazer. No caso, G… tinha poderes para poder movimentar a conta e em 2000 foram-lhe conferidos poderes por quem de direito para poder movimentar a conta sozinha – o administrador assinou tal contrato. Mas em 2002 o contrato é celebrado, noutros termos – o valor de movimentação isolada aumentou para o dobro – e quem representa a empresa para esse efeito – D… como expressamente se menciona nesse contrato de 16/12/2002 a fls. 255 - não intervém no mesmo nem está representado por quem o possa representar para tal celebração” É certo que G… antes podia movimentar online sozinha valores até (arredondando por facilidade) 25.000 EUR e agora a diferença é que o valor passou para 50.000 EUR mas o problema é que essa alteração não foi feita pela Autora, nem através dos administradores nem por quem os pudesse representar. Deste modo, o contrato não foi celebrado por quem representa a Autora.”
Em 24/02/2011 surge a celebração de um outro contrato do mesmo tipo – operações bancárias online – onde, de novo, surge a representação da Autora não por um administrador ou por um procurador com poderes para celebrar este tipo (ou outro) de contratos mas por G… e N….
Note-se que nesta data G… e N… tinham poderes para abrirem ou encerrarem contas ou movimentá-las sempre em conjunto ou com um administrador ou com procurador.
Esta contratação com o Réu é feita antes ainda da emissão da procuração relativa á deliberação de 07/02/2011 que foi emitida em 03/03/2011 – facto 19.
Temos aqui então que G… celebra um contrato com o Réu onde se contrata que G…, sozinha, pode movimentar todo e qualquer valor em nome da Autora.
Porém, G… podia apenas movimentar contas bancárias desde que o fizesse em conjunto ou com outra procuradora ou com um administrador.
O Recorrente vem defender que, quer por força do primitivo contrato de homebanking celebrado com o Réu, em 2000, quer em face dos poderes que lhes foram concedidos, ao subscreverem o Contrato de 2002 e posteriormente de 2011, N… e G… atuaram dentro dos poderes que lhe foram conferidos (não decorrendo das procurações – documentos de fls. 89 a 94 – quaisquer limitações ao concreto modo utilizado para a permitida movimentação), pelo que as mesmas podiam ser promovidas através dos serviços de homebanking (online) – sendo reconhecida a possibilidade de movimentação bancária online pelo próprio Tribunal.
Vejamos se é assim, ou seja se G… podia ter utilizado os serviços de homebanking (online) da forma que utilizou, procedendo á movimentação bancária online da conta da Autora.
No direito bancário o facto jurídico mais relevante na constituição e modificação de relações jurídicas é o contrato (José Maria Pires, Direito Bancário, 2.º Volume – As operações bancárias, Editora Rei dos Livros, pág. 50).
Entre a Autora B…, S.A., e o Banco Réu C…, SA foi celebrado um contrato de abertura de conta.
Provou-se na verdade que a Autora é cliente do Réu desde 1991, sendo titular da conta de depósito à ordem nº …….. (facto supra nº 4).
Com efeito a existência da conta implica que entre a autora e o réu foi celebrado um contrato de abertura de conta, ou seja, o contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. Trata-se do contrato que marca o início de uma relação bancária complexa e duradoura, fixando as margens fundamentais em que ela se irá desenrolar. A abertura de conta não deve ser tomada como um simples contrato bancário, a ordenar entre outros contratos dessa natureza: ela opera como um acto nuclear cujo conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos actos bancários subsequentes (Menezes Cordeiro, in Direito Bancário, 3.ª Edição, pág. 411).
É com base neste contrato que se inicia aquela relação jurídica complexa entre banco e cliente e em que assentam os diferentes contratos celebrados posteriormente entre eles.
Associada à abertura de conta, surge também o depósito bancário, operação a que, genericamente o banqueiro já deu o seu assentimento genérico e que, no caso concreto dos depósitos à ordem, se trata de uma convenção de depósito, por regra anexa à abertura de conta, que obriga o banqueiro a receber, levando à conta, as diversas remessas feitas a título de dinheiro depositado.
O registo dos movimentos, a crédito e débito, na conta, traduz, por sua vez, uma espécie de conta-corrente comum, e é essencial para o andamento das relações bancárias, postulando a prestação de diversos serviços bancários, com relevo para o giro bancário e o serviço de caixa.
Implícita na abertura de conta, há uma “convenção de giro”, pela qual o banqueiro faculta ao cliente um conjunto imediato de operações ou “produtos”, como sejam as transferências bancárias (simples ou internacionais), os pagamentos por conta bancária, as cobranças por conta bancária e a outras operações de transferências de fundos.
Como vimos, para efeitos de movimentação da conta da Autora no Banco Réu, necessária ao “giro comercial” da autora, esta, conferiu poderes, através do seu Conselho de Administração, aos seus funcionários, onde se inclui G… para o efeito, outorgando as competentes procurações, ressaltando das procurações juntas aos autos que os atos em nome da representada Autora careciam de ser praticados em conjunto, sempre por dois funcionários (procuradores), ou por um procurador e um administrador).
Já o administrador da Autora, D…, tinha poderes para as questões de mero expediente, entendendo-se como tais a movimentação de contas bancárias, bastando a sua assinatura.
A partir de 01/09/2000 aquele administrador passou a ter poderes para, sozinho, obrigar a sociedade em todos os atos e contratos, independentemente da sua natureza, até ao montante de cinquenta mil euros.
Em 2002 (16.12.2002) e 2011 (24.2.2011), a funcionária G…, juntamente com N… vem a celebrar com o C… um denominado “contrato de utilização” – “anexo regras para autorização de operações”- documentos de fls. 256 e ss e “contrato de utilização- operações bancárias on line”- fls. 1627 e ss.
G… tinha num e no outro momento temporal, poderes que lhe foram concedidos pela Autora, para, em representação da sociedade Autora «abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade, em quaisquer instituições de crédito; movimentar as contas bancárias da sociedade, emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferências de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias».
Porém, apenas o podia fazer com outra pessoa. Trata-se de um limite decorrente dos poderes concedidos.
Assim em 2002 G… tinha poderes para movimentar contas bancárias incluindo ordenando transferências em conjunto com um administrador ou com a procuradora L… ou N…. G…, porém, não podia ordenar transferências bancárias em nome da Autora sozinha.
Em 2011 G… tinha poderes para, “em conjunto com um Administrador, ou dois procuradores conjuntamente «abrir e encerrar contas bancárias em nome da sociedade e em quaisquer instituições de crédito; movimentar as contas bancárias da sociedade, emitir e assinar cheques, proceder a depósitos e transferências de saldos e, em geral, praticar todos os atos relativos à movimentação das referidas contas bancárias». G…, porém, não podia ordenar transferências bancárias em nome da Autora sozinha.
Uma vez que G… tinha poderes que lhe haviam sido conferidos pela Autora para proceder a movimentação da sua conta bancária existente no banco Réu, (por mandato conferido pela Autora, que lhe outorgou a competente procuração para o efeito) haverá que apurar se G… podia com base nesses mesmos poderes movimentar tal conta através do sistema de homebanking, serviço que passou a ser fornecido pelo banco, nos termos em que o fez - sozinha.
Os bancos em geral passaram a conceder aos seus clientes serviços designados de homebanking, isto é, a permitir aos seus clientes, mediante a aceitação de determinados condicionalismos, a utilizar toda uma panóplia de operações bancárias, online, relativamente às contas de que sejam titulares, utilizando para o efeito canais telemáticos que conjugam os meios informáticos com os meios de comunicação à distância (canais de telecomunicação), por meio de uma página segura do banco, o que se reveste de grande utilidade, especialmente para utilizar os serviços do banco fora do horário de atendimento ou de qualquer lugar onde haja acesso à Internet.
Estes serviços, também denominados de “banca eletrónica”, de “e-banking”; de “banco internético”, “banca electrónica”, “banca on line”, ou mais vulgarmente conhecidos por “homebanking” proporcionam ganhos de comodidade para o utilizador que não necessita de deslocar-se á instituição bancária e não fica limitado às horas de expediente dos bancos, fornecendo uma resposta rápida e eficiente às necessidades dos clientes do banco, para além de fornecerem ganhos para os bancos, com a redução de despesas e agilização dos movimentos bancários, tem vindo por isso a ter uma grande divulgação, constituindo hoje um serviço que apresenta crescente popularidade.
Como se pode ler no AC RL de 06-11-2018 (relatora Ana Pessoa), “(…) o contrato em causa, que como se referiu, tem vindo a obter forte adesão pelas vantagens que apresenta – para as entidades bancárias, que dessa forma agilizam serviços e otimizam a gestão de recursos humanos, e para os clientes, que podem aceder, até de casa, sem qualquer limite de horário, a uma enorme variedade de serviços bancários - comporta riscos, inerentes, quer a falhas no sistema, quer a ataques cibernautas.”
Pese embora a atual vulgarização da utilização de tal sistema de movimentação de contas bancárias on line, em face das inúmeras vantagens que do mesmo decorre para o utilizador e para o próprio banco, o certo é que no ano 2000 estávamos ainda nos “primórdios” dessa utilização.
Em 2002 encontrava-se em vigor o DL 143/2001 de 26.4, relativo aos contratos á distância, tendo posteriormente surgido o DL 7/2004 de 7.1.que no seu art, 26.º dispunha que “As declarações emitidas por via eletrónica satisfazem a exigência legal de forma escrita quando contidas em suporte que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação e no sue numero 2- O documento eletrónico vale como documento assinado quando satisfizer os requisitos da legislação sobre assinatura eletrónica e certificação.
Na data do último contrato mencionado (de 2011), já se encontrava, porém em vigor o Decreto-Lei nº 317/2009, de 30 de Outubro, que aprovou o Regime Jurídico que regula o Acesso à atividade das instituições de pagamento e a prestação de serviços de pagamento (a seguir designado por RSP) e resultou da transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva nº 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno, entrou em vigor em 1 de Novembro de 2009, tendo sido alterado pelo Dec. Lei n.º 2482/2012, de 07.11 e pelo Dec. Lei n.º 157/2014, de 24.10.
Este diploma, não obstante ser posterior a parte dos factos em causa na acção, praticados ao abrigo do primeiro contrato (de 2002), é aplicável, ex vi do seu artigo 101º, nº1 no qual se predispõe que «O regime constante do presente diploma regime jurídico não prejudica a validade dos contratos em vigor relativos aos serviços de pagamento neles regulados, sendo-lhes desde logo aplicáveis as disposições do presente regime jurídico que se mostrem mais favoráveis aos utilizadores de serviços de pagamentos.»
Esta norma, porém, não prejudica o facto de se encontrarem ressalvados os efeitos já produzidos pro factos passados, nos termos do disposto no art. 12º nº 1 do Código Civil. Esta norma visa afastar o entendimento que só os novos contratos ficam sujeitos ao regime previsto na nova lei que entrou em vigor. Ou seja, as cláusulas contratuais que contrariem o regime estabelecido no RSP aquando da sua entrada em vigor, têm-se por excluídas e substituídas pelo novo regime que passou a ser aplicável. Já os efeitos produzidos por factos passados devem ser resolvidos segundo as normas vigentes antes da entrada em vigor daquele novo regime.
De referir que o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica constante deste diploma legal (seu anexo 1) foi muito recentemente alterado pelo DL 91/2018 de 12.11, que o revogou, tendo procedido á aprovação do “Novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica, agora com base na Diretiva (CE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, o qual manteve porém, de uma forma geral disciplina e o regime em vigor desde 2012.
O contrato de “homebanking” encontra-se previsto no artigo 2º, al. o) do diploma aplicável, como um contrato-quadro, ou um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento.
Diz o seguinte: o) «Contrato quadro» um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento.
Como é que se processa então a prestação de serviços denominada “homebanking?
Tal como acontece com a maioria dos contratos bancários, o homebanking enquadra-se numa relação negocial complexa constituída a partir de um contrato de abertura de conta.
Porém, como realça Carolina França Barreira in “Homebanking: A repartição dos prejuízos decorrentes de fraude informática”, artigo disponível in Revista de Direito Eletrónica de Direito, Outubro de 2015, nº 3, pg 8, (disponível https://sigarra.up.pt/fdup/pt/pub_geral.revista_view), não constitui um mero aspeto do contrato de abertura de conta: “No contrato de banca electrónica conseguimos reconhecer uma proposta contratual e uma aceitação distintas das manifestadas na abertura de conta apesar de, muitas vezes, se sobreporem temporalmente. Nestes contratos há uma troca de declarações de vontade de conteúdo diferente, o que implica um objeto diferente e uma vontade de vinculação distinta. Assim, no contrato de abertura de conta, as partes visam apenas estabelecer a relação bancária que se irá desenvolver ao longo do tempo, entre o banco e o cliente. Enquanto no contrato de homebanking, os contraentes procuram estabelecer a forma de o cliente movimentar os fundos da conta bancária recorrendo aos meios informáticos”.
Existe na verdade, uma verdadeira autonomia contratual entre este contrato, que permite a movimentação dos fundos da conta, duma forma “eletrónica”, como existe tal autonomia contratual relativamente a outros contratos que permitem outras formas de utilização de fundos, como sejam a convenção de cheque, como seja a utilização de cartões de pagamento “multibanco”.
Podemos assim concluir, como faz a aludida autora, que estamos perante um “tipo negocial autónomo”, sendo aliás como tal reconhecido, no Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica contido no Anexo I do DL 317/2009 de 30.10., supra citado, como vimos, já que o define como “contrato quadro”, um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento, assim como na jurisprudência (ver Acórdãos do STJ de 18.12.2013 (Ana Paula Boularot), da RL de 26.10.2010 (relatora Maria Amélia Ribeiro) e de 24.5.2012 (Ezagui Martins) e de 6.11.2018 (relatora Ana Pessoa) e da RG de 23.10.2012 (relator Filipe Caroço), entre outros.
Para que o cliente tenha acesso á utilização deste instrumento facultado pelos bancos, necessário se torna, pois a celebração de um contrato (um “contrato quadro”) com o banco, em que fiquem acordadas as condições de movimentação da conta on line.
O mesmo porém encontra-se intimamente ligado aos contratos de abertura de conta e ao contrato de depósito bancário, podendo falar-se a este propósito da existência de uma coligação de contratos.
Assim sendo, existe uma ligação entre o contrato de depósito e o contrato de banca eletrónica, que se pode qualificar de funcional, (o contrato de homebanking só faz sentido se existir uma relação negocial subjacente- isto é a existência de fundos á sua disposição que possa movimentar), mas mantém a sua individualidade e autonomia.
Como refere a autora citada, pg 13, “Em suma, estamos perante uma verdadeira coligação de contratos que, no entanto, deixa intacta a individualidade própria de cada contrato. Logo, o contrato de homebanking e o contrato de depósito são tipos negociais juridicamente autónomos, embora necessariamente interdependentes”.
Ver também (se bem que numa situação paralela), Maria Raquel Guimarães in Comércio Eletrónico e Transferências eletrónicas de Fundos – O Comércio Eletrónico- Estudos Jurídico-Económicos, Coimbra, Almedina 2002, pg 108 e 109 (a propósito da relação entre o contrato de depósito bancário e o contrato de utilização de cartões bancários para pagamento, e o Acórdão do STJ de 23.11.1999 (relator Garcia Marques), in dgsi.pt.
Se o serviço de homebanking surge como um instrumento de pagamento que possibilita ao cliente utilizar os fundos que estejam á sua disposição, (utilização típica do contrato de depósito bancário) porque de contrato autónomo se trata, não podia o contrato de homebanking ser celebrado por G… e N…, apesar destes conjuntamente terem poderes para movimentar a conta da autora.
O contrato tinha de ser celebrado entre o Banco e o seu cliente, a Autora, ou por pessoas mandatadas por esta com poderes especiais (para a celebração do contrato), para o efeito.
Os poderes que aqueles procuradores da Autora tinham para movimentar a conta da Autora não lhes permitia celebrar o contrato de homebanking em representação da Autora, sendo aliás de alguma forma elucidativo o facto de ter sido necessária a criação da aparência de tais poderes, no contrato de 2002, ao aporem um carimbo da Autora onde consta a palavra “administração”.
Muito menos podiam aqueles procuradores da Autora alterar as condições de movimentação da conta da Autora, pois que das procurações outorgadas pela Autora, os poderes de movimentação da conta concedidos tinham sempre que ser exercidos em conjunto com outra pessoa e quer o contrato de 2002, quer o contrato de 2011 permitem a movimentação da conta da Autora pela G… sozinha.
Apesar do formulário do Banco permitir (já em 2002- ver contrato de fls. 1626), a movimentação da conta utilizando uma “combinação de tipos de assinaturas”, G… e N… (também funcionário da Autora) subscrevem um contrato em 2002 que permite a G… movimentar sozinha a conta, com uma única assinatura digital, a de G… – combinação I:“A” até ao montante de 50.000 euros e em 2011, nos mesmos termos mas agora sem estar sujeita a qualquer limite.
Através dos contratos celebrados em 2002 e em 2011, o banco facultou á funcionária da Autora a utilização de assinatura digital para as operações de movimentação da conta, sozinha, o que aquela fez, ao longo de vários anos, (mais de uma década), procedendo a milhares de movimentações na conta da Autora, nomeadamente através de transferências bancárias, algumas para proceder a pagamentos da empresa a fornecedores, a clientes, a trabalhadores, mas outras, na ordem de milhões de euros, em transferências em benefício próprio e da sua família, que constituem os movimentos em discussão nesta ação.
Os poderes conferidos pela autora, em procuração, a uma terceira pessoa (à funcionária G…) para, entre outros, movimentar as contas bancárias da sociedade, podendo emitir e assinar cheques e transferências bancárias, (sendo para o efeito necessária a assinatura conjunta de um administrador ou de outro procurador) não comporta, para o declaratário normal (art. 236.º, n.º 1, do CC), o sentido de autorizar a celebração de contrato de homebanking. (ver neste sentido, o Acórdão do STJ de 5.4.2016 (Martins de Sousa), disponível in www.dgsi.pt, a propósito da celebração de contrato de abertura de conta e contrato de concessão de crédito).
Quer isto significar que o contrato de homebanking carecia de ser celebrado pela autora, a não ser que esta tivesse conferido poderes especiais á funcionária para o efeito, o que não ocorreu.
Não colhe pois a argumentação do Banco Réu de que, ao subscreverem o Contrato de 2002, N… e G… atuaram dentro dos poderes que lhe foram conferidos.
E não colhe igualmente a argumentação que tal seria possível porque G… era “talvez a pessoa de maior confiança do Presidente do Conselho de Administração da Autora, sendo de 1996 até outubro de 2014 a única (ou pelo menos principal) pessoa de contacto do Banco por instruções do Presidente do CA da Autora, responsável por todos os assuntos bancários, tendo processado e realizado efetivamente milhares de transferências bancárias online, no exercício das suas funções de tesoureira.”
A questão da confiança não invalida a questão prévia de saber se a funcionária tinha ou não poderes de representação da sociedade, bem como a obrigação do banco de os comprovar, antes de lhe permitir o acesso á conta da autora da forma por aquela solicitado, como analisaremos de seguida.
São factos que uma instituição bancária não pode ignorar pois ao celebrar um contrato bancário com um cliente tem de confirmar que esse contrato é celebrado com quem tem poderes para tal a fim de evitar prejuízos para o mesmo cliente.
Relembramos as palavras do Professor Menezes Cordeiro (in Direito Bancário, 3º ed. pg 337): “A assinatura do cliente torna-se num elemento chave do processamento bancário. Ela permite, desde logo identificar o cliente: O banqueiro conserva em ficheiro as assinaturas dos clientes dispondo hoje de meios técnicos para a visualizar em qualquer agência. Além disso, ela torna-se no elemento responsabilizante por excelência: pertence á cultura dos nossos dias a rera de que, pela aposição e uma assinatura as partes assumem os mais graves compromissos.”
O banco tinha pois o dever de confirmar as assinaturas e os poderes conferidos às pessoas que apareceram a subscrever os contratos de homebanking em nome da autora.
Com efeito, a procuração não contém a menção de que G… ou qualquer outro procurador pudesse celebrar contratos bancários em que se estabelecessem as regras de movimentação de contas da Autora. A decisão de se celebrar um contrato e quem pode ser o funcionário ou mesmo terceiro que no seu âmbito pode intervir na sua execução cabe, por regra, à administração de uma sociedade anónima pois é esta quem representa a sociedade – artigo 405.º, do C. S. Comerciais.
Se a empresa conferir poderes a alguém para poder celebrar contratos em seu nome tem de o declarar, porventura em sede de deliberação e depois corporizar essa deliberação numa procuração – artigo 262.º, n.º 1, do C. C.
Do exposto resulta a falta poderes dos funcionários da Autora para a celebração do contrato e bem assim para alterarem as condições de movimentação da conta da autora.
Porém, o banco Recorrente vem agora defender o seguinte: se são inválidos, porque não vinculam a Autora aqueles dois contratos de homebanking subscritos por G…, então seria “repristinado” o contrato anterior, celebrado em 7.02.2000 (contrato “Terminal Empresa”), que foi assinado pelo administrador da Autora D…, o qual autorizava G… a movimentar a conta on line até ao limite de Esc.5.000.000$00 escudos, o que legitimará a atuação do banco Réu.
A documentação que suporta tal contrato, resume-se aos documentos de fls. 1619 e 1620.
O documento encontra-se incompleto, não se tendo mostrado possível suprir tal “deficiência”, o que o banco Recorrente justificou com o facto de não ter em seu poder a totalidade da documentação, para além dos 10 anos de “guarda” exigidos por lei.
Faltam na verdade, por exemplo, a “delimitação de competências/atribuições do Operador e Supervisor”, que constam referenciadas em “ver no verso”. Faltam igualmente as “Condições Gerais de Adesão e Utilização do Serviço Terminal Empresa constantes do verso deste documento”. Esta incompletude do documento dificulta a sua interpretação, dificuldade acrescida por se tratar de documentação do banco que terá surgido nos primórdios do surgimento da banca on line.
Ora nele é indicada como utilizadora da conta da Autora G…, ou seja na indicação do nome do utilizador figura o nome daquela e é indicado um limite de autorização para transferências de cinco milhões de escudos.
Pode colocar-se a dúvida de saber se utilizador/supervisor são pessoas distintas, se se tratam de funções que podiam ser desempenhadas pela mesma pessoa, desde logo porque o documento é omisso quanto ás funções de um e de outro (as quais constariam do verso do documento).
G… é indicada como “utilizadora”, mas não se sabe quem era o “supervisor” e em que termos operava.
Uma vez, porém que as partes não puseram em causa que do mesmo decorria que G… podia movimentar sozinha a conta até ao limite indicado, temos que que efetivamente o administrador da Autora assinou aquele contrato, que marca o início do homebanking e que concedia autorização para G… movimentar sozinha até ao limite de cerca de 25 mil euros da conta da autora. Quid iuris?
Como refere a Recorrida, mesmo que tal tivesse ocorrido, então o administrador que subscreveu esse contrato não tinha os necessários poderes para conferir à “Utilizadora” G… poderes de movimentação da conta da Autora (mesmo limitadas ao valor de 5 milhões de escudos), porque aquele Administrador D… não tinha poderes para delegar os seus poderes de movimentação da conta bancária da Autora que lhe haviam sido conferidos pelos Estatutos da Autora (tal como aquele referiu no depoimento de parte que prestou).
É que de acordo com os Estatutos da Autora, só lhe foram conferidos poderes para obrigar a Autora sozinho, ou seja através duma única assinatura por deliberação da Assembleia Geral de 01/09/2000, ou seja por deliberação posterior á da celebração do contrato em causa.
Por outro lado, se o administrador, por força do artº15.º nº 2 dos estatutos da Autora, podia sozinho vincular a Autora nas “questões de mero expediente, entendendo-se como tais a movimentação de contas bancárias”, exigindo-se apenas a assinatura daquele administrador, coloca-se a questão de saber se o administrador podia “delegar” tais poderes estatutários de movimentação de contas com apenas uma assinatura a uma funcionária, em contrário com a deliberação do Conselho de Administração da sociedade Autora que existia á data do contrato, ou seja a deliberação de 02/07/1996 e que exigia as assinaturas conjuntas de dois procuradores ou de um procurador e um Administrador, mas sempre duas assinaturas, para a movimentação da conta.
Daí que a nosso ver, também não decorre do contrato de 7.2.2000 poderes de representação válidos para G… movimentar sozinha a conta da autora, através do homebanking.
Como diz a Recorrida, para que este contrato (com os contornos que o Banco Réu lhe dá) pudesse ser considerado válido nos termos do Código das Sociedade Comerciais, teria o Conselho de Administração da Autora de ter deliberado por maioria (2 de 3) conferir poderes ao Dr. D… para este delegar os poderes movimentação da conta à procuradora G…, e ter sido emitida a respetiva procuração conferindo os respetivos poderes à G…, o que não aconteceu. 2.Da ratificação:
Argumenta ainda o Recorrente que a Autora nãopode lançar mão do instituto da (não) ratificação – artigos 258.º e 268.º do Código Civil – relativamente às movimentações indevidas, porquanto também nunca ratificou as outras milhares de movimentações online sempre realizadas por G… sozinha, o que nos faria concluir que, então tais pagamentos/negócios jurídicos também não teriam produzido os seus efeitos.
E diz mais: que caso se entendesse que os contratos de 2002 e 2011 não eram válidos porque G… e N… apenas teriam poderes para movimentar as contas, mas já não para celebrar contratos, significaria que o único contrato que se mantinha em vigor era o contrato celebrado em 07.02.2000 (sendo certo até que as procurações nunca revogaram os mandatos conferidos anteriormente a G…, aplicando-se igualmente o artigo 266.º do CC), no âmbito do qual o administrador conferiu validamente poderes a G… para movimentar sozinha a conta até ao valor de 24.939,89€ por transação – pelo que G… sempre poderia ter-se apropriado dos valores em causa nos presentes autos ou até de valores superiores.
Caso se entenda que G… atuou sem poderes, sempre se dirá que ocorreu uma aprovação tácita da execução do mandato, uma vez que resultou dos depoimentos das testemunhas que todos os movimentos bancários eram comunicados à Autora mediante extractos e foram supostamente conferidos pela Diretora Financeira e, posteriormente, pelo próprio órgão fiscalizador, pelo que o mandato se considera aprovado [tacitamente], mesmo que G… haja excedido os seus poderes ou desrespeitado as instruções recebidas, na medida em que decorreu o prazo dentro do qual a Autora, segundo os usos ou na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, devia ter-se pronunciado e não se pronunciou. – cfr. artigo 1163.º do CC, sendo também aplicável ao caso os artigos 217.º, 218.º, 1161.º, 469.º (por analogia), todos do CC.
Vejamos.
Aqui chegados, estamos perante a realização de transferências bancárias realizadas por uma funcionária da Autora ao abrigo de dois contratos que a Autora não celebrou de modo válido, pois que realizados por pessoas que não tinham poderes para tal e que por isso, em relação ao Réu, não a podem vincular por força do disposto nos artigos 258.º e 268.º, n.º 1, do C. C..
Tais contratos são ineficazes em relação ao mandante, nos termos do disposto no art. 268º nº 1 do C.C. tal como se entendeu na sentença sub judice.
Se o banco, em face da insuficiência dos poderes constantes da procuração que tem em seu poder e da configuração objetiva de situação de representação sem poderes, não cumpriu o ónus previsto, a consequência natural é sofrer o risco da ineficácia do contrato face ao representado (Ana Prata, em Responsabilidade Pré-contratual, 2, “O Direito”, pág. 43 e sgs.).
Esta é, aliás, a única solução compatível com o disposto no art. 65.º, n.ºs. 1 a 3 - consentimento e retirada do consentimento - do Regime Jurídico Relativo ao Acesso à Atividade das Instituições de Pagamento e à Prestação de Serviços de Pagamento, aprovado pelo D.L. n.º 317/2009, de 30-10, (anexo I) que tem o seguinte teor: “1 - Uma operação de pagamento ou um conjunto de operações de pagamento só se consideram autorizados se o ordenante consentir na sua execução. 2 - O consentimento deve ser dado previamente à execução da operação, salvo se for acordado entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento que o mesmo seja prestado em momento posterior. 3 - O consentimento referido nos números anteriores deve ser dado na forma acordada entre o ordenante e o respetivo prestador do serviço de pagamento, sendo que, em caso de inobservância da forma acordada, se considera que a operação de pagamento não foi autorizada”.
Salvo se a Autora ratificar tais movimentos, os mesmos não a poderão vincular.
As transferências que a Autora não questiona como válidas são as que estão por si ratificadas, tal como se entendeu na sentença, para cujos fundamentos remetemos, dispensando-se aqui a sua repetição.
Ainda quanto á questão suscitada pelo Recorrente da aprovação tácita da execução do mandato, “uma vez que resultou dos depoimentos das testemunhas que todos os movimentos bancários eram comunicados à Autora mediante extratos e foram supostamente conferidos pela Diretora Financeira e, posteriormente, pelo próprio órgão fiscalizador da sociedade autora, dir-se-á o seguinte: O facto de ter recebido os extratos bancários não impede a Autora de interpelar judicialmente o Recorrente, visto que ficou provado que a Autora desconhecia que G… fazia transferências bancárias indevidas apenas com uma assinatura com base em contratos que não vinculavam a Autora, tendo imediatamente interpelado o Recorrente, e intentado a presente acção judicial contra o Recorrente, logo que tomou conhecimento desta realidade.
O “Conselho de Administração da Autora” desconhecia que G… executava transferências sozinha no hombanking da conta da Autora aberta junto do Banco e que a G… executava transferências em seu proveito próprio, tendo sido junto aos autos Acórdão do processo crime que demonstra inequivocamente tal conclusão.
Daí que não se possa falar em aprovação tácita, de ratificação pela Autora. 3.Falta dos pressupostos da responsabilidade contratual:
Diz o Recorrente que não se verificam os pressupostos de que dependeria a responsabilidade civil do C… (ilicitude, culpa, danos e nexo causal) porque (i) a Autora tinha conhecimento da prática reiterada do cumprimento das suas obrigações através das movimentações bancárias online realizadas por G…; (ii) foi o próprio Presidente do CA que conferiu a G…, em 2000, o poder de movimentar sozinha as contas bancárias da Autora (cujo mandato o Tribunal a quo considera válido); (iii) o Presidente do CA conferiu a vários utilizadores a possibilidade de verificação, também online, dos movimentos da conta que eram feitos por G…; (iv) os extractos mensais recebidos pela Autora retratam fielmente todos os movimentos realizados na conta; (v) os documentos contabilísticos eram enviados por G… para aprovação da Diretora Financeira, L…; e (vi) G… movimentou online sozinha por mais de uma década, sem qualquer oposição ou suspeição do CA ou dos outros procuradores que, supostamente, tinham de “assinar” com G….
Vejamos se assim é. 3.1 Da ilicitude da conduta Falta de violação de deveres
Alega o Recorrente que o C… não violou quaisquer deveres ou obrigações que lhe fossem impostos (designadamente dos artigos 73.º a 76.º do RGICSF) e qualquer banqueiro colocado na posição do C… não teria quaisquer dúvidas que as transferências em questão eram queridas e ordenadas pelo seu cliente.
Os factos dos autos ocorrem no âmbito de um contrato de homebanking, através do qual o Banco Réu pôs á disposição da sociedade Autora um serviço que lhe permitia executar determinadas operações bancárias, nomeadamente proceder a transferências bancárias, na conta de que era titular, “on line”.
Emergiu provado que nos períodos compreendidos entre 20/02/2012 e 13/10/2014, (factos supra 28.1); 14/01/2005 e 28/11/2011. (factos supra 28.2) e 06/06/2010 e 02/02/2014 (factos supra 28.3), G…, através dos serviços de homebanking do Réu, ordenou transferências bancárias, da conta da Autora para diversas contas bancárias com distintos beneficiários com os quais a Autora não teve qualquer tipo de relação comercial ou contratual, no valor global de € 3.902.251,11 EUR.
Como vimos supra, é aplicável á situação em apreço o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, (RSP) do DL 317/2009, na redação anterior á data pelo recentíssimo DL 91/2018 de 12.11.
Da celebração de um contrato de execução continuada como o contrato de homebanking gera-se uma relação obrigacional complexa onde direitos subjetivos, deveres principais, acessórios e laterais se interligam tendo em vista a prossecução de um mesmo fim contratual (ver Carolina França Barreira, ob cit, pg 17).
Do mesmo resultam desde logo obrigações para o utilizador e para o banco, aí estabelecidos nos artigos 67º e ss.
Relativamente ao prestador de serviço diz a aquela autora que só a entidade bancária tem um dever principal, cabendo-lhe aceitar os sucessivos mandatos para pagamento emitidos mediante a correta autenticação por parte do cliente, isto porque a correta utilização do serviço de homebanking não deve ser considerada como um dever principal, porque não consubstancia qualquer prestação; ao utilizador são-lhe antes impostos expressamente deveres acessórios de conduta.
E afirma o seguinte com relevância para o caso em apreço (pg.20): “sem prejuízo dos deveres que incumbem ao utilizador e tendo em conta que o funcionamento do sistema de homebanking depende da utilização dos meios informáticos que têm inerentes riscos próprios, o que pressupõe um comportamento diligente de ambas as partes, ao banco cabe assegurar que os mecanismos personalizados associados ao instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador a quem foi conferido o direito á sua utilização (alínea a) do nº 1 do art. 68º do RSP)”
Dispõe esta norma o seguinte: “1 - O prestador de serviços de pagamento que emite um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações: a) Assegurar que os dispositivos de segurança personalizados do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento, sem prejuízo das obrigações do utilizador do serviço de pagamento estabelecidas no artigo anterior; (…)”
Ora, no caso em apreço, a pessoa a quem o Banco autorizou a utilização de serviços de pagamento, não tinha direito a utilizar tal instrumento da forma autorizada pelo Banco, isto é, movimentação da conta da autora, via eletrónica, com a utilização de uma única assinatura. O banco, a solicitação da própria G…, através do contrato datado de 2002, que assina sob um carimbo da Autora com os dizeres “Administração”, que o banco não podia desconhecer não corresponder á verdade, pois tinha em seu poder toda a documentação necessária para aferir os poderes de representação da requerente, autorizou que G… movimentasse sozinha a conta da Autora, atribuindo-lhe para o efeito uma assinatura digital.
Como vimos, a assinatura do cliente, na relação bancária, é um elemento chave do processamento bancário, sendo certo que o banqueiro conserva em ficheiro as assinaturas dos clientes dispondo hoje de meios técnicos para a visualizar em qualquer agência.
Dispõe ainda o nº 2 do art. 68º do RSP, o seguinte: “O risco do envio ao ordenante de um instrumento de pagamento ou dos respetivos dispositivos de segurança personalizados corre por conta do prestador do serviço de pagamento.”
No caso em apreço, o banco enviou a G… os dispositivos de segurança, para aquela movimentar sozinha a conta, contrariamente às instruções da ordenante, aqui Autora.
Dispõe ainda o art. 71.º nº 1 do RSP: “Responsabilidade do prestador do serviço de pagamento por operações de pagamento não autorizadas 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 69.º, em relação a uma operação de pagamento não autorizada, o prestador de serviços de pagamento do ordenante deve reembolsá-lo imediatamente do montante da operação de pagamento não autorizada e, se for caso disso, repor a conta de pagamento debitada na situação em que estaria se a operação de pagamento não autorizada não tivesse sido executada.(…)”.
Para além dos deveres que cabem ao banco por força do art. 68º do RSP, também sobre o banco recai o dever de prestar um serviço eficaz e seguro, dever decorrente do art. 73º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (a seguir RGICSF), aprovado pelo DL 298/92 de 31.12, com as alterações entretanto introduzidas, do qual decorre que: “as instituições bancárias devem assegurar em todas as suas atividades que exercem, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar as condições apropriadas de qualidade e segurança”.
O banco ao oferecer o sistema de homebanking, tem o dever de garantir ao cliente um sistema que permita uma movimentação da conta em que aquele possa confiar. Este dever do banco é compreensível uma vez que o cliente não tem qualquer controlo sobre os sofisticados meios informáticos que o banco dispõe.
Não há pois dúvida da ilicitude do comportamento do banco que, ao não conferir devidamente as assinaturas apostas nos contratos de 2002 e de 2011, concretamente os poderes que aqueles funcionários tinham, permitiu a utilização do sistema de movimentação da conta da sua cliente a uma sua funcionária, em contrário com os poderes que a cliente lhe havia oportunamente comunicado.
Quanto á culpa, apenas se dirá que, de qualquer forma sempre funcionaria aqui a presunção de culpa estabelecida pelo art. 799º do C.Civil, que determina que: “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento, ou o cumprimento defeituoso da prestação não procede de culpa sua.”.
Como diz Carolina França Barreira, in loc cit pg. 33, “A complexidade e sofisticação dos sistemas informáticos que suportam o serviço de homebanking, criados e controlados pelas entidades bancárias, através deles realizados e o facto de se tratar de uma relação contratual justificam tal presunção.
Verifica-se pois ilicitude na conduta do Banco Réu. 3.2Falta de nexo causal
Alega o Recorrente para afastar a responsabilidade contratual que não houve nexo causal nos termos previstos nos artigos 562.º e 563.º porque, à luz da Teoria da Causalidade Adequada, o dano na esfera jurídica da Autora sempre se teria verificado, mesmo que não houvesse a alegada falha do C…, “porquanto (i) resultou inequívoco da factualidade apurada e dos depoimentos das testemunhas (atento o facto de G… costumar realizar sozinha pagamentos que ascendiam quase a 1 milhão de euros – ex.: pagamento de IVA, no valor de 780 mil euros – acrescido do facto de G… e o Presidente do CA da Autora manterem uma relação pessoal estreita, sendo este, inclusive, fiador daquela no crédito habitação e com a mesma deter contas conjuntas!) que o mais provável era que a resposta fosse afirmativa, o que permitiria que a Autora perpetrasse na mesma a sua conduta desviante e que (ii) sendo válido o contrato de 2000 (concretamente de 07.02.2000) – como reconheceu o Tribunal a quo – sempre se dirá que G… poderia ter realizado sozinha todos os movimentos que quisesse, desde que no valor unitário de 24.939,89€, o que nos faz concluir que pelas 461 transferências indevidas teriam sido desviados mais de 11 milhões de euros, podendo esse valor ser inflacionado tanto quantos os movimentos que G… conseguisse realizar até ser “detida”.”.
Para além de considerações, não assentes em factos provados, a que o Recorrente recorre nesta alegação, e baseada em meras suposições, o certo é que da factualidade podemos retirar o necessário juízo de causalidade adequada.
Dispõe o artigo 563º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Na teoria da causalidade adequada, não se indaga qual a causa do dano, mas olha-se para o comportamento do lesante para ver se, em abstrato, ele é ou não idóneo a produzir um dano daquele tipo.
Consagra aquele preceito a teoria da “causalidade adequada” ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”. Ver Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, página 654.
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, que “a fórmula usada no artigo 563º deve, assim, interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito” in Código Civil Anotado, Volume I, 3ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 563º, pág. 548.
E se é certo que ao contrário da culpa, o nexo de causalidade não possa ser retirado ou obtido por via de uma presunção (arts 563.º e 799.º, conjugados com os arts 342º e ss, todos do CC (cfr. Ac STJ de 13.09.2018, Proc.º 13809/16. 4T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt), o certo é que no caso em apreço, se verifica a necessária causalidade adequada, pois que a atuação do banco ao permitir a movimentação da conta bancária da autora, sem observar a “regra de segurança” estabelecida pelo Conselho de Administração da Autora (necessidade sempre de duas assinaturas para movimentação da conta), permitindo que a autora movimentasse a conta sozinha, foi causal da atuação da autora na utilização da conta em beneficio próprio.
Aliás, no âmbito da conceção da causalidade adequada, na sua fórmula negativa mais ampla, a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se produziu devido a circunstâncias anómalas ou excecionais (não conhecidas do agente). Esta é a posição da doutrina e da jurisprudência mais representativas no que respeita a factos ilícitos e culposos, categoria em que se insere o caso dos autos (ver Ac STJ de 11-10-2017 disponível in dgsi.pt).
Ora no caso dos autos, o facto do banco ter permitido a movimentação da conta de maneira isolada á funcionária “prevaricadora”, não se mostra indiferente ao resultado – utilização abusiva de dinheiro da autora em benefício próprio, verificando-se consequentemente a causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano.
Improcede pois a alegação da Recorrente. 3.3 A culpa do lesado
Para afastar a sua responsabilidade, o banco alega ainda “a culpa do lesado”, querendo com isto dizer, que a Autora (o seu CA e/ou órgão de fiscalização) violou (e com culpa grave) ou cumpriu de forma defeituosa, entre outros, os deveres de vigilância, fiscalização, apresentação de contas, manutenção de contabilidade organizada, ínsitos nos artigos 64.º, 65.º, 72.º, 79.º, 81.º, 82.º, 278.º, 413.º, n.º 1, al. a) e n.º 6 e 420.º, todos do CSC, 186.º, n.º 2, al. h), do CIRE e 52º e ss. Do EROC, tendo inclusive sido alertada por uma Auditora externa nas certificações legais de contas quando à obrigação de “manutenção de um sistema de controlo interno adequado” – cfr. documentos 13 e 14 juntos com a contestação.
Vejamos.
Dispõe o artigo 570.º do CC. “1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. 2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”
De acordo com esta norma legal, aplicável á responsabilidade contratual (neste sentido ver Brandão Proença, in a Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, Almedina, 1997, pg 30 e 49), provando-se a concorrência da culpa do próprio lesado, pode a indemnização vir a ser reduzida ou até excluída. O lesado será privado de parte da indemnização que lhe cabia, conforme o maior ou menor relevo da sua conduta para a produção do dano, condicionando desta forma as consequências indemnizatórias da responsabilidade do lesante (ibidem, pg 74 e 123).
Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, 3º ed. Pg 556 dizem o seguinte, em anotação a esta norma: “Para que o tribunal goze da faculdade conferida no nº 1, é necessário que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoante os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente. (cfr. art. 563º). Deve além disso o lesado ter contribuído com a sua culpa para o dano (…).” “(…) A culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como diretamente aos danos provenientes desse facto. Falando do concurso do facto culposo para a produção dos danos ou para o agravamento deles, a lei pretende sem dúvida abranger os dois tipos de situações.”
Haverá pois para o efeito, que articular de forma causal as condutas do lesante e do lesado.
Para aferir esta articulação, é de aplicar o critério da causalidade adequada á relação causal entre o comportamento do lesado e o dano daí resultante, devendo-se, portanto, formular um juízo objetivo de probabilidade, questionando se o comportamento do lesado, tendo em conta a condição colocada pelo lesante, favorecia a produção do dano ocorrido e se esse surgiu como seu efeito provável. (Brandão Proença, ob cit, pg 442 e 443).
Estará em causa saber se a Autora concorreu de alguma forma para o “agravamento dos danos”, ao não ter detetado durante uma década que uma sua funcionária dispôs do seu próprio dinheiro, na ordem dos milhões de euros, em benefício próprio (nos autos ficou demonstrado o valor de 3 902 251,11 EUR, mas decorre do processo crime que o prejuízo da Autora com a atuação desta funcionária, que envolveu uma outra instituição bancária rondou os €.6.051.748,19 (no facto 66 do acórdão criminal foi julgado provado o seguinte facto, que se presume verdadeiro: “No total, a arguida G…, sem a autorização e contra a vontade da assistente, nos períodos supra indicados, efetuou transferências bancarias no valor global de €6.051.748,19, quantia esta da qual se locupletou, juntamente com os arguidos Q…, AL… e AK….”
Ora, para aferirmos tal culpa, teremos que verificar o cumprimento dos deveres impostos às partes no contrato (de homebanking), avaliar o grau de censura da sua atuação e aplicar as regras relativas ao ónus da prova, sendo certo que invocando o banco réu a culpa do lesado a ele caberá tal prova.
Em termos contratuais desde já se dirá que nenhum comportamento censurável pode ser imputado á Autora.
Com efeito, mal a autora teve conhecimento das irregularidades cometidas, a mesma comunicou ao Banco, atuando de acordo com a diligência que lhe era exigível e a que se encontrava obrigada por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do RSP, que dispunha o seguinte:
“1 - O utilizador de serviços de pagamento com direito a utilizar um instrumento de pagamento tem as seguintes obrigações: (…) b) Comunicar, sem atrasos injustificados, ao prestador de serviços de pagamento ou à entidade designada por este último, logo que deles tenha conhecimento, a perda, o roubo, a apropriação abusiva ou qualquer utilização não autorizada do instrumento de pagamento.”
Porém, e é aqui que reside a nossa discordância com a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, parece inegável que a extensão dos danos (a funcionário durante cerca de 10 anos foi movimentando a conta da autora com transferências bancárias para a sua própria conta, para a conta do seu marido, para adquirir bens próprios e para a sua família, entre outros), mostra-se agravada, devido á falta de vigilância, controlo e fiscalização posteriores por parte da Autora, enquanto pessoa coletiva, a qual só vem a detetar as irregularidades em 2014, quando pelo menos as transferências ilícitas ocorreram de forma repetida desde pelo menos, o ano de 2005.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art. 64.º do Código das Sociedades Comerciais: “1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar: a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. 2 - Os titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização devem observar deveres de cuidado, empregando para o efeito elevados padrões de diligência profissional e deveres de lealdade, no interesse da sociedade.”
A questão que se coloca é pois a de saber se, de alguma forma a Autora violou algum destes deveres contribuindo, nomeadamente para o agravamento dos danos, já que não tendo detetado atempadamente a situação, “permitiu” que a sua funcionária fosse repetindo o comportamento ilícito ao longo de mais de uma década, atingindo a apropriação ilícita valores de milhões de euros.
Cumprirá saber se existe negligência da Autora no cumprimento daqueles deveres de controlo.
Negligência grave (ou grosseira) corresponde à falta grave e indesculpável, consistente na omissão dos deveres a que se está adstrito que só uma pessoa especialmente desleixada, descuidada e incauta deixaria de observar.
No caso em apreço, estamos perante um sociedade que, tal como foi referido pelas testemunhas ouvidas cresceu exponencialmente, tendo atingido, por exemplo só no ano passado, um volume de facturação na ordem dos 177 milhões de euros. (cfr. depoimento da atual responsável pela área financeira AU…).
De acordo com o relatório pericial junto aos autos a fls. 1669 e ss “Em todos os anos de 2002 a 2014 a Autora dispôs de contabilidade organizada, tendo as respetivas demonstrações financeiras sido objeto de auditoria por revisor oficial de contas, com emissão de certificação legal das contas (…)”.
E afirmam os senhores peritos, por unanimidade o seguinte: “sendo a certificação legal das contas baseada no exame das demonstrações financeiras que são da responsabilidade do Conselho de Administração, a quem compete, como se refere nas certificações em causa, a adoção de políticas e critérios contabilísticos adequados e a manutenção de um sistema de controlo interno apropriado, entendemos que a mera análise dessas certificações, apesar de não permitir responder inequivocamente á questão que é colocada, é um indicador razoável sobre a matéria. Isto e, as contas da empresa tendem a refletir o registo das obrigações da Autora e correspondentes pagamentos realizados conforme já anteriormente referido na resposta a este quesito”.
Não obstante a certificação das contas da Autora, através de auditores externos á empresa e do facto da Autora ao longo do tempo estar convencida que a movimentação da sua conta no Banco Réu era feita com respeito á sua “válvula de segurança”, se assim lhe podemos chamar, ou seja sempre com recurso a duas assinaturas, o certo é que a Autora, nunca, desde o início do contrato de homebanking, datado do ano 2000, cuidou de saber, verificou ou controlou como é que a movimentação bancária on line estava a ser feita, sendo certo que o banco tinha em seu poder vários contratos de alteração de utilizadores do homebanking, (ver facto supra 44) dos quais resulta que outros funcionários da Autora, onde se incluía a sua diretora Financeira de então, L… tinham poderes para consultar as movimentações da conta on line. Desde abril de 2004 que L… podia consultar os movimentos da conta on line. E em 2010, podia até movimentá-la. Se o fizesse, teria percebido que G… movimentava sozinha a conta…
Com efeito, bastaria um consulta da conta on line, para a Autora perceber que as movimentações estavam a ser feitas por ordem exclusiva de G…, porque os extratos on line registam o utilizador.
Acresce que, tal como L… e atual Diretora Financeira AU… reconheceram nos seus depoimentos, foram cometidos poderes á funcionária G…, graças á extrema confiança que a Autora nela depositava, que lhe permitiram atuar da forma que atuou, sem que sobre ela recaíssem quaisquer suspeitas.
Com efeito, era ela quem “controlava” a própria movimentação bancária a procedia á “conciliação bancária” entre os movimentos bancários e a contabilidade da empresa e fornecia tais dados á diretora financeira e depois ao administrador D…, como referiu a diretora financeira L… no seu depoimento.
A funcionária em causa tinha poderes para movimentar uma conta bancária que mensalmente movia milhões de euros, detendo ainda funções de conferência da “validade” da movimentação, em face dos dados da contabilidade.
É certo que a Autora estava convencida que as movimentações bancárias eram feitas por mais do que uma pessoa. Porém, tal não a dispensava, a nosso ver, do dever de cuidado e diligência de “vigiar” e de “controlar” o seu património, o seu dinheiro, dever esse que se nos afigura ter sido violado.
Este “erro” ou “ingenuidade” da Autora, ao não proceder á “segregação de funções”, (que agora, segundo AU… ocorrem já na empresa), concentrando funções de movimentação da conta e controle de tais movimentações numa única funcionária, sem nunca sentir necessidade de consultar diretamente a conta on line, são reveladoras da violação de um dever de cuidado, que contribuiu (e nessa medida constitui causa adequada) e permitiu a esta funcionária “ocultar” durante tantos anos, a sua atuação fraudulenta, quer da sua diretora financeira, quer dos demais órgãos de chefia e de fiscalização da Autora, dessa forma exponenciando o prejuízo sofrido pela Autora.
Tal comportamento – falta de vigilância- mostra-se incompatível com os deveres de diligência de um gestor criterioso a que os responsáveis da Autora se encontravam obrigados.
Apesar da Autora não saber que G… movimentava a conta sozinha, nunca durante todos esses anos vigiou de alguma forma a movimentação da conta bancária on line (apesar dos poderes de consulta que dispunha, pelo menos a partir de 2004), contribuindo dessa forma, para um agravamento dos danos.
Assim sendo, por força do disposto no art. 570º do C.Civil, impõe-se considerar a contribuição do lesado no agravamento dos danos produzidos ao longo dos anos, reduzindo-se a obrigação de indemnização do banco Réu em 50%, (metade) na falta de qualquer outro critério de repartição de culpas. 4.Do Abuso de direito
Finalmente defende o Banco Recorrente ser “manifestamente abusivo” o pedido da Autora, porquanto a atuação da Autora ao longo de vários anos de inércia, aparece, à luz da boa fé e do fim económico do direito, como violadora dos princípios da confiança, da segurança e da proporcionalidade, pelo que não deve, nem pode ser atendida, por corresponder a um manifesto abuso de direito, nas modalidades de venire contra factum proprium (violando o princípio da confiança), suppressio (silêncio e inércia irrazoável da Autora) tu quoque (violação de normas jurídicas pela Autora – artigos 64.º, 65.º, 72.º, 79.º, 81.º, 82.º, 278.º, 413.º, n.º 1, al. a) e n.º 6 e 420.º, todos do CSC, 186.º, n.º 2, al. h), do CIRE e 52º e ss. do EROC) e até desequilíbrio de exercício (desproporção entre a vantagem para a Autora e o sacrifício imposto ao C…) – artigo 334.º do CC, documento de fls. 1619 e 1620 de depoimentos das testemunhas, sobretudo AV… e AW… e também a factualidade provada, conforme pontos 1), 4), 9), 12) in fine, 17), 18), 20), 21) e 24) dos factos provados.
Com base nos contratos bancários de 2002 e de 2011, G…, utilizando a sua única assinatura, transferiu todos os montantes indevidos descritos nos pontos 28.1, 28.2 e 28.3 para cumprimento de obrigações e contratos completamente alheios à Autora.
Nestes termos, o Banco é responsável quer porque aceitou um contrato que não vinculava a Autora e permitiu que a procuradora G… movimentasse a conta bancária da Autora sozinha, dela retirando quantias indevidas, ou seja praticando movimentações bancárias não autorizadas pela titular da conta, responsabilidade que implica para o banco o pagamento de uma indemnização correspondente ao prejuízo sofrido pela autora. Exigir ao Réu a reparação do dano causado, não se mostra pelo exposto abusiva, nomeadamente nas vertentes assinaladas do venire contra factum proprium; da suppressio e tu quoque.
Pelo exposto improcede o abuso de direito invocado. DO RECUSO SUBORDINADO:
Quanto ao recurso subordinado apresentado pela Autora, baseando-se a sua pretensão na alteração da matéria de facto provada, considerando que a eventual alteração da solução jurídica dependia da modificação da decisão de facto, o que não sucedeu, apenas resta confirmar a sentença, em relação à qual se adere, por se encontrar bem fundamentada, não se justificando, em consequência, a apreciação de qualquer outra solução jurídica.
VI-DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação, quanto ao recurso principal, em alterar a matéria de facto provada, nos termos supra assinalados, julgando-se parcialmente procedente o recurso, reduzindo-se a indemnização a que o Banco Réu foi condenado a pagar á Autora na proporção de 50%.
Acordam ainda em julgar improcedente o recurso subordinado, mantendo-se a decisão proferida nos seus precisos termos.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 8 de março de 2019
Alexandra Pelayo
Vieira e Cunha
Maria Eiró