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CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS
RECIBO DE QUITAÇÃO
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
Sumário
I - Tendo sido remetido ao autor (sinistrado) pela ré (seguradora) um documento denominado “Valorização de Dano Corporal / Cálculo de Proposta Razoável”, com um “recibo de quitação” do qual consta «[…] com o efetivo recebimento da referida importância de 2.350,00 Euros, considera-se integralmente pago, indemnizado e ressarcido de todos os prejuízos e/ou danos sofridos no âmbito e em consequência do sinistro acima com referido, sejam eles prejuízos e/ou danos passados, presentes ou futuros, de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, nada mais lhe sendo devido, por isso, […] seja a que título for, pelo que o recebimento da referida quantia lhe fica dada quitação total e plena, nada mais podendo reclamar […]», vindo o autor a assinar a referida quitação e a devolvê-la à ré, a mesma integra-se no regime das Cláusulas Contratuais Gerais, face à previsão legal do n.º 2 do artigo 1.º do DL 446/85, de 26.10. II - A disposição legal citada foi introduzida pelo DL n.º 249/99, de 07 de Julho, que declara no seu preâmbulo: «A protecção conferida aos consumidores pela Directiva n.º 93/13/CEE abrange quer os contratos que incorporam cláusulas contratuais gerais, quer os contratos dirigidos a pessoa ou consumidor determinado, mas em cujo conteúdo, previamente elaborado, aquele não pode influir». III - Na situação referida, estamos perante cláusulas inseridas num ‘contrato’ individualizado, cujo conteúdo, previamente elaborado pela seguradora, o destinatário não pode influenciar, podendo, quanto muito, não aceitar a proposta, por dela discordar, rejeitá-la e demandar a seguradora mas, tendo sido a mesma previamente elaborada, sem que o destinatário a possa influenciar, é quanto basta para a integração normativa. IV - A declaração de quitação por parte do lesado não pode abranger, face à sua imprevisibilidade, os novos danos cujo aparecimento nada faria supor à data da celebração do acordo, só podendo falar-se de renúncia abdicativa a um direito indemnizatório a partir do momento em que o direito a que se pretende renunciar se torna atual, de modo a poder concluir-se que foi fundamentada e com conhecimento de causa a posição do renunciante, podendo o lesado, dentro do prazo de prescrição, pedir indemnização por novo dano que entretanto tenha surgido dentro do nexo causal.
Texto Integral
Processo n.º 1740/15.5T8PVZ.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório
Em 24.12.2015, B…, intentou no Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim [Juiz 2], do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ação declarativa comum de condenação contra C…, Companhia de Seguros D…, S.A, pedindo a sua condenação no reconhecimento da responsabilidade pelo sinistro e no pagamento ao autor da quantia de €20.000,00, relativa a danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; da quantia que vier a ser requerida em ampliação do pedido ou relegada para liquidação ulterior, relativamente aos danos patrimoniais / perda de capacidade de ganho, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; de todas as despesas com ajudas técnicas e medicamentosas que tenha que suportar até ao final da vida; da quantia que vier a ser requerida em ampliação do pedido ou relegada para liquidação ulterior, relativamente aos danos futuros, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento; e de todas as despesas com meios de diagnóstico, médicas, medicamentosas, cirúrgicas, de tratamento, de recuperação, com ajudas técnicas e de terceira pessoa e com perdas salariais correspondentes aos períodos de incapacidade que venha a incorrer.
Alegou o autor, em síntese: no dia 3.01.2013 ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos de matrícula .. - .. - FX e .. - .. - DG cuja responsabilidade imputa a este e a qual se encontrava transferida para a ré; como consequência do sinistro sofreu lesões que pareciam ter-se consolidado pelo que aceitou a indemnização oferecida pela ré, no montante de €2.350,00; sucede que desde 2014 o autor começou a sentir dores lombares e no calcanhar esquerdo que lhe dificultavam a execução das tarefas inerentes à sua profissão, bem como a marcha, acabando por ter de recorrer a baixa médica; em 2015 começou a explorar um estabelecimento comercial mas sentiu sempre dificuldade em permanecer muito tempo em pé e carregar pesos; em consequência de tais dores deixou de fazer caminhadas, de andar de mota, passou a sofrer limitações nos atos da vida diária, na sua vida sexual, teve de alterar o calçado para sapatilhas, o que tudo o deixa desgostoso; acresce que atendendo ao agravamento progressivo das sequelas o autor desconhece o que lhe reserva o futuro em termos de incapacidade física e de incapacidade para o trabalho.
A ré contestou alegando que com o pagamento da indemnização ao autor o mesmo, nada mais lhe pode reclamar, impugnando os factos alegados quanto às sequelas decorrentes do acidente de viação descrito e concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.
Respondeu o autor alegando que nunca a ré lhe explicou que a aceitação da indemnização o privava de reclamar danos futuros, clausula que se deve considerar excluída do acordo indemnizatório.
Em 17.03.2015 foi proferido despacho, no qual: foi dispensada a realização de audiência prévia; foi fixado o valor da causa em €20.000,00; foram considerados verificados todos os pressupostos formais que permitem o conhecimento do mérito da ação; foi fixado o objeto do litígio, foram enunciados os temas de prova e foram admitidos os meios de prova.
Em 11.10.2018 procedeu-se à realização da audiência final, após o que, em 18.11.2018, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência condeno a Ré a pagar ao Autor a indemnização que vier a ser liquidada em execução de sentença relativamente à perda de capacidade de ganho, absolvendo-a do demais peticionado. Condeno o Autor no pagamento das custas da acção, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário (fls. 54)».
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II. Do mérito do recurso 1. Definição do objeto do recurso
O objeto dos recursos delimitados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) Apreciação da nulidade suscitada;
ii) Apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto;
iii) Reponderação dos fundamentos jurídicos com base na factualidade definitivamente fixada, apreciando:
a) o recurso do autor: danos não patrimoniais invocadas;
b) o recurso da ré: aferição sobre a natureza do recibo de quitação e da sua eventual integração no âmbito das cláusulas contratuais gerais; apreciação da ‘novidade’ dos danos e da possível integração no nexo causal do acidente.
2. Apreciação da nulidade invocada
Alega o recorrente (autor): «1. Dissecando a Sentença em apreço verificamos que não foram objecto de apreciação os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor. 2. Nos termos do Art. 615º nº1 al. d) do CPC, constitui nulidade da Sentença, nomeadamente, quando o juiz não se pronuncie sobre questões que devesse apreciar».
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a sentença é nula sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Estabelece-se nesta previsão legal a consequência jurídica pela infração do disposto no artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil.
As questões a decidir são algo de diverso dos argumentos aduzidos pelas partes para sustentar as posições que vão assumindo ao longo do desenvolvimento da lide[1], reconduzindo-se aos concretos problemas jurídicos que o tribunal tem que necessariamente solver em função da causa de pedir e do pedido formulado e das exceções invocadas.
Consta da sentença recorrida: «São questões a decidir na presente acção, se o pagamento da indemnização pela Ré, pelos danos decorrentes do sinistro descrito nos autos e cuja responsabilidade a mesma assumiu, impede o Autor de reclamar o pagamento de novos danos decorrentes do mesmo sinistro e se após aquele momento, como consequência do sinistro descrito nos autos o Autor sofreu danos não patrimoniais, e se sofrerá danos patrimoniais com perda de capacidade de ganho; danos futuros; despesas com meios de diagnóstico, médicas, medicamentosas, cirúrgicas, de tratamento, de recuperação, com ajudas técnicas e de terceira pessoa e com perdas salariais correspondentes aos períodos de incapacidade que venha a incorrer. […] No caso não resultou provado o vencimento auferido pelo Autor na exploração do estabelecimento comercial. Acresce que foi evidenciado aquando da realização do exame pericial e da audiência de discussão e julgamento que o Autor encontra-se em cumprimento de pena privativa da liberdade desconhecendo o tribunal a medida da pena em que foi condenado e para quando está prevista a sua libertação. Assim, o Tribunal carece de elementos para fixar a indemnização devida, ainda que por recurso à equidade, uma vez que não pode sequer prever a idade activa do Autor. Nestes termos relega para liquidação de sentença o apuramento da indemnização. Quanto ao demais peticionado terá de improceder o pedido por não terem resultado provados os factos em que o mesmo se sustenta».
Salvo o devido respeito, é manifesta a improcedência da invocação de nulidade por omissão de pronúncia.
Com efeito, o Tribunal integrou a questão da indemnização por danos não patrimoniais no thema decidendum, concluindo, no entanto, que não se provaram os factos integradores de danos patrimoniais (posteriores à declaração de quitação).
Com tal fundamento, julgou improcedente o pedido formulado a este título. 3. Apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto
Alega o recorrente (autor) que deve ser dada como provada a matéria constante dos nºs. 1., 2., 3., 4., 5., 8., 10., 12. e 14. dos “Factos Não Provados”.
Transcreve-se a factualidade “não provada” que constitui objeto da divergência:
1. Como consequência das lesões, desde finais de 2013, o Autor começou a sentir ardência e formigueiro na coxa esquerda e dor no calcanhar esquerdo e passou a experimentar dores na zona dos quadríceps, que limitavam a sua mobilidade e deslocações e deixou de conseguir percorrer largas distâncias a pé, passou a sentir dificuldades e, por vezes, tornou-se mesmo impossível subir e descer escadas ou rampas.
2. Como consequência o Autor esteve impossibilitado de trabalhar nos períodos de 10.07.2014 a 4.08.2014, 1.10.2014 a 8.10.2014 e 9.10.2014 a 23.10.2014. (Petição Inicial)
3. Como consequência das lesões o Autor não consegue agachar-se e pegar em objetos do chão, deixou de usar sapatos, botas e chinelos de dedo e só consegue calçar sapatilhas de sola alta.
4. Como consequência das lesões o Autor deixou de fazer caminhadas, deixou de conduzir mota, deixou de fazer a cama, tem dificuldade a conduzir em situações que o obriguem a recorrer à caixa de velocidades por ter necessidade de fazer movimentos de rotação com o pé esquerdo.
5. Como consequência das lesões o Autor tem dificuldade em encontrar uma posição confortável para dormir, acorda com dores e desconforto e de manhã tem de se sentar na cama e esperar que as dores diminuam para conseguir andar.
8. Em consequência do agravamento das lesões o Autor sente-se deprimido, desanimado e sem esperança, anda frequentemente triste, comenta que tem para si que é um inútil, sente-se um incapaz por ter dificuldades em subir e descer escadas ou rampas, tem vergonha por pedir auxílio às outras pessoas para arrastar ou pegar numa mesa, pegar em objetos que caem ao chão, ou para realizar as lides domésticas.
10. Deixou de gozar do prazer das caminhadas que fazia quase diariamente e por nunca mais ter conseguido andar de mota.
12. Teme pelo seu futuro pois receia que o seu estado se venha a agravar ainda mais e vive em permanente sobressalto por ter para consigo que qualquer dia poderá ter que ser operado, ou efetuar tratamentos médicos, medicamentosos ou de recuperação.
14. Pelo trabalho desenvolvido na exploração do café o Autor auferia um rendimento mensal de 505,00€. Transcreve-se a motivação do Tribunal:
«Motivação do Tribunal C) Fundamentação de facto: A Ré admitiu por acordo os factos alegados na petição inicial sob os artigos 1º a 35º (atinentes à dinâmica do acidente); 37º a 42º (atinentes à avaliação médico legal efectuada em 2013), 43º (na parte respeitante ao pagamento da indemnização). Segundo declarou o Autor ninguém lhe explicou o teor da carta junta a fls. 44 e nomeadamente que aceitando a indemnização não poderia reclamar danos futuros. Ora, era sobre a Ré que recaia o ónus da prova de que o teor do documento foi explicado ao Autor, o que não sucedeu. Quanto à situação laboral do Autor em 2013 este não apresentou declaração de rendimentos junto da Autoridade Tributária e entre Março de 2014 e Setembro de 2014 exerceu funções por conta da E…, Lda auferindo um vencimento mensal de 485,00€ (fls. 81 e 88). Resulta do documento junto a fls. 22 verso que o Autor em Janeiro de 2015 iniciou a actividade de exploração de um estabelecimento comercial de café desconhecendo-se o rendimento produzido. Com efeito, não basta para tanto o depoimento da sua companheira de que ambos retiravam dali o salário mínimo nacional. Quanto às sequelas das lesões sofridas em consequência do acidente resulta do relatório de avaliação do dano corporal, realizado pelo INML na presença de dois assessores técnicos, sendo um indicado pelo Autor e outro pela Ré, que, pese embora as queixas do Autor ali melhor descritas, ao exame objectivo não apresentava limitações não existindo nexo de causalidade entre as lesões consequentes do acidente e as queixas de parestesias da face anterior da coxa esquerda e do calcanhar. Assim, considerando o nexo de causalidade entre o evento e as lesões a nível da coluna lombar e do tornozelo esquerdo foi considerado que a consolidação médico-legal ocorreu em 5.04.2013, com período de défice funcional temporário absoluto de 1 dia, défice funcional parcial de 92 dias, quantum doloris de 3/7 e défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos (Fls. 113 e 176). No confronto com o boletim de avaliação médico-legal da Ré, datado de 5.04.2013, não existem diferenças a não ser na incapacidade parcial permanente a que a Ré atribuiu 3 pontos e o INML 2 pontos. Os peritos médicos, subscritores do relatório, prestaram esclarecimentos referindo que as queixas do Autor ao nível da coxa esquerda não têm qualquer relação com o sinistro e que o mesmo não se queixou do tornozelo pelo que o mesmo teve cura. Referiram, ainda, que não se pronunciaram sobre o rebate profissional porquanto quer à data da lesão quer à data da avaliação o Autor não trabalhava esclarecendo que se porventura exercer funções que exijam pegar em pesos ou estar muito tempo em pé as sequelas exigem esforço adicional. Concluíram dizendo não ser provável existir dano futuro. Também a testemunha, Dr. F…, médico autor do relatório junto a fls. 21, explicou que como sequelas decorrentes do sinistro o Autor apresentava lombalgias residuais, mas sem lesões. Com efeito, as demais queixas do Autor não são objectivamente compatíveis com o sinistro uma vez que não existe interligação entre o calcanhar e o tornozelo e as alegadas parestesias na coxa seriam visíveis na electromiografia. Concluiu explicando que não era previsível nem é de admitir qualquer agravamento da lesão. O Autor prestou declarações de parte referindo as queixas relatadas na petição inicial a nível da coxa e calcanhar, corroboradas pela testemunha G…, sua companheira, as quais, contudo, segundo o exame objectivo não têm qualquer relação com o evento, nos termos supra referidos. Ora, não se questionando que o Autor possa sentir as dores de que se queixa objectivamente as dores relativas à coxa e calcanhar não têm relação com o evento. No que concerne às lombalgias admite-se que as funções que o Autor exerce, habitualmente, dada a sua qualificação profissional, exijam maior esforço. O Autor nasceu em 2.11.1966 (fls. 200). Era, segundo a sua companheira (testemunha G…) uma pessoa bem-disposta e activa. Os factos provados sob 24º são complementares dos alegados pelo Autor e resultaram da instrução da causa, nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea b), do Código Civil. Quanto aos factos não provados resultam os mesmos contrários à prova produzida nomeadamente por não existir nexo de causalidade entre as queixas do Autor e o exame objectivo realizado. O demais alegado é meramente conclusivo, sem relevo para a decisão da causa, repetido e, ou, matéria de direito».
Como fundamento da sua divergência, invoca: as declarações de parte que prestou e o depoimento da testemunha G…, que declarou ser ‘namorada’ do autor, afirmando que se trata de “uma relação de dez anos” (00:32).
Questionada pelo ilustre mandatário do autor, sobre se viviam juntos antes de o autor estar preso, declarou a testemunha que viviam juntos “aos fins de semana, épocas festivas e nas férias”, e que no dia em que ocorreu o acidente a testemunha encontrava-se em casa do autor “tinha lá passado o Natal e a passagem de ano”, e que “estava a passar a ferro” quando o acidente ocorreu (02:00 e seguintes).
No seu depoimento, ao minuto 13:27, a testemunha viria a afirmar que explorava um estabelecimento de café com o autor, esclarecendo que “fazia as manhãs” e que o autor “fazia as tardes, até à noite”
Cumpre iniciar a apreciação da impugnação pela seguinte análise crítica:
A prova testemunhal é apreciada livremente (artigo 396º do Código Civil). No entanto, como refere José Alberto dos Reis[2], a livre apreciação deve ser conscienciosa, não constituindo arbítrio absoluto dos juízes.
Livre apreciação da prova não significa apreciação arbitrária da prova, mas antes a ausência de critérios rígidos que determinam uma aplicação tarifada da prova, traduzindo-se numa apreciação racional e criticamente fundamentada das provas de acordo com as regras da experiência comum e com corroboração pelos dados objetivos existentes.
Como se refere no acórdão desta Relação, de 19.12.2012[3], o princípio da livre apreciação da prova, que alicerça o julgamento da matéria de facto, sustenta-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de ilações e inferências razoáveis, mas sempre de mera probabilidade e conduz a um juízo positivo de prova quando, em face dos instrumentos disponíveis, do seu conteúdo, consistência e harmonia, se afigure aceitável à consciência de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada já se possa ter como efetivamente assumida, devendo a avaliação dos depoimentos das testemunhas ser realizada de acordo com o princípio enunciado no citado artigo 396º do Código Civil, assentando em dois polos, via de regra: i) de um lado, na razão de ciência de evidenciada (artigo 516º, nº 1, do CPC; ii) do outro, no maior ou menor afastamento (ou comprometimento pessoal) que, com a controvérsia em discussão, se afigure existir (artigo 513º, nº 1, final, do CPC), sendo estes fatores que, além do mais, permitem escrutinar o nível da credibilidade que lhes pode ser conferido.
Ora, ressalvando todo o respeito que nos merecem os depoimentos do autor (em causa própria) e da testemunha G…, que tem com ele uma relação de namoro há dez anos, que com ele coabita em determinadas datas, e que com ele partilhou a exploração de um estabelecimento, não vemos como possamos a partir de tais depoimentos (e apenas deles) extrair a conclusão de que ocorreu “erro de julgamento” por parte do Tribunal, que alicerçou a sua convicção com base na análise crítica de toda a prova (globalmente) produzida.
Já na vigência do novo regime processual[4], que permite uma maior indagação da prova em sede de recurso (art.º 662.º), refere o Conselheiro Abrantes Geraldes[5] que deverá ser alterada a decisão da matéria de facto apenas “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
Ora, os depoimentos em causa deverão ser confrontados com a prova pericial produzida nos autos.
E foi proferida prova (Clínica Forense) subscrita por dois especialistas, encontrando-se junto aos autos o respetivo relatório.
Perante a especificidade técnica das questões suscitadas (lesões e sequelas), ao Tribunal impõe-se que respeite o princípio da interdisciplinaridade na definição da verdade material, traduzido na aceitação do contributo das várias áreas do saber (técnico-científico), devendo o relatório técnico dos senhores peritos ser posto em causa apenas e se for apresentado um outro meio de prova divergente, de igual ou superior credibilidade técnica.
Um juiz que não disponha de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia, e, salvo casos de erros grosseiros, não está em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito, só o devendo fazer baseado noutros relatórios periciais de igual valor técnico ou científico.
Vejamos o que diz o relatório pericial em apreço.
«B. EXAME OBJETIVO
1. Estado geral
O Examinando apresenta-se: consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real.
O Examinando é dextro e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.
2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento
O examinando apresentava as seguintes alterações:
- Crânio: sem alterações
- Face: sem alterações
- Pescoço: sem alterações
- Ráquis: não demonstrou dificuldade a despir-se ou vestir-se; sem dismorfia, assimetria ou outras alterações objetiváveis da região lombar; sem dor referida à palpação da região lombar; sem limitação da mobilidade e sem dor referida à mobilização da coluna lombar; Schober negativo
- Tórax: sem alterações
- Abdómen: sem alterações
- Períneo: sem alterações
- Membro superior direito: sem alterações
- Membro superior esquerdo: sem alterações
- Membro inferior direito: sem alterações
- Membro inferior esquerdo: sem limitação da mobilidade ou da força muscular do membro; sem atrofia muscular (47 centímetros de perímetro da coxa, medido a 15 centímetros da linha média articular da face interna do joelho, bilateralmente); sem dificuldade em colocar-se e/ou manter-se de cócoras ou de joelhos; Laségue negativo; reflexos simétricos e presentes; 3. Lesões e/ou sequelas sem relação com o evento
O examinando não apresentava lesões ou sequelas relevantes
[…]
DISCUSSÃO:
1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano (lombalgia residual e traumatismo do tornozelo esquerdo) atendendo a que se confirmam os critérios necessários para o seu estabelecimento: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões.
2. Os elementos disponíveis não permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e as queixas ao nível da coxa esquerda (parestesias da face anterior da coxa esquerda) atendendo a que se não se confirmam critérios necessários para o seu estabelecimento: não existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, o tipo de traumatismo não é adequado a produzir este tipo de sintomatologia, tendo em conta a ausência de história de traumatismo do segmento corporal, bem como justificação clínica para tal.
3. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 5-04-2013, tendo em conta os seguintes aspetos: a data da alta clínica, o tipo de lesões, resultantes e o tipo de tratamentos efetuados.
4. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros do dano, os seguintes:
Défice Funcional Temporário (corresponde ao período durante o qual a vítima, em virtude do processo evolutivo das lesões no sentido da cura ou da consolidação, viu condicionada a sua autonomia na realização dos atos correntes da vida diária, familiar e social, excluindo-se aqui a repercussão na atividade profissional).
Considerou-se o:
- Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ ou de repouso absoluto), que se terá situado a 03-01-2013, sendo assim fixável num período de 1 dia.
- Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 04-01-2013 e 05¬04-2013, sendo assim fixável num período 92 dias.
- Quantum doloris (corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões); fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efectuados.
5. No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes:
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (refere-se à afetação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das atividades profissionais, corresponde ao dano que vinha sendo tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral - nomeadamente no Anexo II do Decreto-Lei n° 352/2007, de 23 de Outubro, e referido na Portaria n° 377/2008, de 26 de Maio, como dano biológico). Este dano é avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida) e a experiência médico-legal relativamente a estes casos, tendo como elemento indicativo a referência à Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec- Lei 352/07, de 23/10). Assim, consideraram-se os danos permanentes constantes da tabela seguinte: […] 2,00 PONTOS.
Nesta conformidade, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades e considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto destas não afetando o examinado em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos.
CONCLUSÕES:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 05-04-2013
- Período de Défice Funcional Temporário Total sendo assim fixável num período de 1 dia.
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 92 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 3/7.
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 2 pontos».
Fixemo-nos na observação referente às alterações (ponto 2. do exame).
Em todos os itens os peritos médicos referem “sem alterações”.
No que respeita a dificuldades, referem: «não demonstrou dificuldade a despir-se ou vestir-se; sem dismorfia, assimetria ou outras alterações objetiváveis da região lombar; sem dor referida à palpação da região lombar; sem limitação da mobilidade e sem dor referida à mobilização da coluna lombar».
O relatório que parcialmente se transcreveu colide com o depoimento da testemunha G…, que ao minuto 11:00 e seguintes refere que no Natal de 2013 o autor queixou-se de dores, nomeadamente nos calcanhares e que depois manifestava dificuldades.
Ressalvando sempre todo o respeito devido, não pode este Tribunal, face aos meios de prova em apreço, considerar provadas as lesões com base num depoimento contrariado por um relatório médico subscrito por dois especialistas.
Perante o exposto, não consideramos provado: que como consequência das lesões, desde finais de 2013, o Autor começou a sentir ardência e formigueiro na coxa esquerda e dor no calcanhar esquerdo e passou a experimentar dores na zona dos quadríceps, que limitavam a sua mobilidade e deslocações e deixou de conseguir percorrer largas distâncias a pé, passou a sentir dificuldades e, por vezes, tornou-se mesmo impossível subir e descer escadas ou rampas (facto não provado 1.); que como consequência o Autor esteve impossibilitado de trabalhar nos períodos de 10.07.2014 a 4.08.2014, 1.10.2014 a 8.10.2014 e 9.10.2014 a 23.10.2014[6] (facto não provado 2.); que como consequência das lesões o Autor não consegue agachar-se e pegar em objetos do chão, deixou de usar sapatos, botas e chinelos de dedo e só consegue calçar sapatilhas de sola alta[7] (facto não provado 3.); que como consequência das lesões o Autor deixou de fazer caminhadas, deixou de conduzir mota, deixou de fazer a cama, tem dificuldade a conduzir em situações que o obriguem a recorrer à caixa de velocidades por ter necessidade de fazer movimentos de rotação com o pé esquerdo (facto não provado 4.); que como consequência das lesões o Autor tem dificuldade em encontrar uma posição confortável para dormir, acorda com dores e desconforto e de manhã tem de se sentar na cama e esperar que as dores diminuam para conseguir andar (facto não provado 5.); que em consequência do agravamento das lesões o Autor sente-se deprimido, desanimado e sem esperança, anda frequentemente triste, comenta que tem para si que é um inútil, sente-se um incapaz por ter dificuldades em subir e descer escadas ou rampas, tem vergonha por pedir auxílio às outras pessoas para arrastar ou pegar numa mesa, pegar em objetos que caem ao chão, ou para realizar as lides domésticas (facto não provado 8.); que eixou de gozar do prazer das caminhadas que fazia quase diariamente e por nunca mais ter conseguido andar de mota (facto não provado 10.); que teme pelo seu futuro pois receia que o seu estado se venha a agravar ainda mais e vive em permanente sobressalto por ter para consigo que qualquer dia poderá ter que ser operado, ou efetuar tratamentos médicos, medicamentosos ou de recuperação (facto não provado 12.).
Quanto ao facto não provado 14.º, [«Pelo trabalho desenvolvido na exploração do café o Autor auferia um rendimento mensal de 505,00€»], face á ausência de prova documental, concluímos, tal como a Mª Juíza: «Resulta do documento junto a fls. 22 verso que o Autor em Janeiro de 2015 iniciou a actividade de exploração de um estabelecimento comercial de café desconhecendo-se o rendimento produzido. Com efeito, não basta para tanto o depoimento da sua companheira de que ambos retiravam dali o salário mínimo nacional.».
Decorre do exposto a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto.
4. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, estão provados os seguintes factos:
1. No dia 03.01.2013, pela 16h30, ocorreu um acidente de viação na Rua…, sita na freguesia de …, concelho de Póvoa de Varzim, em que intervieram o motociclo com a matrícula .. - .. - FX, da marca Yamaha, modelo … …., conduzido pelo Autor e o ligeiro com a matrícula .. - .. - DG.
2. No local do sinistro a via, com piso em alcatrão em razoável estado de conservação, é dotada de dois sentidos de trânsito e antecedida por uma curva apertada para a direita, atento o sentido Norte – Sul.
3. O FX circulava no sentido Norte – Sul, dentro da metade da faixa de rodagem reservada ao seu sentido de marcha.
4. O DG circulava na mesma via, no sentido Sul – Norte. (Petição Inicial)
5. Ao fazer uma curva para a sua direita, o Autor foi surpreendido pelo DG, que realizava uma manobra de mudança de direção à esquerda a fim de entrar numa propriedade privada situada desse lado da via, sem sinalizar a dita manobra com o sinal luminoso de mudança de direção (vulgo “pisca-pisca”). (Petição Inicial) 6. Com a referida manobra, o DG invadiu a metade da faixa de rodagem por onde o FX desenvolvia a sua marcha e cortou-lhe a trajetória.
7. Como consequência os veículos embateram com as respetivas frentes, integralmente no interior da hemi - faixa de rodagem reservada ao sentido de trânsito do FX, já próximo da sua berma direita.
8. Como consequência do embate o Autor foi transportado para o Hospital H1…, do Centro Hospitalar H…, com traumatismo no tornozelo esquerdo e na região inguinal direita, tendo-lhe sido efetuado um RX ao tornozelo, que registou duas incidências, e um RX à bacia e aconselhado repouso, vigilância clínica e continuação de tratamento na companhia de seguros.
9. À data do sinistro o DG tinha a sua responsabilidade sinistral transferida para a Ré, através da apólice nº ……...
10. O Autor foi posteriormente acompanhado pelos serviços clínicos da Ré tendo alta em 5.04.2013.
11. Na mesma data foi-lhe entregue Boletim de Avaliação Médico-legal da responsabilidade daqueles serviços clínicos, de acordo com o qual o Autor teve um dia de Incapacidade Permanente Absoluta, esteve em regime de Incapacidade Temporária Parcial entre 05/01/2013 e 05/04/2013, data em que lhe foi fixada uma Incapacidade Parcial Permanente de 3 pontos por atribuição do Código Md901 da Tabela Nacional de Incapacidade em Direito Civil, ou seja, que ao nível da coluna torácica (dorsal), lombar e charneira lombosagrada ficou sem lesões ósseas ou disco-ligamentares documentadas, mas com dores intermitentes, que implicam medicação analgésica e/ou anti-inflamatória, com reduzido compromisso da mobilidade.
12. Ainda segundo o mesmo Boletim de Avaliação, em 05.04.2013 não se verificava rebate profissional, nem necessidade de o Autor realizar esforços acrescidos ou de efetuar reconversão do local de trabalho.
13. Foi atribuído um Quantum Doloris de 3 pontos numa escala crescente de 7, sem dano estético, nem dano futuro.
14. Com base nesta informação clínica o Autor aceitou ser ressarcido pela Ré em Novembro de 2013 na quantia de 2.350,00€.
15. Nos termos do recibo de indemnização, junto a fls. 44 verso, assinado pelo Autor, este declarou que “(...) com o efetivo recebimento da referida importância de 2.350,00 Euros, considera-se integralmente pago, indemnizado e ressarcido de todos os prejuízos e/ou danos sofridos no âmbito e em consequência do sinistro acima com referido, sejam eles prejuízos e/ou danos passados, presentes ou futuros, de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, nada mais lhe sendo devido, por isso, pela C… seja a que título for, pelo que o recebimento da referida quantia lhe fica dada quitação total e plena, nada mais podendo reclamar da C…”.
16. Em momento algum, quem quer que fosse, por parte ou em representação da Ré, explicou ao Autor que ao apor a sua assinatura naquele documento estaria a renunciar a quaisquer indemnizações que resultassem do agravamento das lesões ou sequelas que apresentava naquele momento, de novas que viessem a surgir, ou de limitações que então ignorava, em consequência do sinistro ao qual se reportava.
17. No ano de 2014 o Autor começou a trabalhar como empregado de um armazém tendo de permanecer largos períodos do dia em pé, caminhar longas distâncias, subir e descer escadas e rampas, pegar e transportar caixas e caixotes, ferros e máquinas, que muitas vezes recolhia do chão para colocar em pontos mais elevados.
18. O Autor começou, logo desde o início, a sentir dificuldade em desempenhar as suas funções, devido a dores nas costas, sobretudo ao nível da coluna, com maior incidência na zona lombar.
19. Em Janeiro de 2015 o Autor abriu um estabelecimento de café-bar na exploração do qual tem que tirar cerveja à pressão, tirar café da máquina, fazer pequenas refeições de snack, servir ao balcão, servir às mesas, limpar as mesas, arrumar mesas e cadeiras, assim como outras tarefas típicas de um estabelecimento daquela natureza.
20. Como consequência das lesões sofridas o Autor sente dificuldade em pegar em pesos, permanecer de pé muito tempo, arrastar e pegar em mesas, efetuar a limpeza, transportar grades de cerveja e garrafões de 5 litros.
21. O Autor nasceu em 2.11.1966 e à data do sinistro era saudável, dinâmico, alegre e extrovertido.
22. O Autor tem formação como técnico de manutenção industrial.
23. Como empregado de armazém o Autor auferia uma remuneração mensal de 485,00€.
24. Como consequência das lesões sofridas o Autor padece de um défice funcional permanente da integridade física fixável em 2 pontos que o obriga a um esforço acrescido no exercício da sua profissão habitual.
B) Os factos não provados:
Não resultaram provados os seguintes factos:
1. Como consequência das lesões, desde finais de 2013, o Autor começou a sentir ardência e formigueiro na coxa esquerda e dor no calcanhar esquerdo e passou a experimentar dores na zona dos quadríceps, que limitavam a sua mobilidade e deslocações e deixou de conseguir percorrer largas distâncias a pé, passou a sentir dificuldades e, por vezes, tornou-se mesmo impossível subir e descer escadas ou rampas.
2. Como consequência o Autor esteve impossibilitado de trabalhar nos períodos de 10.07.2014 a 4.08.2014, 1.10.2014 a 8.10.2014 e 9.10.2014 a 23.10.2014. (Petição Inicial)
3. Como consequência das lesões o Autor não consegue agachar-se e pegar em objetos do chão, deixou de usar sapatos, botas e chinelos de dedo e só consegue calçar sapatilhas de sola alta.
4. Como consequência das lesões o Autor deixou de fazer caminhadas, deixou de conduzir mota, deixou de fazer a cama, tem dificuldade a conduzir em situações que o obriguem a recorrer à caixa de velocidades por ter necessidade de fazer movimentos de rotação com o pé esquerdo.
5. Como consequência das lesões o Autor tem dificuldade em encontrar uma posição confortável para dormir, acorda com dores e desconforto e de manhã tem de se sentar na cama e esperar que as dores diminuam para conseguir andar.
6. Como consequência das lesões o Autor tem de interromper o acto sexual por dores na zona lombar e nos membros inferiores e não consegue ter relações em posições que exija, esforço ao nível dos quadríceps.
7. As dores de que o Autor padece poderão agravar-se no futuro sendo necessário novos tratamentos médicos, medicamentos, de recuperação e, eventualmente, cirúrgicos.
8. Em consequência do agravamento das lesões o Autor sente-se deprimido, desanimado e sem esperança, anda frequentemente triste, comenta que tem para si que é um inútil, sente-se um incapaz por ter dificuldades em subir e descer escadas ou rampas, tem vergonha por pedir auxílio às outras pessoas para arrastar ou pegar numa mesa, pegar em objetos que caem ao chão, ou para realizar as lides domésticas.
9. Desgosta-o não poder usar sapatos, irrita-se facilmente por ter de parar frequentemente o carro quando é atormentado por dores durante a condução.
10. Deixou de gozar do prazer das caminhadas que fazia quase diariamente e por nunca mais ter conseguido andar de mota.
11. Sente-se frustrado por não se realizar completamente na sua vida mais íntima.
12. Teme pelo seu futuro pois receia que o seu estado se venha a agravar ainda mais e vive em permanente sobressalto por ter para consigo que qualquer dia poderá ter que ser operado, ou efetuar tratamentos médicos, medicamentosos ou de recuperação.
13. Como técnico de manutenção industrial o Autor poderia auferir um rendimento mensal de 800,00€.
14. Pelo trabalho desenvolvido na exploração do café o Autor auferia um rendimento mensal de 505,00€.
15. Atenta a sua situação clínica, até ao fim da vida o Autor terá de se socorrer de ajudas técnicas como bengalas, muletas, andarilhos ou cadeiras de rodas, assim como ajudas medicamentosas, sobretudo analgésicos e anti-inflamatórios, realizar exames médicos e de diagnóstico, de tratamento e de recuperação, designadamente fisioterapia.
16. É de prever o agravamento clinico do Autor com necessidade de recurso a intervenções cirúrgicas, sujeitando-se a longos períodos de recuperação e de tratamento, bem como ao recurso a ajudas mecânicas, tais como canadianas e andarilhos, e de terceira pessoa.
3. Fundamentos de direito 3.1. Apreciação do recurso do autor
As conclusões 1.ª a 26.ª, do recurso do autor restringem-se à impugnação da decisão da matéria de facto.
No que respeita às conclusões 27.ª a 35.ª, o autor pugna pela atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de €20.000,00.
Provou-se que o autor subscreveu o recibo de indemnização, junto a fls. 44 verso, no qual declara:
« […] com o efetivo recebimento da referida importância de 2.350,00 Euros, considera-se integralmente pago, indemnizado e ressarcido de todos os prejuízos e/ou danos sofridos no âmbito e em consequência do sinistro acima com referido, sejam eles prejuízos e/ou danos passados, presentes ou futuros, de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, nada mais lhe sendo devido, por isso, pela C… seja a que título for, pelo que o recebimento da referida quantia lhe fica dada quitação total e plena, nada mais podendo reclamar da C…».
Não se provaram os factos vertidos no elenco factual não provado [1 a 16], não se tendo provado qualquer factualidade posterior à data de assinatura do recibo de quitação, suscetível de integrar os pressupostos enunciados no artigo 496.º do Código Civil, ou seja, não se provou que, em consequência do acidente, tenham vindo a ocorrer novos danos de natureza não patrimonial, cujo aparecimento nada faria supor à data da celebração do acordo celebrado com a ré e da declaração de quitação emitida pelo autor.
Decorre do exposto, sem necessidade de mais profundas considerações, a total improcedência do recurso do autor.
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação:
a) em julgar improcedente o recurso do autor, ao qual negam provimento;
b) em julgar procedente o recurso da ré e, em consequência, em revogar a sentença recorrida, absolvendo a ré do pedido.
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Custas do recurso pelo recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido).
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Porto, 29.04.2019
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
_______________ [1] Sobre esta questão veja-se, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora 2008, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, páginas 679 a 681. [2] Código de Processo Civil Anotado, Volume IV, Almedina, 3.ª edição, Reimpressão, 2007, pág. 357. [3] Proferido no processo n.º 1267/06.6TBAMT.P2, acessível no site da DGSI, subscrito pelo ora relator na qualidade de 1.º adjunto. [4] NCPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. [5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 233 a 236. [6] Poderia ter estado de baixa por outras razões. [7] Contrariado em absoluto pela perícia médica.