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AÇÃO DE REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
PROGENITORES RESIDENTES NUM ESTADO-MEMBRO DA UNIÃO EUROPEIA
TRIBUNAL DO ESTADO MEMBRO DA RESIDÊNCIA HABITUAL DO MENOR
MAIOR PROXIMIDADE DA JURISDIÇÃO AO CASO CONCRETO
Sumário
I – Em matéria de atribuição da competência internacional dos Tribunais portugueses para a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais de menores filhos de progenitores residentes num Estado-Membro da União Europeia, deve ser aplicado o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27 de Novembro.
II – Decorre do art. 8º/1 do citado Regulamento que a competência internacional dos tribunais de um determinado Estado-Membro para estas ações, tem por base o seguinte critério: - será competente o Tribunal do Estado-Membro em que, no momento da instauração do processo, a criança resida habitualmente.
III – A razão de ser subjacente ao critério geral definido pelo legislador comunitário reside, precisamente, no facto de se entender que o Tribunal do Estado-Membro que coincida com a residência habitual do menor é o que está em melhores condições para apreciar a questão das responsabilidades parentais, a situação real do menor e o alcance prático das medidas que venham a ser tomadas.
IV – Se o critério preferencial é o da residência da criança, pode tal regra ser afastada pelo critério da (maior) proximidade da jurisdição ao caso concreto (cfr. 12ª Consideração do supra referido Regulamento 2201/2003), desde que ressalvado o superior interesse da criança.
V – Encontra-se melhor colocado para decidir a causa o tribunal francês numa situação em que os progenitores, apesar de terem nacionalidade portuguesa, residem com os menores naquele país há pelo menos 8 anos, verificando-se que estes sentem uma forte oposição à presença da mãe e que o requerido se apresenta muito centrado no conflito que o opõe à mãe dos seus filhos desde a separação conjugal (em Março de 2018) em detrimento dos legítimos interesses dos filhos, implicando a sua reaproximação àquela, a sua audição por psicólogos ou técnicos especializados para o efeito com a necessária regularidade, sendo também lá que poderão ser aplicados os meios coercivos necessários para o caso de haver incumprimentos ao regime de visitas que vier a ser fixado.
Texto Integral
Relator: Des. José Cravo
1º Adjunto: Des. António Figueiredo de Almeida
2º Adjunto: Desª Raquel Baptista Tavares
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 – RELATÓRIO
S. R., de nacionalidade portuguesa, residente em França, veio, por apenso ao divórcio sem consentimento do outro cônjuge que instaurou contra A. P., de nacionalidade portuguesa, também residente em França, intentar acção(1) de regulação das responsabilidades parentais em relação aos filhos menores J. D., I. D. e J. S..
Realizada a conferência de pais, foram ouvidos os menores J. D. e I. D., que declararam preferir ficar a residir com o pai, mantendo visitas da progenitora. As partes não chegaram a acordo pelo que foi fixado um regime provisório de visitas e uma quantia a título de alimentos para cada menor.
Os progenitores foram remetidos para audição técnica especializada.
Após junção do relatório da ATE (cfr. fls. 14 e ss.), o MP excepcionou a incompetência internacional deste Tribunal pelos argumentos doutamente expostos a fls. 18 e ss.
Notificados para se pronunciar, vieram os progenitores pugnar pela improcedência da invocada excepção.
Conhecendo da suscitada excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos:
(…) Cumpre decidir. Resulta dos autos que: - À data da instauração da presente acção, 23/10/18, a requerente, requerido e as crianças residiam em França, em …, como ainda residem actualmente (cfr. relatório da ATE); - Requerente e requerido são pais de J. D., I. D. e J. S. (certidões de fls. 6, 7 e 19); - Os menores J. D. e I. D. nasceram a ../../2005 em Ponte da Barca;
- O menor João nasceu em ../../2010 em França; - Requerente e requerido têm nacionalidade portuguesa; - Requerente e requerido residem em França há tempo indeterminado, mas pelo menos desde os quatro anos dos filhos J. D. e I. D. (cfr. fls. 9). Perante este quadro factual, é preciso observar o que o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, prescreve a respeito da competência em matéria de responsabilidade parental. A expressão "responsabilidade parental" é definida em termos amplos e abrange todos os direitos e deveres do titular da responsabilidade parental em relação à pessoa ou aos bens da criança. Tal compreende não só o direito de guarda e o direito de visita, mas igualmente matérias como a tutela e a colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição. No caso concreto há que observar o que o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de responsabilidade parental, prescreve a respeito da competência em matéria de responsabilidade parental. As normas em matéria de competência previstas nos artigos 8.° a 14.° do referido Regulamento estabelecem um sistema completo relativo aos fundamentos da competência para determinar o Estado-Membro cujos tribunais são competentes. O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidade parental é o tribunal competente do Estado-Membro da residência habitual da criança. Todavia, tal regra pode ser afastada, preenchidas que sejam as circunstâncias dos arts. 9º a 12º do Regulamento. Ora, nos termos do art. 12º, nº 1 do referido regulamento “os tribunais do Estado-Membro que, por força do art. 3º, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando: a) pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; b) a competência desses tribunais tenha sido aceite expressamente ou de qualquer forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança”.
Como se disse, o critério preferencial é o da residência da criança, podendo ser tal regra afastada desde que ressalvado o superior interesse da criança.
O conceito de "residência habitual", não é definido pelo Regulamento, devendo antes ser determinado pelo juiz em cada caso com base nos elementos do processo. Não se trata de um conceito de residência habitual com base na legislação nacional, mas de uma noção "autónoma" da legislação comunitária. A determinação caso a caso pelo juiz implica que enquanto o adjectivo "habitual" tende a indicar uma certa duração, não se pode excluir que uma criança possa adquirir a residência habitual num Estado-Membro no próprio dia da sua chegada, dependendo de elementos de facto do caso concreto.
No caso dos autos, à data da instauração da presente acção e da acção de divórcio, as crianças viviam com o pai em França e é lá que têm há largos anos a sua vivência quotidiana: é lá que vão à escola e é lá que, certamente têm as suas amizades. É nesse país que têm o seu centro de vida, com carácter duradouro. Note-se que o filho mais novo nasceu em França em 2010.
Posto isto, importa saber se se verificam as circunstâncias previstas naquele nº 3 do art. 12º do Regulamento.
É certo que este tribunal é competente, ao abrigo do art. 3º para decidir da acção de divórcio. Também é certo que é um dos cônjuges que tem vindo a exercer a responsabilidade parental em relação aos filhos. No entanto, mesmo que a competência deste tribunal tivesse sido expressamente aceite ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges, o certo é que o superior interessa das crianças desaconselha fortemente que esta acção seja apreciada e decidida neste país.
Efectivamente, de acordo com o relatório de ATE junto aos autos “o requerido apresenta-se muito centrado no conflito que o opõe à mãe dos seus filhos desde a separação conjugal (em Março de 2018) em detrimento dos legítimos interesses dos filhos. Revela dificuldade em entender que os descendentes necessitam de vincular à mãe (da mesma forma que se devem ligar ao pai) escudando-se no pressuposto de os filhos não quererem conviver com a mãe (…) Tendo em atenção a intensidade dos conflitos que se desenvolvem entre as partes e as suas repercussões no equilíbrio emocional e psicológico dos menores, sinalizamos a situação junto da CPCJ de Ponte da Barca” – cfr. fls. 15 e 16. Ainda na sinalização que é efectuada à CPCJ, é referido que o processo deve “ser objecto de acompanhamento em França” – cfr. fls. 16 vº.
Perante este quadro factual e porque em sede de audição das crianças também verificámos que estas sentem neste momento uma forte oposição à presença da mãe, entendemos que o tribunal melhor colocado para decidir a causa é o tribunal francês. Na verdade, é lá que as crianças poderão ser ouvidas com a regularidade necessária por psicólogos ou técnicos especializados para o efeito, que permita a sua reaproximação à mãe. Também é lá que poderão ser aplicados os meios coercivos necessários para o caso de haver incumprimentos ao regime de visitas que vier a ser fixado. Nestes termos, no superior interesse das crianças J. D., I. D. e J. S., decido julgar este tribunal internacionalmente incompetente para a apreciação desta acção de regulação das responsabilidades parentais – art. 17º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27/11 - e respectivo apenso, absolvendo o requerido da instância – arts. 96º, 99º e 278º, nº 1, a) do CPC. Custas pela requerente. Notifique. VC, d.s.
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Inconformada com essa decisão, a Requerente interpôs recurso de apelação contra a mesma, visando a revogação do decidido, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1. O Tribunal de Família e Menores da Comarca de Viana do Castelo, onde corre o divórcio e a presente Regulação do exercício das responsabilidades parentais é competente para decidir o pedido de divórcio e também para assentar qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido. 2. O nº 1 do artigo 91º do NCPC estabelece que “O tribunal competente para a ação é também competente para conhecer os incidentes…” E, 3. O n.º 1 do art.º 8º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, é aplicável sob ressalva do disposto nos artigos 9.º, 10.º e 12.º do citado regulamento. 4. O nº 3 do artigo 11º da lei n.º 24/2017, de 24/05 refere: “Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.” 5. O art.º 12º (Extensão da competência) do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, supõe uma intervenção judicial prévia, relativa a um vínculo conjugal, que motiva a extensão da competência à regulação de questões de responsabilidade parental. Assim prevê-se que um tribunal de um Estado-Membro que seja competente para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, o seja também para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido. Nos presentes autos estamos perante os desvios/exceções à solução constante do art.º 8º do citado Regulamento. 6. Nenhum dos progenitores colocou em causa a competência do tribunal português, existindo fortes laços dos menores a Portugal, onde têm os amigos e a família. 7. Tanto que os menores já foram ouvidos em Portugal pelos Técnicos especializados que referiram: “pode indiciar um caso de alienação parental exercida pelo progenitor com graves consequências psicológicas e emocionais para as crianças, e, sobretudo para o mais novo…” havendo necessidade urgente do Tribunal de Família e Menores de Viana do Castelo proceder à regulação das responsabilidades parentais, proferindo decisão que permita a reaproximação dos menores à recorrente, que é o que mais anseia e poder cuidar da sua educação, saúde, alimentos, entre outros, dando-lhes carinho, proteção e amor, para bem da saúde mental e física destes menores. 8. E não se verifica, nem foi referido pelos técnicos especializados que o menor J. S. sinta neste momento “uma forte oposição à presença da mãe”, antes pelo contrário mostrou apego à mãe. Entende a recorrente que o tribunal melhor colocado para decidir à causa é o tribunal português. 9. Havendo decisão transitada em julgado, a mesma será aplicada em qualquer Estado- Membro, como resulta do artigo 21º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, pelo que em França será aplicada e executada a decisão que vier a ser proferida nos autos, obrigando as partes a cumprirem a respetiva Sentença, não obstando que as crianças sejam ouvidas “com a regularidade necessária por psicólogos ou técnicos especializados” caso assim venha a ser entendido. 10. Foram violadas as disposições constantes do artigo 91º do NCPC, o nº 3 do artigo 11º da lei n.º 24/2017, de 24/05, os artigos 8º,9º,10º,11º e 12ºdo Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, art.º 28 da Lei n.º 24/2017, de 24/05.
Termos em que a douta Sentença deve ser revogada, decidindo julgar o tribunal de Família e Menores da Comarca de Viana do Castelo, internacionalmente competente para a apreciação desta ação de regulação das responsabilidades parentais. E assim V. Exas. farão Justiça.
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Também o Requerido interpôs recurso de apelação contra tal decisão, visando a revogação do decidido, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1. O tribunal a quo, não procedeu a uma correcta interpretação e aplicação do direito em causa. 2. De acordo com a Convenção de Haia de 1996 e o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27.11.2003, será competente para regular o exercício das responsabilidades parentais, o tribunal do Estado da residência habitual do menor à data da instauração do processo. 3. Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal, excepto se se verificar qualquer das situações previstas nos arts. 9º, 10º e 12º do mesmo Regulamento. 4. O n.º 1 do art.º 8º do referido diploma é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.º, 10.º e 12.º. 5. De acordo com o art. 12, nº 3, do citado Regulamento, os tribunais de um Estado-Membro serão igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental se a criança tiver uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou da criança ser nacional desse Estado-Membro, e a sua competência tiver sido aceite, explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que este é instaurado, sendo exercida no superior interesse da criança; 6. Assim prevê-se que um tribunal de um Estado-Membro que seja competente para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, o seja também para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido (de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, prevendo-se assim um alargamento da competência, fixada em relação a outra matéria e que, em determinadas circunstâncias, se entende adequado alargar a questões de responsabilidade parental que sejam conexas. 7. Nos presentes autos estamos perante os desvios/excepções à solução constante do art. 8º do Regulamento em mérito. 8. Corre no Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo Acção de Divórcio sem consentimento do outro cônjuge que opõe requerente e requerido. 9. Os menores já foram ouvidos em Portugal pelos Técnicos especializados existindo já um relatório dessa audição técnica junta aos autos. 10. Nesse mesmo tribunal correu igualmente um processo de incumprimento do regime provisório de responsabilidades parentais entretanto decidido por sentença datada de 26 de fevereiro do presente ano. 11. A regulação provisória das responsabilidades parentais foi igualmente efectuada nesse Juízo de Família e Menores de Viana do Castelo. 12. O requerido progenitor (titular provisório das responsabilidade parental), é português e tem residência fiscal em Ponte da Barca, em Portugal. 13. Dois dos três menores têm nacionalidade Portuguesa, a progenitora é portuguesa, os avôs maternos e paternos são portugueses e ambas as partes - requerente e requerido - aceitaram, de forma inequívoca, a competência internacional do tribunal português, pois a progenitora instaurou a causa em tribunal português e o progenitor foi citado nos autos principais. 14. A transferência deste processo para um tribunal estrangeiro, no caso para o tribunal Francês, obrigaria, eventualmente, à necessidade de submeter os menores novamente a uma conjunto de medidas e audições técnicas, o que de todo não acautela o superior interessa das crianças. 15. Encontram-se preenchidos todos os requisitos do n.º 3 do art.º 12º do Regulamento, para que deva ser atribuída a competência internacional ao tribunal português, para decidir sobre a alteração da regulação das responsabilidades parentais. 16. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou entre outros, o disposto nos art.ºs 8º, 9º, 11º e 12º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 fazendo uma interpretação incorrecta dos mesmos.
TERMOS EM QUE
dando-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que determine o Juízo de Família e Menores da Instância Central do Tribunal da Comarca de Viana do Castelo internacionalmente competente para apreciar e decidir os presentes autos de regulação das responsabilidades parentais farão, Vossa Excelências, inteira e sã J U S T I Ç A
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Notificado dos recursos interpostos pelos progenitores, respondeu o MP, pugnando pela improcedência das apelações com a consequente confirmação da decisão recorrida.
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A Exmª Juíz a quo proferiu despacho a admitir os interpostos recursos, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto dos recursos.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que se revogue a decisão recorrida e se substitua por nova decisão que reconheça a competência internacional do Tribunal a quo para apreciar e decidir os presentes autos de regulação das responsabilidades parentais.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vejamos então a questão nuclear a apreciar da competência internacional do Tribunal a quo para conhecer da presente acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Não pondo em questão que a residência habitual das crianças seja em França, pretendem os recorrentes estarmos perante desvios/exceções à solução constante do art. 8º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, atendendo a que sendo competente o tribunal português para decidir do pedido de divórcio dos progenitores, o seja também para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido, que correm por apenso àquela acção.
Está, pois, em causa aferir da competência internacional dos tribunais portugueses em face do regime instituído pelo citado Regulamento (CE).
Em vigor desde 1 de Agosto de 2004 e aplicável a partir de 1 de Março de 2005, o Regulamento (CE) nº 2201/2003, que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000, alargou o âmbito da competência no tocante às questões de responsabilidade parental com a finalidade de garantir igualdade de tratamento entre as crianças, dispondo em relação a todos os filhos menores, independentemente da existência, ou não, de um vínculo matrimonial entre os pais e da conexão da questão relativa a responsabilidades parentais com eventual processo de dissolução do casamento.
Como se refere no Ac. do STJ de 28-01-2016 (2), caracterizado por Moura Ramos como um direito «inclusivo», o direito comunitário constitui um sistema de normas disciplinadoras da vida jurídica da sociedade «comunitária», cuja aplicação se torna directamente vinculativa na ordem interna dos Estados-Membros (3). Assim, o Regulamento (CE) nº 2201/2003, directamente aplicável na nossa ordem jurídica, contém, entre o mais, regras directas de competência internacional quanto às matérias nele abrangidas, estabelecendo, como regra geral, no seu artigo 8º nº 1 a competência dos tribunais do Estado-Membro em que a criança resida habitualmente à data em que seja instaurado processo relativo a responsabilidade parental, definida no seu artigo 2º nº 7 como “o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou bens de uma criança”, conceito que abrange, como expressamente afirmado, “o direito de guarda e o direito de visita”.
O princípio geral fundado no critério da «residência habitual» da criança mostra-se bem vincado no ponto 12 dos considerandos que antecedem a parte dispositiva do Regulamento (CE) nº 2201/2003, no qual se consagrou que:
“As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental”.
Na verdade, a «residência habitual» da criança, enquanto critério atributivo da competência internacional, sofre desvios nos casos de prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança (artigo 9º nº 1) – caso em que a criança se desloca legalmente e passa a ter residência habitual noutro Estado-Membro e o primeiro Estado-Membro conserva a competência durante os três meses seguintes à data da deslocação com vista a eventual alteração da decisão quanto ao direito de visita – de extensão da competência fixada para as acções de divórcio, de separação ou de anulação do casamento (artigo 12º nº 1) – hipótese em que é dada prevalência à competência por conexão – ou de extensão da competência por razão de especial ligação da criança a um Estado-Membro – o que pode acontecer caso exista acordo das partes no processo e essa competência seja exercida no superior interesse da criança (artigo 12º nº 3).
Para além das situações acabadas de enunciar, uma outra afasta a referida regra geral de competência contida no artigo 8º nº 1, como o evidencia o disposto no nº 2 do mesmo artigo 8º do Regulamento (CE) nº 2201/2003.
Trata-se do rapto da criança (artigo 10º), ou seja, de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, situação em que os tribunais do Estado-Membro onde residia habitualmente, antes da deslocação, se mantêm competentes, só cessando essa competência quando a criança passa a ter a sua residência noutro Estado-Membro e o titular do direito de guarda dá o seu consentimento à deslocação ou retenção ou desde que a criança esteja a residir no novo Estado-Membro durante, pelo menos, um ano e se encontre integrada no seu novo ambiente, sem que exista qualquer decisão que determine o seu regresso (alíneas a) e b)).
Em qualquer dos casos, a questão que se coloca é a da determinação do conceito aberto de «residência habitual» da criança para efeitos de aplicação da regra geral de competência estabelecida no Regulamento (CE) nº 2201/2003, cuja concretização se impõe, posto que esta constitui a questão nuclear colocada pelo recorrente.
A propósito do conceito de «residência habitual» à luz do referido Regulamento (CE) nº 2201/2003, escreveu Maria Helena Brito (4) que, na ausência de uma definição (cfr. artigo 2º), o mesmo “deve interpretar-se autonomamente, de acordo com a jurisprudência do TJCE (se bem que em domínios diferentes do da Convenção de Bruxelas de 1968), como «o local onde o interessado fixou, com a vontade de lhe conferir carácter estável, o centro permanente ou habitual dos seus interesses, entendendo-se que, para efeitos de determinação dessa residência, é necessário ter em conta todos os elementos de facto dela constitutivos».
Pronunciando-se no âmbito de um pedido de reenvio prejudicial sobre a interpretação do conceito de residência habitual na acepção dos artigos 8º e 10º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 para efeito de determinação do tribunal competente para se pronunciar sobre questão relativa ao direito de guarda de uma criança deslocada licitamente pela mãe para Estado-Membro diferente daquele onde tinha a sua residência habitual, considerou o Tribunal de Justiça (Primeira Secção), por Acórdão de 22 de Dezembro de 2010 (acessível em http://curia.europa.eu/júris/document.jsf;jsessionid), que, não remetendo o regulamento expressamente para o direito interno dos Estados-Membros, a determinação daquele conceito há-de ser feita à luz das disposições e do objectivo do dito regulamento, nomeadamente do constante do seu considerando décimo segundo, daí ressaltando que “as regras de competência nele fixadas são definidas em função do superior interesse da criança, em particular do critério da proximidade”.
Prosseguindo, escreveu-se no mesmo aresto que, “A fim de que este superior interesse da criança seja respeitado da melhor forma, O Tribunal de Justiça já declarou que o conceito de «residência habitual», na acepção do artigo 8º nº 1 do regulamento, corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar”. E mais adiante, que “para determinar a residência habitual de uma criança, além da presença física desta num Estado-Membro, outros factores suplementares devem indicar que essa presença não tem carácter temporário ou ocasional”.
Como factores suplementares podem considerar-se, nomeadamente, a duração, a regularidade, as condições e as razões da permanência no território de um Estado-Membro e da mudança, a nacionalidade da criança, a idade e, bem assim, os laços familiares e sociais que a criança tiver no referido Estado (neste sentido o Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção), de 2 de Abril de 2009).
Perante os contornos do conceito de residência habitual da criança acabados de definir para efeitos de determinação da competência internacional do tribunal relativamente a processo de regulação de responsabilidades parentais, que se acolhem por inteiro, será em função da facticidade concretamente apurada, das circunstâncias concretas relevantes de cada caso, que se concluirá pela existência ou não de «residência habitual» da criança no Estado-Membro onde se encontra na data em que o respectivo processo ou processos foram iniciados.
No caso em apreço e como já supra referido, sem porem em causa que a residência habitual das crianças seja em França, pretendem os recorrentes estarmos perante desvios/exceções à solução constante do art. 8º do Regulamento (CE), atendendo a que sendo competente o tribunal português para decidir do pedido de divórcio dos progenitores, como foi explicitamente aceite por eles, o seja também para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido, que correm por apenso àquela acção (cfr. art. 12º do Regulamento). Ora, se assim é, como bem refere a Srª Juiz a quo, se o critério preferencial é o da residência da criança, pode tal regra ser afastada desde que ressalvado o superior interesse da criança. Assim, sendo certo que o tribunal a quo é competente, ao abrigo do art. 3º, para decidir da acção de divórcio e sendo também certo que é um dos cônjuges que tem vindo a exercer a responsabilidade parental em relação aos filhos, apesar da competência do tribunal a quo ter sido expressamente aceite ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges, o certo é que o superior interesse das crianças desaconselha fortemente que esta acção seja apreciada e decidida neste país.
Efectivamente, como salientado pela Srª Juiz a quo, de acordo com o relatório de ATE junto aos autos “o requerido apresenta-se muito centrado no conflito que o opõe à mãe dos seus filhos desde a separação conjugal (em Março de 2018) em detrimento dos legítimos interesses dos filhos. Revela dificuldade em entender que os descendentes necessitam de vincular à mãe (da mesma forma que se devem ligar ao pai) escudando-se no pressuposto de os filhos não quererem conviver com a mãe (…) Tendo em atenção a intensidade dos conflitos que se desenvolvem entre as partes e as suas repercussões no equilíbrio emocional e psicológico dos menores, sinalizamos a situação junto da CPCJ de Ponte da Barca” – cfr. fls. 15 e 16. Ainda na sinalização que é efectuada à CPCJ, é referido que o processo deve “ser objecto de acompanhamento em França” – cfr. fls. 16 vº.
Perante este quadro factual e porque em sede de audição das crianças também verificámos que estas sentem neste momento uma forte oposição à presença da mãe, entendemos que o tribunal melhor colocado para decidir a causa é o tribunal francês. Na verdade, é lá que as crianças poderão ser ouvidas com a regularidade necessária por psicólogos ou técnicos especializados para o efeito, que permita a sua reaproximação à mãe. Também é lá que poderão ser aplicados os meios coercivos necessários para o caso de haver incumprimentos ao regime de visitas que vier a ser fixado.
Nenhum reparo ou acrescento sendo de fazer a esta assertiva decisão do Tribunal a quo, a única que privilegia o superior interesse destas concretas crianças.
É, assim, incontornável, a solução afirmada pelo tribunal recorrido.
Improcedem, pois, as apelações.
Os recorrentes sucumbem nos recursos. Devem, por essa razão, satisfazer as custas deles (art. 527º/1 e 2 do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)
I – Em matéria de atribuição da competência internacional dos Tribunais portugueses para a acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais de menores filhos de progenitores residentes num Estado-Membro da União Europeia, deve ser aplicado o Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27 de Novembro.
II – Decorre do art. 8º/1 do citado Regulamento que a competência internacional dos tribunais de um determinado Estado-Membro para estas acções, tem por base o seguinte critério: - será competente o Tribunal do Estado-Membro em que, no momento da instauração do processo, a criança resida habitualmente.
III – A razão de ser subjacente ao critério geral definido pelo legislador comunitário reside, precisamente, no facto de se entender que o Tribunal do Estado-Membro que coincida com a residência habitual do menor é o que está em melhores condições para apreciar a questão das responsabilidades parentais, a situação real do menor e o alcance prático das medidas que venham a ser tomadas.
IV – Se o critério preferencial é o da residência da criança, pode tal regra ser afastadapelo critério da (maior) proximidade da jurisdição ao caso concreto (cfr. 12ª Consideração do supra referido Regulamento 2201/2003), desde que ressalvado o superior interesse da criança.
V – Encontra-se melhor colocado para decidir a causa o tribunal francês numa situação em que os progenitores, apesar de terem nacionalidade portuguesa, residem com os menores naquele país há pelo menos 8 anos, verificando-se que estes sentem uma forte oposição à presença da mãe e que o requerido se apresenta muito centrado no conflito que o opõe à mãe dos seus filhos desde a separação conjugal (em Março de 2018) em detrimento dos legítimos interesses dos filhos, implicando a sua reaproximação àquela, a sua audição por psicólogos ou técnicos especializados para o efeito com a necessária regularidade, sendo também lá que poderão ser aplicados os meios coercivos necessários para o caso de haver incumprimentos ao regime de visitas que vier a ser fixado.
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos recorrentes e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Guimarães, 16-05-2019
(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)
1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, V.Castelo– Juízo Fam. Menores – Juiz 2. 2. Prolatado no Proc. nº 6987/13.6TBALM.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt. 3. In Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, II, Coimbra Editora, 2007, p. 146 4. in Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos, vol. I, Almedina, p. 323.