VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE CONSTRUÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
CASO JULGADO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


I - A competência, em razão da matéria, do tribunal, afere-se pela pretensão formulada pelo autor caracterizada pelo pedido e causa de pedir (sendo que na análise desta se consideram os factos narrados e o enquadramento jurídico que lhe está subjacente).
II - Pese embora o Tribunal de Trabalho tenha competência para apreciar e decidir a totalidade dos prejuízos sofridos pela vítima do acidente de trabalho, nos termos gerais de direito (incluindo os danos não patrimoniais) quando há violação culposa das regras de segurança, sempre que o facto ilícito e culposo em causa, também assuma natureza criminal, a causa de pedir e o pedido formulados na petição assumem esses contornos, e a lei estende ao Tribunal Criminal a competência, nos termos do art. 71.º do CPP, para conhecer dessa responsabilidade civil.
III - Inexiste qualquer caso julgado (formal ou material), que impeça o Tribunal Criminal de conhecer e condenar em indemnização por danos não patrimoniais no âmbito do pedido de indemnização civil, na medida em que, em momento algum da sentença laboral foi apreciada ou decidida a questão da violação culposa das regras de segurança por parte da entidade empregadora (ou de outra entidade responsável) ou dos danos emergentes dessa violação e ao invés, no presente o pedido de indemnização civil a causa de pedir tem na sua génese a prática de um crime de violação das regras de segurança por negligência e são peticionados danos (não patrimoniais) ocasionados pela prática desse crime, forçoso é concluir que não são coincidentes a causa de pedir, o pedido, ou o conhecimento oficioso feitos no processo laboral, e a causa de pedir e o pedido formulado no pedido de indemnização civil deduzido nestes autos.
IV - Uma vez que o ilícito praticado, em 09-04-2013, constitui crime de violação de regras de segurança por negligência, p. e p. pelo art. 152.-B, n.ºs 1, 2 e 3, al. b) do CP, punível com pena de prisão até 5 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos - art. 118.º, n.º 1, al. b) do CP, pelo que, o lesado exerceu tempestivamente em 04-05-2016 o seu direito à indemnização por danos não patrimoniais, inexistindo assim prescrição/ e ou caducidade do direito a reclamar a indemnização peticionada.
V - A fundamentação da decisão impugnada permite, a apreensão, por um destinatário razoável e normal, das razões pelas quais foi atribuída ao recorrente (Demandante Civil) uma indemnização maior, pelo que é de concluir que estamos perante uma suficiência de fundamentação.
VI - O que o legislador pretendeu na previsão do art. 379.º, n.º 1, al. a) e do art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP é que a fundamentação exarada permitisse ao tribunal de recurso exercer a sua função de controlo das decisões dos tribunais inferiores e, no nosso entender, tal controlo é possível na presente fundamentação. Isto é, o presente Tribunal (de recurso) está em condições de entender qual foi o iter lógico, o raciocínio do Tribunal a quo para proceder ao aumento da indemnização para 200.000€.
VII - Não se pode confundir falta de convencimento na decisão com falta de fundamentação da decisão.
VIII - Tendo em conta que a compensação não se compadece com valores simbólicos - a título de quantum indemnizatórios - para casos em que estão em causa danos irreversíveis e sofrimentos e tristeza profundas para uma vida, aos 39 anos de idade, vendo-se privado de locomover, sem possibilidade de utilizar o corpo, e dependente de terceira pessoa para o resto da sua vida, para realizam de tarefas básicas do dia-a-dia que o impedem de desfrutar de forma plena a sua vida, seja familiar, sexual e social, sendo 5 (cinco) os responsáveis civis pela indemnização (ainda que tenhamos consciência que respondem em regime de solidariedade) com rendimentos medianos, não se vislumbra qualquer excesso no valor de 200.000€ atribuído pelo Tribunal da Relação a título de danos não patrimoniais.

Texto Integral

Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Local Criminal de ..., foram julgados em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular - processo n.º 183/13.0GAVNO -os arguidos AA, BB, CC, LDA., DD e EE, tendo sido proferida a seguinte decisão (transcrição parcial):

“(…) decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:

a) condenar o arguido AA pela prática de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B, n.º 1, 2 e 3, alínea b), do C.P., na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

b) suspender a execução da pena de prisão por igual período de um ano e seis meses.

c) condenar a sociedade arguida BB, Lda. pela prática de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B. n.º 1, 2 e 3, alínea b), do C.P., na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 100,00€, no montante total de 18.000,00€;

d) Nos termos do artigo 90.º-D, n.º 1, do C.P., substituir a pena de multa aplicada à sociedade arguida por caução de boa conduta, no valor de 1.000,00€, pelo prazo de 1 ano e 6 meses;

e) condenar o arguido DD pela prática de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B, n.º 1, 2 e 3, alínea b), do C.P., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

f) suspender a execução da pena de prisão por igual período de um ano e oito meses.

g) condenar a arguida EE pela prática de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B, n.º 1, 2 e 3, alínea b), do C.P., na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;

h) suspender a execução da pena de prisão por igual período de um ano e oito meses.

i) condenar a sociedade arguida CC, Lda. pela prática de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo artigo 152.º-B. n.º 1, 2 e 3, alínea b), do C.P., na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de 100,00€, no montante total de 19.000,00€;

j) Nos termos do artigo 90.º-D, n.º 1, do C.P., substituir a pena de multa aplicada à sociedade arguida por caução de boa conduta, no valor de 1.200,00€, pelo prazo de 1 ano e 8 meses;

k) Julgar parcialmente procedente por parcialmente provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante e, em consequência, condenar os demandados, solidariamente, no pagamento de indemnização por danos patrimoniais ao demandante, no valor de 125.000,00€, quantia encontrada em razões de equidade, e acrescida de juros legais até integral pagamento.

l) condenar os arguidos, por custas criminais, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida por cada um, tendo em conta a complexidade da causa (artigos 513.º do Código de Processo Penal (C.P.P.) e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.)), e demais encargos do processo (artigo 514.º, n.º 1, do C.P.P. e artigo 16.º do R.C.P.);

m) custas do pedido de indemnização civil, pelos demandante e demandados, na proporção do decaimento.”

1.2. Inconformados com esta sentença todos os arguidos e demandados civis e bem assim o assistente e demandante civil FF, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora.

O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 26-06-2018, negou total provimento aos recursos interpostos por todos os demandados e deu parcial provimento ao recurso interposto pelo demandante, elevando o montante fixado a título de danos não patrimoniais a duzentos mil euros, a satisfazer pelos demandados, e mantendo no mais a douta sentença recorrida, para além da determinação da retificação do aludido lapso de escrita manifesto, nos precisos termos acima indicados[1]”.

1.3. Inconformados com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora dele interpuseram recurso, os arguidos/ demandados civis AA, BB, CC, Lda., DD e EE, que motivaram, concluindo nos seguintes termos:

Os arguidos/demandados civis AA e BB, (transcrição):

«1. Aos aqui Recorrentes, e aos restantes arguidos neste processo, foi imputada a prática de um crime de violação de regras de segurança por negligência, p. e p. pelo art.º 152.º-B, n.ºs 1, 2 e 3, al. b), com referência ao artigo 15.º, al. a), do Código Penal, em concurso aparente com um crime de infração das regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços por negligência, agravado pelo resultado, p. e p. pelo arts.º 277.º, n.º 1, al. b), n.º 2, 285.º, com referência ao artigo 15.º, al. a), do Código Penal, e a sociedade arguida ainda pelo art.º 11.º, n.º 2, al. a), do Código Penal.

2. No âmbito deste processo-crime, o ofendido FF deduziu Pedido de Indeminização Civil (cfr. fls. 614 a 627 dos autos), reclamando o pagamento de uma indeminização a título de danos não patrimoniais no valor de € 450.000,00, invocando para tanto a factualidade ali constante dos artigos 1.º a 19.º (cfr. fls. 614 a 627 dos autos).

3. Os demandados, e no que à apreciação do pedido de indeminização civil deduzido pelo ofendido respeita invocaram, entre outras questões, a incompetência material do Tribunal da 1.ª Instância para apreciar tal pedido, a excepção do caso julgado quanto ao mesmo e a prescrição de qualquer direito no que respeita a qualquer indemnização, conforme resulta de fls. 852 a 859, 902 a 906 e 933 dos autos.

4. A Mm.ª Juiz de Direito daquele Tribunal a quo relegou a apreciação de tais questões para a sentença a proferir nos autos, sentença essa que considerou procedente por provada a acusação deduzida contra os arguidos e os condenou pela prática do crime que lhes foi imputado. Considerou ainda a Mm.ª Juiz a quo que no caso em apreço não se verifica nenhuma das excepções invocadas pelos aqui Recorrentes, nomeadamente não se verifica a incompetência material do Tribunal, não existe caso julgado e não se encontram prescritos os direitos do ofendido, pelo que apreciou o Tribunal recorrido o pedido de indeminização civil, considerando-o parcialmente procedente por parcialmente provado, condenando, em consequência, os demandados, solidariamente, no pagamento de indemnização por danos patrimoniais ao demandante, no valor de €125.000,00, acrescida de juros legais até integral pagamento, bem como nas custas referentes àquele pedido, na proporção do decaimento.

5. Não se conformando com a sentença proferida, nomeadamente no que respeita à parte da decisão que recaiu sobre o Pedido de Indemnização Civil, os aqui Recorrentes recorreram de tal sentença para o Tribunal da Relação de Évora, considerando que a M.ª Juiz do Tribunal da 1.ª Instância incorreu em erro na interpretação e aplicação das normas legais vigentes ao caso concreto.

6. Sucede que o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão, nos termos do qual negou total provimento aos recursos interpostos por todos os demandados, incluindo pelos aqui Recorrentes, e deu parcial provimento ao recurso interposto pelo demandante, elevando o montante fixado a título de danos não patrimoniais a duzentos mil euros, a satisfazer pelos demandados, e mantendo no mais a sentença recorrida.

7. Não podem os aqui Recorrentes conformar-se com o acórdão proferido, pelo que dele recorrem para o Supremo Tribunal de Justiça, considerando que os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora incorreram, igualmente, em erro na interpretação e aplicação das normas legais vigentes ao caso concreto.

8. Pois que, contrariamente aos entendimentos perfilhados quer na sentença proferida em 1.ª Instância quer no acórdão do Tribunal da Relação, entendem que, no caso em apreço, se verificam as excepções invocadas, nomeadamente a incompetência material do Tribunal, o caso julgado e a prescrição ou, em bom rigor, caducidade de eventuais direitos do Demandante.

9. No que à incompetência material do Tribunal Criminal concerne, e com o devido respeito, os Venerandos Juízes a quo, tal como a Mm.ª Juiz do Tribunal da 1.ª Instância, partem de pressupostos errados, o que inquina a sua decisão no que a esta excepção respeita e conduz necessariamente a uma errada interpretação e aplicação da lei.

10. Desde logo, não estamos, tão só e sem mais, perante um crime praticado por alguém contra outrem, antes tendo os factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público a sua origem na ocorrência no dia 09/04/2013 de um acidente de trabalho, acidente de trabalho esse do qual foi vítima o aqui Demandante FF.

11. Em consequência desse acidente de trabalho, e conforme consta de fls. 459 a 472 dos autos, correu termos no Juízo do Trabalho de ..., Juiz..., o processo n.º 107/14.7TTTMR, ou seja, processo por acidente de trabalho, no âmbito do qual foi atribuída ao demandante uma pensão anual, por sentença transitada em julgado em 14/03/2016, como aliás a decisão ora em crise refere no ponto 85 dos factos dados como provados.

12. Os factos que preenchem o tipo de crime aqui em apreciação, consubstanciaram antes de mais um acidente de trabalho, acidente de trabalho esse que já foi apreciado e julgado, com decisão transitada em julgado.

13. Os ora Recorrentes não põem em causa a competência da Instância criminal para apreciar o crime previsto e punido pelo art.º 152.º do Código Penal, mas sim a competência da Instância criminal para apreciar o pedido de indemnização deduzido pelo ofendido e demandante, sendo que o ofendido e demandante é o sinistrado no referido processo n.º 107/13.0GAVNO de acidente de trabalho, decorrente desse mesmo acidente.

14. A competência do tribunal é configurada na lei como pressuposto processual, enquanto excepção dilatória, determinando a incompetência material do tribunal a absolvição dos demandados da instância, pois que constitui excepção dilatória insanável.

15. Dispõe o artigo 211.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 1, que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais” e, no seu n.º 2, que “na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas”.

16. De acordo com a Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26/08), na ordem interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território (art. 37º, nº 1), atribuindo-se aos tribunais judiciais a competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art. 40.º, nº 1).

17. Aos juízos do trabalho – de competência especializada – compete, em matéria cível, além do mais, conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (art. 126.º, n.º 1, al. c), da L.O.S.J.) e bem assim das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade, ou dependência e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente (art. 126.º, n.º 1, al. n), da L.O.S.J.).

18. Determina o artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de ganho ou a morte”, resultando do artigo 18.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada (…), ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimonias, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”, ainda que tal não prejudique a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido (nº 2 da norma em causa).

19. Sobre esta matéria, perfilham os aqui Recorrentes o entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 1293/08.0TBPFR.P1, de 13/10/2009, acessível em www.dgsi.pt, que consideram ser inteiramente actual e aplicável, mutatis mutandis, ao caso em apreciação nos presentes autos, face à redacção do artigo 126.º, n.º 1, als. c) e n) da L.O.S.J. (Lei n.º 62/2013, de 26/08) – e que mantém na sua essência o regime anterior resultante da norma do artigo 85.º, als. c) e o) da L.O.F.T.J. (Lei n.º 3/99, de 13/01) –, conjugado com o disposto no artigo 8.º, n.º 1, e no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04/09, e ainda com o disposto no capítulo II do título VI  do Código de Processo do Trabalho, em especial o disposto no seu artigo 126.º, que estabelece no seu n.º 1 que “no processo principal decidem-se todas as questões, salvo a da fixação de incapacidade para o trabalho, quando esta deva correr por apenso”.

20. Resulta, pois, que no caso de acidente provocado pela entidade empregadora, seu representante ou entidade por aquele contratada, ou resultante da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a obrigação de indemnizar emergente de acidente de trabalho abrange os danos não patrimoniais, devendo tal questão ser tratada no âmbito do respectivo processo de acidente de trabalho.

21. Em igual sentido, e com relevância para o caso sub judice, se pronunciam os Ac. TRG, de 22/05/2014, processo 262/13.3TBAMR-A.G1, e Ac. TRC, de 12/06/2007, processo 966/03.9TBACB.C1, acessíveis em www.dgsi.pt.

22. No caso dos autos pretende o demandante FF obter dos Recorrentes AA e BB, indemnização por danos não patrimoniais decorrentes das lesões por si sofridas em 09/04/2013, quando trabalhava por conta da Recorrente BB, à data sua entidade empregadora e de que o Recorrente AA era, e continua a ser, gerente, e cuja causa directa e adequada adveio da preterição por parte destes das regras de segurança no trabalho, radicando a pretensão de tutela formulada pelo demandante num acidente de trabalho e sendo os sujeitos em causa os titulares da relação jurídica laboral.

23. Como se alcança da factualidade constante dos artigos 1.º a 19.º do Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo demandante (cfr. fls. 614 a 627 dos autos), o acidente de trabalho em causa é a base nuclear e individualizadora da causa de pedir invocada, aí entroncando os demais elementos que a constituem, nomeadamente a matéria relativa aos danos.

24. A propósito da causa de pedir, o nosso ordenamento jurídico consagra a teoria da substanciação (artigo 581.º do CPC), sendo a causa de pedir o facto concreto que se invoca para obter o efeito jurídico pretendido e aí residindo a identidade de qualquer pleito.

25. A pretensão que o demandante FF formula no Pedido de Indemnização por si deduzido nos presentes autos funda-se, subjectiva e objectivamente, em acidente de trabalho, estando incluída na medida de jurisdição do Juízo do Trabalho de ..., onde correu o processo por acidente de trabalho com o n.º 107/14.7TTTMR, sendo aquele Juízo do Trabalho, de forma clara e indubitável, o materialmente competente para dela conhecer.

26. A situação em apreço nos presentes autos não pode, pura e simplesmente, ser apreciada à luz de um regime de concorrência de responsabilidades, diferentemente, e a título de exemplo, do que se verificaria caso estivéssemos perante um acidente de viação e simultaneamente de trabalho, em que a responsabilidade sujectiva de terceiros prevaleceria sobre a responsabilidade objectiva patronal, assumindo esta última um carácter subsidiário ou residual.

27. De todo o exposto, resulta a incompetência material do Tribunal Criminal para conhecer e apreciar o Pedido de Indemnização Civil formulado nestes autos, apenas estando reservada a esta Instância criminal a apreciação da eventual responsabilidade penal pelo acidente.

28. O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente ao caso concreto as normas dos artigos 483.º e 562.º do Código Civil, bem como as normas dos artigos 10.º, 16.º, 71.º e 72.º, todos do C.P.P., violando e preterindo o disposto nos artigos 211.º, n.º 1, da C.R.P., e bem assim o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, ambos da Lei n.º 98/2009, de 04/09, o disposto nos artigos 37.º, n.º 1, 40.º, n.º 1, e 126.º, n.º 1, als. c) e n), da L.O.S.J. (Lei n.º 62/2013, de 26/08) e, ainda, no artigo 126.º do Código de Processo do Trabalho.

29. Em consequência do que, deverá ser declarada procedente por verificada a excepção da incompetência material do Tribunal Criminal para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos pelo demandante FF.

30. Sobre a excepção do caso julgado, incorreu uma vez mais o Tribunal a quo no erro já atrás referido, porquanto o que está subjacente a este processo é a apreciação da responsabilidade criminal no acidente de trabalho, que é o mesmo que deu origem ao Processo n.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Juízo do Trabalho de ..., Juiz ..., em que era Sinistrado o ora demandante FF.

31. Nesse processo de acidente de trabalho não esteve apenas em causa a apreciação da responsabilidade pelo risco, mas também a apreciação da responsabilidade por facto ilícito, como decorre do disposto no artigo 18.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 98/2009.

32. Como antes se disse, em consequência do acidente ocorrido em 09/04/2013, foi atribuída ao aqui demandante uma pensão anual, no âmbito do processo de acidente de trabalho que com o n.º 107/14.7TTTMR correu termos Juízo do Trabalho de ..., Juiz .... Nesse processo, e em sede de tentativa de conciliação, apenas não existiu conciliação quanto à IPP, tendo o aí sinistrado, demandante nestes autos, aceitado conciliar-se quanto a todos os aspectos excepto este (cfr. fls. 460 a 464 dos autos), tendo a fase contenciosa seguido então apenas para ser fixada a IPP, na sequência do que em 04/02/2016 foi proferida sentença, que transitou em julgado em 14/03/2016 (cfr. fls 465 a 472 dos autos, bem como certidão de fls. 911 a 919 dos mesmos).

33. A questão dos danos decorrentes do acidente de trabalho, sejam patrimoniais ou não patrimoniais, encontra-se devidamente julgada e decidida naquele processo de acidente de trabalho, aí tendo sido fixados de forma definitiva todos os direitos do sinistrado, demandante nestes autos, emergentes daquele acidente de trabalho, constituindo a sentença proferida em tal processo caso julgado, nos termos do artigo 580.º, n.º 1, do C.P.C..

34. No caso dos autos pretende o demandante FF obter dos Recorrentes AA e BB, indemnização por danos não patrimoniais decorrentes das lesões por si sofridas em 09/04/2013, quando trabalhava por conta da Recorrente BB, à data sua entidade empregadora e de que o Recorrente AA era, e continua a ser, gerente, e cuja causa directa e adequada adveio da preterição de regras de segurança no trabalho, radicando a pretensão de tutela formulada pelo demandante num acidente de trabalho.

35. Existindo, desde logo, entre uma e outra causa: identidade quanto aos sujeitos titulares da relação jurídica laboral em causa, nomeadamente no que respeita ao Demandante e aos aqui Recorrentes; identidade quanto ao pedido, consubstanciando o efeito jurídico pretendido pelo Demandante a indemnização pelos danos sofridos; e identidade quanto à causa de pedir, procedendo a pretensão deduzida nas duas acções do mesmo facto jurídico (acidente de trabalho), estando, assim, preenchidos os requisitos do artigo 581.º do C.P.C..

36. O art.º 126.º do Código do Processo de Trabalho estipula expressamente que no processo principal de acidente de trabalho são decididas todas as questões, - excepto a da fixação da incapacidade para o trabalho, quando esta deva correr por apenso - sejam elas quanto aos responsáveis, quanto ao agravamento da responsabilidade e quanto a todo o tipo de prejuízos, quer patrimoniais quer ainda não patrimoniais, no caso de se verificar alguma das situações previstas no art.º 18.º da Lei 98/2009 como é aqui o caso.

37. A decisão proferida no processo n.º 107/13.0GAVNO que correu termos do Juízo do Trabalho de ..., Juiz ..., decidiu de forma definitiva sobre a relação material controvertida, e tem força de caso julgado material, isto é, passou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, como resulta do disposto no artigo 619.º, n.º 1, do C.P.C..

38. O Tribunal a quo violou as normas dos artigos 126.º do C.P.T., 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2, 580.º, n.º 1, e 581.º, n.ºs 1 e 2, todos do C.P.C., e ainda o disposto no artigo 619.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

39. Considerando os aqui Recorrentes, contrariamente ao entendimento perfilhado por aquele Tribunal, que se verifica a excepção do caso julgado, que deverá ser considerada procedente, motivo pelo qual, também por esta razão, não poderia o Tribunal da 1.ª Instância conhecer do mérito do Pedido de Indemnização Civil contra eles deduzido pelo Demandante.

40. Quanto à prescrição ou, em bom rigor, caducidade de eventuais direitos do Demandante, reafirma-se que o que esteve na origem do presente processo e da apreciação da responsabilidade criminal foi o mesmo acidente de trabalho que deu origem ao processo n.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Juízo do Trabalho de ..., Juiz..., em que era sinistrado o ora demandante FF.

41. O demandante nestes autos, FF, teve alta clínica no dia 31/01/2014, conforme consta de fls. dos autos, data a partir da qual tinha um ano para reclamar todas e quaisquer prestações devidas em virtude do acidente de trabalho por ele sofrido, conforme dispõe o artigo 179.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009. Não o tendo feito até 31/01/2015, tal direito caducou.

42. Ao abrigo deste artigo 179.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, norma especial que prevalece sobre a regra do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, deveria o Tribunal a quo ter considerado caducado o direito do Demandante ao recebimento de qualquer quantia a título de indemnização por danos decorrentes do acidente de trabalho em causa, pois que tal indemnização teria necessariamente de ser peticionada no referido prazo de um ano, incorrendo, assim, o Tribunal a quo na violação destas normas.

43. Sem prescindir do quanto até aqui ficou dito, por cautela e a título subsidiário, no que respeita ao parcial provimento do recurso interposto pelo demandante FF perante o Tribunal da Relação, elevando o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais de €125.000,00 para €200.000,00, não podem os aqui Recorrentes conformar-se com a alteração em causa, quer porque a fixação do valor indemnizatório em €200.00,00 não se encontra de forma alguma fundamentada, quer ainda porque tal valor é manifestamente excessivo, limitando-se o acórdão do Tribunal a quo a discordar do valor arbitrado pelo Tribunal da 1.ª Instância, por entender que o mesmo é insuficiente, e a aumentar substancialmente esse valor.

44. Não se descortinam as razões de facto e de direito que levaram à alteração daquele montante indemnizatório, sendo certo que a matéria de facto em causa foi apreciada em 1.ª Instância e não foi alterada, limitando-se o Tribunal a quo a sublinhar o “elevadíssimo sofrimento do demandante”.

45. Na fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, e porque de danos não quantificáveis se trata, um dos critérios a seguir é o da equidade, que ter ser guiada por critérios concretos e pré-estabelecidos que são quantificáveis, sob pena de, a não ser assim, se estabelecerem valores arbitrários (neste sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto acórdão de 10-09-2009, Proc. n.º 341/04.8GTTVD.S1, acessível em www.dgsi.pt).

46. O montante da indemnização a atribuir por danos não patrimoniais deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, nos termos do art. 496.°, n.° 4, do Código Civil, devendo atender-se à responsabilidade e ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e às demais circunstâncias do caso, como dispõe o art. 494.º do mesmo diploma.

47. A determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente à particular sensibilidade humana.

48. No caso em apreço, o Tribunal a quo não atendeu em concreto à situação económica dos aqui Recorrentes, sendo omisso a esse propósito, situação essa que decorre dos factos provados de 76. a 82. da sentença proferida em 1.ª Instância, não tendo sofrido qualquer alteração em sede de recurso, daí se extraindo que a Recorrente BB, Lda. é uma micro empresa, com apenas dois trabalhadores e um valor de facturação anual reduzido, e que o Recorrente AA tem um vencimento mensal pouco acima do ordenado mínimo nacional.

49. No que responsabilidade e grau culpabilidade dos aqui Recorrentes se refere, foi a actuação dos mesmos considerada como negligente, conforme consta da douta sentença proferida em 1.ª Instância e que, nesta parte, não sofreu igualmente alteração.

50. Há ainda que ter presente que estamos perante uma indemnização que visa ressarcir apenas e somente os danos não patrimoniais, encontrando-se excluídos todos e quaisquer danos patrimoniais sofridos bem como a repercussão na vida laboral, uma vez que o Demandante se encontra a receber uma pensão anual e vitalícia ao abrigo da Lei que regulamenta a reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, pensão essa que se destina precisamente a reparar os danos em virtude de o mesmo mais não poder trabalhar.

51. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 496.º, n.º 4, e 494.º do Código Civil, pelo que o valor da indemnização fixado no douto Acórdão recorrido sempre deverá ser revogado, por carecer tal Acórdão, nessa parte, de fundamentação quer material quer jurídica, bem como por tal valor ser excessivo, tendo presentes os critérios atrás enunciados.

Termos em que, e melhores de direito, deverá o presente recurso ser considerado procedente por devidamente fundamentado e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre as excepções invocadas, devendo ser proferido Acordão que considere as mesmas devidamente procedentes porque verificadas, com todas as legais e devidas consequências;

Caso assim não se entenda, e a título subsidiário, no que respeita ao parcial provimento do recurso interposto pelo demandante FF perante o Tribunal da Relação, elevando o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais de €125.000,00 para €200.000,00, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado nessa parte».

Os arguidos/demandados civis CC, Lda., DD e EE, (transcrição):

«1 – Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido neste processo pelo douto tribunal da Relação de Évora, Acórdão este que, no que ás excepções invocadas pelos ora recorrentes e arguidos respeita, confirmou a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo de  1.ª instância,  e considerou que no caso aqui em apreço não se verificam as excepções de  incompetência material do  Tribunal Criminal para conhecer do pedido de indemnização civil por danos morais deduzido pelo ofendido e demandante FF, não existe caso julgado e não se encontram prescritos os direitos do supra identificado ofendido.

2 - Com todo o devido respeito não se conformam os arguidos com a decisão tomada neste douto Acórdão, entendendo os arguidos, como já o referiram em sede de recurso de Apelação, e no que à apreciação do pedido de indeminização cível deduzido pelo ofendido respeita, se verifica uma situação de incompetência material do Tribunal Criminal para apreciar o mesmo, se verifica ainda a existência de caso julgado quanto ao mesmo e ainda, e á cautela, se verifica a prescrição de qualquer direito no que respeita a qualquer indeminização.

3 - Por outro lado entendem ainda os arguidos e aqui recorrentes que a alteração do quantum indemnizatório, que agora foi fixado neste Acordão em € 200.000,00 carece de toda e qualquer fundamentação bem como se mostra o mesmo excessivo e desajustado tal valor.

4 - Com todo o devido respeito, entendem os recorrentes que o entendimento perfilhado no douto Acordão ora recorrido quanto á não existência e não verificação da excepção de incompetência material do Tribunal Criminal na 1.ª Instância para apreciar o pedido de indeminização cível deduzido pelo ofendido FF é uma  interpretação errada da lei, fazendo assim este Tribunal Superior uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 18.º n.º 1 e 2 da Lei 98/2009, artigos 126 e 127.º do C.P.T. e artigo 126.º n.º 1 al.c) da Lei 63/2013 de 26 de Agosto.

5 - Os factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público têm a sua origem na ocorrência no dia 09/04/2013 de um acidente de trabalho, acidente de trabalho esse do qual foi vitima o aqui demandante FF, sendo que foi dado como provado (ponto 85 dos factos dados como provados) e encontra-se assente, “ No Processo n.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Tribunal de Trabalho de ..., em que era Sinistrado FF e Entidade Responsável GG, S.A. foi proferida sentença, já transitada em julgado em 14/03/2016, foi, além do mais, fixada ao assistente uma pensão anual e vitalícia, no valor anual de 6.398,19, a quantia de 5.060,19 a título de subsidio por elevada incapacidade permanente, a quantia de 230,57 mensais, a título de subsidio de prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, e a quantia de 50,00 por deslocações necessárias, além dos instrumentos necessários á sua subsistência.”

6 - Os factos que preenchem o tipo de crime aqui em apreciação, antes de mais consubstanciaram um acidente de trabalho, acidente de trabalho esse que já foi apreciado e julgado, com decisão transitada em julgado, nos autos acima referenciados: Proc.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Tribunal de Trabalho de ..., em que era Sinistrado FF, e conf. consta da certidão da sentença junta ao presente processo a fls. 117 a 126 do 4.º volume dos autos.

7 – Ora, a instância criminal apenas tem competência para aferir e apreciar a eventual responsabilidade criminal e nada mais, carecendo de toda e qualquer competência material para apreciar o pedido de indemnização deduzido pelo ofendido e demandante, sendo que o ofendido e demandante é o sinistrado no referido Proc.º 107/13.0GAVNO de acidente de trabalho, decorrente desse mesmo acidente, o que resulta claro do disposto no Artigo 18.º n.º1 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro, Lei que Regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, o qual sob a epígrafe “Actuação culposa do empregador” estabelece que  “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”; Mais refere o n.º 2 do supra citado Artigo 18.º da Lei 98/2009 de 04 de Setembro que “O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.”

8 – Cumpre sublinhar que os aqui recorrentes e arguidos DD e EE responderam perante o Tribunal criminal e foram condenados por serem os legais representantes da arguida CC, Ld.ª., sendo que no caso aqui em apreço, não se apreciou em sede criminal a responsabilidade de qualquer terceiro, mas sim daqueles que nos termos da lei, nomeadamente do disposto no art.º 18.º da Lei 98/2009, respondem por todos os danos causados no caso de existir uma actuação culposa, no caso aqui em apreço os legais representantes da entidade contratada.

9 - E neste ponto a Lei 98/2009 é clara, determinando que, nos casos de actuação culposa de qualquer uma das entidades ou seus representantes, a indemnização devida ao sinistrado abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais, ou seja, a indemnização abrange a obrigação de indemnizar em geral como prevista no art.º 562.º do C.C. e nos termos previstos no art.º 562.º do C.C.., isto é, e em todas as suas vertentes, seja patrimonial seja moral, indo  para além daquela que se refere ao pagamento das  prestações objectivas e estabelecidas na Lei 98/2009, para os casos em que não existe qualquer actuação culposa.

10 – Releva igualmente o disposto no capítulo II do título VI do Código do Processo de Trabalho que estabelece a tramitação dos processos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, e em especial o disposto nos artigos 126º e 127.º do C.P.T. e o disposto na Lei 63/2013 de 26 de Agosto,  Lei da Organização do Sistema Judiciário, a qual define a competência das várias instâncias judiciais, determinando o art.º 126.º n.º 1 al. c),  a propósito da jurisdição laboral que “Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: c) das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.”

11 – Citam-se a título de exemplo os seguintes Acórdãos publicados em www.dgsi.pt, os quais decidiram em conformidade com o explanado nos pontos supra das presentes conclusões: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Proc.º n.º 251/09.8TBFIG.C1 datado de 27/03/2012 e o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Proc.º n.º 165/07.0TTBGC.P1.S1 datado de 29/02/2012,

12 – A assim não se entender, então careceria de todo e qualquer sentido e alcance o disposto no art.º 18.º da LAT, que a perfilhar-se o entendimento constante do Acórdão ora recorrido, nunca teria qualquer aplicação.

13 - Assim, e pelos motivos que vêm de se expor, o entendimento perfilhado neste douto Acórdão ora recorrido, que considera que o Tribunal Criminal e o Meritíssimo Juiz a quo tinha competência material para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Isaías, violou de forma clara e patente o disposto nos artigo 18.º n.º 1 e 2 da Lei 98/2009, artigos 126 e 127.º do C.P.T. e artigo 126.º n.º 1 al. c) da Lei 63/2013 de 26 de Agosto.

14 - Consequentemente deve este douto Acórdão ser revogado, e, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 18.º n.º 1 e 2 da Lei 98/2009, nos artigos 126º e 127.º do C.P.T. e nos artigo 126.º n.º 1 al. c) da Lei 63/2013 de 26 de Agosto ser declarada a incompetência material do Tribunal Criminal e do Meritíssimo Juiz a quo para conhecer e apreciar o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante e sinistrado FF.

15 – No que concerne á excepção do caso julgado invocada pelos arguidos e aqui recorrentes  decidiu este douto Acordão que a mesma não se verifica o caso julgado em virtude de não existir identidade de sujeitos.

16 - Também aqui, com todo o devido respeito não podemos perfilhar o entendimento tido neste douto Acórdão, porquanto não está aqui em causa o caso julgado formal mas sim o caso julgado material, uma vez que e a propósito da identidade de sujeitos, porque questão diferente e que não se confunde com a eficácia do caso julgado,  não releva o facto  de os aqui arguidos e recorrentes não terem tido qualquer intervenção no Proc.º n.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Tribunal de Trabalho de ....

17 – Importa ter presente, mais uma vez, o disposto nos artigos 126.º a 129º e 135º do C.P.T., com especial relevância para o disposto no art.º 126.º n.º1, 127.º n.º1 e n.º 4, sendo que este último determina que “As sentenças e despachos proferidos constituem caso julgado contra todos os réus, independentemente da falta de intervenção de algum deles.”

18 - Ora, da análise do disposto nestes artigos, e tendo presente o exposto em sede de alegações, resulta claro que o sinistrado FF poderia em sede de fase contenciosa ter levantado a questão de outros eventuais responsáveis, o que não fez, tanto mais que o processo de acidente de trabalho seguiu para a fase contenciosa para a fixação da natureza e grau de incapacidade (cfr. consta da certidão da sentença de fls. 117 a 126 do 4.º volume dos autos).

19 – Acresce que no Processo n.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Tribunal de Trabalho de ..., em que era Sinistrado FF – não esteve apenas em causa a apreciação da responsabilidade pelo risco, mas sim todas as questões emergentes do acidente de trabalho, exceptuando a apreciação da eventual responsabilidade criminal, pois que para esta apenas a instância criminal tem competência material, sendo que é isto que decorre, de forma clara e explicita do estipulado no art.º 18.º n.º 1 e 2  da Lei 98/2009, sendo que o n.º 1 consagra a responsabilidade por facto ilícito e não a simples responsabilidade pelo risco, e das normas que regulam a tramitação do processo especial para efectivação de direito emergentes de acidente de trabalho e que constam dos artigo 126.º e seguintes do C.P.T..

20 - Assim, e pelos motivos que vêm de se expor, o presente Acórdão o ao considerar improcedente a excepção do caso julgado violou o disposto nos artigos 126 e 127.º do C.P.T. e o disposto os artigos 581.º e 619.º do C.P.C.

21 - Consequentemente deve, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos nos artigos 126º e 127.º do C.P.T. e nos artigos 581.º e 619.º do C.P.C., e relativamente ao pedido de indemnização deduzido nos presentes autos pelo demandante e sinistrado FF, ser considerada procedente por devidamente verificada a excepção do caso julgado.

22 - No que respeita à excepção da prescrição, ou melhor, da caducidade de eventuais direitos do demandante, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 179.º n.º1 da Lei 98/2009, e tendo em conta que o demandante e sinistrado no acidente de trabalho FF teve alta clinica no dia 31/01/2014, o seu direito de acção respeitante às prestações fixadas na lei 98/2009 caducaram no dia 31/01/2015, pelo que deveria o douto Acórdão a quo ter considerado caducado o direito do demandante ao recebimento de qualquer quantia a título de indemnização por danos advenientes do supra citado acidente de trabalho.

23 – Por último e no que concerne à alteração do valor da indemnização por danos morais de € 125.000,00 para € 200.000,00 entendem os arguidos e recorrentes que a fixação do valor em € 200.000,00, em detrimento do valor de € 125.000 constante da sentença condenatória, não se encontra de forma alguma fundamentado, e que o valor ora fixado é manifestamente excessivo.

24 – É que, e com todo o devido respeito, do teor do douto Acórdão no que a este ponto concerne, o mesmo limitou-se, sem mais, a discordar do valor arbitrado pela 1.ª instância o qual entendeu ser insuficiente e decidiu aumentar o mesmo substancialmente, não conseguindo os arguidos aqui recorrentes descortinar quais as razões de facto e de direito que levaram à alteração de tal montante, sendo que o montante foi elevado quase para o dobro.

25 - E se é certo, e por todos aceite, que na fixação do quantum indemnizatório por danos morais, o critério que tem que estar presente, porque de danos não quantificáveis se trata, é o da equidade, também é certo que a equidade não equivale a arbitrariedade.

26 - Ao apelar-se à equidade, a mesma tem que ser guiada por critérios concretos e pré-estabelecidos que são quantificáveis, nomeadamente tendo em conta o quantum doloris, o dano estético, o dano biológico, e ainda os valores indicativos constantes da Portaria 377/2008, valorizando cada um destes itens de per si e em conformidade, o que de forma alguma sucede.

27 - Há que ter presente que estamos perante uma indemnização que visa ressarcir apenas e somente os danos morais, encontrando-se excluídos todos e quaisquer danos patrimoniais sofridos bem como a repercussão na vida laboral, uma vez que o ofendido e sinistrado encontra-se a receber uma pensão anula e vitalícia ao abrigo da Lei que regulamenta a reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, pensão essa que se destina precisamente a reparar o danos em virtude de o mesmo mais não poder trabalhar.

28 - Por tudo o que vem de se expor entendem os ora recorrentes e aqui arguidos que o valor da indemnização ora fixada no douto Acórdão da Relação deve ser revogado por carecer o mesmo de qualquer fundamentação quer material quer jurídica, bem como por o mesmo ser absolutamente exagerado, tendo presentes os critérios constantes da Portaria 377/2008 para a fixação dos danos morais e os valores indicativos da mesma constantes.

Termos em que, e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser considerado procedente por devidamente fundamentado e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre as excepções invocadas, devendo ser proferido Acordão que considere as mesmas devidamente procedentes porque verificadas, com todas as legais e devidas consequências;

Caso assim não se entenda, e a título subsidiário, no que respeita ao parcial provimento do recurso interposto pelo demandante FF perante o Tribunal da Relação, elevando o montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais de €125.000,00 para €200.000,00, deverá o douto Acórdão recorrido ser revogado nessa parte.

1.4. O assistente/demandante civil FF respondeu aos recursos apresentados pelos arguidos/demandados civis, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
I. Os recorrentes suscitam quatro questões pelas quais, no entender dos mesmos, deveria ser revogado o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a saber: a incompetência material do tribunal criminal, o caso julgado, a prescrição/caducidade e a redução do valor da indemnização fixada.
II. Invocam os recorrentes que o tribunal criminal não tem competência material para julgar o pedido de indemnização civil apresentado pelo assistente e demandante FF, uma vez que, no âmbito do processo nº 107/14.7TTTMR do Juiz 1, do Juízo de Trabalho de ..., Comarca de ..., foi celebrado acordo, em sede tentativa de conciliação, que, posteriormente foi homologado por sentença onde ficaram fixados todos os direitos do demandante que decorriam do acidente de trabalho de que foi vítima e que, de acordo com o artigo 18º da Lei nº 98/2009, de 04/09, o artigo 126º, nº 1, al. c) da LOSJ e ainda com o artigo 99º e seguinte do Código de Processo de Trabalho, apenas os tribunais/juízos de trabalho são competentes para julgar as questões conexas com acidentes de trabalho.
III. Sucede que, a causa de pedir do demandante se funda nos mesmos factos que constam da acusação, isto é, na conduta criminosa dos demandados e que encontra o seu suporte legal no instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos.
IV. Dispõe o artigo 71º do Código de Processo Penal que “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.”
V. O pedido de indemnização cível apenas pode ser deduzido em separado nos casos previstos na lei no artigo 72º do Código de Processo Penal.
VI. Destarte, o legislador quis que qualquer direito civil resultante da conduta criminosa fosse julgado simultaneamente com a “ação penal”.
VII. Com esta solução, diremos, como entendeu o STJ no seu Acórdão de 10/12/2008 e disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b1a92bb8dcaec04d8025753800374911?OpenDocument, que o legislador teve em vista cumprir três objetivos:
a) Que não se tenha que recorrer a mecanismos autónomos para resolver todas as questões decorrentes da conduta criminosa;
b) A economia de meios, já que os interessados não têm que despender custos e dispersar-se quando o tribunal criminal oferece as mesmas garantias que o tribunal cível e quando essa questão está intimamente relacionada ao crime e,
c) Evitar que ocorram julgados diferentes, pois caso assim não fosse, correr-se-ia o risco de termos duas decisões contrárias sobre a mesma questão fática, uma proferida pelo tribunal criminal e outra pelo tribunal cível, o que comprometeria o prestígio dos tribunais e a sua legitimidade.
VIII. Posto isto, podemos afirmar que o tribunal criminal tem uma competência alargada, devendo ser aqui resolvidas todas as questões ou direitos relacionados com o crime, como é o caso dos presentes autos.
IX. Sobre a exceção de caso julgado, começamos por dizer que o demandante fundamenta o seu pedido na ocorrência de um crime perpetrado pelos recorrentes e não no acidente de trabalho.
X. Assim, enquanto no primeiro caso estamos perante a responsabilidade civil por factos ilícitos, no segundo estamos perante a responsabilidade civil objetiva ou pelo risco decorrente da atividade profissional.
XI. Posto isto, enquanto a indemnização devida pela responsabilidade civil objetiva encontra o seu fundamento na Lei nº 98/2009, de 04/09, a indemnização por danos não patrimoniais e decorrente da responsabilidade civil por facto ilícitos encontra arrimo no artigo 483º, nº 1 e 562º, ambos do Código Civil
XII. O que permite ao demandante deduzir a pretensão como fez, uma vez que no âmbito do processo laboral apenas ficou resolvida a questão da responsabilidade civil pelo risco e dos danos patrimoniais por ele sofridos.
XIII. Neste sentido, vide o Ac. do TRC, de 08/05/2008 e disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/7a4f0a9e643b84e680257456003cb551, em que se sumariou o seguinte:
- Os direitos emergentes de acidente de trabalho têm natureza indisponível, como decorre do artº 34º da Lei nº 100/97, e os processos de acidente de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes, como resulta do nº 1 do artº 26º do C. P.T.;
- “Nada obsta a que a instância civil por acidente de trabalho possa ser reaberta para conhecimento de direitos que, por qualquer razão, não tenham sido apreciados numa acção que já tenha tido lugar, em virtude de determinado acidente de trabalho e sobre os quais não haja formação de caso julgado e,
 “ (…) o dever de reparação dos danos não patrimoniais, em casos de acidentes resultantes da falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos da lei geral – artº 18º, nº 2, da LAT -, concretiza-se numa indemnização de danos que não vem especificamente prevista na Lei nº 100/97, mas antes noutras fontes normativas gerais, designadamente nos artºs 483º, nº 1, e 562º do C.Civ.”
XIV. Ora, no nosso caso, a questão da culpa do empregador não foi, em momento algum, suscitada, quer pelo demandante, quer pelo Ministério Público, pelo que o acordo obtido em sede de tentativa de conciliação não abarca estes factos e danos sub judice, nem o tribunal de trabalho se pronunciou sobre os mesmos, pelo que não se formou o caso julgado que os recorrentes invocam.
XV. Mais, a suportar este entendimento citamos ainda os Acórdãos do STJ datados de 07/04/2005 e 16/06/2010, disponíveis, respetivamente, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/b168882f6666a1b48025700e0042564f?OpenDocument e http://www.dgsi.pt/jstjf.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/878bda8afa19e8bf802577c4004e85ad?OpenDocument.
XVI. Resulta da certidão da sentença homologatória do acordo obtido em sede tentativa de conciliação, que o tribunal laboral apenas se pronunciou sobre as prestações e/ou pensões devidas pela entidade responsável e previstas na Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, nada tendo referido sobre a culpa da entidade empregadora, nem sobre os danos não patrimoniais.
XVII. Além disso, apenas o assistente/demandado e a recorrente BB, Lda foram intervenientes no processo laboral.
XVIII. Por conseguinte, mesmo que se entendesse que se formou caso julgado no processo laboral, o mesmo nunca poderia abranger os recorrentes CC, Lda, DD, EE e AA, por não terem sido parte naquele processo.
XIX. Os recorrentes invocam ainda que o direito de ação do assistente/demandado caducou em 31/01/2015, uma vez que teve alta em 31/01/2014, por aplicação do artigo 179º, nº 1 da Lei nº 98/2009.
XX. Ora, como já aventamos supra, enquanto a indemnização devida pela responsabilidade civil objetiva encontra o seu fundamento na Lei nº 98/2009, de 04/09, a indemnização por danos não patrimoniais e decorrente da responsabilidade civil por facto ilícitos encontra arrimo no artigo 483º, nº 1 e 562º, ambos do Código Civil.
XXI. Consequentemente, a norma citada pelos recorrentes (a constante do artigo 179º, nº 1 da Lei 98/2009) não é aplicável in casu. Nem de outra forma poderia ser.

XXII. O artigo 59º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa dispõe que “Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;

f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”
XXIII.  O referido artigo encontra-se inserido na primeira parte da CRP, onde o legislador constitucional elencou os direitos fundamentais dos cidadãos. Por conseguinte, o direito à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde e à assistência e justa reparação dos trabalhadores, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional, são direitos fundamentais, encontrando-se legalmente protegidos até pela própria lei fundamental que é a CRP.
XXIV. Consta ainda do artigo 20º, nº 1 da CRP que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)”.
XXV. Assim, as normas jurídicas citadas pelos recorrentes têm que ser interpretadas à luz dos princípios e normativos constantes da CRP, sob pena da sua interpretação ser inconstitucional.
XXVI. Sucede que, como resulta dos autos, ao demandante nunca foi dada qualquer formação profissional sobre os riscos e segurança no trabalho.
XXVII. A referida formação devia de ter sido ministrada antes do demandante começar a prestar a sua força de trabalho, ou seja, antes de ficar exposto aos riscos que a formação se destina a prevenir e menorizar.
XXVIII. Pelo que, o demandante desconhecia, aquando do acidente e aquando da realização da tentativa de conciliação, no foro laboral, quais as regras de construção e de segurança aplicáveis à sua atividade laboral.
XXIX. Veja-se que a tentativa de conciliação teve lugar em 10/11/2015 e a decisão judicial que homologou o acordo aí firmado transitou em julgado em 14/03/2016 (vide a certidão remetida pelo juízo de trabalho de Leiria em 23/06/2017) e a acusação foi deduzida e notificada ao demandante apenas em junho de 2016.
XXX. Por isso, apenas com a notificação da acusação é que o demandante tomou conhecimento de que existiam indícios de que a sua entidade empregadora e os restantes recorrentes tinham culpa na ocorrência do acidente de trabalho e da respetiva qualificação jurídica, sendo que, só nesse momento é que o demandante ficou ciente de que poderia reclamar destes uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu.
XXXI. Nem se diga que o demandante tinha obrigação de saber que os recorrentes não cumpriram as regras de segurança e de construção.
XXXII. Foi precisamente pela conduta criminal dos recorrentes, que não lhe forneceram qualquer formação sobre riscos e segurança no trabalho, como era sua obrigação, que o demandante não pode prevenir a ocorrência do acidente.
XXXIII. E foi também por isso que só após a notificação do despacho de acusação o demandante deduziu o pedido de indemnização.
XXXIV. Caso se perfilhasse a tese dos recorrentes, o trabalhador, vítima de acidente de trabalho provocado pela entidade empregadora ou terceiros, teria apenas o prazo de 20 dias após a frustração da tentativa de conciliação para recolher apurar os factos e recolher os elementos probatórios que poderiam suportar a sua ação, de acordo com o nº 1 do artigo 119º do Código de Processo de Trabalho.
XXXV. Tal entendimento, choca, a nosso ver, com os princípios constitucionais já referidos, designadamente com o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
XXXVI. Ao estabelecer um prazo tão curto, o referido entendimento ou interpretação da lei, sempre seria inconstitucional também por violação do princípio da proporcionalidade resultante do nº 2 do artigo 18º da CRP, uma vez que representa uma limitação aos direitos fundamentais dos cidadãos, designadamente daqueles que constam do artigo das alíneas c) e f) do nº 1, do artigo 59º da CRP.
XXXVII. Diremos mais, tal solução não nos parece ser a mais acertada nem consonante com o sistema jurídico.
XXXVIII. Os recorrentes alegam ainda que o valor fixado pelo Tribunal da Relação de Évora é excessivo, entendimento com o qual discordamos veemente.
XXXIX. Tal valor nunca seria demasiado já que deverá ser sempre considerado como que repartida por cinco.
XL. Apesar de o demandante poder exigir o pagamento da indemnização a um só demandado, a verdade é que o demandado que proceder ao pagamento da indemnização poderá exercer o direito de regresso sobre os restantes.
XLI. Em última análise, do valor fixado pelo Tribunal da Relação de Évora (€ 200.000,00), “apenas” € 40.000,00 caberá a cada um dos demandados
XLII. Em segundo lugar, temos que referir a situação económica dos demandados é bastante melhor do que aquela que aparenta.
XLIII. Resulta dos factos dados como provados pelo Tribunal de primeira instância que, no seu conjunto, os demandados/recorrentes (pessoas singulares e coletivas) têm, pelo menos, um rendimento anual de € 1.627.800,00, ou seja, mais de oito vezes o pedido de indemnização civil fixado pelo tribunal a quo.
XLIV. Por conseguinte, o rendimento auferido por todos os arguidos durante mês e meio seria suficiente para pagar ao demandante a indemnização fixada pelo tribunal recorrido.
XLV. Por seu turno, o demandante aufere o valor de € 6.398,19 por ano, a título de pensão devida por incapacidade permanente absoluta para o trabalho.
XLVI. Consequentemente, salvo melhor opinião, as condições económicas dos arguidos/demandados não constituem qualquer impedimento à condenação dos mesmos no pagamento do valor fixado.
XLVII. Por fim, diremos apenas que, tendo em conta os factos dados como provados pelo tribunal a quo, o valor da indemnização fixada sempre seria incomportavelmente insignificante quando comparado com as consequências e as sequelas que advieram para o demandante e que se encontram descritos de forma exaustiva nos factos dados como provados.
XLVIII. O demandante passou por uma situação em que correu o risco de perder a vida, tendo tido consciência disso, com todo o sofrimento, medo e pavor que tal situação acarreta e com todas as marcas psicológicas que imprime.
XLIX. Foi submetido a várias operações cirúrgicas, tendo tido diversas complicações, tendo estado por duas vezes “às portas da morte”.
L. Esteve cerca de seis meses internado no centro de reabilitação longe da família.
LI. Perdeu, aos 39 (trinta e nove) anos, de forma definitiva, a possibilidade de ter relações sexuais.
LII. Perdeu a possibilidade de ter mais um filho com a sua esposa, como era seu intento.
LIII. Deixou de poder locomover-se por si só.
LIV. Perdeu a sua autonomia, passando a depender da ajuda da sua esposa quase total, para as mais básicas tarefas domésticas e de higiene.
LV. Viu-se confinado a uma cadeira de rodas para o resto da sua vida.
LVI. Deixou de poder trabalhar e se sentir realizado a nível profissional.
LVII. Está impedido de desenvolver todas as atividades de lazer que praticava até à queda de que foi vítima.
LVIII. Fruto da limitação ao nível da locomoção e da incontinência urinária e intestinal de que passou a padecer, o demandante viu a sua vida social e familiar completamente arrasada.
LIX. O que o demandante realmente pretendia era recuperar a sua vida e saúde que tinha antes da queda de que foi vítima, abdicando, sem hesitar, dos € 450,000,00 que peticionou (quanto mais dos € 200.000,00 que foram fixados pelo tribunal recorrido), caso fosse possível retroceder no tempo.
LX. De facto, a indemnização peticionada não compensa de forma alguma, o sofrimento que o demandante teve e irá continuar ter até ao fim da sua vida.
LXI. Contudo, tal quantia podia, pelo menos, dar-lhe algum conforto e atenuar um pouco as sequelas que a atuação dos recorrentes lhe causou.
LXII. Considerando os valores que têm vindo a sere fixados pelos tribunais superiores para ressarcir danos não patrimoniais decorrentes de acidentes de viação, constatamos que o valor fixado pelo tribunal a quo se encontra na média dos mesmos.
LXIII. Caso assim não fosse, violar-se-ia o princípio da igualdade decorrente do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
LXIV. A verdade é que os demandados cometeram um crime e que a prática do mesmo teve efeitos nada menos do que catastróficos na vida do demandante, citando a expressão utilizada pelo tribunal de primeira instância.
LXV. Repare-se que não estamos perante a fixação de uma indemnização decorrente da responsabilidade civil objetiva ou pelo risco, mas sim da fixação de uma indemnização que se fundamenta na prática de factos ilícitos e que constituem crime.
LXVI. Por isso, pensamos que não pode o julgador avaliar da mesma forma a equidade e as condições económicas dos responsáveis, num e noutro caso.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser negado provimento aos recursos apresentados pelos arguidos/demandados e mantido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

1.5. O Exmº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Évora, por se tratar de matéria cível não respondeu ao recurso.

1.6. Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral-Adjunto, não emitiu Parecer, consignando que, não representando qualquer das partes, o Ministério Público carece de legitimidade para emitir parecer relativamente ao recurso, que se encontra limitado ao pedido de indemnização civil.
1.7. Foram colhidos os Vistos legais, e não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.

***

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Foi a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelas instâncias:

1. A sociedade HH, Lda. contratou uma empreitada com a sociedade BB para reparação da cobertura de um pavilhão, sito em ...

2. A sociedade arguida BB, com o NIF ..., dedica-se à construção civil e obras públicas.

3. O arguido AA é sócio-gerente de facto e de direito da sociedade arguida BB, desde pelo menos 18.05.2009.

4. A sociedade arguida CC – ..., Lda. dedica-se ao comércio e indústria de oleados, encerados e capotas e tem como legais representantes os arguidos DD e EE.

5. A sociedade arguida, doravante CC, Lda., vendeu o toldo para a cobertura do pavilhão à sociedade BB, acordando com esta proceder à instalação com esta sociedade do referido toldo.

6. Nesse âmbito, a sociedade arguida CC encontrava-se a proceder à montagem de um toldo de cobertura para e com a empresa, doravante BB, tendo, para o efeito, colocado os seus equipamentos de instalação na obra, nomeadamente os andaimes para colocação do toldo.

7. A sociedade CC, Lda. procedeu à montagem dos andaimes para posterior colocação da cobertura, concretamente do andaime infra descrito.

8. As sociedades supra são responsáveis pelo cumprimento das normas de segurança no âmbito da execução da respectiva obra/instalação.

9. No dia 9 de Abril de 2013, FF encontrava-se a trabalhar sob as ordens e instruções do arguido AA e no interesse da sociedade arguida BB.

10. O referido FF, doravante só ofendido, era funcionário da sociedade arguida BB, desde 13 de Março de 2013, tendo a categoria profissional de servente da construção civil.

11. No âmbito das suas funções de servente, estão incluídas as funções de subida em altura, no âmbito de actividades de construção e reconstrução, nomeadamente a colocação ou ajuda na colocação de toldos para cobertura de pavilhão.

No âmbito das suas funções utilizava andaimes.

12. No referido dia 9 de Abril de 2013, o ofendido encontrava-se a auxiliar os trabalhadores da sociedade arguida CC na colocação e amarração de um toldo, como cobertura de um pavilhão, sob as instruções do arguido AA, seu empregador.

13. Para tal, o ofendido utilizava um andaime, montado com duas mesas, com altura total de quatro metros e com rodas, propriedade da sociedade arguida CC, Lda. e por esta montada.

14. O ofendido subia para o andaime, colocava-se na segunda plataforma, de modo a chegar ao toldo que se encontrava a ser colocado sobre o pavilhão através da sua amarração a cabos de aço existentes sobre a cobertura.

15. O ofendido repetiu por diversas vezes a operação de subida do andaime, amarração do toldo, descida do andaime para, após destrancamento das rodas do andaime, proceder à sua deslocação para outra zona do pavilhão, e voltar a subir de novo para continuar os trabalhos de amarração do toldo, o que durou até às 10.00h.

16. Cerca das 10.20h, reiniciou os trabalhos, após intervalo para lanche, tendo encostado o andaime à parede, a qual tinha uma inclinação para fora e impedia que o andaime ficasse encostado à estrutura no nível elevado da parede.    

17. Para tal, travou as rodas e iniciou a subida pela estrutura lateral do andaime e quando estava a alcançar a segunda e última plataforma do andaime, desequilibrou.se e caiu de uma altura de cerca de três metros para o pavimento, tendo ficado imobilizado entre a parede e o andaime.

18. O acidente ocorreu por o ofendido, para aceder aos diversos níveis de plataformas ter de subir pela estrutura lateral do andaime, por inexistência de escada de acesso entre os dois níveis de plataformas existentes, encontrando-se a trabalhar sem qualquer protecção adequada a prevenir o risco em altura, por não lhe ter sido disponibilizado equipamento de protecção colectiva ou individual, tendo assim o mesmo escorregado e caído.

19. A que acresce que o arguido AA nunca ministrou ou mandou ministrar ao ofendido formação sobre os riscos profissionais associados à queda em altura no exercício das suas funções laborais.

20. Em consequência da actuação supra descrita, o ofendido foi assistido no Hospital de ... e transferido para o Hospital Universitário de ..., e posteriormente para os Hospitais de ... e ..., tendo sido sujeito a diversas intervenções cirúrgicas à coluna.

21. Da referida queda resultou para o ofendido trauma na coluna dorso-lombar, paraplegia a nível da D8 por fractura-achatamento do corpo de D9 e outras fracturas articulares nas vértebras adjacentes, fractura da D8 com afundamento da plataforma vertical superior, coexiste fractura dos pedículos de D8 e fracturas múltiplas do arco posterior com manutenção do calibre canalar central, fractura das apófises espinhosas de D5-D6, fracturas costo-vertebrais D7/D8 D8/D9 e D9/D10, hemorragia de D5 a D11, provável hemorragia intrarraquidiana e contusão medular D7-D8, não se locomove, encontra-se incontinente de fezes e urina, apresenta fenómenos dolorosos de costas permanentes, incapacidade total para o trabalho, com necessidade permanente de terceira pessoa e com vida afectiva, social e familiar completamente afectada, com ráquis paraparético com colete de estabilização, cinta dorso-lombar e meias elásticas até à cintura, fralda descartável com algália.

22. Operado em 18.04.2013 para fixação de D6, D7, D8, D9 à esquerda e de D6, D7, D9 e D10 à direita, em pós-operatório sofreu trombo embolia pulmonar bilateral com pneumonia nosocomial e hipoprotombinema.

23. Manutenção de dorsalgias agravadas com esforço e paraplegia, processo de consolidação em curso de D8 com acentuada deformidade anterior do corpo, redução mais marcada da altura, esclerose reactiva, persistindo solução de continuidade óssea de bordos escleróticos com distribuição marginal anterior.

24. Apresenta quadro clínico de paraplegia AIS B nível T7, cujas lesões determinaram 297 dias para a consolidação médico-legal com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional, tendo resultado sequelas graves para a integridade física do ofendido associada a uma IPP de 0,71478 com incapacidade permanente para o trabalho habitual.

25. As lesões tiraram ao ofendido de forma permanente e grave a capacidade de trabalho e a possibilidade de utilizar o corpo.

26. O ofendido procedeu à utilização do andaime existente no âmbito da tarefa que foi ordenada e confiada pelo arguido AA, o que fez sob as ordens e instruções deste e no interesse da sociedade arguida BB, contrariando normativos imperativos de segurança pelo trabalho, mormente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41821, de 11.08.1958, a Portaria 101/96 de 03.04, e o Decreto-Lei n.º 273/2003 de 29.10.

27. O ofendido, na execução dos trabalhos supra descritos esteve exposto ao risco de queda em altura porquanto o andaime não se encontrava montado nos termos regulamentares pela sociedade arguida CC.

28. O andaime, propriedade e montado pela sociedade arguida CC, local onde o trabalhador exercia as tarefas que lhe foram designadas pelo arguido AA não dispunha de escadas de acesso interior aos diferentes pisos/pranchas de pé do andaime e não existia nem foi colocado ou disponibilizado ao ofendido equipamento de protecção colectiva – guarda corpos a 0,90m e 0,45m referente às duas plataformas existentes – e equipamento de protecção individual – utilização de arnês de segurança ancorado a linha de vida ou devidamente fixo em ponto resistente da construção – de modo a prevenir o risco de queda em altura.

29. Os arguidos DD, EE e AA sabiam que o andaime utilizado pelo funcionário deste não possuía a necessária protecção e contrariava todas as disposições legais e regulamentares.

30. O arguido AA sabia que o ofendido não tinha recebido qualquer formação para o exercício da actividade, mormente para o exercício da actividade em altura.

31. Ao actuarem da forma descrita, os arguidos procederam de forma livre e conjunta, permitindo que o ofendido utilizasse o andaime existente no local, propriedade e montado pela sociedade arguida CC, para o exercício da tarefa que o arguido AA lhe incumbiu, desconforme às regras legais e regulamentares, não dando qualquer formação ao ofendido sobre a forma como proceder a actividades e, altura de modo a evitar o risco de queda em altura, deixando-o operar sem qualquer dispositivo de segurança – equipamento de protecção colectiva e individual – como fizeram, agindo sem o cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as precauções de segurança exigidas na utilização de andaimes e na realização de actividades em altura, que eram capazes de adoptar e deviam ter adoptado para evitar um resultado que representaram, que sabiam ser possível, mas com o qual não se conformaram, dando assim causa a que o ofendido sofresse as lesões supra descritas, sujeitando-o ao perigo concreto e concretizado de perigo com ofensa grave para a sua integridade física.

32. Os arguidos sabiam que a sua conduta era contrária ao direito e perseguida criminalmente por normativos legais.

33. Desde 03.06.2013 até 31.01.2014, por imposição médica, o ora demandante esteve internado no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro –..., local onde foi submetido a tratamentos de reabilitação multidisciplinar e fisioterapêuticos, o que lhe causou dores e incómodos.

34. Durante o referido período, o demandante ficou privado do convívio familiar, apenas contactando com os seus familiares ao fim de semana, o que lhe causou grande sofrimento, tristeza e angústia.

35. Nos meses seguintes ao acidente, por causa das lesões físicas, o demandante sofreu dores, o que o impedia de repoisar e até de dormir.

36. Apenas conseguia dormir cerca de 3 a 4 horas por dia, recorrendo a analgésicos que tomava para o efeito.

37. Quando tomou consciência do seu estado de saúde, temeu pela sua vida, sentindo-se nervoso, angustiado e impotente perante a possibilidade de vir a falecer.

38. Está impedido de conduzir o seu veículo automóvel, uma vez que este não se encontra adaptado para o efeito, nem o demandante tem recursos económicos para o fazer.

39. Não consegue realizar as suas tarefas do dia-a-dia, necessitando de ajuda de terceira pessoa para efectuar as tarefas de higiene, nomeadamente para mudar as fraldas, tomar banho e vestir-se.

40. Não consegue efectuar as tarefas domésticas, nomeadamente preparar refeições, proceder à limpeza da casa, entre outras.

41. Necessita de ajuda para efectuar as transferências da cadeira de rodas para o carro e vice-versa, da cama para a cadeira de rodas e vice-versa e ainda da cadeira de rodas para a cadeira de banho e vice-versa.

42. O demandante usa, de forma permanente, uma fralda, que é substituída, em regra, de 8 em 8 horas.

43. Tem que proceder à algaliação de 3 em 3 horas, introduzindo uma algália no pénis de forma a poder expulsar a urina.

44. Para conseguir defecar, o demandante tem que tomar medicamentos e introduzir um supositório de bisacodil no ânus, de dois em dois dias.

45. O demandante toma a seguinte medicação que lhe foi prescrita, nomeadamente:

- Metamizol 575mg, três vezes por dia;

- Rosuvastatina 20 mg, ½ comprimido ao jantar;

- Lactulose 7 mg/ml frasco de 200 ml, 2 colheres de sopa ao almoço e 2 colheres ao jantar;

- Diazepan, 5 mg, 1 comprimido por dia às 22 horas;

- Oxibutinina, 5 mg, 1 comprimido por dia às 22 horas;

- Pantoprazol, 40 mg, 1 comprimido de manhã, em jejum;

- Parafinina líquida, 10 ml via oral, ao almoço;

- Movicol 20 ml ao jantar e ao almoço;

- Bisacodil, 10 mg, 1 supositório rectal em dias alternados;

- Tramadol, quando necessário;

- Aspirina 100, 1 comprimido ao almoço, todos os dias e,

- Microlax, quando necessário.

46. Terá que ser submetido a tratamentos fisioterapêuticos ao durante toda a sua vida.

47. Por tudo o supra exposto e por saber que não irá recuperar as funções motoras e que irá depender de ajuda de terceira pessoa para o resto da sua vida, o demandante sente-se amargurado, triste, e mesmo humilhado na sua condição enquanto pessoa.

48. Dadas as lesões que sofreu em virtude da queda do andaime, o demandante perdeu a função sexual.

49. Por não conseguir proporcionar uma vida sexual à esposa e não conseguir disfrutar dela, e por saber que não irá recuperar a função sexual, o demandante sente-se frustrado, envergonhado, infeliz e diminuído perante os outros.

50. Em 30.03.2016, o demandante teve um episódio de colite isquémica/infecciosa no intestino o que lhe provocou uma hemorragia interna, tendo sido assistido no Centro Hospitalar de ..., o que lhe provocou dores, incómodos e constrangimentos.

51. Antes da queda sofrida em 09.04.2013, o ora demandante era uma pessoa sociável, alegre e saudável, que muito apreciava o convívio com os seus familiares e amigos.

52. O ora demandante praticava pesca desportiva com os amigos, ao fim de semana, deslocando-se por diversos locais do país para esse efeito.

53. Para além disso, até à data do acidente, o ora demandante tinha também como passatempo a criação de aves, nomeadamente de canários, periquitos, caturras, entre outras, tendo chegado a possuir mais de 80 (oitenta) aves em casa.

54. Era sócio do Núcleo Ornitológico ..., sito na Rua do ..., filiado na Federação de Ornitologia Portuguesa.

55. As referidas actividades proporcionavam ao ora demandante bastante gozo, orgulho e momentos de convívio com outros aficionados.

56. Devido à queda que sofreu, o demandante ficou impedido de se dedicar à pesca desportiva, à ornitologia e à criação de aves, por não se conseguir locomover, o que lhe causou grande desgosto.

57. Por causa das sequelas da queda, o demandante deixou de poder brincar com a sua filha, de desenvolver actividades com ela e com a esposa ao ar livre, o que lhe causou grande desgosto e o impediu de desfrutar de forma plena da sua vida familiar, sentindo-se frequentemente infeliz.

58. O demandante está impedido de visitar os seus familiares e amigos, uma vez que as casas de habitação destes não se encontram adaptadas de forma a permitir a deslocação em cadeira de rodas.

59. Também não pode frequentar cafés e restaurantes.

60. O demandante sente-se infeliz, revoltado, desgostoso, amargurado e muitas vezes deprimido e até inconformado, por não poder ter uma vida plena e ter visto a sua qualidade de vida ficar muito diminuída.

61. Por causa da sua limitação ao nível da locomoção, o demandante sente-se aprisionado, sem liberdade e deprimido, passando grande parte dos seus dias em casa, sem ocupação.

62. Após casarem, o demandante e a esposa tinham como sonho de vida ter dois filhos.

63. À data do acidente, o demandante e a esposa planeavam ter mais um filho.

64. Com a queda e todos os transtornos emocionais e psicológicos causados por esse facto, o demandante e a esposa viram-se forçados a desistir desse objectivo de vida.

65. Esse facto causou muito sofrimento e revolta ao demandante e mau estar na sua relação com a sua esposa.

66. O arguido AA é uma pessoa bem comportada, conceituada profissionalmente e bem integrada e inserida no meio em que vive.

67. A arguida EE possui o 4.º ano de escolaridade.

68. Começou a trabalhar aos 12 anos de idade.

69. Em 1988, a arguida e o arguido DD fundaram a empresa arguida CC, Lda., onde trabalham até hoje.

70. Declara auferir um vencimento de 700,00€, acrescido de ajudas de custo, que o fazem ascender aos 1.000,00€ mensais.

71. Vive em união de facto com o arguido DD, tendo dois filhos, um de 32 e outra de 29 anos, sendo que o primeiro se mantém a viver com os arguidos.

72. Vivem em moradia unifamiliar própria, tipo T4, com boas condições habitacionais.

73. O arguido DD possui o 4.º ano de escolaridade.

74. Declara auferir um vencimento de 700,00€ mensais, acrescido de ajudas de custo, que o fazem ascender aos 1.000,00€ mensais.

75. É pessoa bem referenciada e com laços de pertença à sua comunidade, encontrando-se socialmente bem inserido, assim como a companheira.

76. O arguido AA possui o 4.º ano de escolaridade, tendo depois feito o 9.º ano nas Novas Oportunidades.

77. É casado desde 1983 tendo 3 filhos, já autónomos.

78. Vive em casa própria com a esposa e a mãe, casa que reúne boas condições de habitabilidade, e não possui encargos bancários associados.

79. A empresa que dirige tem desde há cerca de cinco anos reduzido o número de funcionários para dois – chegou a ter dez – e factura o suficiente para pagar o ordenado aos mesmos e o seu, que declara ser de 700,00€ mensais.

80. Desconhecem-se anteriores condenações penais aos arguidos, constando do seu certificado de registo criminal que as não têm.

81. A empresa BB possui um capital social de 99.999,50€.

82. Factura cerca de 70.000,00€ a 90.000,00€ anuais.

83. A empresa CC, Lda. factura cerca de 1,5 milhões de euros anuais e tem cerca de 30 trabalhadores.

84. Possui encargos de cerca de 2 milhões de euros, e paga cerca de 12 a 15.000,00€ mensais de encargos e 3.500,00€ em salários.

85. No Processo n.º 107/13.0GAVNO, que correu termos do Tribunal de Trabalho de ..., em que era Sinistrado FF e Entidade Responsável GG, S.A. foi proferida sentença, já transitada em julgado em 14.03.2016, foi, além do mais, fixada ao assistente uma pensão anual e vitalícia, no valor anual de 6.398,19€, a quantia de 5.060,19€ a título de subsídio por elevada incapacidade permanente, a quantia de 230,57€ mensais, a título de subsídio de prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, e a quantia de 50,00€ por deslocações necessárias, além dos instrumentos necessários à sua subsistência.


***

3. DIREITO
3.1. Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – deteção dos vícios decisórios ao nível da matéria de facto, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, e nulidades previstas no n.º 3, do mesmo preceito – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, ou dito de outro modo, as razões de discordância com o decidido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso.

Atento o teor das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões a apreciar relativamente às condenações em indemnização civil em que foram condenados os arguidos/demandados civis[2]:
- Incompetência material do Tribunal Criminal (para conhecimento do pedido de indemnização civil)
- Violação de caso julgado
- Prescrição/caducidade do direito à indemnização
- Quantum indemnizatório arbitrado a FF, excessivo e desproporcionado


*

3.1.1. Incompetência material do tribunal Criminal (para conhecer do pedido de indemnização civil)

Alegam, em suma e grosso modo, todos os recorrentes que o Tribunal criminal é incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante cível FF, na medida em que o mesmo vem pedir uma indemnização por danos não patrimoniais emergente do acidente de trabalho e por violação culposa das regras de segurança, por banda dos responsáveis. Mais alegam que o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer das questões emergentes do acidente de trabalho é o Tribunal de Trabalho nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. c) ou n) da Lei Organização do Sistema Judiciário[3], conjugado com o art. 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09[4].

Vejamos.

O Ministério Público veio deduzir acusação contra os arguidos CC, Lda., DD e EE, BB-..., Lda. e AA, imputando-lhes a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de violação de regras de segurança por negligência, p. e p. pelo artigo 152.º-B, n.º 1, 2 e 3, alínea b), com referência ao artigo 15.º, alínea a), do CP[5],

O Demandante civil FF, notificado da acusação, veio, em 04-07-2016, deduzir pedido de indemnização civil contra os cinco arguidos/ demandados civis, pedindo a condenação destes a pagar-lhe solidariamente o montante global de 450.000 € (quatrocentos e cinquenta mil euros), relativo aos danos não patrimoniais sofridos pelo ilícito penal.

Tanto o acórdão proferido na 1.ª Instância como o Acórdão do Tribunal da Relação apreciaram o pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante Civil FF, à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual prevista no art. 483.º e ss do CC e consideraram o tribunal criminal competente em razão da matéria para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante.

A competência em razão da matéria é de conhecimento oficioso e a violação dessa competência trata-se de uma exceção dilatória que leva à absolvição da instância, ficando esse tribunal impedido de conhecer do mérito da causa.

De acordo com o art. 64.º, do CPC, inserido na Secção I «Competência em razão da matéria» e sob a epígrafe “Competência dos tribunais judiciais”: “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Por sua vez, nos termos do art. 96.º, do CPC “Determinam a incompetência absoluta do tribunal: a) infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; b) preterição do tribunal arbitral”.

De acordo com o art. 97.º, do CPC “1- A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.

Dispõe o art. 99.º, nº1, do CPC “A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar. O n.º 2 determina que “Se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta”.

Conforme impõe o art. 576.º, n.º 2, do CPC as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância (ou à remessa do tribunal do processo para outro tribunal).

Nos termos do art. 577.º, al. a), do CPC são dilatórias, entre outras, a incompetência absoluta do tribunal.

Desta feita, impõe-se conhecer da exceção dilatória de incompetência absoluta do tribunal – por violação das regras da competência em razão da matéria – pressuposto processual, que a ser julgado procedente implica a absolvição dos demandados civis da instância, obstando que o tribunal possa conhecer do mérito da causa.   Ou seja, importa analisar se o Tribunal Judicial (Criminal) violou ou não as regras de competência em razão da matéria ao admitir e conhecer do pedido de indemnização civil deduzido pelo Demandante civil FF.

Vejamos então a competência dos tribunais.

De acordo com o art. 202.º, n.º 1 da CRP “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.”

Dispõe o art. 209.º, n.º 1 da CRP que “1. Além do Tribunal Constitucional, existem as seguintes categorias de tribunais:

a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância;

b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais;

c) Tribunal de contas.”

Por sua vez, dispõe o art. 211.º, n.º 1 da CRP sob a epígrafe «Competência e especialização dos tribunais judiciais» que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

Em consonância com a nossa lei fundamental, prevê o art. 40.º da LOSJ sob a epígrafe «Competência em razão da matéria»: que dispõe que “1. Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. 2 A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os tribunais judiciais de primeira instância, estabelecendo as causas que competem às secções de competência especializada dos tribunais de comarca ou aos tribunais de competência territorial alargada”.

Verifica-se assim que no plano interno o poder jurisdicional divide-se por diversas categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas e na base da competência em razão da matéria está o princípio da especialização, com o reconhecimento da vantagem de reservar para órgãos judiciários diferenciados o conhecimento de certos sectores do Direito pela vastidão e pela especificidade das normas que os integram.

Trata-se, pois, de uma competência ratione materiae: a instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respetiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes.

No âmbito do princípio da especialização, nos tribunais judiciais foram criados juízos de competência especializada, nos quais se incluem o Tribunal de Trabalho (juízos do Trabalho) – cfr. art. 81.º, n.º 3, al. h) da LOSJ.

Dispõe o art. 126.º, n.º 1, da LOSJ que “Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…)

c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

(…)

n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente

A competência dos tribunais de trabalho, que são tribunais judiciais de competência especializada, é definitiva de forma positiva. Pela negativa determina-se a competência dos tribunais de competência genérica ou residual, sejam eles, simplesmente, os tribunais de comarca de competência genérica ou os tribunais de competência especializada cível.

Assim é incontestável que a al. c) do n.º 1 do art. 126.º da LOSJ confere aos tribunais de trabalho a competência para, em matéria cível, julgar as “questões emergentes de acidentes de trabalho…”. Entre essas questões figuram consabidamente as ações de indemnização por danos resultantes de acidentes de trabalho, o que vale dizer que cabe aos tribunais de trabalho julgar os pressupostos e as consequências da correspondente responsabilidade.

Feito o presente enquadramento, importa, definir quais são os critérios de aferição da competência do tribunal.

É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência de que, os termos da ação - para efeitos de competência em razão da matéria - tal como ocorre com qualquer pressuposto processual, se aferem em face do pedido concatenado com a causa de pedir, ou seja, com a natureza da relação material em litígio, tal como configurada pelo autor.

É o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor, ou seja, a decisão de qual é o tribunal competente há-de ser feita de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respetivos fundamentos, não importando averiguar quais deveriam ser.

A competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o Autor coloca na respetiva petição inicial e pelo pedido formulado.

Conforme ensina Manuel de Andrade, in «Noções Elementares de Processo Civil», reimpressão (1993), Coimbra Editora, pág 91 «A competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum), em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. (…) A competência do tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendido aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão. Mesmo quando a lei, não se atendo pura e simplesmente aos termos em que a acção está deduzida, requer a indagação duma circunstância extrínseca (valor ou situação dos bens pleitados, domicílio do Réu, lugar do contrato ou do facto ilícito, etc.), é através desses termos que há-de saber-se qual o ponto a indagar».

Nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a ação é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do Autor e respetiva causa de pedir, sendo irrelevante qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor.

É pelo pedido do autor que se afere a competência material do Tribunal, mesmo que a ação tenha sido deduzida incorretamente, tanto do ponto de vista adjetivo como do direito substantivo, isto é, o autor é soberano nesta sede, pois o Tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado. Trata-se de mais uma manifestação do princípio da autorresponsabilidade das partes segundo o qual elas litigam por sua conta e risco. Por isso, se a ação for incorretamente intentada, o seu eventual insucesso é questão que está para além da problemática da competência material do Tribunal, não lhe diz respeito.

Assim, a competência material do Tribunal é questão a resolver de acordo com a identidade das partes em juízo e com os termos da pretensão do Autor compreendidos aí os respetivos fundamentos. É a estrutura da causa apresentada pela parte que fixa o tema decisivo para efeitos de competência material, o que significa que é pelo “quid decidendum” que a competência se afere, sendo irrelevante qualquer tipo de indagação atinente ao mérito do pedido formulado, ou seja, sendo irrelevante o “quid decisum”.

Tanto o Tribunal de Conflitos, como os Supremos Tribunais, à semelhança da doutrina, são unânimes no entendimento que a competência material do tribunal se afere pelos termos em que a ação é proposta pelo Autor e pela forma como se estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, daí que para se determinar a competência material do tribunal (e a violação das suas regras) haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.

Vejamos como, de forma coincidente, o Tribunal de Conflitos e o Supremo Tribunal de Justiça têm apreciado esta questão.

A título de exemplo, citamos, entre outros[6], o Acórdão do Tribunal de Conflitos proferido em 18.02.2016, no Proc. 28/15[7], o qual, a título exemplificativo, transcrevemos um trecho: “A competência em razão da matéria do tribunal se afere pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respetivo pedido e a correspondente causa de pedir. Que a questão da competência ou da incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer de determinado litígio é, naturalmente, independente do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes.”

Também as Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça são do mesmo entendimento. Vejamos a título exemplificativo, o Acórdão do STJ de 25-11-2014, Revista n.º 22/14.4TBCBR.C1.S1 - 1.ª Secção[8] “I - Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e, especialmente, à causa de pedir, formulados pelo autor, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante.”, bem como o Acórdão do STJ de 29-05-2014, Revista n.º 1327/11.1TBAMT-A.P1.S1 - 7.ª Secção[9]I - A competência para julgar uma causa determina-se em função do pedido e da causa de pedir invocados pelo autor na petição inicial. “ e ainda Acórdão do STJ de 21-09-2010, Revista n.º 1096/08.2TVPRT.P1.S1 - 1.ª Secção[10], “I - Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo autor. Isto é, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.

Também as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça se pronunciaram neste mesmo sentido. Veja-se a título de exemplo    Acórdão do STJ de 15-09-2010, no Proc. nº 322/05.4TAEVR.E1.S1 - 3.ª Secção[11] «Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória. XVIII - A competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a ação penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo”, bem como Acórdão do STJ de 28-05-2015, Proc. n.º 2647/06.2TAGMR.G1.S1 - 5.ª Secção[12]IV -Nessa sequência, a única questão a decidir no âmbito do presente recurso prende-se com a violação ou não das regras de competência em razão da matéria, no que se refere ao conhecimento, pelo tribunal recorrido, do pedido de indemnização civil enxertado nos autos, posto que julgou procedente a exceção de incompetência em razão da matéria e absolveu as demandadas da instância civil enxertada na ação penal. V - Quanto ao cerne da questão a decidir, é sabido que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deve ser deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos expressamente referidos na lei processual penal – cf. arts. 71.º e 72.º do CPP. VI - No entanto, a ação civil que adere ao processo penal, ficando nele enxertada, é apenas a que tem por objeto a indemnização de perdas e danos emergentes do facto que constitua crime. Se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, não se funda na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, então esse pedido não é admissível em processo penal. Realmente, a responsabilidade civil de que se conhece no âmbito do processo penal não é a responsabilidade contratual decorrente do simples incumprimento dos vínculos contratuais, mas sim a responsabilidade extracontratual com base em facto ilícito, consistindo este na prática de um crime que foi causa de danos indemnizáveis. A fonte do dever de indemnizar de que se conhece em processo penal é o facto ilícito e não a relação contratual ou outra similar».

Pelo exposto, concluímos assim que a competência, em razão da matéria, do tribunal, afere-se pela pretensão formulada pelo autor caracterizada pelo pedido e causa de pedir (sendo que na análise desta se consideram os factos narrados e o enquadramento jurídico que lhe está subjacente).

Vejamos em concreto o que aconteceu nos presentes autos.

Conforme acima referimos o Ministério Público deduziu acusação pública contra os arguidos, os aqui demandados civis/recorrentes, imputando-lhes a prática, em coautoria e na forma consumada, do crime de violação de regras de segurança por negligência, p. e p. pelo art. 152.º-B, n.ºs 1, 2 e 3, al. b), com referência ao art. 15.º, al. a), do CP.

Notificado da acusação, o lesado FF deduziu pedido de indemnização civil.

Escalpelizemos o pedido de indemnização civil apresentado pelo Demandante Civil nos exatos termos em que o fez a fls. 614 a 627 (Vol 3.º):

1. - invoca as disposições legais ao abrigo das quais propõe o pedido de indemnização civil, invocando para o efeito o art. 77.º, n.º 1 do CPP, e art. 483.º e segs. e 562.º e segs. todos do CC;

2. - identifica contra quem deduz o pedido de indemnização civil, isto é, os demandados civis, identificando os arguidos;

3. - Como fundamentos do pedido (causa de pedir) invoca:

- dá por reproduzidos os factos descritos na acusação, imputando aos arguidos a prática do crime de violação de regras de segurança por negligência, p. e p. pelo art. 152.º-B, nºs 1, 2 e 3, al. b), com referência ao art. 15.º, al. a), do CP e um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços por negligência, p. e p. pelo art. 277.º, n.º1, al. b) e n.º 2, com a agravação do art. 285.º, com referencia ao art. 15.º, al. a), do CP.

4. - descreve os danos ocasionados pela prática dos crimes.

Termina com o pedido, reclamando a condenação solidária dos demandados civis numa indemnização no valor de 450.000,00€ acrescido de juros legais à taxa de 4%.

A causa de pedir no presente pedido cível deduzido (enxertado no processo penal) procede da prática, pelos arguidos/demandados civis, do crime de violação de regras de segurança por negligência, consubstanciando-se num conjunto de atos e omissões ilícitas e culposas levadas a cabo pelos arguidos/demandados civis.

E a indemnização/danos peticionados são ocasionados pela prática desses crimes.

Pelo exposto, atenta a causa de pedir e o pedido deduzido no pedido de indemnização civil formulado por FF, enxertado no presente processo penal, concluiu-se que é reclamada uma indemnização por perdas e danos emergente do crime de violação de regras de segurança por negligência.

Dispõe o artigo 71.º do Código de Processo Penal que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

A dedução em separado, perante o tribunal civil, é possível nos casos previstos no artigo 72.º.

No art. 71.°, do CPP temos a consagração do "princípio da adesão", de acordo com o qual o direito à indemnização por danos sofridos com um ilícito de natureza criminal deve e só deve ser exercido no âmbito do próprio processo penal que tenha sido desencadeado para apurar a responsabilidade penal de alguém[13].

De acordo com o artigo 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. Desde cedo a jurisprudência[14] entendeu que tal norma só determina que a indemnização seja regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjetiva penal, nomeadamente nos seus artigos 71.º a 84.º.

Assim de acordo com o art. 129.°, do CP, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, significando isto que é nos pressupostos dessa lei que se há-de basear o pedido de indemnização deduzido obrigatoriamente na ação penal.

De acordo com o princípio geral plasmado no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil «Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal, a mesma tem a sua génese no crime, sendo o(s) crime(s) o seu facto constitutivo, a causa de pedir da pretensão ressarcitória.

Se o pedido não é de indemnização por perdas e danos causados pelo crime e não se funda na responsabilidade do agente pelos danos que causou com a prática do crime, o pedido é legalmente inadmissível no processo penal.[15]

Assim, de acordo com a conjugação do art. 71.º, do CPP e art. 129.º, do CP e art. 483.º do CC, concluiu-se que a competência do tribunal criminal para conhecer do pedido cível conexo com a ação penal decorre da responsabilidade civil extracontratual do agente que cometa o facto ilícito e culposo.

Veja-se, entre outros, neste sentido, Acórdão de 12-11-2009, Proc 448/06.7TCLSB.S1 – 5.ª Secção[16], no qual Supremo Tribunal de Justiça afirmou uma vez mais que “I - De acordo com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art.º 71.º do CPP). II – Por força desta norma legal e da que se lhe segue, a causa de pedir na ação cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual [pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual] e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa.”

Bem como o Acórdão do STJ de 27-04-2011, proferido no Proc. n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.: “XLIII - No plano do direito adjetivo, o atual CPP, mantendo o sistema de adesão, veio conferir àquela ação de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica ação civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade e da necessidade do pedido (arts. 71.º, 74.º a 77.º, e 377.º do CPP) e prescrevendo que a decisão final, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84.º do CPP). XLIV - Seria legalmente inadmissível no processo penal e ao tribunal criminal faleceria competência, em razão da matéria, para dele conhecer, caso o pedido cível não se fundasse em indemnização por danos ocasionados pelo crime ou não se fundamentasse na responsabilidade civil do agente pelos danos que, com a prática do crime causou, pois que a ação cível que adere ao processo penal é a que tem por objeto a indemnização por perdas e danos emergentes do crime, e só essa – arts. 128.º do CP82 e 129.º do CP95 e Acs. do STJ de 25-02-1998 e de 12-01-2000, Procs. n.º 97/98 e 1146/99 - 3ª. XLV - Consequentemente, pelos danos causados por um facto que não é suscetível de integrar um tipo legal de crime e que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respetiva indemnização no processo penal. LIII - Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, (regra) só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei, (exceção), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, remeta as partes para os tribunais civis. – nº 3 do art. 72.º do CPP. LIV - O princípio da adesão em processo penal é de tal forma abrangente, que, nos crimes de acusação particular, a lei retira efeitos penais do comportamento assumido pelo lesado em matéria cível, quando afirma no n.º 2 do art. 72.º, que no caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a esse direito. LVII - Quando o legislador utiliza a expressão "danos ocasionados pelo crime", pressupõe que entre o delito e os prejuízos indemnizáveis, exista um nexo de causalidade. LVIII - A responsabilidade civil do arguido, a apreciar em processo penal, se não é sempre consequência de uma condenação por infração penal, tem no entanto por suporte a imputação de um crime, com verificação dos seus elementos constitutivos e de uma subsunção à fattispecie legal – Ac. do STJ de 07-05-1997, Proc. n.º 1234/96 - 3.ª. LIX - Considerando a natureza e os fins do processo penal e o princípio da adesão, o princípio da investigação, também designado da verdade material, conjugado com o princípio da livre apreciação da prova, aplica-se à atividade processual relativa à prova dos pressupostos e montantes dos danos integrantes da responsabilidade civil emergente de crime, podendo existir responsabilidade civil, sem haver responsabilidade criminal, como é o caso de apreciação do pedido cível, em processo penal, em caso de absolvição criminal, ou de extinção do procedimento criminal”.

Dado que a competência em razão da matéria do Tribunal afere-se pelos termos em que a ação se apresenta configurada pelo Autor, e dado que o pedido de indemnização civil deduzido por FF se funda em responsabilidade civil extracontratual (subjetiva) dos demandados civis ocasionada pela prática do crime, o Tribunal Criminal, é competente em razão da matéria para apreciar o pedido de indemnização civil, enxertado no processo penal, nos termos conjugados dos arts. 71.º do CPP, 129.º do CP e art. 483.º e segs. do CC.

Defendem, grosso modo, todos os recorrentes que o Tribunal Criminal é incompetente em razão da matéria para condenação de danos emergentes do acidente de trabalho, sendo o competente o Tribunal de Trabalho.

Não duvidamos que a competência para apreciar e decidir questões emergentes de acidentes de trabalho é efetivamente do Tribunal de Trabalho, nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. c) da LOSJ.

E também não se ignora que dispõe o art. 18.º da LAT que «1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido. 3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele. 4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes: a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição; b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente. 5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º 6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior».

Conforme escreveram Maria Adelaide Domingos, Viriato Reis e Diogo Navarra in artigo «Acidentes de Trabalho e doenças profissionais. Introdução»[17] “A responsabilização do empregador é independentemente de culpa, ou seja, estamos no domínio da responsabilidade objetiva (cfr. art. 7.º da LAT). A responsabilidade subjetiva, ou seja, decorrente de culpa do empregador (noção que abrange o dolo e a negligência), está, contudo, presente nas situações em que a lei menciona como casos especiais de reparação previsto no art. 18.º da LAT. (…) Neste caso, a reparação (agravada) está a cargo do empregador, competindo ao trabalhador, nos termos gerais, provar que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou seu representante ou por o mesmo não ter culposamente cumprido as normas sobre segurança e saúde no trabalho, bem como a verificação de um nexo causal entre o ato ilícito culposo ou a violação das regras de segurança por parte empregador, seu representante, entidade contratada, ou empresa utilizadora de mão-de-obra, e a ocorrência do acidente. Assim o sistema português, no que concerne aos acidentes de trabalho, caracteriza-se por consagrar uma responsabilidade objetiva, com recurso à responsabilidade subjetiva para todas as matérias não especialmente reguladas. Por outro lado, a verificação de acidente de trabalho não afasta a responsabilidade delitual sempre que se encontrem preenchidos os requisitos do art. 18.º do LAT, já que no que toca ao empregador a existência duma responsabilidade objetiva não a desresponsabiliza em caso de culpa e, quanto a terceiros, sempre há direito de regresso por parte do empregador ou de quem efetivamente tenha procedido à reparação do dano”.

É certo que o legislador no art. 18.º, n.º 1 da LAT atribuiu aos Tribunais de Trabalho uma competência mais abrangente, no sentido de lhes atribuir uma competência para apreciar e decidir a responsabilidade subjetiva do empregador e de outros responsáveis, com possibilidade de condenação nos termos gerais de direito (isto é, com recurso aos preceitos dos art. 483.º e 562.º e segs. do CC), sempre que estamos no âmbito de atuação culposa do empregador ou violação das regras de segurança.

Ou dito de outra forma, insere-se no âmbito das competências do Tribunal de Trabalho, nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. c), da LOSJ em conjugação do art. 18.º da LAT, a apreciação da responsabilidade (subjetiva) da entidade empregadora e/ou entidade por esta contratada e/ou por empresa utilizadora de mão-de-obra, por todos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pela vitima do acidente de trabalho, em casos de violação culposa de regras de segurança. Neste âmbito, a competência do Tribunal de Trabalho, não se encontra limitada à atribuição das prestações especialmente estabelecidas na LAT.

Porém, conforme se defendeu no Acórdão do STJ de 24-09-2013, proferida no proc.º n.º 2796/10.TBPRD.P1.S1 – 1.ª Secção[18] “A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho prevista no n.º 2 do Art.º 18º da L.A.T. é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e direta em função da matéria em causa. Consequentemente, só funcionará tal extensão de competência, quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral. Então, se para além desse direito, o sinistrado ou os seus familiares beneficiários, pretendem, ainda, obter uma indemnização por danos morais, sendo competente o Tribunal de Trabalho, em razão da matéria, para conhecer do pedido principal, não haveria razão válida, até por uma questão de economia processual, para obrigar a parte a recorrer ao foro comum para se ver ressarcida dos danos morais a que se arroga, daí que a lei estenda a competência do Tribunal de Trabalho, por força da conexão entre os pedidos, caso em que, no que respeita aos danos morais, o Tribunal de Trabalho irá aplicar as normais gerais de responsabilidade civil (nos termos da lei geral, como se diz no preceito) ”.

Todavia, no caso, ao contrário do defendido pelos recorrentes, o lesado quer fazer valer-se de um direito a uma indemnização por danos ocasionados pela prática do crime.

E sempre que a indemnização peticionada emerge de danos ocasionados pela prática de um crime, o Tribunal Criminal, por força do princípio da adesão previsto no art. 71.º do CPP, tem uma competência, por conexão, para conhecer deste pedido de indemnização civil.

Ou seja, pese embora o Tribunal de Trabalho tenha competência para apreciar e decidir a totalidade dos prejuízos sofridos pela vítima do acidente de trabalho, nos termos gerais de direito (incluindo os danos não patrimoniais) quando há violação culposa das regras de segurança. Sempre que o facto ilícito e culposo em causa, também assuma natureza criminal, a causa de pedir e o pedido formulados na petição assumem esses contornos, e a lei estende ao Tribunal Criminal a competência, nos termos do art. 71.º do CPP, para conhecer dessa responsabilidade civil.

Desta feita, pese embora os recorrentes confundam as realidades, as mesmas são distintas. No caso, o Tribunal Judicial Criminal arroga-se competente, e bem, em razão da matéria, porque foi chamado a apreciar um pedido de indemnização civil em que a responsabilidade pelos danos emerge da prática do crime de violação das regras de segurança por negligência.

No caso dos autos, o demandante civil não peticiona o reconhecimento do acidente de trabalho, nem peticiona a responsabilidade do empregador e de outras entidades (responsáveis pelas regras de segurança), ao abrigo do preceituado no artigo 18.º, n.º 1 e 4 da LAT. Se a ação fosse configurada nesses moldes, a competência para a decidir seria efetivamente do Tribunal de Trabalho, nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. c) da LOSJ.

Porém, o demandante civil arroga-se titular do direito a ser ressarcido pelos danos sofridos decorrentes da prática do crime de violação das regras de segurança, ao abrigo da responsabilidade civil por factos ilícitos - artigo 483.º do Código Civil e quanto a esta causa de pedir e pedido, sem margem para dúvidas, o Tribunal Criminal tem competência, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização civil, nos termos do art. 71.º do CPP e art. 129.º do CP[19].

Temos como certo que o mesmo facto (naturalístico) pode ser gerador de várias responsabilidades. Ou seja, emergente de um mesmo facto naturalístico, pode existir, como existiu, um acidente de trabalho e um crime de violação de regras de segurança por negligência. Porém, não podemos ignorar que sempre que o facto ilícito é gerador de responsabilidade criminal, a apreciação da responsabilidade civil que emerge desse ilícito penal é, por regra[20] (art. 71.º do CPP), da competência do Tribunal Criminal.

Acresce que quando o art. 18.º, n.º 2 da LAT refere que «o disposto no número 1 não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido«, mais não se pode retirar do que o que o próprio preceito encerra, isto é, que a responsabilidade por violação culposa das regras de segurança prevista no n.º 1 não afasta a eventual responsabilidade criminal que daí possa advir.

Inclusive se atentarmos ao art. 171.º, n.º 1, al. c), da LAT verifica-se que a prática dos atos descritos no art. 18.º da LAT constitui uma contraordenação grave e de acordo com o art. 170.º da LAT sob a epígrafe «cumulação de responsabilidades» «A responsabilidade contraordenacional não prejudica a eventual responsabilidade civil ou criminal». Conclui-se que, do mesmo facto naturalístico podem emergir várias responsabilidades, distintas entre si, “laboral” (objetiva), civil (subjetiva), criminal e contraordenacional.

Pelo exposto, ao contrário do defendido pelos recorrentes, entendemos que o disposto no art. 18.º, n.º 2, da LAT não afasta ou prejudica o princípio da adesão previsto no art. 71.º do CPP. E, assim sendo, sempre que o pedido de indemnização civil fundado na prática do crime (de violação das regras de segurança por negligência) for deduzido/enxertado no processo penal respetivo, a competência para dele conhecer é do Tribunal Criminal.

E tanto os nossos Tribunais Criminais são competentes para deles conhecer, que são várias as indemnizações fixadas no Tribunal Criminal, no âmbito de pedidos de indemnização civil deduzido no processo-crime pela prática do crime de violação das regras de segurança e/ou regras de construção. Veja-se, a título de exemplo, Acórdão 26-01-2011, Proc. n.º 357/03.1GBMCN.P1.S1 - 3.ª Secção[21], “IV - A condenação do arguido A, sócio-gerente e trabalhador da firma Y, como os demais arguidos, repousa, in casu, na inobservância da 2.ª parte da al. b) do n.º 1 do art. 277.º do CP, com referência ao art. 285.º, que estabelece uma agravação pelo resultado, que pretende sancionar, além do mais, os que, por infração das regras legais, regulamentares ou técnicas, causem acidentes; aquelas regras legais, regulamentares e técnicas, são as que compõem o saber técnico (know how) indispensável ao planeamento e execução da obra, bem como para a prevenção dos acidentes dos trabalhadores e de terceiros que à obra acorram ou vivam perto. V - As regras técnicas podem ter por fonte a lei, o regulamento ou o uso profissional. Está-se, deste modo, a conferir proteção penal a normas de direito laboral. E o preenchimento deste tipo, que é de perigo concreto, tanto pode ter lugar por via de ação como por omissão – art. 10.º, n.º 2, do CP. O perigo é, aqui, o risco de lesão da vida, integridade física ou do património alheio. Nos crimes de perigo o legislador antecipa a punição para um momento anterior ao resultado, porque a prática de certos atos cria um risco de lesão de bens jurídicos de relevo. E quando o tipo legal pode ser violado por pessoa sobre quem recai um dever especial trata-se de um crime específico próprio, em que a qualidade do agente ou o dever que sobre ele impende fundamenta a ilicitude. VI - A exploração de pedreiras, o rebentamento de pedra a céu aberto, é, reconhecidamente, uma atividade perigosa; o exercício das indústrias extrativas está sujeito a elevado risco de acidentes de trabalho e de doenças profissionais – DL 324/95, de 29-11, que rege sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho, dos trabalhadores de tal sector. VII - E sendo uma atividade perigosa, por si, ou por via dos meios usados, incumbe a quem cause danos, repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de aqueles prevenir, nos termos do art. 493.º, n.º 2, do CC, estabelecendo uma presunção de culpa, um regime particularmente severo, com as consequências estabelecidas no art. 350.º, n.º 1, do CC, transferindo para o lesante a obrigação de provar que o resultado não procede de culpa sua – art. 487.º, n.º 1, do CC. VIII - A definição dos pressupostos da responsabilidade por facto ilícito ou aquiliana, enunciada no art. 483.º do CC, não se basta com o acontecer, de forma mais ou menos mecânica, do facto ilícito, no sentido de violador de interesses juridicamente tutelados, antes exige um nexo causal entre ele e o dano. É que entre o facto e o dano indemnizável deve interceder um nexo mais apertado do que a simples coincidência ou sucessão cronológica. O julgador é, assim, colocado no dever de selecionar, entre as várias condições de certo evento danoso, as que legitimam a imposição ao respetivo autor da obrigação de indemnizar. XI - Vertendo ao caso dos autos, antes mesmo da explosão ocorrida, suposto que não foi provocada pelo atear do rastilho pelo encarregado de realizar o furo, após o carregamento, impendia sobre este o dever legal de assegurar um perímetro de proteção, de segurança, à área de carregamento, o qual deve ser isolado durante a operação de carga, assim permanecendo, até ao rebentamento – art. 128.º, n.ºs 1 e 2, do DL 162/90, de 22-05 (Regulamento Geral da Segurança e Higiene no Trabalho das Minas e Pedreiras). XIV - O demandante não era portador de capacete de proteção, apetrecho que a empregadora, à sua custa, lhe não proporcionou, o que não é indiferente à produção do resultado, dado que a vítima foi atingida por pedra, gravilha e estilhaços advindos do rebentamento da pedra e que algumas das lesões corporais sofridas se situam ao nível da cabeça. XV - Houve, pois, violação de regras de condições de segurança na preparação do tiro, pelo consentimento do encarregado da preparação do tiro da permanência no local, adentro da zona de fogo, daqueles trabalhadores, sem estarem munidos de capacete de proteção; a relação de causalidade entre o facto ilícito e o dano está demonstrada. XVI - A violação de tais regras é elemento visivelmente integrante do conceito de negligência, forma de culpa, a mera culpa, prevista nos arts. 483.º do CC e 15.º do CP, que pressupõe a violação de um dever de cuidado, que é materializado pelas normas jurídicas (legais, regulamentares, estatutárias, costumeiras, respeitantes à atividade em causa), bem como pelas normas não jurídicas (prudenciais, usuais). XVII - O resultado danoso, em princípio, é só imputável a quem desencadeou a ação material, mas se esse resultado for previsível e evitável por outros, pode ocorrer uma coautoria negligente, se o resultado for devido a uma ação conjunta, por via de uma conjugação de vontades. XVIII - Os demandados B e C sustentam que, por não dominarem o facto, ou seja, pelo facto de não lhes incumbir a preparação do tiro, não lhes pode ser imputada a omissão do dever de segurança e de proteção que funda a responsabilidade civil do demandado A. Mas o domínio do facto está ligado ao poder de praticar ou deixar de praticar o facto. Os demandados B e C são sócios-gerentes, como o A, da empresa Y, e, nessa medida, a extração da pedra, sob a forma de contrato de prestação de serviços celebrado com a empresa Z, fazia-se no interesse de todos, e todos eles estavam coobrigados a elaborar um plano de segurança. XX - Neste particular, as instâncias deram como provado matéria de facto, insindicável pelo STJ, que conhece, em princípio, de direito, como tribunal de revista que é. Por isso, sendo o nexo de causalidade matéria de facto e estabelecida nela, em forma imutável para o STJ, com o alcance fixado nas instâncias de também os restantes sócios terem omitido deveres de cuidado, quanto ao plano de segurança e falta de capacete, não prevendo, como deviam, ofensa à integridade física, são também corresponsáveis, todos eles, nos termos dos arts. 483.º, 486.º e 497.º, n.º 1, do CC, pela negligência manifestada, com origem no seu descrito comportamento omissivo, causal do sinistro, que não é afastada pelo simples facto de se dizer que o demandado A era sujeito de deveres específicos por força dos seus conhecimentos especiais de que era portador, porque o que se quis significar foi que o grau de censura a endereçar-lhe, refletido, desde logo, na medida concreta da pena, era maior, e não já que aqueles deveres, se por ele cumpridos, o perigo poderia ter sido excluído e o dano teria sido evitado. XXI - O demandante reclama uma indemnização pelos danos morais sofridos, de extrema gravidade, bastante para merecer a tutela do direito, fora do contexto redutor do seu quantum, que o art. 494.º do CC acolhe. O preceito está inserto no CC por uma ideia de equidade, evitando que sendo a culpa do agente diminuta se obrigue à satisfação de uma indemnização severa, sobretudo atendendo à sua condição económica e à do lesado, se eventualmente melhor do que a daquele; nesta altura o juiz pode atribuir uma indemnização inferior se, ainda, as demais circunstâncias do caso o justificarem. XXII - O grau de negligência dos agentes do facto é elevado, o que, desde logo, e sem necessidade de mais considerações, exclui o tratamento de favor consentido naquele dispositivo legal. A gravidade há-de aferir-se por um padrão objetivo, segundo as circunstâncias do caso concreto, que exclui uma sensibilidade embotada ou particularmente sensível, hiperbolizando o grau de satisfação a ter presente, pois que o dano deve assumir uma gravidade tal que não fique sem compensação. XXIII - Aqui a função da obrigação de indemnizar não é a de reconstituir, à luz da teoria da diferença, pela atribuição de uma soma em dinheiro, posicionando o lesado na situação anterior à lesão, nos termos do art. 562.º do CC. Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. A indemnização reconduz-se, antes, àquela compensação pecuniária pelo poder de proporcionar de prazer que atenue a dor.”

Por tudo o que atrás, improcede a exceção de incompetência em razão da matéria suscitada pelos Recorrentes, sendo o Tribunal Criminal materialmente competente para conhecer do pedido de indemnização civil deduzido por Isaías Fernandes.

3.1.2. Violação de caso julgado

Defendem todos os recorrentes que estamos perante uma situação de caso julgado formado pela sentença proferida no processo laboral (Proc n.º 107/13.0GAVNO) e nesse sentido, não podia o Tribunal Criminal condenar em qualquer indemnização.

Adiantamos, desde já, que consideramos que não se verifica caso julgado, nem na vertente de exceção de caso julgado nem na vertente de autoridade do caso julgado - os limites e força do decidido (caso julgado material) dentro e fora do processo.

O caso julgado pressupõe uma repetição de ações com identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir, e, como exceção, decidida uma ação, impede o tribunal de proferir nova decisão sobre ação idêntica.

Conforme resulta do art. 581.º do CPC “1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.

Dispõe o art. 619.º do CPC, sob a epígrafe “Valor da sentença transitada em julgado” que “1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º. Por sua vez, estipula o art 621.º do CPC sob a epígrafe «Alcance do caso julgado» que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.

Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes[22]:

a) uma função negativa, reconduzida à exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;

b) uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais.

A exceção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no art. 581.º do CPC: a identidade de sujeitos, a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir. Já a autoridade de caso julgado, segundo doutrina e jurisprudência hoje dominantes, não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.

A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

Face ao conceito de identidade de sujeitos, de pedido e causa de pedir, concluímos, com clareza, que não se verifica no caso em apreço nem a exceção de caso julgado (formal ou material) e/ou de autoridade do caso julgado.

Senão vejamos.

Não há identidade de sujeitos na medida em que no presente pedido de indemnização civil são demandados civis os recorrentes CC, Lda., DD e EE e BB- ..., Lda. e AA e naquele processo laboral (Proc n.º 107/13.0GAVNO) foi demandada a Companhia de Seguros GG, S.A..

Mas também inexiste qualquer identidade de causa de pedir e pedido, na medida em que a causa de pedir naquele processo laboral (Proc n.º 107/13.0GAVNO) é, objetivamente, o acidente de trabalho – isto é, acidente que vitima pessoa vinculada por contrato de trabalho - e a responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) da entidade patronal (transferida a responsabilidade, por contrato de seguro, para a Companhia de Seguros GG – art. 7.º e 79.º, n.º1, da LAT) e o pedido e respetiva condenação são as prestações fixas definidas por lei a que o trabalhador tem direito no âmbito dessa responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) – previstas no art. 23.º, 47.º, 48.º e segs. da LAT.

A responsabilidade objetiva (não culposa) por acidentes de trabalho rege-se por normas próprias com um regime indemnizatório de prestações que, sem assegurarem a reparação integral de todos os danos, garante aos sinistrados uma cobertura mínima, taxada e uniforme.

Naquele processo laboral (Procº n.º107/13.0GAVNO) que correu seus termos no Tribunal de Trabalho de ... – conforme resulta do facto provado 85. e da certidão daquela sentença - a Companhia de Seguros GG (a entidade empregadora tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida pela a mesma, através de apólice – art. 7.º e 79.º, n.º 1, da LAT) foi condenada a pagar ao Sinistrado as prestações especialmente previstas na LAT – art. 48.º, n.ºs 1, 2 e 3, art. 67.º, art. 54.º, n.º 1, art. 72.º, art. 41.º, art. 39.º, todos da LAT, no âmbito estrito da responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) inerente ao acidente de trabalho (arts. 2.º, 7.º, 8.º e 23.º, todos da LAT). Em momento algum daquela sentença foi apreciada ou decidida a questão da violação culposa das regras de segurança por parte da entidade empregadora (ou de outra entidade responsável) ou dos danos emergentes dessa violação.

Ao invés, no presente o pedido de indemnização civil a causa de pedir tem na sua génese a prática de um crime de violação das regras de segurança por negligência e são peticionados danos (não patrimoniais) ocasionados pela prática desse crime.

Pelo exposto, em nada são coincidentes a causa de pedir, o pedido, ou o conhecimento oficioso feitos no processo n.º 107/13.0GAVNO (que correu termos no Tribunal de Trabalho de ...), e a causa de pedir e o pedido formulado no pedido de indemnização civil deduzido nestes autos.

A exceção do caso julgado como estipula o art. 580.º, n.º 2 do CPC tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

A condenação no processo laboral (n.º 107/13.0GAVNO) em nada colide com a condenação feita pelas duas instâncias, no âmbito do presente pedido de indemnização, na medida em que os danos em causa têm natureza distinta, inexistindo qualquer risco de sobreposição ou reprodução da condenação laboral.

Dado que no processo laboral (n.º 107/13.0GAVNO) a condenação incide sobre a fixação das prestações especialmente previstas na LAT com fundamento no acidente de trabalho e na responsabilidade objetiva da Entidade empregadora (que transferiu a sua responsabilidade por acidente de trabalho para a Companhia de Seguros GG, S.A. – art. 7.º e 79.º, n.º 1, da LAT), não se encontra precludido o direito do demandante civil (lesado) de reclamar danos (não patrimoniais) ocasionados pela prática do crime de violação das regras de segurança, por negligência, no respetivo processo-crime.

Cumpre salientar que o art. 126.º, n.º 1 do Código Processo de Trabalho (doravante designado por CPT) quando determina que “No processo principal decidem-se todas as questões, salvo a da fixação da incapacidade para o trabalho, quando esta deva ocorrer por apenso”, apenas significa que no processo principal decidem-se todas as questões que o Juiz é chamado a conhecer (circunscrito pela causa de pedir e pedido) ou de conhecimento oficioso, no âmbito do processo. No caso, no processo laboral (n.º 107/13.0GAVNO) o Juiz conheceu das pensões/indemnizações emergentes do acidente de trabalho no âmbito da responsabilidade objetiva/infortunística da entidade empregadora, e quanto a estas indemnizações específicas previstas na LAT ficou definitivamente decidido no processo laboral. Cumpre referir que o processo laboral apenas prosseguiu para a fase contenciosa para a fixação da natureza e grau de incapacidade.

Assim ao contrário do alegado pelos recorrentes, não se impõe chamar à colação os art. 127.º a 129.º do CPT, porque naquele processo laboral (107/13.0) não estava em discussão a determinação da entidade responsável pelos danos, dado que a Companhia de Seguros sempre responderia pelo pagamento das pensões/indemnizações ao sinistrado (vitima do acidente de trabalho) emergente da responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) da Entidade empregadora (seja nos termos do art. 79.º, n.º 1, seja nos termos do art. 79.º, n.º 3, da LAT, sem prejuízo, neste caso, do direito de regresso[23]).

Neste contexto, não se pode retirar dos normativos previstos nos arts. 126 a 129.º e art. 135.º, todos do CPT, qualquer ilação, para além dos limites acima expostos.

Assim sendo, a decisão proferida no Procº n.º 107/13.0GAVNO – que decidiu de forma definitiva sobre a relação material convertida, e tem força de caso julgado material, quanto à fixação das pensões/indemnizações (especialmente previstos na LAT) arbitradas no âmbito da responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) da entidade empregadora - não preclude/impede o direito do lesado de vir a reclamar uma indemnização civil, por danos não patrimoniais (art. 483.º do CC e segs.) pela prática de um ilícito penal (violação das regras de segurança por negligência, previsto no art. 155.º-B, nºs. 1, 2 e 3, al. b) por referência ao art. 15.º, al. a), do CP), nos termos do art. 71.º e 73.º, ambos do CPP e art. 129.º do CP.

Pelo exposto, inexiste qualquer situação de violação de caso julgado (formal e/ou material).

Veja-se a título exemplificativo Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça onde foi assumido que a condenação em processo laboral e a condenação em processo cível não se excluem, ou dito de outra forma, não viola o caso julgado: Acórdão do STJ de 11-10-2018, Revista n.º 826/14.8T8GRD.C1.S2 - 7.ª Secção[24]I - Os fundamentos de facto, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, não adquirem valor de caso julgado. II - Em consequência, não viola o caso julgado formado por decisão proferida em anterior ação emergente de acidente de trabalho, a decisão dissonante proferida pelo tribunal cível – em ação declarativa destinada ao ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes desse mesmo sinistro, com base na violação das obrigações legais de segurança – na qual se tenha apurado diferente factualidade e se tenha extraído diferente conclusão no que toca à causa do acidente.”

Entendemos que a indemnização “objetivamente” fixada no processo laboral n.º 107/13.0GAVNO e a indemnização “subjetivamente- danos não patrimoniais”, fixada nos presentes autos (emergente do crime), são complementares entre si e não excludentes, e com esta interpretação inexiste qualquer violação de caso julgado, pois conforme foi assumido no Acórdão do STJ de 30-10-2014, Revista n.º 2313/08.4TVLSB.L1.S1[25]representaria um contra-senso que alguém – só por força da sua condição de trabalhador e de o acidente ser qualificado como de trabalho – lesado em determinado dano, fosse ressarcido com uma indemnização por esse dano, inferior à que outrem nas mesmas circunstâncias mas vítima de acidente não qualificado como de trabalho, obteria.”

Conforme se assumiu neste aresto de 30-10-2014 “VII - Demonstrando-se que, por falta de aderência do material a certos tipos de bagagens em material rígido, estas ganhavam balanço e saltavam para fora do tapete rolante (vindo uma delas a atingir o autor) em que eram transportadas, é de concluir que a causa geradora do dano residiu na imperfeição da coisa e na falta de eliminação da aptidão lesiva desse defeito, sendo as condições de trabalho do autor, embora concorrentes para o sucedido, meramente secundárias. VIII - Pertencendo os equipamentos de tratamento e transporte de bagagem à recorrente A e procedendo esta à sua exploração, impendia sobre si o dever de os vigiar, motivo pelo qual, aliás, contratara com terceiro a sua assistência e manutenção em condições funcionais. IX - A presunção de culpa estabelecida no art. 493.º, n.º 1, do CC, assenta na ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano e recai sobre quem detém a coisa – normalmente, o proprietário – e tenha o dever de a vigiar. X - A constatação referida em VII não exclui a existência de responsabilidade concorrente da entidade patronal do autor, estando-se perante um acidente de trabalho imputável à recorrente A e àquela. XI - Sob pena de enriquecimento do lesado, as indemnizações arbitradas pelas jurisdições civis e laboral em relação ao mesmo dano concreto (i.e. resultante do mesmo facto) não se podem somar e, se forem arbitradas em valores diferentes, coordenam-se entre si e completam-se na medida da de maior montante, até à reparação total do dano. XII - Dado que as recorrentes A e B não foram partes no processo especial de acidente de trabalho em que a ré C foi condenada a pagar ao autor um subsídio para readaptação da habitação até ao valor máximo de € 4.279,70 não se verifica o requisito do caso julgado que consiste na identidade subjetiva. XIII - Posto que, no processo referido em XII, a causa de pedir radicava na ocorrência de um acidente de trabalho e que, nestes autos, o facto que despoleta o pedido se cinge à ilicitude decorrente da violação das regras de segurança (menosprezando-se a relação laboral), inexiste igualmente identidade objetiva pressuposta pela figura do caso julgado. XIV - No âmbito dos acidentes de trabalho, o ressarcimento dos danos causados é regulado por normas específicas que caracterizam um regime indemnizatório prestacional, o qual não assegura a cobertura integral de todos os danos causados mas apenas uma cobertura mínima (que pode ser limitadamente aumentada em casos de violação de regras de segurança e higiene no trabalho através de medidas especiais que não coincidem com as que resultariam dos princípios gerais), constituindo, pois, um mínimo em relação à indemnização arbitrada no termos da lei geral, a qual visa a reparação integral dos danos, pelo que existe compatibilidade entre as responsabilidades indemnizatórias de índole laboral e as responsabilidades indemnizatórias fundadas em culpa ou negligência. XV - Verificando-se, num caso de acidente de trabalho causado por violação de regras de segurança, a necessidade de ultrapassar o limite da prestação por adaptação da habitação tarifado na lei (art. 24.º da LAT) por este não ser correspondente à extensão total do dano, inexiste violação do caso julgado se o lesado demanda na jurisdição comum a sua entidade patronal para obter, sem sujeição a qualquer limite, a indemnização desse mesmo dano, com base nessa ilicitude.”

Por tudo o que atrás se expôs, inexiste qualquer caso julgado (formal ou material), que se tenha formado no âmbito do processo laboral n.º 107/13.0GAVNO, que impeça o Tribunal Criminal de conhecer e condenar em indemnização por danos não patrimoniais no âmbito do pedido de indemnização civil formulado pelo Demandante Civil FF.

3.1.3. Prescrição/caducidade do direito à indemnização

Alegam os recorrentes que quando o lesado FF deduziu o pedido de indemnização civil há muito que se encontrava caduco o direito de reclamar indemnização (1 ano), nos termos o art. 179.º, n.º 1 da LAT.

Não assiste razão aos recorrentes no entendimento que preconizam.

Dispõe o art. 179.º, n.º 1 da LAT que “1 - O direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta”.

Por sua vez, dispõe o art. 129.º do CP que “a indemnização por perdas e danos emergentes da prática do crime é regulada pela lei civil”.

Dado que o Tribunal Criminal foi chamado a apreciar e decidir um pedido de indemnização civil por danos ocasionados pela prática do crime, nos termos do art. 71.º do CPP e art. 129.º do CP, não vemos em que medida se pode considerar que estamos no âmbito de uma ação emergente do acidente de trabalho prevista no art. 18.º, n.º 1 da LAT e dessa forma socorrermo-nos do art. 179.º, n.º 1, da LAT para considerar (eventualmente) caducado o direito a tal indemnização[26].

Todavia, sempre cumpre referir que, inclusive, a Secção Social, deste Supremo Tribunal de Justiça, tem considerado que o prazo de caducidade do direito de ação previsto no art. 179.º da LAT (ou art. 32.º da LAT revogada - Lei 100/97, de 23-09) se verifica no momento da participação do acidente de trabalho, não se voltando a reiniciar o prazo de caducidade do direito de ação – veja-se nesse sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 18-12-2013 Recurso n.º 153/09.2TTPTG.E1.S1 – 4.ª secção[27]I - No âmbito das ações relativas à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho, a caducidade do direito de acção, por estarem em causa direitos indisponíveis, é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo. II -Naquelas mesmas ações, o direito de acção corresponde, em rigor, ao exercício do direito a participar o acidente de trabalho, de sorte que, para efeitos de caducidade daquele direito de ação, apenas conta o prazo decorrido entre a cura clínica ou morte do sinistrado e a data da participação, no tribunal, do acidente”. E bem ainda Acórdão de 18.05.2011, recurso 739/05.4TTSTR.C1 -4ªSecção[28]III No âmbito dos processos emergentes de acidentes de trabalho somente releva, para efeitos de caducidade do direito de ação, o prazo decorrido entre a cura clínica ou morte do sinistrado e a data da participação, no tribunal, do acidente, a qual marca o exato início da instância. A partir dessa data, os processos emergentes de acidente de trabalho correm oficiosamente, jamais podendo reiniciar-se o decurso do prazo de caducidade do direito de ação.

Dado que in casu estamos no âmbito de uma ação de responsabilidade civil (por danos não patrimoniais) emergente de crime - nos termos do art. 483.º do CC, art. 129.º do CP e art. 71.º do CPP - aplicam-se os prazos de prescrição previstos no art. 498.º do CC e não o prazo de caducidade previsto no art. 179.º, n.º 1 da LAT.

Veja-se, nesse sentido, entre outros[29], Acórdão do STJ de 22-05-2018, Revista n.º 1032/11.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção[30]IV - O alargamento do prazo de prescrição previsto no n.º 1 do art. 498.º do CC justifica-se pela natureza do facto – o acidente – gerador de responsabilidade civil e criminal, e aplica-se a todos os intervenientes, incluindo pessoas coletivas, quer do lado passivo, quer do lado ativo da demanda. VII - As indemnizações recebidas por acidente de trabalho simultaneamente de viação não são cumuláveis, mas complementares uma da outra quando decorram do mesmo facto”.

E na mesma senda Acórdão do STJ de 03-02-2011, Revista n.º 1228/07.8TBAGH.L1.S1 - 7.ª Secção[31]I - O regime especial de prescrição dos créditos emergentes da violação de um contrato de trabalho, estabelecido nas leis laborais, só é aplicável aos créditos típicos da relação laboral, excluindo-se do seu âmbito os emergentes de uma relação de responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente quando esteja em causa uma responsabilidade delitual conexa com a criminal ou a entidade patronal exerça, no confronto de trabalhador que esteve ao seu serviço, um direito de regresso, pretendendo repercutir na esfera patrimonial do comissário o valor dos danos, decorrentes da conduta ilícita e culposa deste, que lesou concomitantemente direitos de terceiro. II - Para aplicação do prazo mais longo, decorrente do n. º 3 do art. 498.º do CC, que possa decorrer da relevância penal dos factos imputados ao R., não interessa ponderar o efetivo desfecho do processo crime (sendo, nomeadamente, para este efeito, perfeitamente irrelevante o facto de o Ministério Público ter determinado o arquivamento da participação que lhe foi feita) ou o preenchimento de todas as condições de punibilidade do arguido – apenas sendo necessário que os factos alegados e provados pelo lesado – que, ao propor tardiamente a ação cível, tem o ónus de articular factos que preencham inteira e adequadamente algum tipo penal – sejam subsumíveis a algum ou algum dos tipos penais legalmente previstos”.

Quanto à prescrição do direito a indemnização dispõe o art. 498.º do CC que: “1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso. 2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis. 3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

O lesado FF deduziu pedido de indemnização civil em 04 de julho de 2016 contra os demandados civis AA, BB – , Lda, CC, Lda., DD e EE (cfr. fls. 614 a 627), logo após ser notificado da acusação pública deduzida contra tais arguidos que lhes imputava a prática do crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelo art. 152.º-B, n.ºs 1, 2 e 3, al. b) com referência ao art. 15.º, al. a) do CP.

Todos os arguidos foram condenados na prática de tal crime.

Uma vez que o ilícito praticado, em 09-04-2013, constitui crime de violação de regras de segurança por negligência, p. e p. pelo art. 152.-B, n.ºs 1, 2 e 3, al. b) do CP, punível com pena de prisão até 5 anos, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos - art. 118.º, n.º 1, al. b) do CP.

De acordo com o art. 498.º, n.º 3 do CC, o prazo de prescrição para reclamar a indemnização de danos emergente do crime prescreve ao final de 10 anos.

Veja-se a título de exemplo, perfilhando tal entendimento, neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 10-04-2008, Revista n.º 775/08 - 2.ª Secção[32] «I - O art. 498.º do CC consigna um prazo de três anos quanto à prescrição mas ressalva os casos em que o facto ilícito constitua crime para o qual seja estabelecida prescrição sujeita a prazo mais longo em que é de observar esse prazo. II - No presente caso, o autor - vítima de acidente de viação que foi também de trabalho - alegou factos que, a provarem-se, integrariam um crime de ofensas corporais involuntárias, previsto e punido nos arts. 143.º, al. b), e 148.º, n.º 3, do CP de 1982 (ainda aplicável), o que de harmonia com o art. 118.º, n.º 1, al. c), do mesmo Código, leva a que se considere o prazo da prescrição de cinco anos».

Assim sendo, o lesado FF exerceu tempestivamente (em 04-07-2016) o seu direito à indemnização por danos não patrimoniais, isto é, dentro dos 10 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.

Pelo exposto inexiste qualquer prazo de prescrição e/ou de caducidade do direito a reclamar a indemnização peticionada pelo demandante Civil FF, nos presentes autos.

3.1.4. Quantum indemnizatório arbitrado a FF (excessivo e desproporcionado).

Conforme resulta do acórdão do Tribunal da Relação foi julgado procedente o recurso interposto pelo demandante civil FF, e alterado para 200.000€ (duzentos mil euros) em vez dos 125.000€ (fixado pela 1.ª instância) o montante indemnizatório a pagar pelos demandados civis, acrescida de juros de mora.

Defendem todos os recorrentes que o Tribunal da Relação procedeu ao aumento do valor da indemnização por danos não patrimoniais de 125.000€ para 200.000€ e que não fundamentou os motivos devidos aos quais procedeu a tal aumento.

Vejamos a fundamentação utilizada pelo Tribunal da Relação para julgar procedente o recurso interposto pelo Demandante Civil, aumentando o valor indemnizatório de 125.000,00€ atribuído pela Tribunal de 1.ª instância, para 200.000,00€: (transcrição integral)

«Finalmente, cumpre apreciar se o demandante, ora recorrente, tem razão quando invoca que a quantia que lhe foi arbitrada a título de indemnização, se mostra muito aquém do montante que no seu entender lhe deveria ser fixado de quatrocentos e cinquenta mil euros.

Para tanto invoca os factos integradores dos danos não patrimoniais sofridos, tal como se mostram espelhados na matéria de facto dada como provada (nomeadamente, sob os pontos 21 a 25, 33 a 50 e 56 a 65), sendo que segundo as regras do normal acontecer e da experiência comum os mesmos são reveladores dum sofrimento físico atroz, e não limitado à data do acidente e posterior tratamento, mas que se prolonga diariamente para além do elevado sofrimento psíquico decorrente, além do mais, da sua situação paraplégica, tal como vem descrita na matéria de facto dada como provada.

Importando, assim, apreciar se tal condenação em indemnização cível no montante de cento e vinte e cinco mil euros, se mostra insuficiente atentando à sua gravidade e bem assim à situação económica dos demandados, como invoca o recorrente, indicando, ainda, como ajustado o montante de quatrocentos e cinquenta mil euros.

Efetivamente, quanto à fixação dos danos não patrimoniais, há que atender aos factos provados e quanto a estes provou-se efetivamente o elevadíssimo sofrimento do ora demandante, claramente espelhado na matéria de facto dada como provada, nos pontos acima apontados.

Atendendo a que a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos é feita também segundo a equidade, visando compensar, ou tal não sendo possível, pelo menos atenuar, o sofrimento físico e psíquico do demandante provocados pelos factos integradores da prática do crime pelo qual foram condenados, cumpre atentar, ainda, para tanto à situação económica dos demandos, às quais se reporta a matéria de facto dada como provada, contida, nomeadamente, sob os pontos 69 a 74, 77 a 79 e 81 a 84, da sentença ora recorrida.

Como decorre do disposto no artigo 496º n.º 1 e 2 do Código Civil, importa na fixação da indemnização, atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que no caso presente se verifica indubitavelmente.

Mais dispõe o n.º4 do mesmo preceito legal que:

(…) Nestes termos e seguindo o critério da equidade, deve atentar-se também à situação económica do demandado e do lesado e às demais circunstâncias do caso.

Logo, visto o montante fixado na decisão ora recorrida, afigura-se mais ajustado, neste caso concreto, mesmo atentando-se à situação económica dos demandados e às realidades da vida, o montante de 200.000 euros e que não se afigura em desconformidade com os valores, habitualmente, fixados pela jurisprudência, sem olvidar a realidade económico-financeira do nosso país refletida no atual custo de vida e, bem assim, da extrema gravidade, da situação de sofrimento, em que se encontra a vítima, ora demandante, conjugada com a situação económica dos demandados, tal como foi dada como provada.

A sentença recorrida mostra-se fundamentada, apenas se elevando o montante nela fixado, que se afigura mais ajustado à realidade plasmada na matéria de facto apurada nos autos, atendendo-se por um lado aos elevadíssimos danos causados à vitima, ora recorrente, e por outro à  situação económica e financeira dos arguidos e demandados, aqui recorridos, que aqui se eleva para duzentos mil euros.”

Desde já antecipamos que improcede a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação.

Senão vejamos.

Nos termos do art. 379.º do CPP:

“1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n° 2 e na alínea b) do n° 3 do artigo 374.° [...]”

Por sua vez, dispõe o art. 374.º do CPP que

“1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;

b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;

c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”

O n.º 2 do art. 379.º do CPP consagra que as nulidades de sentença (extensíveis aos acórdãos proferidos em recurso ex vi n.º 4 do art. 425.º do CPP) devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, "aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do art. 414.º”, ou seja, o tribunal recorrido antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior pode sustentar ou reparar a sentença nula.

Face aos normativos atrás enunciados, e para o que agora interessa, é nulo o acórdão «em que lhe falte a exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão».

Como tem sido reiteradamente sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, não estando em causa o objeto do processo, mas a decisão recorrida, impõe-se que, por dupla via de remissão dos arts. 425.º, n.º 4, e 379.º do CPP, as exigências de pronúncia e fundamentação dos acórdãos dos tribunais da Relação, proferidos em recurso, decorrentes da aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, devam sofrer as adaptações devidas, em função do objeto e do âmbito do recurso.

O objeto do recurso interposto pelo Demandante Civil para o Tribunal da Relação tinha apenas como questão o montante da indemnização (125.000,00€) fixado pela 1.ª instância, que o Demandante considerava insuficiente.

O dever de fundamentação, na dimensão que lhe é conferida enquanto princípio fundamental decorrente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e como manifestação do direito a um processo equitativo, nos termos do artigo 6.º da CEDH, implica que o tribunal da Relação, conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga procedente ou improcedente o recurso.

Com efeito, tal dever constitucional impõe que a fundamentação seja vista de uma perspetiva substancial e não de uma perspetiva puramente formal. Porém este dever de fundamentação, mais não é, que um dever geral e comum de perceção do sentido das decisões por todos aqueles que delas tomem conhecimento ou que delas sejam destinatários. Assim esse dever de fundamentação satisfaz-se com a exposição concisa, mas, tanto quanto possível, completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão do tribunal. A falta de fundamentação não se confunde, ou não pode ter a mesma dimensão compreensiva, da falta de convencimento que essa fundamentação opera no destinatário. Para este a fundamentação pode não ser suficiente para os fins que prossegue e que anseia da decisão do órgão jurisdicional, mas esta perspetiva não pode obumbrar o fim constitucional do dever de fundamentação[33].

A fundamentação da decisão impugnada permite, a apreensão, por um destinatário razoável e normal, das razões pelas quais foi atribuída ao recorrente (Demandante Civil) uma indemnização maior, pelo que é de concluir que estamos perante uma suficiência de fundamentação. Para o efeito, o Tribunal a quo começa por atender aos factos provados em 21 a 25, 33 a 50 e 56 a 65, concluindo que se tratam de danos de extrema gravidade com um elevadíssimo sofrimento do demandante. Atende à situação económica dos demandados espelhada nos pontos provados 69 a 74, 77 a 79 e 81 a 84, e, por fim, considera que o valor de 200.000€ em vez de 125.000€ afigura-se conforme às realidades da vida, sem olvidar a realidade económico-financeira do nosso país refletida no atual custo de vida e que esse valor não se afigura desconforme com os valores habitualmente fixados pela jurisprudência.

O que o legislador pretendeu na previsão do art. 379.º n.º 1, al. a) e do art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP é que a fundamentação exarada permitisse ao tribunal de recurso exercer a sua função de controlo das decisões dos tribunais inferiores e, no nosso entender, tal controlo é possível na presente fundamentação. Isto é, o presente Tribunal (de recurso) está em condições de entender qual foi o iter lógico, o raciocínio do Tribunal a quo para proceder ao aumento da indemnização para 200.000€. Não se pode confundir falta de convencimento na decisão com falta de fundamentação da decisão.

Pelo exposto, entendemos que não estamos perante falta de fundamentação na decisão, pelo que improcede a nulidade suscitada (nulidade do acórdão, por falta de fundamentação).

Vejamos então se a indemnização de 200.000€ fixada pelo Tribunal da Relação é excessiva e desproporcionada, conforme preconizam todos os demandados/recorrentes.

Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais terão de se ter em atenção os artigos 483º, 496º, n.ºs 1, 2 e 4,562 e 566º, nºs 1 e 2, do Código Civil: quem viola ilicitamente os direitos de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação; na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito; a indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso; quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação; a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reparação natural não seja possível, e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de distração ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, v.g. com a renúncia a atividades extraprofissionais, desportivas ou artísticas; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; o prejuízo da saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; o “prejuízo da autossuficiência, caracterizado pela necessidade de assistência de uma terceira pessoa para os atos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade de caminhar, de se vestir, de se alimentar.[34]

Como tem vindo a ser afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, a indemnização prevista no art. 496.º, n.º 1, do CC, é mais propriamente uma verdadeira compensação.

A finalidade que lhe preside é a de atenuar, minorar e de algum modo compensar os desgostos e sofrimentos suportados e a suportar pelo lesado através de uma quantia em dinheiro que, permitindo o acesso a bens, vantagens e utilidades, seja capaz de permitir ao lesado a satisfação das mais variadas necessidades e de, assim, lhe proporcionar um acréscimo de bem-estar que contrabalance os males sofridos, as dores e angústias suportadas e a suportar.

O montante da indemnização deve ser calculado segundo critérios de equidade e deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Conforme bem se refere no Acórdão do STJ de 18-02-2016, Proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2 - 3.ª secção[35] “IX - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, do CC, como decorre do n.º 3 do art. 496.º do CC, sendo de atender ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica do lesado e às demais circunstâncias do caso. Para além destes fatores, há que ter em conta na fixação dos montantes correspondentes a compensação por danos não patrimoniais, as soluções jurisprudenciais, distinguindo-se entre três vertentes: necessidade ou não de intervenção corretiva por parte do STJ, estabelecimento do justo grau de compensação e soluções de fixação de montantes relativamente ao dano em causa, no caso, dano desgosto. Sendo certo que o juízo equitativo é critério primordial e sempre corretor de outros critérios. X- Como é entendimento praticamente unânime, há que ter em conta que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de compensação, não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos. Os padrões fornecidos pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade”.

No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 22-10-2014, Proc. n.º 84/13.1JACBR.S1 - 3.ª Secção[36] “Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais (art. 496.º, n.º 1, do CC) necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida».

Vejamos alguns dos factos dados como provados que permitem concluir pela situação de vida do Demandante (após a prática dos factos ilícitos e culposos).

Trata-se de uma pessoa com 39 anos (à data dos factos) que sofreu danos gravíssimos e permanentes – possui paraplegia AIS B nível T, com uma incapacidade permanente de 71,4%, não se locomove, está confinado a cadeira de rodas, encontra-se incontinente de fezes e urina - usa fralda de forma permanente, que lhe é mudada de 8 em 8 horas, e tem que proceder à algaliação de 3 em 3 horas, introduzindo uma algália no pénis de forma a poder expulsar a urina, para conseguir defecar tem que tomar medicamentos r introduzir supositório de bisacodil no ânus, de 2 em 2 dias – elevado prejuízo da saúde geral e da longevidade.

Foi sujeito a inúmeras intervenções médicas e a tratamentos prolongados (esteve de 03-06-2013 a 31-01-2014 internado, com 297 dias para a consolidação médico-legal), apresenta fenómenos dolorosos de costas permanentes, com ráquis paraparético com colete de estabilização, conta dorso-lombar e meias elásticas até a cintura que o impediam de repousar e até dormir, recorrendo a analgésicos para conseguir dormir cerca de 3 a 4 horas por dia, toma diariamente mais de 10 comprimidos - elevado quantum doloris.

Perdeu a função sexual, sendo que à data do acidente planeava com a sua esposa ter mais um filho, pelo que viram-se forçados a desistir desse objetivo de vida - elevado prejuízo sexual.

Ficou sujeito a tratamentos fisioterapêuticos para o resto da vida e ficou dependente de terceira pessoa até ao fim da sua vida - está dependente de terceira pessoa para a realização de tarefas básicas do dia-a-dia como, nomeadamente, tarefas de higiene, para mudar as fraldas, tomar banho, vestir-se, transferência da cadeira de rodas para a cama e vice-versa – elevado prejuízo da autossuficiência.

Ficou impedido de se dedicar aos seus passatempos - pesca desportiva, ornitologia e criação de aves que lhe davam bastante gozo, orgulho e momentos de convívio com outros aficionados – elevado prejuízo de distração ou passatempo.

Deixou de poder brincar com a filha, de conduzir o seu automóvel, de frequentar cafés e restaurantes, de visitar os seus familiares e amigos, passando grande parte dos seus dias em casa, sem ocupação, sentindo-se infeliz, revoltado, angustiado – elevado prejuízo da afirmação pessoal.

Todos estes factos representam e constituem uma tristeza, angústia, frustração e quebra na “alegria de viver” que se perpetuará para o futuro e de forma permanente, pelo que não se afigura desproporcionada e excessiva a indemnização arbitrada pelo Tribunal da Relação.

Acresce que a nossa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos com alguma similitude atribuiu valores semelhantes. Senão vejamos.

Acórdão do STJ de 09-09-2015, Proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1 - 3.ª Secção[37]:

“VIII - O cálculo aritmético dos rendimentos previsivelmente perdidos, considerando os rendimentos que o demandante auferia, a incapacidade que o demandante sofreu (90% IPP), a idade de 56 anos à data do acidente e, nessa altura, uma esperança de vida de mais de 19 anos, corresponde a €920.937,60 [(€41.386,00, rendimento do trabalho independente + €12.470,00, rendimento do trabalho por conta de outrem) x 0,90 x 19] e tendo em conta que, aos rendimentos por conta própria, como trabalhador independente, não foi deduzida a contribuição obrigatória para a Segurança Social, entendemos ser equitativo fixar a indemnização pela perda de capacidade de ganho, em €800.000,00. XI - É justa, equilibrada e equitativa a indemnização de €170.000,00 arbitrada pelo tribunal da Relação ao demandante a título de danos não patrimoniais, perante um quadro factual de dores, sofrimentos e angústias que o demandante sofreu, sofre e sofrerá enquanto estiver vivo: dores físicas e psíquicas durante os sucessivos tratamentos e internamentos; paraplegia completa e compromisso dos esfíncteres, com nula hipótese de recuperação total; perda “de toda e qualquer” sensibilidade da linha mamilar para baixo; perda de auto-estima, e da alegria de viver, passando a ser uma pessoa triste e amargurada, deprimida e revoltada; impotência sexual; dependência diária de 3.ª pessoa para cuidar de si e da sua higiene; dependência de cadeira de rodas para se movimentar e de impossibilidade de exercer qualquer atividade”.

Acórdão do STJ de 24-04-2012, Revista n.º 3075/05.2TBPBL.C1.S2 - 1.ª Secção[38]:

“I - As indemnizações por acidente que seja simultaneamente de viação e de trabalho não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento total do prejuízo sofrido, pelo que o lesado não poderá receber as duas indemnizações integral e autonomamente, dado que tal equivaleria a reparar duas vezes o mesmo dano, com o consequente enriquecimento ilegítimo. II - À indemnização global de € 39 567,50, atribuída ao autor para readaptação da sua casa, em virtude da dificuldade de locomoção de que ficou a sofrer em razão do acidente, cumpre descontar o valor de € 4279,206 que lhe havia sido atribuído no foro laboral para esse fim. III - Provado que, em razão do acidente ocorrido a 13-01-2003, o autor, nascido a 30-08-1957, se encontra impossibilitado de andar, movendo-se em cadeira de rodas, necessitando da ajuda de terceira pessoa para a prática dos atos normais do dia-a-dia; tem incontinência urinária e fecal, o que o obriga ao uso permanente de fraldas, sofrendo de frequentes infecções urinárias; tem uma incapacidade para o trabalho equivalente a 100%; apresenta muita dificuldade em falar, não sendo percetível tudo o que diz; sofreu muitas dores e incómodos, por decorrência das lesões e do seu tratamento, situação que se mantém e manterá no futuro; tem dificuldades em dormir; após o acidente, não mais manteve relações sexuais com a sua esposa; sente-se triste e frustrado; sabe que sua esposa também sofre, o que aumenta o seu sofrimento; tem consciência da sua total dependência em relação aos que o rodeiam, apresentando-se por vezes apático e chorando muitas vezes, sendo que antes do acidente era saudável e feliz, ponderando estes elementos, na ausência de culpa no evento do lesado, mostra-se equilibrado o montante de € 115 000 fixado pela Relação a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Acórdão do STJ de 07-10-2010, Revista n.º 839/07.6TBPFR.P1.S1 - 7.ª Secção[39]:

VII - Não é excessiva uma indemnização de € 150 000, calculada como compensação dos danos não patrimoniais, decorrentes de lesões físicas gravosas e absolutamente incapacitantes, envolvendo uma IPG de 80% e a incapacidade definitiva para qualquer trabalho, com absoluta dependência de terceiros para a realização das actividades diárias e necessidades de permanente assistência clínica, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão de vida do lesado».

Acórdão do STJ de 12-03-2009, Proc. n.º 578/09 - 3.ª Secção[40]:

«I - O n.º 3 do art. 496.º do CC manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais equitativamente.

II - Não havendo critérios rígidos para a fixação da indemnização, há no entanto que adotar um critério objetivo essencialmente orientado pela gravidade dos danos.

III - Tendo em consideração: - a extensão e gravidade das lesões sofridas (fratura frontal, focos de contusão cerebral, hematoma subdural), que causaram um período de 754 dias de doença; - as sequelas das lesões, que determinaram uma incapacidade permanente geral de 45%, que evoluirá provavelmente para 55%; - as dores e sofrimentos que os tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas causaram, bem como os que as sequelas das lesões naturalmente determinarão para o resto da vida; - que o lesado era, à data do acidente, um jovem de 16 anos de idade que viu a sua vida escolar interrompida por algum tempo e cuja capacidade de trabalho futura está irremediavelmente diminuída, da mesma forma que toda a sua vivência pessoal como jovem e adulto ficará seriamente afetada pelas sequelas das lesões sofridas; nenhuma censura merece o acórdão da Relação que fixou em €€ 175 000 a indemnização por danos não patrimoniais».

Acórdão do STJ de 25-11-2009, Proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1 - 3.ª Secção[41]:

«XXII - Ponderando, no caso concreto: - que à data do acidente o lesado tinha 8 anos de idade; - que em consequência do acidente ficou paraplégico, com uma incapacidade permanente geral de 80%, a que acresce 5% de dano futuro, estando a vida futura confinada a uma cadeira de rodas, com dependência de ajuda de terceiros; - que o seu ingresso no mundo do trabalho poderia ocorrer por volta dos 20 anos; - considerando o que é normal acontecer, suposto um percurso de vida, sem incidências estranhas, anómalas ou perturbadoras, não havendo razões para pensar que não pudesse obter uma formação profissional média, bem como a evolução do salário mínimo nacional, tem-se como verosímil um rendimento de € 1100 mensais; - na avaliação concreta do dano, como ponto de partida, de forma a alcançar uma base mínima de trabalho, de modo a conseguir uma referência, uma plataforma inicial a partir da qual se façam operar elementos variáveis que têm a ver com introdução do juízo de equidade, procurando demonstrar/explicar como é alcançado o mínimo denominador e evitar soluções de pendor subjetivista, poderemos lançar mão da fórmula utilizada no Ac. do STJ, de 04-12-2007, no Proc. n.º 3836/07 - 1.ª, e retomada em Acs. posteriores. Trata-se do resultado da aplicação do programa Excell à fórmula utilizada pelo STJ, de 05-05-1994, CJSTJ 1994, Tomo 2, pág. 86, elaborada tendo como referência a atribuição de 3% ao fator aí indicado como taxa de juros previsível no médio e longo prazo. XXVI - Tomando a entrada no mercado de trabalho, como verificando-se em 2015, com os 20 anos do demandante, atendendo, para este efeito, a reforma aos 65 anos, ao salário médio mensal ficcionado de € 1100, a que acrescerá subsídio de férias e de Natal, no total de 14 meses, ou seja, um rendimento anual de € 15 400 e aplicando o fator de 24,51871, correspondente a 45 anos até atingir a reforma (dos 20 aos 65 anos) e a taxa de IPP de 85%, sem qualquer concorrência da vítima para as lesões sofridas, temos o seguinte: € 15 400 x 24,51871 x 85% = € 320 949,913. XXXI - Sucede que os demandados aceitaram, conformaram-se com o valor fixado pela Relação; estando-se no domínio dos direitos disponíveis, será de ter em consideração tal valor, pelo que a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, lucro cessante, ganho frustrado, de perda de capacidade aquisitiva de ganho do demandante, fixa-se o montante de € 350 000 (que havia sido fixado pelo Tribunal da Relação). XXXIX - Não é de autonomizar a indemnização por dano resultante da violação do direito à sexualidade e à procriação, que radica no direito à integridade física, integrando uma das componentes de danos não patrimoniais. XL - Danos não patrimoniais são os que afetam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom-nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada. XLII - No domínio da quantificação do dano não patrimonial, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder” ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir”, ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem dá lugar a reposição por equivalente. XLIII - A valoração dos danos não patrimoniais depende de uma apreciação sobre matéria de direito – o que ocorre sempre que se faça uso da equidade –, suscetível, portanto, de apreciação no STJ. XLIV - Só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente fria, aguçada, requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito. XLV - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º, como decorre do n.º 3 do art. 496.º do CC, sendo de atender ao grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. XLVI - Com a cláusula de equidade, prevista em geral no art. 4.º e permitida, no que ora interessa, nos arts. 496.º e 566.º, n.º 3, do CC, o tribunal resolverá o litígio ex aequo et bono e não ex jure stricto. Em causa está conceito relacionado com justiça natural, igualdade, imparcialidade, justiça. XLVII - No que se refere à fixação do montante correspondente a compensação por danos não patrimoniais, é possível distinguir quatro soluções jurisprudenciais, a ter presentes: - afastamento/desconsideração do critério de compensação do dano morte como padrão para compensação dos danos não patrimoniais de sobreviventes grandes traumatizados, argumentando-se que, sendo a vida o bem supremo, a valoração da sua perda não pode ser excedida pela resultante das dores e sofrimentos; - estabelecimento do justo grau de compensação, havendo que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios; - da intervenção corretiva limitada por parte do Tribunal Superior, posto que alguma jurisprudência defende uma intervenção do tribunal de recurso limitada e restrita na fixação deste tipo de danos, não se justificando essa intervenção caso se entenda que a indemnização foi adequadamente fixada, sendo reveladora de bom senso; - soluções de fixação de montantes relativamente ao dano em causa em situações paralelas, nas quais se tem em consideração o sentido das decisões sobre a matéria, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras situações judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito – os padrões de indemnização que vêm sendo adotados pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade. XLVIII - Revertendo ao caso concreto, e considerando que: - o menor ficou paraplégico, sem sensibilidade abaixo da linha intermamilar, fazendo infeções urinárias, respiratórias e dermatológicas e úlcera na região occipital, sendo ventilado durante 15 dias; - em consequência do acidente ficou internado mais de 8 meses; - foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, com anestesias gerais e sequente sujeição a programas de reabilitação física; - a incapacidade temporária geral total foi de 765 dias, o que significa que durante os anos completos de 2004 e 2005, esteve impedido de realizar com razoável autonomia as atividades da vida diária, familiar e social, sendo do mesmo período a incapacidade temporária para a atividade ocupacional habitual de estudante; - efetuou 197 deslocações ao Centro de Medicina de Reabilitação entre a data da alta deste e a data da propositura da ação cível enxertada, tendo efetuado outras 82 deslocações ao Hospital no mesmo período; - foi submetido a tratamentos de acupunctura; - padece de quantum doloris de grau 6, numa escala de 7, de dano estético de 5, numa escala de 7 graus; - padece de ausência de controle de esfíncteres, obrigando a uso de fraldas e de bebegel, tendo a necessidade de fazer algaliação de 3 em 3h, constituindo uma situação irreversível; - tem necessidade de ter vigilância do foro urológico, tomando diariamente dois comprimidos para o funcionamento da bexiga; - ficou na dependência de ajudas técnicas (cadeira de rodas, ortóteses e botas ortopédicas), médicas fisiátricas e medicamentosas, bem como do apoio de terceira pessoa; - tem a perspetiva de viver numa cadeira de rodas até ao fim dos seus dias; - necessita de fisioterapia e hidroterapia para não agravar o seu estado; - acresce a perda do avô, com quem seguia no veículo embatido, estando encarcerado cerca de 40 m ao lado do mesmo, já morto, só dele conseguindo falar e chorar a sua morte mais de dois meses transcorridos sobre o acidente, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 250 000».

Tendo em conta a jurisprudência acima citada e uma jurisprudência atualista - de que a compensação não se compadece com valores simbólicos - a título de quantum indemnizatórios, para casos em que estão em causa danos irreversíveis e sofrimentos e tristeza profundas para uma vida, aos 39 anos de idade, vendo-se privado de locomover, sem possibilidade de utilizar o corpo, e dependente de terceira pessoa para o resto da sua vida, para realizam de tarefas básicas do dia-a-dia que o impedem de desfrutar de forma plena a sua vida, seja familiar, sexual e social, sendo 5 (cinco) os responsáveis civis pela indemnização (ainda que tenhamos consciência que respondem em regime de solidariedade) com rendimentos medianos, não vislumbramos qualquer excesso no valor de 200.000€ atribuído pelo Tribunal da Relação.

Temos como certo que a indemnização arbitrada apenas pretende ressarcir danos não patrimoniais e que se encontram excluídos os danos patrimoniais sofridos pela vítima bem como a repercussão na vida laboral, dado os valores/pensões que o demandante recebeu e continua a receber no âmbito da responsabilidade objetiva emergente do acidente de trabalho. Porém, a vida de um ser humano, vai muito além da sua vida laboral (do seu vencimento) e do pagamento da assistência por terceira pessoa. Esta alteração integral da vida de uma pessoa aos 39 anos de vida, não se fixa de acordo com os critérios contantes da Portaria 377/2008, de 26-05, que não passam de índices meramente informadores, conforme se assumiu no Acórdão do STJ de 27-10-2010, proferido no Proc. n.º 488/07.9GBLSA.C1.S1 - 3.ª Secção “XIII - A Portaria 377/2008, de 26-05, estabelece meras propostas, critérios orientadores para apresentação aos lesados, em caso de acidente de viação, por dano corporal, estipulando no seu art. 6.º, al. b), que, para fins de cálculo de prestações em caso de violação do direito à vida e de prestações de vida ao cônjuge ou descendente incapaz por anomalia psíquica, se presume que trabalharia até aos 70 anos, significando a justiça do abandono da tese da vida ativa para além dos 65 anos. XVII - Estes critérios merecem aceitação do STJ, mas, como também comummente se aponta, não passam de índices meramente informadores da fixação, meros caminhos de solução, simples “guias”, instrumentos de trabalho, de feição auxiliar, que não permitem dispensar a equidade, que é a justiça do caso concreto, o dizer a solução de acordo com a lógica e o bom senso, na exata medida das coisas, das regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, no caso concreto, que não ceda a critérios subjetivos de ponderação, que leve em apreço a gravidade do dano».

O desgosto, a angústia, a revolta e tristeza profundos mormente de não poder ter uma vida normal, de não poder ser autónomo, nomeadamente de não poder andar quando e como quiser, de não controlar as fezes e urina, não poder ter relações sexuais, de não poder brincar com a filha, tem um custo pessoal incalculável que se tem de refletir numa indemnização de valor considerável, pelo que que consideramos - face aos valores praticados na nossa jurisprudência para casos paralelos - não se afigurar excessiva e desproporcionada a quantia de 200.000€.

Assim ao contrário do afirmado pelos Recorrentes, entendemos que a indemnização atribuída pelo Tribunal da Relação teve em conta os factos efetivamente praticados pelos arguidos/demandados civis e a proporcionalidade das suas culpas na indemnização arbitrada e as consequências gravosas na vida do Demandante dos danos ocasionados pela prática do crime e a ponderação da mediana situação económica dos demandados, não afrontando este valor - 200.000€ - as regras de boa prudência e da criteriosa ponderação das realidades da vida, e nessa medida, não se impõe qualquer intervenção corretiva do STJ na indemnização fixada pelo Tribunal da Relação, no valor de € 200.000,00€ (duzentos mil euros) a suportar, em regime de solidariedade, pelos demandados civis[42].

Improcede assim o recurso interposto pelos demandados civis.

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4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento os recursos interpostos pelos Demandados Civis CC, Lda., DD e EE, e AA e BB, Lda., e consequentemente mantêm a condenação dos mesmos no pagamento do montante indemnizatório fixado, de 200.000€ (duzentos mil euros), a título de danos não patrimoniais, ao Demandante Civil FF.

Custas (cíveis) pelos demandados civis/recorrentes, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 523.º do CPP.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 20 de março de 2019

Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves


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[1] Transcreve-se aqui o acórdão na parte da rectificação do lapso de escrita “De salientar, ainda, que se deteta na sentença, ora recorrida, um manifesto lapso de escrita, quando na alínea k) do ponto 6, ou seja, da “Decisão”, se consignou “no pagamento de indemnização por danos patrimoniais” em vez de “danos não patrimoniais”, como resulta indubitavelmente da fundamentação de direito constante da decisão ora recorrida, o que cumpre, agora, rectificar”.

[2] O (s) presente (s) recurso(s) cinge(m)-se unicamente à condenação cível e os cinco recorrentes não se conformam com o acórdão, no essencial, quanto às mesmas questões, por isso procede-se à sua apreciação total (conjunta).
[3] Lei n.º 62/2013, de 26/08, com as alterações do DL n.º 110/2018, de 10/12, Lei n.º 23/2018, de 05/06, Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25/08, Lei n.º 94/2017, de 23/08 e Lei n.º 40-A/2016, de 22/12, doravante designada por LOSJ.
[4] Doravante designada por LAT.

[5] Em concurso aparente com um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços por negligência, p. e p. pelo artigo 277.º, n.º 1, alínea b), e 2, com a agravação do artigo 285.º, com referência ao artigo 15.º, alínea a), do C.P.
[6] Proferido em 06-09-2010, no Proc. n.º 8/10; proferido em 25.03.2015, no Proc. n.º 02/14; proferido em 25.06.2015, no Proc.08/15; proferido em 09.07.2015 no Proc. 07/15; proferido em 18.02.2016, no Proc. 43/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Acessível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2014.pdf.
[9] Acessível em www.dgsi.pt
[10] Acessível em www.dgsi.pt
[11] Acessível em www.dgsi.pt
[12] Acessível em www.dgsi.pt.
[13] Veja-se neste sentido, Acórdão do STJ de 24-01-2018, Proc. n.º 7238/08.0TDLSB.P2.S1– 3.ª Secção “(…) o princípio da adesão, consagrado no art. 71º, do CPP, que determina a obrigatoriedade, em regra, de formulação do pedido de indemnização civil derivado da prática de um crime no processo penal respetivo.”

[14] Veja-se, neste sentido entre outros, Acórdãos do STJ: Proc. n.º  2505/08 - 3ª; de 25-02-2009, Proc. n.º 3459/08 - 3ª; de 15-04-2009, Proc n.º 3704/08 - 3ª; de 18-06-2009, Proc. nº 81/04.8PBBGC.S1-3ª.
[15] Em sentido convergente veja-se Assento n.º 7/99, de 17-6-1999 (publicado no DR. n.º 179, Série I-A de 1999-08-03) “Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”.
[16] Acessível em www.dgsi.pt.
[17] In Coleção Formação Inicial do CEJ, Julho de 2013, pág. 21/22.
[18] Acessível em www.dgsi.pt.
[19] Situação diferente foi a situação decidida no Acórdão do STJ de 29-05-2014, Proc n.º 1327/11.1TBAMT-A.P1.S1,- 7.ª Secção: - A competência para julgar uma causa determina-se em função do pedido e da causa de pedir invocados pelo autor na petição inicial. II - A competência dos tribunais de trabalho é definida de forma positiva, pelo art. 85.º da Lei n.º 3/99, de 03-01, sendo incontestável que a al. c) do supra citado artigo confere a estes a competência para, em matéria cível, julgar as questões emergentes de acidentes de trabalho, entre as quais as ações de indemnização por danos resultantes de acidente de trabalho. III - Tendo a autora alegado, quando propôs a presente ação, que «quando trabalhava para o 2.º réu, como trabalhadora agrícola, sob as ordens, direção, fiscalização e instruções deste e na propriedade do mesmo (…) foi vítima de um acidente com uma máquina de rachar lenha, acoplada ao trator agrícola (…) propriedade do 2.º réu», atribuindo o mesmo «à violação das mais elementares regras de segurança», resulta que a causa de pedir por si invocada é, indubitavelmente, um acidente de trabalho. IV - Uma vez que nada, na petição inicial, nos possibilita admitir a qualificação do acidente como sendo, simultaneamente, de trabalho e de viação, é de concluir pela exclusiva competência, para apreciar a presente ação, do tribunal de trabalho, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 85.º da Lei n.º 3/99.”
[20] Salvo as exceções previstas no art. 72.º do CPP – pedido em separado.
[21] Acessível em www.dgsi.pt.
[22] Vide acórdão do STJ de 30-03-2017, Revista n.º 1375/06.3TBSTR.E1.S1 - 2.ª Secção.

[23] Dispõe o art. 79.º, n.º 3 da LAT “Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.”
[24] Sumário acessível em www.dgsi.pt/Jurisprudência/Acórdaãos/Sumários de acórdãos/Cível - Ano de 2018- Outubro.
[25] Sumário acessível em www.dgsi.pt/Jurisprudência/Acórdaãos/Sumários de acórdãos/Cível - ano de 2014.

[26] Conforme acórdão de 26-01-2006, de Sousa Peixoto, do Proc. n.º 05S2338, disponível em www.dgsi.pt.
[27] Acessível em www.dgsi.pt.
[28] Acessível em www.dgsi.pt.

[29] Acórdão do STJ de 06-05-2008, Revista n.º 869/08 - 6.ª Secção “I - Um acidente de trabalho pode igualmente configurar um crime doloso ou culposo, imputável ao próprio empregador, a outros trabalhadores ou a terceiros quando o respetivo agente com a sua atuação - por ação ou omissão - tendo representado o acidente como possível, expressamente tenha consentido, aderido ou aceitado o resultado, ou não representando ou previsto o acidente, não atue com o cuidado e a diligência que as circunstâncias do trabalho exigem e que está obrigado podendo e devendo prever a sua ocorrência, atuando com o cuidado e a diligência exigíveis. II - No caso, se é verdade não ter sido diretamente assacada ao manobrador da grua qualquer ação ou omissão de que pudesse ter resultado a queda do balde que dela se desprendeu não menos verdade é que se imputam a quem dirigia a obra e cumpria assegurar a manutenção da máquina, com os indispensáveis dispositivos de segurança, omissão culposa dos deveres inerentes porventura determinantes da instabilidade experimentada na elevação do balde e como tal concorrendo, como uma das condições para a verificação do evento danoso que tão graves ferimentos provocou a quem no local o acabava de carregar. III - Assim, não se pode à partida excluir a caracterização dos factos como um ilícito penal, não sendo diferentes os conceitos de culpa no direito penal e no direito civil, sendo que a inobservância das leis e ou das regras técnicas de segurança na operação de uma grua e no âmbito de obras de construção civil, faz presumir essa culpa, enquanto atividade perigosa, pela sua própria natureza. IV - Deste modo, não se justifica o conhecimento na fase do saneador da exceção de prescrição pois a factualidade alegada é suscetível de configurar o tipo legal de crime por ofensas graves à integridade física do sinistrado, configurando a resposta da A. às contestações dos demandados uma contra exceção, enquanto pretendendo fazer-se ela valer do alongamento do prazo prescricional extensivo a todos os demais intervenientes no pleito, em função da sua especial relação, no plano da responsabilidade civil com quem directamente preparava e dirigia as operações com a grua e podia por eventual omissão culposa dos seus deveres, prever o acidente com ela verificado.
[30] Sumário acessível em www.dgsi.pt/Jurisprudência/Acórdaãos/Sumários de acórdãos/Cível - Ano de 2018 – Maio.
[31] Acessível em www.dgsi.pt.
[32] Sumário acessível em www.dgsi.pt/Jurisprudência/Acórdaãos/Sumários de acórdãos/Cível - Ano de 2008.
[33] Vide Acórdão do STJ de 23-05-2018, Proc. n.º 630/13.0PBGMR.1.S2 - 3.ª secção.

[34] Vide acórdão do STJ de 25-11-2009, Proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1 - 3.ª Secção.
[35] Sumário acessível em www.stj.pt, Jurisprudência, Sumários de Acórdãos, Criminal – Ano de 2016.
[36] Acessível em www.dgsi.pt.
[37] Acessível in www.dgsi.pt.
[38] Acessível in www.dgsi.pt.
[39] Acessível in www.dgsi.pt.
[40] Sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudencia /Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal - ano de 2009.
[41] Acessível in www.dgsi.pt.
[42] Conforme se defendeu no Acórdão do STJ de 18-06-2009, proferido no Proc. n.º 1632/01.5SILSB.S1 - 3.ª Secção “IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que «os tribunais devem seguir não são fixos» (Antunes Varela/Henrique Mesquita, Código Civil Anotado, 1.º vol., anotação ao art. 494.º), «devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos»”.