I - O arguido foi condenado, na 1.ª instância, como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º; 23.º; 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. i), “in fine” do CP na pena de 5 anos e 9 meses de prisão; e como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c) da RJAM na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, nos termos do disposto no art. 77.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CP, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.
II - A única questão em causa no recurso para este STJ tem a ver com a medida das penas parcelares e da pena unitária (6 anos e 6 meses de prisão), que o recorrente considera desadequada, excessiva e desproporcional.
III - Os crimes em causa, como bem ressalta da decisão recorrida, são de significativa gravidade. Relativamente ao homicídio qualificado tentado, a decisão considerou a intensidade do dolo, que é directo, as exigências de prevenção geral positiva atento o valor fundamental em causa (a vida humana) e de prevenção especial (apesar de inserido e de não ter antecedentes criminais, arguido não dominou os seus instintos primários), bem como o modo de execução do crime.
IV- No homicídioprotege-se a vida humana, valor fundamental com que o legislador abre a parte especial do CP (arts. 131.º e ss.). Relembre-se que, no que concerne ao circunstancialismo em que ocorreu este crime, o arguido além de ter utilizado uma pistola Parabellum de calibre 9 mm, disparou vários tiros contra o ofendido, reveladores de uma forte vontade de actuação, alvejando-o de frente e de costas: primeiramente, pelo menos, 2 tiros, na direcção do torso atingindo-o na região intra costal e lombar à esquerda; num segundo momento, efectuou, pelo menos, mais 2 disparos, nomeadamente na direcção do abdómen. Sem esquecer que no caso presente estamos perante um homicídio qualificado, na forma tentada, há muito que este STJ vem realçando as elevadas exigências de prevenção geral nos homicídios.
V - Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, a decisão em crise considerou a elevada ilicitude, o dolo intenso (directo), as exigências de prevenção geral (ocorrência frequente na comarca deste tipo de ilícitos) e especial (arguido socialmente inserido).
VI - Assim, perante todo o circunstancialismo em causa, e atenta a moldura da pena em equação [entre o mínimo 5 anos e 9 meses de prisão, pena parcelar mais elevada, e o máximo de 7 anos e 6 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares envolvidas no cúmulo)], considera-se ajustada a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão fixada pela 1.ª instância.
I. RELATÓRIO
1. Nos presentes autos (Proc. n.º 221/17.7PHLRS) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures-Juiz 4, por acórdão de 15/1/2018 (fls. 845-867, do 4.º vol.), foi o arguido AA condenado nos seguintes termos (transcrição):
Pelo exposto, o Tribunal decide:
1) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de ameaça agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal e com a agravação do art. 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro;
2) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º; 23º; 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea i), “in fine” do Código Penal agravado nos termos do art. 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro;
3) Procede à convolação da qualificação jurídica feita na acusação e condena o arguido AA como autor material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º; 23º; 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea i), “in fine” do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão;
4) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) e nº 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro;
5) Procede à convolação da qualificação jurídica feita na acusação e condena o arguido AA como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
6) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão, nos termos do disposto no art. 77º, nºs 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido AA na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;
7) Condenar o arguido AA no pagamento das custas criminais, em taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) Unidades de Conta (cfr. arts. 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, 8º, n° 5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa;
8) Julgar parcialmente extinto, por inutilidade superveniente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Centro Hospitalar de ..., E.P.E. quanto ao montante de 146,77 € (cento e quarenta e seis euros e setenta e sete cêntimos) e parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante Centro Hospitalar de ..., E.P.E. e, consequentemente, condenar o arguido/demandado no pagamento de uma indemnização no valor de € 2.405,42 (dois mil, quatrocentos e cinco euros e quarenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros desde a data de notificação do pedido até integral pagamento, à taxa de 4% dos juros civis, com custas do pedido de indemnização civil a cargo do arguido/demandado, atento o disposto no art. 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aplicável por força do disposto no art. 523º do Código de Processo Penal;
9) Nos termos do disposto no art. 109º, nº 1 do C.P declarar perdidos a favor do Estado a arma apreendida nos autos e determinar a sua entrega à PSP a fim de lhes dar o destino legal;
10) Determinar, ao abrigo do disposto no art. 8º, nº 2 da Lei nº 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha, após trânsito em julgado, de amostra de ADN ao arguido, com os propósitos referidos no nº 2 do art. 18º do mesmo diploma legal, oficiando-se ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito, que uma vez recolhida a amostra se proceda à sua inserção na competente base de dados ao abrigo do disposto no art. 18º nº 3 da Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro e ainda que, transitada esta decisão, se remeta certidão da mesma com nota de trânsito ao I.N.M.L. para efeitos de recolha da amostra e subsequente inserção na base de dados.
Recurso do arguido
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Logo é ele recorrente que determinada a amplitude de sindicância do tribunal “ad quem”
A primeira decorre da necessidade de delimitar a reapreciação indicando os pontos de fato em concreto da sua discórdia, art 412º nº 3 do CPP.
Indicando qual o seu fundamento e ainda aquelas que foram invocadas pelo Julgador
O Recorrente deve de se escusar em fazer Cópias de transcrições e mesmo das decisões que pretende serem sindicadas
Para tal é remetido ao Tribunal Superior certidão da Decisão Recorrida e Suporte em CD da produção da prova
Outra Limitação tem já a ver com o fato do Tribunal de Recurso ”ad quem” não poder fazer um segundo novo julgamento.
Para isso remete ao tribunal A Quo para o fazer.
Tratando-se assim, e apenas num reexame necessariamente segmentado e estribado no pretendido pelo recorrente, relativo a uma ponderação parcial e com o objectivo de se colmatar erros de julgamento (daí o termo de remédio jurídico) razão esta pela exigência ao recorrente de indicar com precisão as provas que atestam os invocados erros
Com o objectivo da atenuação do risco emergente do circunstancialismo lógico da quebra de imediação da prova que decorre no Tribunal de Recurso Neste Sentido: Ac do STJ de 4/6/2008 proc 1139/08.3; Ac do STJ de 18/6/2008 proc1126/08.3;Ac do STJ de 3/9/2008 proc 3269/08-5; Ac do STJ DE 27/5/2009 PROC 3270/08-; A. TC 124/90 de 8/2/91 DR II Série; Ac. TC de 22/1199 proc 677/99 DR II Serie de 28/2/99.
A reapreciação só pode determinar a alteração da matéria de fato assento na 1ª instância se este tribunal (de recurso) concluir (como se espera) que os elementos de prova (usados e invocados pelo recorrente) impõem uma decisão diversa e não apenas uma mera sugestão inquinando a pretensão desejada.
Nos termos expostos, que Vªs Exªs. melhor suprirão, deve ser admitido, e a final provido o presente recurso, porquanto :
1. O ora recorrente AA impugna o douto acórdão do tribunal A Quo que decretou, em cúmulo, a sua prisão em Seis Anos e Seis Meses de Prisão, em virtude do suposto cometimento de um crime de Homicídio qualificado na forma tentada (5 anos e 9 meses de prisão); detenção de arma proibida (1 ano e nove meses de prisão);
2. Desde logo, o recorrente teve o cuidado de motivar o seu recurso no sentido de demonstrar de forma clara e cabal que
3. O recorrente determinou o seu recurso a questões de Direito, reconhecendo o bom desempenho do Tribunal A quo quanto ao tratamento das questões de facto e assentes dadas como provadas;
4. O tribunal A quo veio ainda e já no que respeita aos critérios utilizados para a determinação da sanção “pena”, aplicável e mesmo da pena aplicada, ponderar erradamente afrontando o disposto no art 70º, 71º e seguintes do CP;
5. O art. 71º nº2 do CP consagra um conjunto de circunstâncias agravantes ou atenuantes que devem ser atendidas na determinação concreta da medida da pena (caso exista alguma pena a aplicar ao caso concreto) como o grau da ilicitude do facto o seu modo de execução mas também as condições pessoais do agente a sua situação económica familiar a conduta anterior e posterior ao facto em apreço;
6. Dispõe o CP no seu art. 40º, que a aplicação das penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, nos termos para os efeitos do nº1 e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa nos termos do nº 2 desse mesmo artigo;
7. Contudo é sempre entendimento do recorrente que a prova produzida em sede de Julgamento no tribunal da 1ª Instancia não foi suficiente nem adequada e daí a pertinência desta ser em parte reproduzida em sede deste RECURSO;
8. Tem o recorrente AA a firme convicção que o Tribunal SUPERIOR decidira em conformidade e com o seu caso concreto não deixando de relevar a sua confissão, a sua inexistência de passado criminoso; a sua estabilidade familiar e integração social na área de residência;
9. O arguido aqui recorrente demonstrou sério arrependimento, prontificou-se a ressarcir terceiros nomeadamente o assistente pelos valores reclamados; fazendo prova em Juízo de já ter pago uma parte da verba reclamada;
Daí
10. O tribunal recorrido não ponderou nem considerou a inexistência de agravantes para através delas e por interpretação à contrário segundo o princípio do tratamento mais favorável ao arguido, determinando-lhe pena inferiores às que aplicou;
11. Mormente o tribunal A quo deveria limitar a pena de Homicídio qualificado na forma tentada a uma pena nunca superior a 4 anos e 9 meses; e a pena para o crime de detenção de arma proibida a Multa e não a prisão efectiva (1 ano e nove meses);
12. O Tribunal A Quo no cúmulo Jurídico deveria adequadamente aplicar pena nunca superior a cinco anos de prisão
13. Garantindo ao arguido recorrente a aplicação do Instituto do art. 50º do CP (suspendendo-a na sua execução).
Porquanto, deve
O Acórdão recorrido e no qual o arguido BB fora condenado em pena de Seis Anos e Seis Meses de Prisão, ser REVOGADO.
Sendo-lhe determinada uma pena adequada e proporcional ao grau da sua culpa nunca superior a Cinco Anos e SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO por igual período com a condição do pagamento do restante do pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente no prazo de Seis Meses após o trânsito em julgado
Requer que a deliberação seja julgada e proferida em audiência.
Assim Julgando, farão Vossas Excelências JUSTIÇA»
3. A Ex.ma Magistrada do MP na 1.ª instância respondeu ao recurso (fls. 913-921, do 4.º vol.), pronunciando-se pela sua improcedência e terminando com as seguintes conclusões:
Escreve, nomeadamente em tal peça:
«Afigura-se-nos que o recorrente na sua motivação apenas se bate por uma redução da pena que leve à sua suspensão. Nestes termos, e sendo esta a questão que é colocada ao tribunal, nada importa acrescentar ao teor da resposta apresentada pela sra procuradora adjunta, a qual assim nos serve também de fundamento a defendermos a improcedência do recurso.
Isto se refere apenas na medida em que não é possível agravar a pena do arguido, dado que o que nos parece é que o tribunal recorrido violou as normas de ponderação da medida da pena ao usar de demasiada benevolência em tal ponderação, e não o contrário como pretende o arguido.
Nestes termos somos de parecer que o recurso deve improceder e a decisão recorrida ser confirmada.»
5. Por seu turno, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu, em Maio de 2018, parecer (fls. 958-960, do 5.º vol.), também a seguir transcrito na parte pertinente:
«II.
Inconformado com o julgado, dele vem interposto recurso para o STJ pelo arguido o qual conclui nos termos que melhor se colhem da leitura das conclusões formuladas a págs. 895-896.
III.
O MP veio responder, vide págs. 912-921, sustentado o julgado, concluindo, destarte pela improcedência do recurso.
IV.
Como é consabido, o objecto do recurso é definido pelas conclusões retiradas na motivação, sem prejuízo dos poderes de conhecimento ex officio da instância apelada. Temos assim, in casu que, pese embora o inicial arrazoado
a verdade é que a censura do recorrente se dirige exclusivamente á fixação da medidas das penas parcelares e única, tidas por excessivas, propugnando que pela alteração das primeiras, a pena única venha a ser fixada em medida não superior a cinco anos e concomitantemente suspensa na sua execução.
Desde já se diga, que não vemos que o tribunal a quo tenha desrespeitado os critérios legais de determinação quer das penas parcelares quer da pena única, não tendo assim, procedido á sua fixação em medida que viole os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Na verdade, flui do provado que o recorrente se mostra comprometido com a prática, não só de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86º, n º 1, alínea c), da Lei n º 5 / 2006, de 23 de Fevereiro, (moldura penal abstracta em relação à pena de prisão - 1 a 5 anos) bem como de um crime homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts.22º, 23º,131º e 132º, n º s 1 e 2, alínea i) in fine do CP (moldura penal abstracta, prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão).
O Tribunal Colectivo, no que diz respeito ao critério de escolha da pena, a que se reporta o art. 70º do CP, entendeu e bem que dada a matéria de facto que se mostra provada, a opção por uma pena de multa não seria idónea à realização de forma adequada e suficiente das finalidades da punição ou seja a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade -ut CP 40º, n º 1.Não se pode, também deixar de atentar que da arma detida conforme flui do provado, é de calibre 9mmm Parabellum, o que a torna de detenção proibida, visto tal calibre só poder ser usado por forças de segurança ou militares, o que desde logo, exarceba o grau da ilicitude do agente (desvalor da acção).Neste contexto, a aplicação de uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão, como vem feito, não pode, a nosso ver, entender-se como ofensiva dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.
Quanto ao crime de homicídio qualificado, na forma tentada, como decorre do seu enquadramento jurídico-penal e mais impressivamente, da descrição dos factos provados, a actuação do arguido foi extremamente gravosa, relevando a sua execução de especial censurabilidade, bem documentada na forma insidiosa como foram efectuados os disparos contra a vítima, pelas costas, os primeiros, quando esta se afastava descendo as escadas, e de frente, encontrando-se prostrada no solo, os segundos.
A ponderação das elevadas necessidades de prevenção geral positiva, o dolo directo e persistente, o elevado grau de culpa evidenciado, desde logo permitem concluir que as penas parcelares fixadas, bem como, vista a imagem global do facto e considerada a personalidade espelhada pelo recorrente, a pena única, se podem considerar como ainda consentâneas com as necessidades mínimas de reafirmação dos importantes bens jurídicos violados (avultando, naturalmente o da vida), pelo que, nos antípodas do propugnado pelo recorrente, se deve, na improcedência in tottum do recurso confirmá-las.
Neste conspecto, somos de parecer dever o recurso ser julgado totalmente improcedente.»
******
6. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, tendo o arguido respondido ao parecer do MP, através de requerimento de 2/7/2018 (fls. 971-973 do 5.ºvol.), no qual reitera a posição assumida na sua motivação de recurso.
Foi requerida a audiência pelo arguido, na sua motivação de recurso, pelo que o processo prossegue para julgamento (arts. 421.º CPP do CPP), que foi designada pelo Ex.mo Presidente.
Efectuado o julgamento, cumpre agora apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:
1 - DE FACTO:
1.1. – FACTOS PROVADOS:
1. No dia 4 de Março de 2017, pelas 2h00 o arguido AA deslocou-se na discoteca “...”, sita na Rua ....
2. Aí permaneceu até depois das 04h00 desse mesmo dia, quando a referida discoteca encerrou, tendo efectuado uma despesa de cerca de € 100.
3. Ao ser-lhe solicitado o respectivo pagamento, o arguido informou não ter consigo dinheiro suficiente, sugerindo a DD, proprietário do estabelecimento, que lhe desse boleia até casa de molde a efectuar o pagamento em falta, pois não dispunha de viatura própria.
4. DD pediu, em consequência, aos seus funcionários CC e EE que acompanhassem o arguido até junto da sua residência, o que estes fizeram.
5. O arguido, acompanhado de DD e EE, na viatura de marca Volkswagen, modelo Golf, cinzento, pertencente a DD, deslocou-se então à sua residência, sita na Avenida ...
6. Após imobilizada a viatura em que todos seguiram à porta do referido prédio, o arguido e DD, pelas 05h00 do dia mencionado, entraram no mesmo e subiram ao 7.º andar, onde o arguido residia, enquanto EE permaneceu a aguardar no carro, ficando DD a aguardar no patamar do 7.º andar, junto à porta do elevador.
7. O arguido entrou em casa e DD ficou a aguardar no patamar do 7.º andar, junto à porta do elevador.
8. O arguido AA saiu de sua casa exibiu o dinheiro a DD e disse-lhe “estás a ver como tenho o dinheiro”.
9. Após, empunhou uma pistola de calibre 9mm.
10. Com receio de que o arguido o atingisse com a arma, DD colocou-se então em fuga, intentando descer as escadas para o 6.º andar ao que o arguido apontou a pistola ao torso daquele e efectuou, pelo menos, dois disparos com a mesma, tendo atingido DD na região infra costal e lombar à esquerda, fazendo-o cair nas escadas.
11. O arguido desceu as escadas e, ao passar por DD, encontrando-se este caído por terra, efectuou, pelo menos, mais dois disparos na sua direcção, mormente abdómen, vindo a atingir DD na região inguinal à esquerda e na coxa direita.
12. Após o que encetou a fuga do local, continuando a descer as escadas do seu prédio e enquanto o fazia, empunhando a pistola supra referida.
13. Ao sair do prédio, o arguido AA passou por EE.
14. EE que se apercebera do som de disparos de arma de fogo, temeu pela sua vida e baixou-se dentro da viatura onde se encontrava, para se proteger.
15. Após o que o arguido se colocou em fuga, levando consigo a dita pistola que havia adquirido em data e local não apurado e que guardou até ao dia 27 de Março, data em que foi detido pela Policia Judiciária e diligenciou pela sua entrega a esta polícia.
16. A pistola era semiautomática por movimento simples, de percussão central e directa, de calibre 9mm Parabellum, de marca Heckler&Koch, de modelo P7M13 e com nº de serie 90829.
17. A arma não se se encontra manifestada nem o arguido possuía licença de uso de porte de arma que o autorizasse a deter, por qualquer modo, armas de fogo da natureza da supramencionada.
18. Em consequência directa e necessária da actuação do arguido, DD sofreu ferimentos penetrantes no hipocôndrio esquerdo, na região lombar à esquerda, na região inguinal à esquerda, na coxa direita e na zona glútea esquerda, que demandaram intervenção cirúrgica e das quais resultaram as seguintes sequelas no: - Tórax: cicatriz avermelhada, horizontal, com sinais de pontos de sutura, com 2 cm de comprimento por 0,5cm de largura, da região posterior do flanco esquerdo, que se refere a lesão de porta de entrada de projéctil de arma de fogo; - Abdómen: cicatriz operatória vertical, avermelhada, da linha média da parede abdominal, com inicio abaixo da região do apêndice xifóide e termo acima da cicatriz umbilical, com 15 cm de comprimento e 0,5cm de largura que refere a laparatomia exploradora e cicatriz avermelhada, horizontal, com sinais de pontos de sutura, da região abdominal do flanco esquerdo com 1cm de comprimento e 0,5cm de largura que se refere a porta de entrada de projéctil de arma de fogo; - Membro inferior direito: cicatriz avermelhada, horizontal, com sinais de pontos de sutura, com 1 cm de comprimento da face posterior da raiz da coxa direita que se refere a porta de entrada de projéctil de arma de fogo e cicatriz avermelhada, horizontal, com 2,5cm de comprimento e 0,5cm de largura da região glútea direita, junto ao sulco internadegueiro que se refere a porta de entrada de projéctil de arma de fogo; - Membro inferior esquerdo: cicatriz avermelhada, com sinais de pontos de sutura, da região anterior da raiz da coxa esquerda, com 1 cm de comprimento que se refere a porta de entrada de projéctil de arma de fogo e cicatrizes rosadas em nº de 3, da região glútea esquerda com 0,5 cm de comprimento que se refere a entradas de projécteis de armas de fogo.
19. As lesões supra descritas demandaram um período de 30 dias de doença, dos quais 10 com incapacidade para o trabalho geral e 30 com incapacidade para o trabalho profissional.
20. As zonas do corpo de DD visadas e atingidas pelo arguido, na qual se alojam órgãos essenciais à vida, o instrumento utilizado e o modo como foi usado consubstanciavam meios idóneos a causar a morte, o que o arguido não ignorava e queria ao agir do modo referido.
21. O arguido actuou, pois, não só de molde a molestar fisicamente DD mas com a intenção de lhe tirar a vida uma vez que visou aquelas partes específicas do corpo deste, propondo-se a aí atingi-lo e a matá-lo, bem sabendo que usando uma pistola com as características descritas, no modo descrito, a curta distância e visando aquelas zonas do corpo actuava de modo adequado a provocar-lhe a morte, e que só não o logrou alcançar por motivo externo à sua vontade e conhecimento.
22. O arguido quis agir do modo descrito, disparando uma arma de fogo contra DD, inclusive quando este se encontrava de costas bem como quando já tinha sido atingido e se encontrava caído no chão, bem sabendo que este, nessas condições, não tinha capacidade de defender e se encontrava numa posição de inferioridade, ciente de que ao fazê-lo agia de um modo pérfido, traiçoeiro.
23. O arguido conhecia as características da pistola e sabia que se tratava de um objecto perigoso quando usado contra outra pessoa, susceptível de lhe causar não só ferimentos bem como a morte.
24. O arguido estava ciente de que só podia adquirir, transportar, usar ou por qualquer modo deter armas da natureza da supra descrita caso possuísse licença de uso e porte de arma e caso a mesma estivesse manifestada.
25. Não obstante, o arguido agiu do modo descrito, adquirindo, detendo, transportando e usando a arma de fogo acima descrita nas circunstâncias de tempo, modo e lugar indicadas, bem sabendo que não era titular da necessária licença de uso e porte de arma e que a arma não encontrava manifestada e que, por essas razões, tal actuação lhe estava vedada, o que quis e realizou.
26. Em tudo agindo de forma livre e deliberada, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
27. O arguido não tem antecedentes criminais.
28. O desenvolvimento do arguido decorreu no seio do agregado familiar de origem, constituído pelos pais e uma irmã germana, mais nova. A família residia numa habitação camarária atribuída e integrada num contexto habitacional caracterizado por algumas problemáticas sociais, e a dinâmica do agregado foi perturbada pelo temperamento agressivo e hábitos alcoólicos do progenitor, que exercia violência doméstica sobre os elementos do núcleo familiar.
29. Com um baixo rendimento económico decorrente do trabalho do pai na construção civil e da mãe em limpezas, o agregado viveu também com alguns constrangimentos económicos.
30. No âmbito do seu desenvolvimento emocional, as características do pai contribuíram para que o arguido criasse distanciamento afectivo do mesmo, ao contrário da progenitora, com a qual estabeleceu elos emocionais coesos e significativos.
31. Todavia o facto de a progenitora desculpabilizar a conduta do pai e levar os filhos a esconder as agressões deste fora do contexto familiar, nomeadamente na escola, poderá ter contribuído para alguma ambivalência de sentimentos do arguido face aos comportamentos agressivos e às consequências dos mesmos, já que eram “aceites” por pessoas afectivamente significativas.
32. No seio familiar e em contextos estruturados como a escola, o arguido evidenciava capacidade para controlar os seus impulsos e lidar com as dificuldades quotidianas, registando a esse nível, comportamentos adaptados mas pouco interventivos nestes contextos, embora um significativo desinteresse e um elevado absentismo na escola. A mãe colocou-o na época num externato particular para que se afastasse dos grupos de pares de convívio e completasse o 9º ano de escolaridade.
33. O abandono dos estudos subsequente por parte do arguido, deveu-se essencialmente ao interesse manifestado pelo próprio de começar a trabalhar e ajudar economicamente a família.
34. Constatou-se um fraco investimento de AA num percurso laboral, que se caracterizou por trabalhos ocasionais, indiferenciados e precários no âmbito da construção civil e venda ambulante, conjuntamente com familiares, e pelo desenvolvimento de fracos hábitos de trabalho a par da manutenção de um modo de vida ocioso.
35. Segundo o arguido, terá sido no contexto deste modo de vida e da proximidade a grupos de pares com condutas desviantes, que se terá iniciado no consumo de estupefacientes, inicialmente haxixe, aos 19 anos, e posteriormente cocaína.
36. A nível pessoal, o arguido iniciou precocemente uma união de facto com outra jovem, com a qual ficou durante alguns anos e até ao nascimento do filho, a residir em casa dos respectivos pais, evidenciando na época uma postura imatura e fraco sentido de responsabilidade para com a família constituída, já que se mantinha na dependência económica de terceiros e com proximidade aos pares que faziam parte da sua rede relacional.
37. Destas relações resultou, em 2010 a aplicação de uma medida de suspensão provisória do processo por um crime de consumo de estupefacientes, com obrigação de efectuar serviços de interesse público, injunção que não foi cumprida.
38. À data dos alegados factos, o arguido vivia em casa arrendada, com a companheira e o filho, sendo a sustentabilidade do agregado era assegurada pelo trabalho da companheira num cabeleireiro, enquanto que o arguido, com o apoio de um amigo com maior disponibilidade económica, adquiria viaturas em segunda mão, que arranjava e revendia. Também acompanhava pontualmente o progenitor em trabalhos de construção civil, obtendo ganhos variáveis destas actividades. Contavam ainda com algum apoio económico por parte dos sogros.
39. Durante um período, o arguido elegeu o núcleo familiar como espaço privilegiado para o convívio e ocupação dos tempos livres, o que terá sido motivado igualmente por sentimentos de insegurança decorrentes de desentendimentos com vizinhos, no seu meio residencial e das ameaças que sofreu na época por parte destes.
40. A nível de consumos e apesar do arguido referir uma redução destes após o nascimento do filho encontrando-se em situação de abstinência desde 2015, as informações veiculadas apontam para a manutenção de consumos de cocaína por parte deste junto de amigos, que constantemente o contactavam e acompanhava em estabelecimentos de diversão nocturnos, como bares e discotecas. Despendia habitualmente o que auferia nesses consumos e ficava também, segundo as fontes, com dívidas, os quais originavam conflitos com a companheira e a levaram a tomar algumas medidas, para tentar dissuadir AA de sair de casa e manter esse modo de vida.
41. O arguido apresenta um temperamento sociável mas permeável à influência de terceiros, evidenciando nesse âmbito dificuldade para ter uma postura critica sobre o seu círculo de amizades ou os meios que frequenta com os mesmos, pelo que manteve, no período que antecedeu a sua actual prisão, um modo de vida com fraco investimento laboral, hábitos de consumo e frequência de meios de risco.
42. A nível de avaliação de risco e ainda que AA revela alguma capacidade discursiva e reflexiva, e noção do bem jurídico em causa, apresenta características que apontam para imaturidade socio afectiva, vulnerabilidade aos outros, fraca capacidade de autocontrolo sobre os seus impulsos e deficits a nível do pensamento consequencial.
43. Conta não obstante com condições objectivas de reinserção, a nível habitacional e familiar, já que quer a progenitora como a companheira pretendem continuar a dar-lhe suporte.
44. Em termos futuros, o arguido pretende regressar ao seio da família constituída, ser uma figura mais presente junto do filho e aceitar qualquer trabalho indiferenciado que apareça, para ajudar economicamente o agregado. Um primo, proprietário de um café restaurante em Lisboa, restaurante “...”, disponibilizou-se nesse sentido, assegurando-lhe trabalho a tempo integral no referido estabelecimento comercial, assim que AA estiver em liberdade.
45. No Estabelecimento Prisional de ... já foi a consultas de psicologia numa fase inicial, mas agora não tem suporte a esse nível, por considerar ultrapassada a sua problemática aditiva. Disponibiliza-se a fazer qualquer tipo de tratamento, caso o Tribunal entenda como necessário.
46. Trata-se de um arguido que apesar de evidenciar capacidade reflexiva e ter noção do dolo e do bem jurídico em causa, revela ainda, fragilidades no que concerne ao controle dos seus impulsos antecipação das consequências dos seus actos, vulnerabilidade ao grupo e a meios de risco, e imaturidade para lidar com situações adversas o que configura um risco elevado de vir a ter condutas desajustadas em meio livre, caso não venha a beneficiar de suporte/acompanhamento psicológico direccionado para o efeito.
47. Carece contudo ainda, de ser sensibilizado para a necessidade de se envolver nos projectos terapêuticos e ressocializadores que vierem a ser delineados, com vista à sua reinserção futura.
48. Na sequência das lesões sofridas por CC, examinadas e descritas nos autos, o Centro Hospitalar ..., E.P.E. prestou-lhe, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência hospitalar:
a) Cuidados médicos, em consulta de urgência e meios complementares de diagnóstico e terapêutica (injecções por via IM), no dia 9/3/2017, e em consulta externa de cirurgia I – Patologia Colo-Rectal, no dia 29/3/2017, no valor total de € 146,77, conforme factura nº ..., emitida em 6/10/2017;
b) Cuidados de saúde em episódio de internamento (GDH 222– Outros Procedimentos no estômago, esófago e/ou duodeno – grau de severidade: 2), no Serviço de Cirurgia Plástica, de 4 a 8/03/2017, conforme factura nº ..., emitida em 8/11/2017.
49. Em 8/11/2017, o Demandado efectuou o pagamento da factura n.º ..., no valor de € 146,77.
1.2. – FACTOS NÃO PROVADOS:
1. O arguido convidou DD a entrar em sua casa, mas este rejeitou.
2. Já no interior de sua residência, o arguido discutiu com a sua esposa, FF, por causa do dinheiro, exigindo-lhe a sua entrega.
3. Nas circunstâncias descritas nos pontos 7 a 9 dos factos provados tenha sido decorridos entre 20 a 30 segundos, que o arguido AA tenha saído de sua casa.
4. Que fosse na mão esquerda que o arguido empunhasse o dinheiro e, que fosse na mão direita, que empunhasse uma pistola de calibre 9mm.
5. Nas circunstâncias descritas no ponto 12 dos factos provados, o arguido afirmou “eu mato aquele zuca”.
6. Nas circunstâncias descritas no ponto 13 dos factos provados, o arguido empunhou a pistola na direcção de EE.
7. Assim fazendo este adoptar o comportamento descrito no ponto 14 dos factos provados.
8. Bem como sabia o arguido que ao apontar a pistola na direcção de EE, para mais após serem ouvidos tiros, o fazia temer pela sua vida, o que quis e logrou.
9. A referida arma chegou à posse do arguido após envolvimento no patamar da sua casa com o DD.
10. Nas circunstâncias descritas nos pontos 1 e 2 dos factos provados, o arguido consumiu alguma parte da cocaína que tinha comprado por € 300.
11. O arguido era cliente habitual do “...”, espaço nocturno onde se dirigia principalmente para adquirir cocaína.
O arguido foi acusado da prática, em autoria material de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pela conjugação dos arts. 22º, 23º, 131.º, 132.º, n.º 1 e n.º 2, alínea i), “in fine” do Código Penal, agravado nos termos do art. 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro.
Como dispõe o art. 131° do Código Penal, “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”, acrescentando-se no art. 132º, n.º 1 e n.º 2, alínea i), que “1 — Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. 2 — É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente (…) i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso”.
Por seu turno, dispõe o art. 22º do Código Penal, que “1 — Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. 2 — São actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”.
Acrescenta-se no art. 23º do citado diploma legal, que “1 - Salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão. 2 - A tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada. 3 - A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”.
Ora, o citado art. 132.º diz respeito ao homicídio qualificado e nele o legislador não quis organizar as circunstâncias qualificativas de uma forma taxativa, antes optou por uma fórmula aberta, embora cingida a certos parâmetros, que deixa ao aplicador uma margem de ponderação das circunstâncias, de forma a casuisticamente determinar se este ou aquele facto integra o conceito legal de homicídio qualificado.
Trata-se de um tipo de culpa, que começa por enunciar no seu nº 1 uma cláusula geral ou um critério generalizador, com recurso a elementos atinentes à culpa, aliando-se a essa formulação genérica a "chamada técnica dos exemplos-padrão, que funcionam como critério especializador, em que a cláusula geral é concretizada por diversas circunstâncias enumeradas no n.º 2, mas de forma exemplificativa, que não taxativa (cfr. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 25 e SS. e Teresa Serra, in Homicídio Qualificado -Tipo De Culpa e Medida da Pena, p. 15).
Acresce que tais circunstâncias estão enunciadas a título meramente exemplificativo, é uma afirmação inequívoca, pois resulta directamente da lei, quando refere que são essas, «entre outras», as circunstâncias que podem concretizar a especial censurabilidade ou perversidade. E, como não podia deixar de ser, é essa a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdãos de 147 11/2002, Proc. Nº 3316/02, de 12/12/1991, Proc. Nº. 42640, de 5/6/1992, Proc. Nº 43109, de 16/12/1997, Proc. nº 102/98, de 20/12/1990, Proc. Nº 41848, in www.dgsi.pt ).
Os exemplos-padrão prendem-se essencialmente com a questão da culpa, mais do que com a ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta, não é essa circunstância, por si, que determina a qualificação do crime, antes a especial censurabilidade ou perversidade do agente, isto é, o especial tipo de culpa.
Como escrevem Leal Henriques e Simas Santos (in Código Penal Anotado, p. 61 e ss.), não é exacta a afirmação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/6/1990 de que "no caso de parricídio a regra é a de que se verifica especial censurabilidade ou perversidade", pois esta tem de ser sempre comprovada).
Quanto à especial censurabilidade ou perversidade, cumpre chamar à colação o que escreveu Teresa Serra (in Homicídio Qualificado, pp. 63 a 65): «Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132. º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala Binder. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor, especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente. Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete».
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9/1/2017, “O sinal distintivo da qualificação é a especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente. O termo “especial” significa que a conduta há-de revelar algo que transcenda a censurabilidade inerente ao tipo de crime em questão.
Nas palavras de Teresa Serra - In Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 63., revelam especial censurabilidade as circunstâncias que refletem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. A especial censurabilidade refere-se, assim, às componentes da culpa relativas ao facto, isto é, funda-se naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude.
Como se refere no Comentário Conimbricense do Código Penal - Tomo I, pág. 29., a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refração, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à especial perversidade aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta diretamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas. A especial perversidade supõe, assim, uma atitude profundamente rejeitável no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade, que revelam um egoísmo abominável. O acento tónico ou componente da culpa refere-se aqui ao agente.
As circunstâncias enumeradas no n.º 2 do art. 132º, suscetíveis de revelar esse “algo de especial”, são meros indícios, indicadores ou referenciais que poderão ser afastados ante condutas que, embora identificando-se com as mesmas, não revelam, contudo, a exigida especial perversidade ou censurabilidade, por ocorrerem circunstâncias extraordinárias que destaquem claramente a sua ilicitude ou culpa do exemplo padrão (a que não se reconduzem circunstâncias como o bom comportamento anterior, a confissão, o arrependimento o ressarcimento do dano, etc., que são circunstâncias atenuantes gerais). Do mesmo modo, outras circunstâncias não previstas mas substancialmente análogas, refletidas no facto ou na personalidade do agente, poderão assumir tal relevância especial aos olhos do julgador.
Significa isto que tais circunstâncias não constituem elementos do tipo legal do crime, mas sim da culpa. Subjacente à especial censurabilidade e perversidade está um maior grau de culpa que o agente manifesta e que motiva a agravação. Esta tem, assim, a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui em relação à desconformidade, já de si grande, subjacente à prática de um crime simples. Todavia, não é pelo facto de se verificar em concreto uma qualquer das circunstâncias referidas nos exemplos padrão ou noutras substancialmente análogas que fica preenchido o tipo, deduzindo-se daquelas a especial censurabilidade ou perversidade; é preciso que, autonomamente, o intérprete se certifique de que, da ocorrência de qualquer daquelas circunstâncias resultou em concreto a especial censurabilidade ou perversidade. Como inversamente, não será um maior desvalor da atitude do agente ou da personalidade documentada no facto que dará origem ao preenchimento do tipo de culpa agravado, sendo necessário que essa atitude ou aspetos da personalidade mais desvaliosos se concretizem em qualquer dos exemplos padrão ou em qualquer circunstância substancialmente análoga.
(…) Como pondera Figueiredo Dias - In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 37., a propósito do crime de homicídio, a exigência legal de que o meio seja particularmente perigoso determina, por um lado, que ele revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar – não cabendo no exemplo padrão e na sua estrutura valorativa os revólveres, pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes – e por outro, é necessário determinar, com particular rigor, se da natureza do meio utilizado – e não de outras circunstâncias coexistentes – resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente.
No caso vertente, mostra-se o arguido acusado de ter usado um meio insidioso.
A insídia caracteriza-se por um comportamento dissimulado, ardiloso ou traiçoeiro, que coloca a vítima numa situação de indefesa, é um comportamento desleal, enganoso ou pérfido, que reduz a vítima à condição de presa fácil do agressor.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/1072015, “Para Nelson Hungria, o meio insidioso é o meio fraudulento, sub-reptício por si mesmo, que inclui traição, ataque súbito e sorrateiro à vítima descuidada e confiante, emboscada dissimulada, espera da vítima em lugar onde há-de passar ou simulação, ocultação da intenção hostil para acometer a vítima de surpresa. No mesmo sentido, se extrai o ensinamento de Figueiredo Dias reconduzindo-o a meio oculto, dissimulado, enganador e sub-reptício Também para Teresa Serra, o meio insidioso abrange não apenas os meios especialmente perigosos, mas também a eleição de condições em que o facto pode ser praticado de modo mais eficaz dada a situação de vulnerabilidade, de desprotecção da vítima em relação ao agressor, como o disparo com a arma emboscado. Igual entendimento se extrai a nível jurisprudencial, como aquele em que por exemplo o uso mortífero da arma mostra-se oculto; a vítima não o apreende, apercebendo-se do gesto criminoso quando do mesmo já não se pode defender, e bem assim aquele em que o agente elege as condições para encontrar a vítima desprevenida, como se decidiu no AC. do STJ de 20.2. 2004”.
Antes já se tinha escrito no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/5/2001, que “É pérfida e traiçoeira a conduta de quem, usando arma de guerra, espera a maior aproximação da vítima, disparando contra esta sem proferir qualquer palavra, a curta distância, visando parte do corpo, que em condições normais não permitiria qualquer hipótese de defesa ou sobrevivência.
Está, assim, preenchido o conceito de utilização de meio insidioso, determinativo da qualificação do homicídio, por especial censurabilidade ou perversidade”.
Por seu turno, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 9/3/2011 que “Assim, «insidioso» será todo o meio cuja forma assuma características análogas às do veneno, do ponto de vista (…) do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto» (F. Dias); «Na insídia o agente aproveita a distracção da vítima para actuar; age enganando-a, cria uma situação que a coloca em posição de não poder resistir como em circunstâncias normais sucederia» (M.ª Silva Pereira).
Na jurisprudência, entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 20/2/04, Proc. n.º 1127/04 – 5ª secção: «O meio é insidioso quando corresponde a um processo enganador, dissimulado, elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida»; de 27/05/2010, Proc. n.º 58-08.4JAGRD.C1.S1, relatado pelo Cons. Santos Cabral: «utilização de meiodissimulado em relação ao qual se torna mais precária, ou ténue, uma reacção defensiva»[16].
Como esclarecidamente se refere no Ac. do STJ de 11.07.2007, relatado pelo Cons. Armindo Monteiro “O meio insidioso é um conceito que, pelos contributos avindos da jurisprudência e doutrina, se mostra integrado de elementos materiais e circunstanciais denotando uma certa imprevisibilidade. Nelson Hungria, in Comentário ao Código Penal Brasileiro, vol. V, págs. 167 a 169, chama-lhe meio fraudulento, subreptício por si mesmo, que inclui traição, ataque súbito e sorrateiro à vítima descuidada e confiante, emboscada dissimulada, espera da vítima em lugar onde há-de passar ou simulação, ocultação da intenção hostil para acometer a vítima de surpresa.
Para Teresa Serra , in Homicídios em Série, 154 , o meio insidioso abrange não apenas os meios especialmente perigosos, mas também a eleição de condições em que o facto pode ser praticado de modo mais eficaz dada a situação de vulnerabilidade, desprotecção da vítima em relação ao agressor, como o disparo com a arma emboscado. No meio insidioso o poder mortífero da arma mostra-se oculto; a vítima não o apreende, apercebendo-se do gesto criminoso – cfr . Acs. deste STJ , de 17.4.2000 , P.º n.º 2843 /2000 e de 13. 7.2006, CJ, STJ, Ano XIV, II, pág. 244”.
Antes já se tinha escrito no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/5/2004 que “São abundantes e uniformes as referências da doutrina e jurisprudência ao sentido e alcance com que o conceito “meio insidioso” há-de ser entendido, importando, desde logo, não perder de vista que “insídia” significa “traição, aleivosia, cilada, emboscada” (cfr. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira), sendo meios insidiosos os que importam o recurso a uma emboscada ou estratagema, estudados e preparados com vista a colherem a vítima de surpresa, desprevenida e indefesa.
Comentando a alínea em causa, Figueiredo Dias, Ob. cit., I, 38, depois de ponderar que a possibilidade de qualificação pela utilização de veneno no cometimento do crime de homicídio colhe a sua justificação na circunstância da utilização de tal meio tornar especialmente difícil a defesa da vítima, pela óbvia dificuldade de se detectar a sua presença, considera que “insidioso” é “todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas à do veneno - do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto”. Como diz Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8ª ed., 546, anot. 5ª ao artº 132º, “trata-se de um conceito amplo, onde caberia certamente o próprio veneno, e que abarca os meios aleivosos, traiçoeiros e desleais”.
Por seu turno, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5/3/2013 que A jurisprudência e a doutrina têm estabilizado, ao longo dos anos, a definição deste conceito dentro do “exemplo padrão”, não obstante a aplicação prática do preceito, por vezes, surja associada a outros conceitos, como o uso de “meio particularmente perigoso” (al. h), a especial desprotecção da vítima (al. c) ou se pretenda estender o conceito, confundindo-o com as suas consequências.
Na doutrina o Prof. Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense ao Código Penal –Parte Especial, Tomo I, pags. 38-39) afirma que «”insidioso” será todo o meio cuja forma assuma características análogas às do veneno, do ponto de vista pois do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto». Centralidade ao “meio”, portanto.
Maria Margarida Silva Pereira (Textos – Direito Penal II – Os Homicídios, Vol. II, Apontamentos de aulas 9/97, p. 42 – AAFDL, 1998) chama-lhe homicídio por traição ou por insídia, sendo que esta é “aproveitar distracção, enganar a vítima, criar uma situação que a coloque em posição de não poder resistir com a mesma facilidade”. Centralidade à “situação”.
Na jurisprudência, para nos atermos ao século (com uma ou outra referência ao anterior, pelo que não há exaustividade), já o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-11-2002 (Proc. 02P2812, rel. Cons. Lourenço Martins) referia o conceito à forma de actuação sobre a vítima como análoga à do veneno pelo seu «carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto»
Também já afirmava a dualidade do conceito pela “utilização de meios tendentes ao aproveitamento da desprotecção da vítima”, algo que nos parece surgir como consequência, que não como critério.
A dificuldade na delimitação do conceito vem igualmente a espelhar-se na contraposição com o conceito de “meio especialmente perigoso”, conceito que, autónomo em função da previsão da alínea h), não parece poder ser utilizado como critério diferenciador, pois que a especial perigosidade já é consequência da insídia.
Quer-nos parecer que o fio condutor na análise deste “exemplo-padrão” se deve orientar pelo clássico “uso do veneno”, por apelo à natureza dissimulada da acção, como aliás, tem sido referido pela jurisprudência, designadamente pelo acórdão do STJ de 13-07-2011 (proc. 758/09.1JABRG.G1.S1, rel. Cons. Henriques Gaspar). [2]
O carácter enganador, dissimulado, oculto, de traição ou perfídia, vem a ser retomado na fundamentação de vários acórdãos do STJ ao longo dos anos, com várias formulações, mas de acordo no essencial:
«Para efeitos de qualificação do homicídio, por meio insidioso, é de ter se tiver aquele cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas às do veneno - do ponto de vista do seu carácter enganador, subreptício, dissimulado ou oculto - que, por sê-lo, não poderia deixar de ser também, «especialmente perigoso», justamente por causa da dissimulação e, portanto, da sua acrescida capacidade de eficiência por via da natural não oposição de qualquer resistência por parte da vítima que, em regra, perante a insídia, nem sequer suspeitará de que está a ser atingida” - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 16-10-2003 (Proc. 03P3280, rel. Cons. Pereira Madeira);
«O meio é insidioso quando corresponde a um processo enganador, dissimulado, elegendo o agente as condições favoráveis para apanhar a vítima desprevenida» - Acórdão STJ de 20/2/04 (Proc. n.º 1127/04 – 5ª, rel. Cons. Costa Mortágua);
“No conceito de meio insidioso cabem todos aqueles que possam rotular-se de traiçoeiros, desleais ou perigosos. A traição constitui um meio insidioso e pode ser definida como um ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005 (Proc. 05P546, rel. Santos Carvalho);
« …este tipo de comportamento é análogo à acção do veneno, no que tem de manhoso, capcioso e actuando de forma inesperada, apanhando a vítima desprevenida e deixando-a sem possibilidade de reagir» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 14-07-2006, proc. 06P1926, rel. Cons. Rodrigues da Costa);
«No meio insidioso o poder mortífero da arma mostra-se oculto; a vítima não o apreende, apercebendo-se do gesto criminoso» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2007, proc. 07P1583, rel. Cons. Armindo Monteiro);
«”Insidioso” será todo o meio cuja forma assuma características análogas às do veneno» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2008 (proc. 07P4200 rel. Cons. Rodrigues da Costa);
«O meio insidioso traduz-se, por um lado, num comportamento caracterizado pela traição, por uma acção dissimulada, e, por outro lado, derivado disso, na colocação da vítima numa situação de pouca ou nenhuma possibilidade de defesa» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-04-2009 (proc. 08P3277, rel. Cons. Souto de Moura);
«O meio insidioso, conceito de difícil definição, tem subjacente uma ideia de utilização de meio dissimulado em relação ao qual se torna mais precária, ou ténue, uma reacção defensiva» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2010 (Proc. 58/08.4JAGRD.C1.S1, rel. Cons. Santos Cabral);
«Meio insidioso é o que se apresenta como enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para com a vítima, constituindo uma surpresa para a vítima ou colocando-a numa situação de vulnerabilidade ou desprotecção em termos de a defesa se tornar difícil; é o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante antes de se perceber o gesto criminoso.» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2011 (proc. 758/09.1JABRG.G1.S1, rel. Cons. Henriques Gaspar)
Meio insidioso, em resumo, é o ataque sorrateiro que atinge a vítima descuidada ou confiante, o ataque dissimulado, enganador, traiçoeiro, pérfido, desleal para com a vítima”.
Ora, atenta a factualidade provada, o arguido mais não fez do que um ataque sorrateiro, dissimulado, enganador, traiçoeiro, pérfido, desleal ao ofendido, pelo que se verifica esta circunstância qualificativa.
Como se viu, o arguido agiu com a intenção de tirar a vida ao ofendido e só não o logrou alcançar por razões alheias à sua vontade.
Resta apurar se se verifica a agravação resultante do nº 3 do art. 86º da Lei das Armas.
Como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/5/2012 (in Acs. Stj, XX, T. 2, p. 197), “ A circunstância qualificativa baseada no uso da arma proibida, por constituir um crime de perigo comum, impede que a utilização dessa arma no cometimento no homicídio seja considerado como uma agravante especial decorrente do regime legal das armas”.
No mesmo sentido vai Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário, p. 519) quando sustenta que fica afastada a agravação do artigo 86º, nº 3 da Lei das Armas.
Deste modo, entendemos que não se verifica tal agravação.
Assim, atenta a factualidade provada, resulta que cometeu o arguido um crime de ofensa de homicídio qualificado, na forma tentada.
2.1.2. DO CRIME DE AMEAÇA AGRAVADO:
Foi o arguido acusado da prática, em autoria material, de um crime de ameaça agravado, na forma consumada, previsto e punido pelos arts. 153º, nº 1, e 155º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal e com a agravação do art. 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro.
(………………………)
Pela factualidade provada e não provada, não se mostra provado que o arguido tenha cometido este crime, pelo que, sem mais considerandos, se impõe a sua absolvição.
2.1.3. DO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA:
O arguido mostra-se acusado da prática, em autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., nos termos do disposto no art. 86º, nº 1, alínea c), e n.º3 da Lei n.º5/2006 de 23 de Fevereiro.
Como dispõe o art. 86º, nº 1, alínea c) de tal diploma legal, “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo (…) c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias”.
Resultou provado que o arguido detinha voluntariamente a acima referida arma branca, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime ora em análise.
Dispõe o nº 3 do citado art. 86º que “- As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma”.
Ora, no caso vertente, como se viu, do tipo criminal já faz parte o uso de arma, pelo que não se verifica esta agravação que apenas funciona para outros tipos criminais.
Deste modo, o arguido apenas pode ser condenado pela forma simples do crime sem a apontada agravação.
2.2.1 DO CRIME DE HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA:
(Abaixo transcrito no âmbito da apreciação do recurso)
2.2.2. DO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA:
(Abaixo transcrito no âmbito da apreciação do recurso)
*
(Abaixo transcrito no âmbito da apreciação do recurso)
2. Apreciando.
Como vimos supra, o arguido interpôs o presente recurso para a Relação de Lisboa.
Todavia, por decisão da Ex.ma Desembargadora Relatora, daquela Relação, de 2/5/2018 (fls. 946-948 do 4.º vol.), foi declarada a incompetência da Relação para conhecer do recurso e ordenada a sua remessa a este Supremo Tribunal.
O STJ é competente por força da alínea c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP e Ac. STJ 8/2007, DR I S. de 4 de Junho, que fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.»
Também de acordo com o Ac. STJ 5/2017, DR I S. de 23 de Junho:
«A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»
Conforme jurisprudência pacífica, as conclusões delimitam, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, os poderes de cognição do Tribunal de recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, pág. 316; jurisprudência do STJ referenciada no Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Rel. Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Rel. Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Rel. Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Rel. Manuel Augusto de Matos).
Questões levantadas nas conclusões do recurso:
● a única questão em causa neste recurso tem a ver com a medida das penas parcelares e da pena unitária (6 anos e 6 meses de prisão), que o recorrente considera desadequada, excessiva e desproporcional.
O tribunal a quo, escreve o recorrente nas suas conclusões, «deveria limitar a pena de Homicídio qualificado na forma tentada a uma pena nunca superior a 4 anos e 9 meses; e a pena para o crime de detenção de arma proibida a Multa e não a prisão efectiva (1 ano e nove meses)»;
E no que tange ao cúmulo Jurídico «deveria adequadamente aplicar pena nunca superior a cinco anos de prisão. Garantindo ao arguido recorrente a aplicação do Instituto do art. 50º do CP (suspendendo-a na sua execução)».
Relativamente à aplicação das penas e à punição do normal concurso de crimes, há que atender à disciplina dos arts. 40.º, 71.º e 77.º do CP, que a seguir se transcrevem:
Finalidades das penas e das medidas de segurança
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Determinação da medida da pena
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Regras da punição do concurso
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
O art. 40.º do do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins da penas «só podem ter natureza preventiva—seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104).
A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift (cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.).
Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal—a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena—e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas».
De acordo com a mesma autora, loc. cit., pág. 177-178, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. É este também o modelo que deve ser seguido à luz das injunções normativas avançadas pelo legislador ordinário. É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada--que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas -- até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral».
A mesma autora, a págs. 181-182 do mesmo estudo, adianta três proposições em jeito de conclusões a saber:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.
É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente».
«A norma do artigo 40.º--escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar--condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo.
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.».
No que concerne à punição do concurso, escreve-se no Ac. STJ de 25/5/2016, Proc. 108/14.5JALRA.E1.S1., Rel. Arménio Sottomayor «A questão da punição nos casos de concurso real de crimes tem merecido soluções diversas nos diferentes ordenamentos jurídicos. Assim, no sistema de acumulação material, o juiz estabelece a pena que cabe a cada crime, aplicando ao agente a totalidade das penas determinadas, que serão sucessivamente cumpridas, sendo tal sistema frequentemente temperado pela fixação pela lei de limites máximos de punição.
Nos sistemas de pena do concurso, a punição pode ser feita através de uma pena unitária, determinada como se o conjunto dos factos praticados pelo agente constituísse um único crime. Nuns casos, aplicando a pena concreta do crime mais grave (princípio da absorção); noutros agravando essa pena em função da pluralidade de crimes (princípio da exasperação).
De harmonia com o princípio da cumulação, o concurso será punido através de uma pena conjunta determinada pela imagem global dos factos e pela personalidade do agente, servindo as penas parcelares para definir a moldura, cujo mínimo, no sistema jurídico português, corresponde ao quantum da pena mais grave e cujo máximo é igual à soma das diversas penas aplicadas, mas com o limite máximo legal de 25 anos de prisão.»
O nosso sistema de concurso de crimes e da respectiva punição encontra-se, também, bem explanado no Ac. STJ de 1/2/2017, Proc. 793/12.2JACBR.C1.S1, Rel. Maia Costa.
Na doutrina, sobre os conceitos de pena unitária e de pena conjunta, princípios de absorção e de agravação ou exasperação, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português. As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 279-284.
O nosso sistema jurídico consagrou a figura da pena conjunta.
Um arguido pode, na mesma ocasião, cometer um só crime, ou cometer vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (v. n.º 1 do art. 77.º do CP). Estaremos, nesta 2.ª hipótese, no caso normal do concurso de crimes.
Também pode suceder que o tribunal verifique que o arguido depois de uma condenação transitada em julgado, tinha praticado, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes. Nesta hipótese, estaremos perante um concurso superveniente (v. art. 78.º, n.º 1, CP).
O caso dos presentes autos é, como referimos supra, de concurso normal.
Questão que dividiu a doutrina e a jurisprudência tinha a ver com o momento a atender para a verificação do concurso superveniente: para uns, devia atender-se à data da condenação e para outros à data do seu trânsito em julgado (v. elementos doutrinários e jurisprudenciais no Ac. STJ de 23/11/2011, Proc. 295/07.9GBILH.S2., Rel. Manuel Braz).
O STJ fixou jurisprudência através do Ac. 9/2016, DR I S., de 9 de Junho de 2016, no sentido de que: O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.
Repúdio firme, por parte da jurisprudência, tem merecido a figura do cúmulo por arrastamento. O cúmulo por arrastamento (assim apelidado pela doutrina e jurisprudência--cfr. Ac. STJ 26/10/1988, CJ XIII, T 4, pág. 18-19; sobre a sua inadmissibilidade, cfr. Ac. STJ 20/6/1996, BMJ 458, pág. 119; Ac. STJ 7/2/2002, CJACSTJ, ano X, T. I, pág. 202; também o Tribunal Constitucional entende que os arts. 77.º e 78.º não abrangem aquele tipo de cúmulo: Acs. TC 212/2002, DR, II S., de 28/6/2002 e 3/2006, DR, II S., de 7/2/2006), cúmulo que abrange, por “grosso e atacado” todas as penas resultantes de condenações anteriores ainda não cumpridas (prescritas ou extintas).
Tal tipo de cúmulo, além de impedir cúmulos sucessivos com cumprimento sucessivo de penas, eliminando a diferença entre concurso e sucessão, acaba também por tornar irrelevante a distinção entre figuras como a reincidência e o concurso de crimes (v., na jurisprudência mais recente, Ac. STJ de 30/4/2013, Proc. 207/12.8TCLSB.S2, Rel. Raul Borges, onde se referenciam muitas decisões deste Supremo Tribunal no sentido do afastamento desta figura cumulatória).
Entre o cúmulo por arrastamento (visão mais lata e, notoriamente, incorrecta) e o cúmulo com base na condenação (visão mais estrita), o aresto fixador de jurisprudência (cit. Ac. STJ 9/2016) optou por um caminho intermédio em que os elementos fundamentais a considerar são a data da prática dos factos e a data do trânsito em julgado da condenação: os crimes cometidos pelo arguido, que se encaixem neste período temporal integram o cúmulo; os que forem cometidos após o trânsito em julgado ficam fora do cúmulo e poderão integrar outro (ou outros) cúmulo a cumprir sucessivamente.
Na posse destes elementos de índole teórica, há que prosseguir na análise da questão.
De acordo com o n.º 2 do art. 77.º do CP, aplicável por força do n.º 1 do art. 78.º, ambos acima transcritos a «pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».
No caso em análise, o mínimo seria de 5 anos e 9 meses de prisão (pena parcelar mais elevada aplicada pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada) e o máximo de 7 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares envolvidas no cúmulo).
Sobre a questão da pena única é inabarcável a jurisprudência do STJ, estando a mesma perfeitamente estabilizada.
Conforme se escreve no sumário do Acs. STJ de 27/4/2011, Proc. 2/03.5GBSJM.S1, Rel. Armindo Monteiro «II - Ao lado do “cúmulo jurídico regra”, previsto naquele art. 77.º, do CP, em que haverá lugar a aplicação de uma pena única, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, prevê-se, no art. 78.º, n.º 1, do CP, o caso de conhecimento superveniente do concurso, ou seja, quando posteriormente à condenação se denotar que o agente praticou anteriormente àquela condenação outro ou outros crimes. Neste caso são aplicáveis as regras do disposto no art. 77.º, do CP, segundo o n.º 1, do art. 78.º, do CP, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. III - No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, se projecta retroactivamente (cf. Ac. do STJ, de 02-06-2004, CJ, STJ, II, pág.221). IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
«I - Segundo preceitua o n.º 1 do art. 77.° do CP, a medida da pena (única) ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. II - A resposta punitiva deve corresponder, à gravidade do ilícito global, à personalidade do arguido e ao quantum das penas singulares impostas, tendo presente, o efeito da pena conjunta sobre o comportamento futuro daquele.» (sumário do Ac. STJ de 21/1/2016, Proc. 214/10.5JAAFAR.S1, Rel. Oliveira Mendes)
Na jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal, podem ver-se, v.g., os Acs. STJ de 14/1/2009, Proc. 08P3974, Rel. Fernando Fróis; de 17/6/2015, Proc. 488/11.4GALNH.S1, Rel. Maia Costa; de 21/1/2016, Proc. 133/10.5PBTMR.E1.S1, Rel. Manuel Braz; de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raul Borges (com vastíssima informação jurisprudencial e referenciando igualmente a doutrina); de 11/2/2016, Proc. 26/13.4GGIDN.S1, Rel. Souto de Moura; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR, Rel. Manuel Augusto de Matos; de 25/5/2016, Proc. 108/14.5JALRA.E1.S1., Rel. Arménio Sottomayor; de 23/6/2016, Proc. 1179/09.1TAVFX, Rel. Oliveira Mendes (referencia a posição da diversa doutrina desde Eduardo Correia a Lobo Moutinho); de 14/7/2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, Rel. Pires da Graça; de 6/9/2017, Proc. 85/13.0PJLRS-B.S1, Rel. Maia Costa; de 25/10/2017, Proc. 163/10.7GALNH.S1, Rel. Raul Borges; de 13/12/2017, Proc. 321/12.0GBSLV.E3.S1, Rel. Manuel Augusto de Matos; de 7/2/2018, Proc. 59/15.6GGODM.E1.S1, Rel. Gabriel Catarino; de 21/2/2018, Proc. 775/12.4T3SNT.S2, Rel. Lopes da Mota.
Na procura da pena única deve ter-se o maior cuidado relativamente a eventual adopção de critérios de índole aritmética ou matemática (v. Ac. STJ de 20/3/2014, Proc. 273/07.8PCGDM.S1, Rel. Santos Cabral, onde se referenciam as duas correntes do STJ sobre a questão).
Estando em causa vários crimes, a procura da pena única desenrola-se em duas fases (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª ed.,1.º Vol., 2002, Rei dos Livros, pág. 911): numa primeira, devem fixar-se, atendendo aos critérios do art. 71.º CP, as penas parcelares relativas a cada um dos crimes que se encontram numa relação de concurso; em segundo lugar, procede-se à soma das penas parcelares obtendo-se, assim, o limite máximo da moldura abstacta aplicável (n.º 2 do art. 77.º do CP, que fixa como limite máximo da pena de prisão 25 anos).
Obtida a moldura abstracta, a pena única (trata-se de uma “sanção de síntese”, no dizer de Raul Borges, Ac. STJ de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1) é determinada tendo em atenção o disposto no n.º 1 do art. 77.º do CP, devendo ser «considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (cit. n.º 1; itálico nosso): trata-se da aplicação do critério da imagem global do facto, que este STJ tem burilado e de que são exemplos, entre muitos outros, os Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges; de 23/11/2011, Proc. 1064/10.4JDLSB.L1.S1, Rel. Maia Costa; de 5/6/2012, Proc. 1276/10.0PAESP.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes; de 27/2/2013, Proc. 455/08.5GDPTM, Rel. Henriques Gaspar; de 25/2/2015, Proc. 1514/12.5JAPRT.P1.S1, Rel. Raul Borges; de 4/3/2015, Proc. 438/12.0T3STC.S1, Rel. Santos Cabral; de 21/1/2016, Proc. 214/10.5JAAFAR.S1 Rel. Oliveira Mendes; de 17/3/2016, Proc. 125/15.8T8VCD. S1., Rel. Armindo Monteiro; de 16/6/2016, Proc. 200/08.5PAESP-A.P1.S1, Rel. Pires da Graça; de 23/6/2016, Proc. 162/11.1JAGRD.C1.S1 Rel. Manuel Matos; de 26/10/2016, Proc. 1604/09.1JAPRT.S1 Rel. Manuel Matos; de 3/11/2016, Proc. 353/15.6PAVPV.S1 Rel. Francisco Caetano; de 30/11/2016, Proc. 103/14.4JAPRT.P1.S1 Rel. Isabel Pais Martins; de 30/11/2016, Proc. 444/15.3JAPRT.G1.S1, Rel. Pires da Graça; de 21/6/2017, Proc. 403/12.8JAAVR.G2.D1, Rel. Raul Borges; de 13/7/2017, Proc. 240/12.0PCSTB.S1, Rel. Maia Costa; de 13/7/2017, Proc. 523/07.0TACTX.E1, Rel. Nuno Gomes da Silva; de 9/8/2017, Proc. 430/12.5JALRA.S1, Rel. Pires da Graça; de 14/9/2017, Proc. 370/15.6JALRA.C1. S1, Rel. Helena Moniz.
Na escolha da pena do concurso «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade—unitária—do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto de factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 291-292).
Mais recentemente, sobre a sobre a pena única, escreve Maria João Antunes (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2010-2011, pág. 42, 43) que «O direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida através de um cúmulo jurídico.
Segundo este sistema o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de determinação até à operação de escolha da pena, uma vez só relativamente à pena conjunta faz sentido pôr a questão da substituição. Em seguida, o tribunal constrói a moldura penal do concurso: o limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites previstos no n.º 2 do artigo 77.º do CP; o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Em terceiro lugar, o tribunal determinada a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP). Critério especial que garante a observância do princípio da proibição dupla valoração. Por último, o tribunal tem o poder-dever de substituir a pena conjunta encontrada por uma pena de substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena (artigo 70.º do CP), sem que fique prejudicada a possibilidade de impor também penas acessórias ou medidas de segurança (artigo 77.º, n.º 4, do CP).»
Neste campo, este Supremo Tribunal tem defendido, em muita jurisprudência, que, com «a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.» (Ac. STJ de 12/9/2012, Proc. 605/09.4PBMTA.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes).
Conforme se escreve no Ac. STJ de 15/11/2012, Proc. 178/09.8PQPRT-A. P1.S1, Rel. Sousa Fonte, num caso de concurso superveniente (art. 78.º CP), mas que é aplicável também no caso de concurso normal (art. 77.º n.º 1 do CP), «A determinação da medida da pena conjunta num caso de conhecimento superveniente do concurso, nos termos do art. 78.º do CP, é feita em função dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção estabelecidas nos arts. 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do CP, a que acresce a necessidade de consideração do critério especial da 2.ª parte do n.º 1 do art. 77.º do mesmo Código, isto é, que na medida da pena do concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.».
Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos «princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso»[7], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efetua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou atuação irrefletida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspetivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)»[8] (Ac. STJ de 13/1/2016, Proc. 493/14.9PBCTB.C1.S1, Rel. João Silva Miguel).
O entendimento da vasta jurisprudência deste STJ, sobre este assunto (pena conjunta), encontra-se espelhado em inúmeras páginas de arestos de que são exemplo significativo os Ac. do STJ de 2/5/2012, Proc. 218/03.4JASTB.S1, Rel. Santos Cabral, de 27/2/2013, Proc. 455/08.5GDPTM, Rel. Henriques Gaspar, de 1/7/2015, Proc. 389/04.2GDSTB.S1, Rel. Santos Cabral, de 17/3/2016, Proc. 125/15.8T8VCD. S1, Rel. Armindo Monteiro, de 23/6/2016, Proc. 1179/09.1TAVFX, Rel. Oliveira Mendes.
Regressando, de novo, ao caso dos autos.
Em desenvolvimento do que escreve nas conclusões n.º 8 e 9 da motivação, refere o arguido no corpo da sua motivação o seguinte:
«A postura assumida pelo arguido foi uma colaboração total com o tribunal explicando como tudo aconteceu e quem foi o autor dos factos em apreço.
E aqui se vê e tira toda a sua credibilidade, pois o seu testemunho foi isento e coerente.
Por outro lado o arguido recorrente AA, assumiu desde o primeiro interrogatório judicial, todos os factos por si praticados, explicando como os mesmos na realidade ocorreram, e por esse motivo demonstrou claro arrependimento nas suas atitudes e vontade de arrepiar caminho.
Consciente do previsível desfecho dos presentes autos e da medida da pena, o arguido aqui recorrente mostrou-se colaborante com a justiça na descoberta da verdade material desde o início da audiência de discussão e julgamento, confessando integralmente os factos por si praticados, demonstrou ter interiorizado o mal que fez e bem assim fortemente arrependido.»
Mas não é esta imagem que ressalta dos autos. Bem pelo contrário.
Escreve-se, a propósito, no aresto recorrido no sector da convicção do tribunal e exame crítico das provas, o seguinte:
«O arguido, no essencial, negou os factos criminosos que lhe foram imputados, tendo invocado que, no passado dia 4 de Março, consumiu álcool e cocaína, o Sr. CC, o segurança vendeu-lhe cocaína, 300€, ele queria que pagasse, que gastou 100€ de bebidas, pagou 70€, que já tinha discutido com o ofendido CC pois ele queria que lhe pagasse os 300€ por 10 gramas, mas só queria uma porção, que chegou a consumir essa parte da cocaína que queria, que só queria pagar o que consumiu.
Acrescentou que o patrão do ... se apercebeu de que havia esse problema, e apareceu, dizendo que não quer nada a ver com isso e discutiu com o ofendido CC.
O arguido sustentou ainda que o senhor que estava consigo, que conheceu no café ..., em ... é posto na rua, que ficou sozinho lá com os seguranças, que tentava entregar o saco de cocaína ao ofendido CC e ele diz que tem de pagar, que tinha aberto o saco, que os ofendidos CC e EE bateram-lhe, caiu ao chão, com socos e pontapés.
Acrescentou que chegou um colega mulato com o Volkswagen que diz para o levarem a casa, que o CC e o EE levam-no no Volskwagen a seguir para um túnel e saem 3 seguranças de uma carrinha e um deles pergunta o que se passa, que disse que era por causa de droga que não queria pagar, que esse rapaz era um careca alto, forte que diz que não queria nada a ver com isso e que foi então que o mulato entrou para trás para o pé de si.
O arguido disse ainda que, a meio do trajecto, como estava a mentir no trajecto, o que fez andarem às voltas, o mulato saca de uma arma e diz que ou os levava para sua casa ou havia problemas e seguiu para casa.
Acrescentou que eles ficaram à conversa à porta do prédio, revistaram-no, tiram-lhe a chave da mota Honda, que tocou, a sua mulher abre e sobe o mulato e o CC e o EE fica à porta do prédio, que a seguir, eles perguntam qual é o andar, disse que é o sexto, subiu de elevador com o CC e o mulato vai nas escadas, que quando chegam lá em cima, saem e tentou fugir e depois eles agarram-no e querem que o leve à porta, disse à FF para não abrir a porta, sobe ao 7º andar onde morava.
Disse também que o mulato fica entre o 6º e o 7º e o CC fica à sua porta de casa, que bate à porta, quando a FF abre, apercebe-se do problema, diz que eles queriam dinheiro da droga, ela traz 100 € e deu ao CC e ela fecha a porta.
Acrescentou que o ofendido CC diz que falta dinheiro e aí agarraram-se um ao outro e vem o mulato, que começa a subir, tira a arma e aponta, começa a andar para trás e eles vêm para cima de si, que nisto, a FF abre a porta, e com a distracção deles carrega em cima deles, caem os três para o chão, a arma fica no chão ao pé dos vasos, que foi então que agarra a arma, carregou no gatilho e ela não dispara, eles pedem a arma e dizem que fica por ali, anda para trás, carregou no gatilho e não dispara outra vez, quando o CC vem para cima de si com força para lhe tirar a arma, a arma faz o primeiro disparo e os outros disparos logo a seguir, foi muito rápido e o mulato desata a correr nas escadas.
Disse ainda que, quando se apercebe que acertou no CC, também desatou a correr nas escadas, que o seu vizinho do 2º andar está à porta da casa dele e disse-lhe para chamar uma ambulância, que ele disse para se ir embora, que foi a única coisa que ouviu, que não reencontrou o mulato, nem o outro, o EE, que desatou a correr, não reparou se ainda lá estava o Volkswagen.
Acrescentou que apontou sempre a arma para baixo, que, no primeiro disparo, o CC está mesmo ao pé de si e os outros disparos foram com ele ainda ao pé de si, que o CC afasta-se um pouco de si, continuou a disparar pois foi tudo muito rápido, que não consegue lembrar-se qual o disparo que o atinge, que depois do primeiro disparo, ele ainda fica de pé, não foi para casa chamar a polícia pois estava muito alcoolizado, que guardou a arma na casa de um familiar, pois não era sua, assim que a polícia pediu, deu.
O arguido também referiu que o dono do ... apercebeu-se dos problemas com o segurança por causa da droga, que viu o saco na sua mão, que nunca devolveu o saco, que o dono a si não disse nada, que a droga estava muito cortada, adulterada, depois de ter provado, que uma pessoa que se agarra ao saco dos seguranças, tem de pagar, já sabia que era assim pois já tinha ido aquela casa, era cliente habitual do ..., que já tinha ido ao ... umas 10 vezes, que já lá tinha consumido estupefaciente, que lá tinha comprado, mas foram as pessoas que iam consigo é que tinham adquirido, que eram sacos de 4 ou 5 gramas.
Acrescentou que nessa noite foi ter com o ofendido CC, ele diz que só tinha 10 gramas e disse-lhe que ia experimentar e disse que era de fraca qualidade, quis devolver e é aí que começam os problemas, que tudo se passou, não na sala principal onde estão as câmaras, mas numa sala à parte, que não se lembra de ter visto o mulato no Armazém.
Disse ainda que foi de elevador até ao 6º andar com o Sr. CC e subiram os 3 pelas escadas do 6º para o 7º, que gritou para a sua esposa não abrir a porta de casa, não conseguindo explicar porque não gritou para ela chamar a polícia.
Acrescentou que queria consumir e não pagar, pois a cocaína estava muito cortada, que deu 70 euros a esse senhor, pois era o único dinheiro que tinha, que não foi levado a casa para receberem os 100 euros, que no ... não se tem de pagar consumo à entrada, que acha que a droga era do mulato, pois eles discutiram à sua frente, quando parou a carrinha ao pé do Volkswagen, que o careca da carrinha diz que o problema era do CC e do mulato.
O arguido referiu ainda que a sua esposa abriu a porta e vai buscar o dinheiro, fechando a porta e depois abre só um bocadinho e dá-lhe o dinheiro, várias notas os indivíduos permitem isso, não tentaram empurrar a porta., que deu o dinheiro ao CC e ele conta o dinheiro, já a sua esposa estava com a porta fechada, que quando o CC se apercebe de que o dinheiro não chegava é que foi o pior, o mulato sobe o patamar e vem de arma apontada, que pega a arma do chão quando vêm os dois para cima de si e a arma cai ao chão, que quando partem os dois para cima de si é que ocorrem os disparos.
Disse também que, depois dos disparos, o CC fica agarrado ao corrimão e foi-se embora quando ele estava assim, que não viu ninguém no exterior do prédio quando saiu, que o EE tinha ficado à porta do prédio e depois já não o viu e que saiu de costas para o prédio, do lado esquerdo, nem sequer viu o carro.
Acrescentou que a sua intenção era fugir, quando levou a arma, entrou em pânico, que acha que a sua mulher não viu o mulato, que quando pega na arma do chão, tenta disparar para se defender, apontando para o chão, que da maneira como estava não teve mais raciocínio e que os disparos foram de frente.
O arguido referiu também que esteve umas 2 a 3 horas junto a um ferro velho, perto da sua casa, a 10 minutos.
Disse ainda que o posto policial é a 10 minutos da sua casa e que não consegue explicar porque é que não foi ao posto policial.
Por seu turno, o ofendido CC referiu que não conhecia o arguido antes desta situação, que ele foi ao ... onde trabalhava como porteiro no dia 4 de Março, onde é exigido consumo mínimo de 7€ que é pago no fim, com um cartão que é pago a final, onde se anotam as bebidas consumidas, que o estabelecimento tem uma pequena entrada, onde fica, numa antecâmara que tem uma porta que está sempre aberta, que o acesso é pelo interior da sala principal, que tem um pequeno escritório junto às casas de banho e não tem mais nenhum compartimento.
Acrescentou que está lá como porteiro há cerca de 2 anos, que era uma noite fraca com poucos clientes, que o arguido entrou com um senhor de idade avançada cerca das 2 da manhã, que o arguido nunca lá tinha ido, sabe isso pois está lá todos os dias, que não sabe o que eles consumiram.
Acrescentou que o arguido veio ter consigo quando se sentou na sala principal por causa do frio a perguntar se se estava a portar bem, se houvesse um problema para dizer, perguntou se queria beber alguma coisa, que também lá estava o EE que servia às mesas e o seu patrão, que quando o patrão decidiu fechar o estabelecimento, houve discórdia entre o arguido e o outro senhor que o acompanhava por causa do pagamento, que eles os dois começaram a discutir pois o outro senhor achava que não tinha de pagar a conta do arguido, ele dizia que não tinha dinheiro e o outro também, que eles pareciam amigos, depois disso, o outro senhor só pagou a sua despesa e o arguido disse que precisava de ir buscar o dinheiro a casa, pediu para ligar para a esposa a dizer que estava num bar de karaoke e disse que lhe emprestava o seu telefone.
O ofendido ainda referiu que o arguido não pagou nada e pediu para o levar a casa e que só tinha dinheiro em casa, que o seu patrão pediu para ir com ele, que o arguido disse primeiro que morava nos ... que é perto, que o EE foi consigo pois era a hora de saída e com receio de que algo não corresse bem, que foram no seu Volkswagen, o arguido ao seu lado e o EE atrás, em direcção a Sacavém e ele depois é que explicou qual era a rua, a seguir ao centro de Sacavém. Não pararam, apenas seguiu o caminho por ele indicado.
Acrescentou que o EE ficou no carro e saíram, ele tocou à campainha para o 7º andar, disse que era ele, subiram, o arguido, no elevador disse que pagava no bar ao seu patrão e queria falar com o amigo que ainda tinha ficado no bar e disse que não queria acordar o filho, que ficou à espera à porta do elevador enquanto o arguido ia a casa, que ele entrou em casa, a porta ficou aberta, houve uma conversa com a mulher de que não se apercebeu, ele saiu e mostrou o dinheiro, viu uma nota de 20 euros, disse que estava o dinheiro para lhe pagar, esperou que ele saísse.
Pelo ofendido foi ainda dito que o arguido voltou a sair com a pistola na mão e disparou, que o primeiro tiro atinge-o na barriga e houve mais disparos, que, com o primeiro disparo caiu e tentou refugiar-se nas escadas, ficou inclinado para as escadas ele passa por si e volta a fazer mais disparos, pelas suas costas, quando ele passa por si, pelas escadas abaixo.
Acrescentou que entrou no elevador para vir embora, desceu, saiu do elevador e quando sai do prédio viu o arguido a fugir do seu lado esquerdo, que o EE estava na lateral do carro que estava à porta do prédio, disse-lhe que levou tiros, o EE estava em pânico, pediu-lhe, mas ele não conseguia ligar para o INEM.
O ofendido DD disse ainda que entrou no carro para o lugar do condutor e ligou para o 112 e tentou localizar e explicar o sítio onde pudesse ser encontrado, que o EE entrou para o lugar de pendura, que conduziu até uma antiga unidade militar, onde explicou que ia estar, que chegou a PSP e depois uma carrinha dos bombeiros.
Esclareceu ainda que nas zonas privadas do estabelecimento não tem acesso, a não ser que surja uma confusão, que o que os clientes aí fazem, não tem conhecimento, que nunca foi abordado por clientes a pedir para vender cocaína, que o arguido estava numa zona em que não havia câmaras, que também existem mulheres que trabalham no estabelecimento.
Acrescentou que o arguido ficou na companhia de uma das mulheres do bar, que ele consumiu 3 cocktails da senhora que lhe faz companhia, os restantes 10€ são consumo dele.
Esclareceu ainda que não ouviu vários disparos, que se lembra de ver a pedra do chão a desfazer-se, que não viu os outros disparos, só os sentiu.
Acrescentou que já foi algumas vezes receber a casa de clientes ou com clientes que pedem para os levar ao multibanco para pagarem em dinheiro, que o seu patrão já pediu e já foi no carro dele, mas normalmente utiliza o seu carro, que naquela noite o seu patrão pediu ao EE para acompanhá-lo.
O ofendido EE referiu que estava com o ofendido DD, com quem trabalhava no bar, no ... em ..., era empregado de mesa e de balcão, ia lá fazer uns extras, que o arguido AA não tinha dinheiro para pagar a conta e pediu para ir buscar o dinheiro a casa, que o seu patrão, o Sr. DD disse que ele podia ir lá no dia seguinte e ele não quis, não queria ficar a dever nada a ninguém, apareceu o DD que era lá porteiro, que essa conversa foi ao pé do balcão.
Acrescentou que o arguido estava acompanhado com um senhor que não tinha carro, que estavam em dívida 90 euros, que estavam a fechar o estabelecimento e o Sr. DD disse para irem, que o DD conduzia, o arguido ia no banco do pendura e ia no banco de trás, que iam a falar, de um modo tranquilo, era cordial, até estava divertido, que foram directos à casa do arguido, que ficava ao pé do ..., na zona de ..., que saiu do carro para fumar um cigarro e voltou a entrar.
Esclareceu ainda que acabou de fumar um cigarro e ouviu dois disparos e passado um bocado, ouviu outros, 4 ou 5 tiros, olhou e viu um movimento de braços do arguido e deitou-se no banco do carro para se tentar proteger, pensando nos tiros que tinha ouvido, que foi então que viu o arguido a sair do prédio, que ouviu um estrondo muito grande, pareciam foguetes, era muito audível.
Acrescentou que o carro estava estacionado do lado do prédio, em segunda fila, que olhou para trás e viu o arguido a subir um jardim que lá estava e depois deixou de o ver, que passados 2 ou 3 minutos o DD apareceu ensanguentado, que ele só pediu para chamar o 112, tentou ligar e não deu e o CC ligou e conseguiu chamar, que foram até à praça de táxis de ..., quando veio a PSP e o INEM e ele foi socorrido.
Esclareceu ainda que estava há 2 ou 3 semanas no bar e nunca lá tinha visto o arguido, que ele estava sentado num canto, numa mesinha, que, no sítio onde o arguido AA estava não tem a certeza de haver videovigilância, que já não trabalha lá, que trabalhou lá até Abril/Maio deste ano.
Acrescentou que nesse dia, estavam lá poucos clientes, que o arguido AA tinha bebido 2 ou 3 Whisky e 2 cocktails, que era o Sr. DD que fazia as contas e era a ele que pagavam, que o arguido sempre foi cordial e educado, que nunca viu o DD dispensar cocaína a alguém no bar, que nunca lhe pediram a si para dispensar cocaína e que ao balcão estava o Sr. DD que serviu o arguido.
Disse ainda que ficou dentro do carro que tinha as luzes apagadas, que o arguido fez um gesto com os braços, a puxar os ombros à frente, que foi o medo do barulho, que o levou a baixar-se, que nada viu nas mãos do arguido. Associou os disparos ao arguido pois ele saiu à pressa.
Esclareceu ainda que o seu patrão fez a conta, que era 90 e tal euros e disse que não havia problemas que o arguido podia pagar amanhã, que o DD ouviu a parte em que o arguido disse que não queria ficar a dever, que o arguido pediu ao DD para o ir levar a casa, já estava na hora do fecho do bar.
Acrescentou que afastou-se para ir à casa de banho, depois de estar decidido que o DD ia levar o arguido, que o Sr. DD disse para irem buscar o dinheiro que depois os encontraria no Campo Grande antes do estádio, que depois seguiam para casa, que o arguido não ia voltar ao bar para pagar.
Esclareceu ainda que não perguntou ao Jorge quem tinha sido o autor dos disparos, que só teve preocupação em socorrê-lo e não conseguiu falar com ele sobre isso, que nunca tinha ido acompanhado um cliente a casa, que, nesse dia não viu qualquer arma.
A testemunha GG referiu que, no dia 4 de Março, cerca das 5 da manhã, tinha ouvido a porta a bater em baixo e o elevador a subir, que não ouviu ninguém a subir pelas escadas, nesse primeiro momento, que se alguém tivesse subido, ouvia, que decorreram cerca de 10 minutos quando ouve 4 ou 5 estrondos fortes, todos seguidos, bastantes audíveis que vinham da parte de cima do prédio, ligou para o 112 para lá ir um carro patrulha, que sai de casa, está ligar e vê uma pessoa a descer do terceiro para o segundo piso, tem uma arma na mão, virada para baixo, junto ao corpo do lado direito, era o arguido, seu vizinho, que parou de falar, ele passa por si e disse para não chamar a Polícia, mas a ambulância.
Acrescentou que já tinha falado com o arguido, que ele está a descer para o primeiro andar, volta para casa, foi para a marquise e viu um Volkswagen de 5 portas azul com um indivíduo na parte de trás, sentado a olhar para a porta do seu prédio, que foi à outra janela do lado esquerdo e depois para a janela do lado direito e viu essa pessoa fora do carro ao telemóvel e viu uma pessoa a sair do prédio a coxear da perna direita e manchada, que desceu e viu um rasto de sangue e foi então que chega o carro patrulha, que os agentes falaram consigo e a seguir veio a PJ.
Disse também que não ouviu zaragatas, que não ouviu ninguém a descer antes de sair de casa, nem o elevador que só desce quando o arguido passa por si, que só viu a pessoa ferida a sair do prédio, que no período de tempo em que foi buscar o telemóvel não ouviu barulho de pessoas a descerem pelas escadas, que não viu nem ouviu mais ninguém, que se descessem a pé, ouvia e a luz acendia automaticamente, se alguém tivesse passado a luz teria acendido.
A testemunha DD disse que só conheceu o arguido em Março deste ano, que não se recorda de o arguido lá ter ido antes ao seu estabelecimento armazém, que tem há 9/10 anos, que recebe e serve ao balcão, que o arguido pediu para ser servido e comportou-se lindamente, entrou cerca das 2 da manhã, que pediu um whisky, ele vinha com um senhor 50/60 anos, que ficou numa mesa bebeu sozinho.
Acrescentou que o arguido foi para uma sala privada com uma menina a quem ofereceu 3 cocktails, que fez uma despesa de cerca de 100€, que bebeu 3 ou 4 whiskeys, que estavam 7 ou 8 clientes e umas 8 ou 10 colaboradoras, que o EE estava a ajudar e o DD estava a controlar as entradas e saídas.
Referiu também que o arguido e o senhor dirigiram-se ao balcão, ele pagou cerca de 20 euros, a despesa dele e o arguido disse ó tio paga por mim, mas o outro senhor disse que não, que o arguido esteve a conversar consigo quando pedia as bebidas, que o arguido ainda foi à portaria.
Acrescentou que o ofendido DD raramente vem dentro, está no hall de entrada, que o arguido disse ó cota vou-te pagar, até disse que deixava as chaves da mota que ia de táxi.
Disse também que já aconteceu ir a casa dos clientes, se não estivesse a fechar a casa ia, numa vez foi um desconhecido e noutras duas vezes foram pessoas conhecidas e que pediu ao DD para ir, que o amigo do arguido saiu consigo, no final da noite consigo.
Acrescentou que disse ao EE para acompanhar o DD, para não haver altercação entre os dois pois o EE é muito calmo, que depois, o EE fez-lhe um telefonema a dizer que o Jorge tinha sido baleado.
Esclareceu ainda que não houve problemas com a polícia e durante 10 anos ligou 2 vezes à Polícia para não haver problemas, que só teve dois seguranças neste tempo, sendo o DD o segundo.
Esclareceu ainda que o CC e o EE iam levar o dinheiro ao estabelecimento se ainda não tivesse fechado o estabelecimento e que se tivesse já fechado o estabelecimento iam ter consigo ao Campo Grande e que o arguido ainda lhe deve dinheiro.
Disse também no mapa de pessoal do seu estabelecimento estão duas empregadas de limpeza e uma empregada de mesa, que o Sr. DD não é seu empregado, mas de uma empresa de segurança que lhe presta serviços.
A testemunha HH referiu que conhece o arguido do café ... que é por baixo do prédio, que o seu namorado mora no 4º andar direito do prédio do arguido e acordaram com barulho cerca das 5 da manhã, com pessoas a falar alto, com barulhos de vozes, que o seu companheiro levantou-se, mas ficou na cama, que reconheceu a voz do arguido a dizer FF foge e ouviu disparos, que queria ir à porta, mas o seu companheiro não a deixou, que o prédio faz eco, mas não tem a precisão exacta de quantas vozes eram, mas era mais do que uma voz, que ouviu passos também, que do quarto pode ouvir o elevador, que não sabe quantas vezes a porta bateu.
A testemunha II disse que mora no 4º andar direito do prédio do arguido, no dia 4 de Março, depois das 5 da manhã acordou com barulho de pessoas a discutir, que a sua companheira diz que parecia a voz do arguido, veio à porta e ouviu o arguido dizer “Ó FF querem fazer mal” e ouviu disparos, depois ouviu passos de gente a descer, viu que a luz acendeu e pelo óculo só viu uma pessoa a descer, mas não reconheceu e ouviu um pouco mais abaixo a dizer não chame a polícia, chame uma ambulância.
Acrescentou que conhecia o arguido como vizinho e do café por baixo do prédio, que já o conhecia das bombas da REPSOL quando ele punha combustível na mota.
Ora, cotejada a prova, a versão do arguido não nos merece credibilidade.
Desde logo, quanto à deslocação a casa do arguido para cobrar a despesa efectuada no bar ..., as testemunhas DD, EE e DD foram esclarecedoras e explicaram com clareza que se deveu a essa cobrança e não a uma suposta dívida de droga.
Não foi produzida qualquer prova de que tenha havido venda de droga pelo ofendido CC ao arguido e de que este a tenha consumido no estabelecimento ....
Também não foi produzida prova no sentido de que o arguido tenha sido agredido no estabelecimento nocturno ... e a informação de fls. 786 de que existem inquéritos policiais por ofensa à integridade física em tal estabelecimento também não permite, por si só, que se conclua nesse sentido.
Com efeito, desconhecem-se os presumíveis autores, se foi dentro ou fora do estabelecimento e mais circunstâncias do cometimento, para além das datas, por um lado, e, por outro, o arguido se tivesse sido agredido, quer no estabelecimento, quer no patamar de sua casa, deveria ter-se deslocado nesse mesmo dia a um estabelecimento hospitalar, o que, como se sabe não o fez, dando nota das marcas com que seguramente teria ficado.
Acresce que nenhuma testemunha se apercebeu da presença do mulato que seria o dono da droga, por si só, ou em conjunto com o DD.
Com efeito, as testemunhas HH e II não se aperceberam do tal mulato, tendo esta esclarecido que, após os disparos ouviu passos de gente a descer, viu que a luz acendeu e pelo óculo só viu uma pessoa a descer.
Mais significativo foi a testemunha GG que não ouviu ninguém a descer antes de sair de casa, nem o elevador que só desce quando o arguido passa por si, que só viu a pessoa ferida a sair do prédio, que no período de tempo em que foi buscar o telemóvel não ouviu barulho de pessoas a descerem pelas escadas, que não viu nem ouviu mais ninguém, que se descessem a pé, ouvia e a luz acendia automaticamente, se alguém tivesse passado a luz teria acendido.
Ora, de nenhum elemento probatório resulta que o tal mulato lá tivesse estado, a não ser das declarações do arguido que, desacompanhadas de mais elementos probatórios não nos merecem credibilidade.
Acresce que a pertença da arma ao arguido, resulta das regras da experiência comum, pois se a arma não era sua, mal se percebe que tenha ficado na posse da mesma, o que só sucede quando se usa um bem que é sua pertença e não quando se trata de algo que veio à sua posse acidentalmente como invocou o arguido.
Por outro lado, o ofendido foi esclarecedor e explicou que o arguido saiu de casa com a arma e como disparou para si.
Como resulta das regras da experiência comum, o arguido não podia deixar de conhecer que o uso da arma era apto a causar a morte e ainda que a usando tão perto do ofendido poderia causar tal efeito.
A intenção de matar retira-se da actuação do arguido que efectuou os disparos estando próximo do ofendido, atingindo zonas vitais deste e que poderiam causar a morte, nos termos que constam dos exames periciais acima citados e que só não causaram a morte por razões estranhas à vontade do arguido.
Analisando as declarações das testemunhas HH e II, quando a primeira diz que reconheceu a voz do arguido a dizer FF foge e ouviu disparos e a segunda diz que ouviu o arguido dizer “Ó FF
querem fazer mal” e ouviu disparos, as mesmas em nada põem em crise as referidas conclusões pois se mostra plausível que o arguido tenha querido proteger a sua esposa da utilização por si de uma arma de fogo e que não sobrasse para ela qualquer problema, designadamente um ferimento por ricochete.
Tais afirmações são compatíveis, pois, com a actuação do arguido em disparar com uma arma que era sua.
Mais resulta que a actuação do arguido foi feita de um modo desleal e traiçoeiro, saindo de casa com a arma, surpreendendo o ofendido e disparando sobre o mesmo, e, portanto, de um modo insidioso, como adiante, melhor se explicará.» (negrito e sublinhado nossos)
O quadro que ressalta da parte acabada de transcrever, do aresto em crise, é bem diferente da que o arguido expõe na sua motivação de recurso (conclusões 8 e 9 e no corpo da motivação, atrás transcrito).
Não há qualquer confissão.
Apenas resulta dos autos (n.º 49 da matéria de facto provada acima transcrita) que o arguido, relativamente às despesas de saúde, efectuou o pagamento de uma factura no valor de 146,77 euros.
Estamos perante vários crimes (1 de homicídio qualificado tentado; 1 de detenção de arma proibida).
No que diz respeito à determinação das penas parcelares e da pena global, escreve-se no acórdão em crise:
2.2. DA ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DAS PENAS:
2.2.1 DO CRIME DE HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA:
Atento o disposto nos arts. 22, 23º, 73º, 131º, 132º, nº 1, nº 2, alínea i) do Código Penal o crime de homicídio qualificado, na forma tentada cometido pelo arguido é punido, em abstracto, com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses.
Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, como dispõe o art. 71º, nº 1 do Código Penal.
Nos termos do disposto no art. 40º, nº 2 do Código Penal, a culpa constitui o limite máximo inultrapassável da pena a determinar.
Assim, atento o disposto no nº 2 do citado art. 71º, o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente:
a) A significativa gravidade do ilícito, considerando a tentativa de eliminação de uma vida;
b) A intensidade do dolo, sendo certo que o arguido agiu com dolo directo;
c) As exigências de prevenção geral positiva, considerando que está em causa a afectação de um valor indiscutível e fundamental, quer em termo individuais, quer em termos sociais, como é a vida humana;
d) As exigências de prevenção especial, tendo em conta que o arguido, apesar de estar socialmente inserido e não ter antecedentes criminais, agiu em circunstâncias que fizeram com que a tensão ou pulsão dos instintos primários não tivesse sido vencida por uma solidez de personalidade;
e) O modo de execução do crime.
Tudo visto e ponderado, revela-se adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 5 anos e 9 meses de prisão.
2.2.2. DO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA:
Nos termos do disposto no arts. 41º, nº 1 e 47º, nº 1 do Código Penal e 86º, nº 1, alínea c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro o crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa de 10 a 600 dias de multa.
A escolha da pena constitui uma operação distinta e autónoma da determinação da sua medida.
A aplicação do regime legal inserido no citado artigo 70º depende, em exclusivo, das finalidades da punição, só se devendo escolher a pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios da prevenção geral e especial.
No caso dos autos, apesar da ausência de antecedentes criminais, tendo em conta a utilização da arma, apenas a pena de prisão se revela adequada para realizar suficientemente as finalidades subjacentes à incriminação.
A determinação da pena é feita em função da culpa dos arguidos e das exigências de prevenção, dentro dos limites definidos na lei.
De harmonia com o preceituado no artigo 40º, nº 2, do Código Penal, em caso algum, pode a pena extravasar a medida da culpa.
A defesa da ordem jurídico-penal é a finalidade primeira, que se prossegue no quadro da moldura abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente.
Entre tais limites se satisfazem, quanto possível, as necessidades de prevenção geral e especial.
A determinação da medida da pena implica a determinação da medida legal ou abstracta da pena, num primeiro momento, e da medida judicial ou concreta da pena, num segundo momento.
A determinação da medida concreta da pena a aplicar, dentro da moldura penal abstracta prevista na lei, far-se-á atendendo ao grau de culpa consubstanciado nos factos e às exigências de prevenção geral e especial que, no caso, se mostrem relevantes, tomando em linha de conta todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido – vide artigo 71.º, nºs 1 e 2 do Código Penal
Considerando:
a) O grau elevado da ilicitude do facto atenta a natureza da detenção e o uso efectivo da arma;
b) A intensidade do dolo, configurado como directo;
c) Quanto à prevenção geral são relevantes as exigências, considerando a ocorrência muito frequente de tais ilícitos nesta comarca e no que diz respeito à prevenção especial, cumpre considerar que o arguido está socialmente inserido;
d) A ausência de antecedentes criminais.
Tudo visto e ponderado, revela-se adequado e proporcional aplicar ao arguido, a pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Como dispõe o art. 77º, nº 1 do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
O arguido praticou os acima mencionados crimes pelos quais foi condenado em penas de prisão.
Atendendo ao disposto no nº 2 do citado art. 77º, a pena única aplicável tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas, isto é, cinco anos e nove meses de prisão, e, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, ou seja, sete anos e seis meses de prisão.
Considerando os factos e a personalidade do agente, revela-se adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena única de seis anos e seis meses de prisão.
O Tribunal recorrido considerou na aplicação das penas, quer o circunstancialismo favorável (v.g. ausência de antecedentes criminais; arguido socialmente inserido, no que tange à prevenção especial), quer o desfavorável, como resulta do disposto no n.º 2 do art. 71.º do CP.
Os crimes em causa, como bem ressalta da decisão recorrida, são de significativa gravidade.
Relativamente ao homicídio qualificado tentado, a decisão considerou a intensidade do dolo, que é directo, as exigências de prevenção geral positiva atento o valor fundamental em causa (a vida humana) e de prevenção especial (apesar de inserido e de não ter antecedentes criminais, arguido não dominou os seus instintos primários), bem como o modo de execução do crime.
No homicídio protege-se a vida humana, valor fundamental com que o legislador abre a parte especial do CP (arts. 131.º e ss.).
Relembre-se que, no que concerne ao circunstancialismo em que ocorreu este crime, o arguido além de ter utilizado uma pistola Parabellum de calibre 9 mm (n.º 16 matéria de facto), disparou vários tiros contra o ofendido, reveladores de uma forte vontade de actuação, alvejando-o de frente e de costas (n.º 10, 11 e 22 da matéria de facto): primeiramente, pelo menos, dois tiros, na direcção do torso atingindo-o na região intra costal e lombar à esquerda (n.º 11 da matéria de facto); num segundo momento, efectuou, pelo menos, mais dois disparos, nomeadamente na direcção do abdómen (n.º 11 da matéria de facto).
Sem esquecer que no caso presente estamos perante um homicídio qualificado, na forma tentada, há muito que este STJ vem realçando as elevadas exigências de prevenção geral nos homicídios voluntários (cfr., v.g., Ac. STJ de 30/10/1996, Proc. 96P725, Rel. Silva Paixão, Ac. de 12/9/2012, Proc. 1221/11.6JAPRT.S1, de 25/2/2015, Proc. 1514/12.5JAPRT.P1.S1, ambos Rel. Raul Borges, de 21/6/2012, Proc. 525/11.2PBFAR.S1, de 5/2/2015, Proc. 160/13.0GBTMR.C1.S1, ambos Rel. Isabel Pais Martins).
Relativamente ao crime de detenção de arma proibida, a decisão em crise considerou a elevada ilicitude, o dolo intenso (directo), as exigências de prevenção geral (ocorrência frequente na comarca deste tipo de ilícitos) e especial (arguido socialmente inserido).
Assim, pelas razões mencionadas e atenta a moldura da pena em causa, já acima assinalada [entre o mínimo 5 anos e 9 meses de prisão, pena parcelar mais elevada, e o máximo de 7 anos e 6 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares envolvidas no cúmulo)], considera-se ajustada a pena única de seis (6) anos e seis (6) meses de prisão fixada pela 1.ª instância.
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se, consequentemente, a decisão recorrida.
III DECISÃO
Atento o exposto, os Juízes desta 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça acordam em negar provimento ao recurso do arguido AA, mantendo integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo (5 UC) (artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao RCP—DL 34/2008, de 26/2, na redacção do DL 52/2011, de 11 de 13 de Abril).
Processei e revi (art. 94.º, n.º 2, CPP)