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TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
ÓNUS DA PROVA DOS REQUISITOS
Sumário
I- Compete àquele que invoca discriminação salarial e violação do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual”, alegar e provar que produziu trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade ao trabalho prestado pelo(s) colega(s) que identifica como referência. II- Por sua vez, compete ao empregador alegar e provar que a diferença de tratamento salarial não assenta em qualquer fator de discriminação. III- Entre duas trabalhadoras do mesmo estabelecimento de Farmácia, que têm a mesma categoria profissional, exercem as mesmas funções, mas uma delas é licenciada em Farmácia, domina as línguas francesa e inglesa, o que lhe permite atender clientes estrangeiros e emigrantes, sabe trabalhar com Excel e consegue exercer tarefas relacionadas com o Valormed, enquanto que a outra trabalhadora, a Autora, tem o 9.º ano de escolaridade e não consegue trabalhar com Excel, nem realizar as tarefas relacionadas com o Valormed, não tendo resultado provado que dominasse línguas estrangeiras, justifica-se o diferente tratamento remuneratório entre as duas trabalhadoras, que assenta num critério objetivo - habilitações literárias e competências curriculares - materialmente fundado, e não discriminatória à luz da Constituição e da lei laboral (sumário da relatora).
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
I. Relatório
T… (A.) instaurou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra F…, Lda. (R.), pedindo que:
1) seja declarado que a A., em janeiro de 2009 e nos anos seguintes, desempenhou ao serviço da Ré funções objetivamente semelhantes às desempenhadas pela sua colega B…, quer pela sua natureza, quer em termos de qualidade e quantidade;
2) seja declarado que a A. tem direito a receber, desde janeiro de 2009, uma remuneração igual à que recebia nessa data a sua colega B…;
3) seja a Ré condenada a pagar à A., a esse título e conforme discriminado no art. 50° da p.i., a quantia de 27.000,00€;
4) seja declarado que o contrato de trabalho que vigorou entre A. e Ré não caducou, pelo que a cessação do contrato declarada por esta configura um despedimento ilícito;
5) seja a Ré condenada a pagar à A., da indemnização por despedimento ilícito, a quantia de 55.250,00€;
6) seja a Ré condenada a pagar à A., das férias vencidas em 1 de janeiro de 2018 e do subsídio respetivo, bem como da remuneração mensal vencida nos 30 dias anteriores à propositura da ação, a quantia de 3.250,00€;
7) seja a Ré condenada a pagar à A. as prestações pecuniárias vincendas até ao trânsito da decisão a proferir nos autos; e,
8) seja a Ré condenada a pagar à A. juros à taxa anual de 4% contados desde a citação até integral pagamento.
O processo seguiu a tramitação que resulta dos autos, para os quais remetemos, sendo a mesma do conhecimento das partes.
Posteriormente à realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com a seguinte decisão: «Pelos fundamentos de direito e de facto supra mencionados, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência: 1) julga-se improcedente que seja declarado que a autora, em janeiro de 2009 e nos anos seguintes, desempenhou ao serviço da Ré funções objetivamente semelhantes às desempenhadas pela sua colega B…, quer pela sua natureza, quer em termos de qualidade e quantidade 2) julga-se improcedente que seja declarado que a autora tem direito a receber, desde janeiro de 2009, uma remuneração igual à que recebia nessa data a sua colega B…; 3) julga-se improcedente que seja a Ré condenada a pagar à autora, a esse título e conforme discriminado no art. 50° da p.i., a quantia de 27.000,00€; 4) declara-se que o contrato de trabalho que vigorou entre autora e a Ré não caducou, pelo que a cessação do contrato declarada por esta configura um despedimento ilícito; 5) condena-se a ré a pagar à autora, a título de indemnização em substituição da reintegração, o montante de 30 (trinta) dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão judicial, que não pode ser inferior à quantia de € 45.150,00; 6) julga-se improcedente o pedido de condenação da ré a pagar à autora as férias vencidas em 1 de janeiro de 2018 e do subsídio respetivo; 7) condena-se a ré a pagar à autora, as retribuições vencidas desde 02/04/2018 e as vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final desta causa, considerando-se a retribuição mensal base de € 1.050,00, com dedução dos montantes recebidos pela autora, nesses períodos, a título de subsídio de desemprego, se for o caso, devendo esses montantes ser entregues à Segurança Social pela ré; 8) condena-se a ré a pagar à autora, juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal de 4%, desde a sua citação até efetivo e integral pagamento; 9) Absolvo, no mais, a ré do peticionado pela autora. 10) Condeno a autora e a ré no pagamento das custas, na proporção do decaimento, sendo 45,96% da responsabilidade da primeira e € 54,04% da responsabilidade da segunda. Registe e notifique.»
Não se conformando com a improcedência dos pedidos que apresentou sob os n.ºs 1 a 3, veio a A. interpor recurso, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1ª Deve ser dado como provado o artigo 11º da douta contestação, por se tratar de confissão da Ré face ao facto alegado pela A. no art. 3º da p.i.
2ª Deve ser eliminado do n.º 15 dos Factos Provados, da fundamentação da douta sentença recorrida que “… a colega B… dominava as línguas inglesa e francesa, o que facilitava o atendimento dos clientes estrangeiros e emigrantes e tratava das tarefas que a autora não conseguia, como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com o Excel”, porque estes factos não foram alegados por qualquer das partes e não foi facultado à A. pronunciar-se sobre os mesmos – art.s 3º n.ºs 2 e 3 e art. 5º n.º 1, ambos do CPC.
3ª A Autora foi discriminada em relação à colega B…. porque executava funções objetivamente semelhantes pela sua natureza – art.s 3º da p.i. e 11º da contestação – e esta auferia uma remuneração superior;
4ª Remuneração esta que lhe foi fixada logo que começou a trabalhar.
5ª Não obstante a Autora já trabalhar para a Ré no exercício dessas funções há 28 anos.
6ª O facto da colega B… ter um curso em farmácia não justifica legalmente, só por si, que a sua remuneração fosse superior à A., que tinha uma experiência profissional de dezenas de anos, quando a colega foi admitida.
7ª Esta experiência conferia aos serviços prestados pela A. uma qualidade e uma execução em menos tempo que a colega que estava a iniciar-se nessas tarefas.
8ª A Ré discriminou a Autora somente em função das habilitações da colega B… como se conclui da contestação.
9ª A Mma. Juiz “a quo” declarou nas respostas â matéria de facto que não se apurou se havia diferenciação na qualidade e quantidade dos serviços prestados pela A. e colega B…, mas concluiu, mesmo assim, que as habilitações literárias desta legitimaram a diferença remuneratória,
10ª Omitindo que era a Ré que deveria ter provado que a qualidade e a quantidade dos serviços prestados pela Colega B… justificavam a diferença remuneratória.
11ª A discriminação salarial só pode ser declarada em profissionais com a mesma categoria profissional, não podendo ser apreciada entre categorias distintas.
12ª A douta sentença recorrida violou os art.s 59º n.º 1 e 23º c) da CRP e os art.s 24º n.º 1 e n.çº2 al. c), 25º n.º 5, 28º e 270º todos do Código do Trabalho,
Pelo que
13ª Deve ser revogada a douta decisão na parte recorrida, sendo substituída por outra que condene a Ré a pagar à A. a quantia de 27.000,00€ (vinte e sete mil euros) de diferenças remuneratórias, acrescida de juros à taxa anual de 4% contados desde a data do seu vencimento e até integral pagamento.»
Contra-alegou a R. propugnando pela improcedência do recurso.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, foi aberta vista ao Ministério Público, de harmonia com o preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à confirmação da sentença recorrida.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2.ª Existência de infundada discriminação salarial.
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III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos relevantes para a boa decisão da causa:
1.- A Ré tem como atividade a venda, em farmácia, de produtos farmacêuticos.
2.- A A. foi admitida ao serviço da Sr.ª Dr.ª M… em 1 de janeiro de 1975, para trabalhar na Farmácia …, Abrantes, tendo a Ré sido constituída mais tarde, pelos seus descendentes, sendo que a A. aí continuou a trabalhar no mesmo local e no exercício das mesmas funções.
3.- A A. executou ao serviço da Sr.ª Dr.ª M… e da Ré as funções de atendimento ao balcão para venda de produtos farmacêuticos; realização de encomendas destes; verificação dessas encomendas após a sua receção; verificação diária da caixa; guardar o dinheiro no cofre; arrumar medicamentos e fechar o final do mês.
4.- Sob as ordens direção e fiscalização da Sr.ª Dr.ª M…, primeiro e depois da Ré.
5.- Que lhe determinaram um horário de trabalho.
6.- Lhe indicaram o local de realização do seu trabalho.
7.- Lhe pagavam uma retribuição mensal certa, catorze vezes por ano.
8.- A A. está classificada com a categoria de ajudante técnica de farmácia desde março de 1980.
9.- A Ré manteve essa classificação da A. durante a vigência do contrato de trabalho, integrando-a já em 2006 no Grau A, que manteve até à cessação do contrato de trabalho.
10.- A A. estava classificada como técnica de farmácia desde agosto de 2004.
11.- Em janeiro de 2009 a A. auferia 1.050,00€ mensais.
12.- A sua colega B…, também classificada com a categoria profissional de ajudante técnica de farmácia do Grau A, auferia, em janeiro de 2009, a quantia de 1.300,00€.
13.- A A. e a colega B… executavam as mesmas funções, acima descritas em 3).
14.- Quando a colega B… foi admitida a A. já executava aquelas funções ao serviço da Ré há 28 anos.
15.- A autora e a colega B… tinham ambas a categoria profissional de ajudante técnica de farmácia do grau A, desempenhando para a ré iguais funções, com igual responsabilidade, não existindo tarefas que apenas devessem ser desempenhadas por uma delas nem a ré distinguia tarefas para ser realizadas por uma ou outra, sendo que, no entanto, a colega B…, dominava as línguas inglesa e francesa o que facilitava o atendimento dos clientes estrangeiros e emigrantes, e tratava de tarefas que a autora não conseguia, como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com o Excel.
16.- A A. manteve a remuneração de 1.050,00€ até à cessação do seu contrato de trabalho com a Ré.
17.- A A. sofre, há alguns anos, de dores na coluna cervical e lombar.
18.- Essas dores, a partir do Verão de 2016, foram impeditivas de a A. trabalhar, por algum tempo, obrigando-a a recorrer a baixa médica.
19.- No dia 1 de março de 2018 a A. apresentou-se na farmácia e informou a Sr.ª Dr.ª M… que iria trabalhar no dia seguinte.
20.- Esta disse-lhe que não podia ir trabalhar, até porque não tinha dinheiro para lhe pagar e que devia aguardar que fosse à medicina do trabalho.
21.- Em 01/03/2018, perante a insistência da autora, a ré disse-lhe que a poderia despedir ao abrigo do artigo 343.º.
22.- No dia 12 de março a Sra. Dra. M… telefonou à autora na hora do almoço para lhe dizer que iria à medicina do trabalho no dia seguinte.
23.- No dia 13 de março de 2018, a A. apresentou-se à médica da medicina no trabalho, não obstante estar de baixa até ao dia 25 desse mês.
24.- A qual lhe declarou que não podia fazer o exame porque a A. estava de baixa, porém, após ter falado com a Sr.ª Dr.ª M…, preencheu uma ficha médica sem fazer qualquer observação física à A. e sem a ter mandado realizar qualquer exame de imagiologia ou outros.
25.- No dia 15 de março em conversa telefónica a Sr.ª Dr.ª M… disse à A. que só iria trabalhar no dia 20, porque, entretanto, ficava de férias.
26.- A A., porém, apresentou-se ao serviço no dia 19 de março às 09:00h.
27.- Não foi permitido à autora exercer na ré as suas funções porque havia ordens nesse sentido com fundamento que estava de férias.
28.- Em email enviado para a farmácia a Sr.ª Dr.ª M… deu ordens que a A. não podia lá permanecer, porque estava de férias até ao dia 20 de março.
29.- A A. permaneceu na farmácia das 09:00h às 13:00h e das 15:00h às 19:00h..
30.- Um pouco antes das 19h chegou a Sra. Dra. M… que a mandou embora.
31.- A A. no dia seguinte ficou de férias.
32.- No dia 21 de março de 2018 a autora apresentou-se ao serviço mas foi-lhe impedido o acesso à farmácia, exceto permanecer na zona destinada ao público.
33.- Com data de 19 de março de 2018 a Ré comunicou à A. que o seu contrato de trabalho caducara.
34.- Porque havia sido “dada como inapta definitivamente para o trabalho”.
35.- E “porque não existia mais nenhum posto de trabalho que pudesse ocupar”.
36.- A Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes da Segurança Social, por deliberação de 24 de janeiro de 2017, considerou que a A. não estava afetada de incapacidade permanente.
37.- A Comissão de Recurso, em 22 de junho de 2017, manteve a deliberação da Comissão de Verificação.
38.- Em 1 de março de 2018 foi observada por Junta Médica da Segurança Social.
39.- Em 02/05/2018 a autora aguardava decisão da Comissão de Recurso, explicitando-se que, por carta datada de 17/05/2018, a autora foi notificada que a Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, por deliberação de 24/04/2018, considerou que a mesma não reúne as condições de incapacidade permanente determinantes da atribuição da pensão de invalidez relativa, decisão com a qual se conformou.
40.- As dores na cervical e na coluna lombar da A. não a impossibilitavam, durante a vigência do contrato de trabalho, de forma absoluta, nem de forma definitiva, para a execução das tarefas descritas em 3), ou seja para desempenhar as funções de técnica de farmácia.
41.- Tanto assim que, à data em que a A. quis voltar ao trabalho, estava a executar tarefas domésticas em casa, tais como, cozinhar, que implica pegar em tachos e outros utensílios de cozinha, fazer camas e limpeza da casa.
42.- As tarefas domésticas são mais exigentes fisicamente do que atender clientes ao balcão.
43.- Em 26/03/2018, a ré transferiu para a conta bancária da autora, a quantia líquida de € 578,33, tendo-lhe emitido o recibo que consta a fls. 58 dos autos, para cujo conteúdo se remete e aqui se considera integralmente reproduzido para os legais efeitos.
44.- A ora Ré é uma sociedade comercial, que se dedica à venda de produtos farmacêuticos e prestação de serviços inerentes à atividade farmacêutica, no seu estabelecimento comercial – Farmácia -, atividade esta com um Regime Jurídico próprio, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 75/2016, de 8 de Novembro, e inspecionada pelo INFARMED, IP.
45.- A. foi admitida ao serviço da R. em 1975, sendo então diretora do estabelecimento a Senhora Dra. M…, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Ajudante Técnica de Farmácia (que possui desde março de 1980), e posteriormente desde 2006, classificada como Ajudante Técnica de Farmácia de Grau A, recebendo o vencimento mensal de € 1.050,00.
46.- Classificação esta necessária para que possa exercer a atividade supra mencionada, nos termos do disposto no art. 24.º n.º 2 do diploma supra citado.
47.- As funções executadas pela A. correspondem às descritas para a sua categoria profissional, de acordo com o disposto no Anexo do DL 75/2006, de 8 de novembro.
48.- A A., à data de hoje tal com desde 2004, possui a categoria profissional de Técnica de Farmácia. A obtenção da categoria profissional, tal como a progressão de carreira e reconversões operaram-se de acordo com o disposto no art. 3.º da Deliberação n.º 396/2017.
49.- Este diploma legal, remete para o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) entre a Associação Nacional das Farmácias e o Sindicato Nacional dos Profissionais de Farmácia, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 21, de 8/6/2010, CCT este no qual constam as tabelas salariais atualizadas e negociadas.
50.- Neste IRCT, pode verificar-se que o vencimento base de ajudante técnica de farmácia de Grau A, (que sofreu uma nova nomenclatura, sendo agora denominado como técnico de farmácia de Grau I), é de € 769,35.
51.- B…, colega de trabalho da A., efetivamente, como qualquer outro trabalhador da Farmácia, exerce materialmente as mesmas funções, sejam elas atender os utentes, vender medicamentos sujeitos a receita médica de acordo com prescrição médica, receber em numerário ou em pagamento por cartão, arrumar prateleiras e organizar e inventariar material, aconselhar os utentes quando se tratem de medicamentos não sujeitos a receita médica, analisando a sintomatologia apresentada e aconselhando na posologia dos mesmos etc..
52.- Tais funções são transversais a todos os trabalhadores que estejam a atender o público, no balcão da farmácia, desde o diretor farmacêutico, ao farmacêutico, e aos técnicos e assistentes farmacêuticos.
53.- Existe diferença de remunerações a nível de um diretor farmacêutico, de um farmacêutico e dos técnicos e assistentes, devido, entre outros fatores, à responsabilidade associada ao cargo e às habilitações profissionais dos mesmos.
54.- A autora e a colega B… tinham a mesma classificação profissional, desempenhavam para a ré as mesmas funções sem distinção de tarefas, mas, no entanto, a colega B…, dominava as línguas inglesa e francesa o que facilitava o atendimento dos clientes estrangeiros e emigrantes, e tratava de tarefas que a autora não conseguia, como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com o Excel.
55.- A autora tem como habilitações literárias o terceiro ciclo do ensino básico (9.º ano).
56.- A trabalhadora B… possui Licenciatura em Farmácia obtida na Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico de Lisboa.
57.- A trabalhadora B…, desde pelo menos janeiro de 2009 a setembro de 2012 auferiu o vencimento base de € 1.300, e a partir de outubro de 2012, o vencimento base de € 1.127,10.
58.- A trabalhadora B…, sendo licenciada em Farmácia, possuía conhecimentos técnico-científicos na área de Farmácia, os quais a autora não tinha, por não ser licenciada em Farmácia.
59.- A A. desde 20 de outubro de 2016 apresentou à R. sucessivos e ininterruptos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, por doença incapacitante para a sua atividade profissional:
- de 20-10-2016 a 31-10-2016;
- de 01-11-2016 a 30-11-2016;
- de 01-12-2016 a 30-12-2016;
- de 31-12-2016 a 29-01-2017
- de 30-01-2017 a 28-02-2017;
- de 01-03-2017 a 30-03-2017;
- de 31-03-2017 a 29-04-2017;
- de 30-04-2017 a 29-05-2017
- de 30-05-2017 a 28-06-2017;
- de 29-06-2017 a 28-07-2017;
- de 29-07-2017 a 27-08-2017;
- de 28-08-2017 a 26-09-2017;
- de 27-09-2017 a 26-10-2017;
- de 27-10-2017 a 25-11-2017;
- de 26-11-2017 a 25-12-2017;
- de 26-12-2017 a 24-01-2018;
- de 25-01-2018 a 23-02-2018;
- de 24-02-2018 a 25-03-2018.
60.- O último certificado de incapacidade temporária para o trabalho, por doença incapacitante para a sua atividade profissional, tinha como data de termo 25 de março de 2018.
61.- A 19 de dezembro de 2017, a A., foi dada como apta para o trabalho, pela Junta Médica, não se tendo apresentado para trabalhar.
62.- No decurso desta decisão, e dado que a A. se considerava Inapta, foi marcada uma Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes da Segurança Social para dia 24-01-2017, que considerou que a mesma não se encontrava afetada de incapacidade permanente.
63.- A Sra. Dra. M… falou com um funcionário do Centro de Emprego de nome Bragança com vista a ser informada das hipóteses de extinção do contrato da autora, tendo sido indicada a de extinção do posto de trabalho, a qual não era solução por a ré ter contratado uma trabalhadora para substituir a autora enquanto de baixa.
64.- No dia 13 de março de 2018 e ao apresentar-se ao exame ocasional, pedido pela Ré, a médica de medicina do trabalho da empresa contratada para assegurar os serviços de higiene e segurança no trabalho – M… Medicina, Higiene e Segurança no Trabalho - constatou que a trabalhadora se encontrava “de baixa”, tendo contactado para a gerente da R. a informar que não poderia realizar o exame, tendo-lhe sido respondido que a baixa tinha sido levantada no dia anterior e que, portanto, tal não era fator impeditivo.
65.- O exame foi realizado tendo sido considerado pela médica da medicina no trabalho que a autora se encontrava inapta definitivamente para o trabalho conforme Ficha de Aptidão para o Trabalho emitida no dia 13 de março de 2018 e assinada pela autora.
66.- Este documento, emitido pela médica com competência para tal, especializada em medicina do trabalho, refere que a mesma está inapta definitivamente.
Não refere que está apta condicionalmente, que tem certos e determinados condicionalismos, nem refere que a mesma pode desempenhar outras funções, mas sim que não podia realizar mais o seu trabalho.
67.- Com base na Ficha de Aptidão para o Trabalho emitida no dia 13 de março de 2018 e face às sucessivas baixas da autora a ré entendeu que a mesma estava impossibilitada definitivamente para o exercício das suas tarefas.
68.- E assim fez, comunicando à trabalhadora a cessação do seu contrato de trabalho por incapacidade superveniente e absoluta da mesma para o prestar nos termos da alínea b) do art. 343.º do CT, que a A. rececionou a 21 de março de 2018 conforme registo.
69.- Em 01/03/2018 a autora informou a Dra. M… que ia regressar ao trabalho o que esta não lhe permitiu sem ser submetida a exame médico pela medicina no trabalho.
70.- No dia 15 de março de 2018, a R. disse-lhe para gozar as férias, facto este, que está na sua livre disposição enquanto empregadora, estudar e afetar os seus recursos humanos à atividade desenvolvida, dado que não se encontravam marcadas e já se encontravam vencidas.
71.- No dia 19/03/2018 a ré não permitiu que a autora exercesse as suas funções, tendo a mesma permanecido na farmácia e assinado o livro de ponto com o horário das 09h às 13h e das 15h às 19h, o mesmo sucedendo no dia 21/03, em que assinou o livro de ponto com entrada às 09h e saído pelas 11h05 depois de um telefonema.
72.- Em 01/03/2018 a autora foi observada por Junta Médica da Segurança Social, com vista a ser verificado se padecia de um estado de saúde que lhe conferia incapacidade, estando sem trabalhar desde 20/10/2016, tendo ficado a aguardar por decisão da Comissão de Recurso.
73.- A autora em 01/03/2018 foi observada por Junta Médica da Segurança Social em resultado de recurso por si interposto da decisão da Segurança Social que lhe indeferiu o requerimento de pensão de invalidez relativa.
74.- A A. chamou a ACT do Centro Local da Lezíria e Médio Tejo às instalações da R. após a comunicação da caducidade do contrato de trabalho e estes Serviços pediram os documentos entregues à trabalhadora, tal como as quantias finais pagas.
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IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida, em dois pontos específicos.
Em primeiro lugar, sustenta que a factualidade descrita no artigo 11.º da contestação, deveria ter sido considerada provada, por confissão da R. face ao alegado no artigo 3.º da petição inicial.
Apreciemos.
Consta articulado no artigo 3.º da petição inicial:
A A. executou ao serviço da Sr.a Dr.° M… e da Ré as funções de atendimento ao balcão para venda de produtos farmacêuticos; realização de encomendas destes; verificação dessas encomendas após a sua receção; verificação diária da caixa; guardar o dinheiro no cofre; arrumar medicamentos e fechar o final do mês.
No artigo 11.º da contestação, a R. escreveu o seguinte:
B…, colega de trabalho da A., relativamente à qual alega ser alvo de discriminação, efetivamente, como qualquer outro trabalhador
da Farmácia, exerce materialmente as mesmas funções, sejam elas atender os utentes, vender medicamentos sujeitos a receita médica de acordo com prescrição médica, receber em numerário ou em pagamento por cartão, arrumar prateleiras e organizar e inventariar material, aconselhar os utentes quando se tratem de medicamentos não sujeitos a receita médica analisando a sintomatologia apresentada e aconselhando na posologia dos mesmos etc.
Ora, após leitura da fundamentação de facto constante da sentença, constata-se que no ponto 3 dos factos provados reproduz-se o alegado no artigo 3.º da petição inicial e no ponto 13, também dos factos provados, consta expressamente que «[a] A. e a colega B… executavam as mesmas funções, acima descritas em 3)». Mais adiante, consta no ponto 51 dos factos assentes: «B…, colega de trabalho da A., efetivamente, como qualquer outro trabalhador da Farmácia, exerce materialmente as mesmas funções, sejam elas atender os utentes, vender medicamentos sujeitos a receita médica de acordo com prescrição médica, receber em numerário ou em pagamento por cartão, arrumar prateleiras e organizar e inventariar material, aconselhar os utentes quando se tratem de medicamentos não sujeitos a receita médica, analisando a sintomatologia apresentada e aconselhando na posologia dos mesmos etc..», ou seja, reproduz-se neste ponto a materialidade referida no artigo 11.º da contestação.
Tanto basta parra se concluir que a factualidade que a apelante visava inserir na fundamentação de facto da sentença já integra a mesma, pelo que a impugnação improcede nesta parte.
Quanto à segunda questão abrangida pela impugnação, a mesma respeita ao ponto factual provado n.º 15, pugnando a apelante pela eliminação deste ponto, porquanto o mesmo contém materialidade não articulada por qualquer das partes.
Consta do aludido ponto, o seguinte:
- A autora e a colega B… tinham ambas a categoria profissional de ajudante técnica de farmácia do grau A, desempenhando para a ré iguais funções, com igual responsabilidade, não existindo tarefas que apenas devessem ser desempenhadas por uma delas nem a ré distinguia tarefas para ser realizadas por uma ou outra, sendo que, no entanto, a colega B…, dominava as línguas inglesa e francesa o que facilitava o atendimento dos clientes estrangeiros e emigrantes, e tratava de tarefas que a autora não conseguia, como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com o Excel.
O facto em causa resulta da resposta dada ao artigo 14.º da contestação, como se infere da leitura da decisão da matéria de facto, excedendo o referido nesse artigo, designadamente na parte respeitante à circunstância da colega da A., B…, dominar as línguas inglesa e francesa, o que facilitava o atendimento dos clientes estrangeiros e emigrantes e tratar de tarefas que a A. não conseguia como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com o Excel.
O aditamento factual em causa corresponde, efetivamente, a matéria não articulada.
Porém, da motivação da convicção depreende-se que a materialidade acrescentada foi discutida, pois sobre ela falou a testemunha R….
Ora, de harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve ampliar a base instrutória ou, não a havendo, como sucedeu nos presentes autos, tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto, desde que sobre eles tenham incidindo discussão.
O aditamento factual introduzido constitui matéria relevante para a boa decisão da causa, pois reporta-se às concretas funções que a colega da A., em relação à qual foi alegada a discriminação salarial, exercia e quais as habilitações/formação que a mesma possuía.
Tal matéria mostra-se importante para comparar a situação real existente entre as duas trabalhadoras.
Sobre tal matéria incidiu discussão.
Destarte, a inclusão da mesma no conjunto dos factos assentes encontra apoio legal no mencionado normativo, razão pela qual, deverá manter-se na fundamentação de facto constante da sentença.
Em suma, improcede, igualmente, a impugnação deduzida, que visava a sua eliminação do acervo dos factos provados.
Concluindo, mostra-se totalmente improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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V. Da alegada desigualdade salarial
Os três primeiros pedidos formulados na petição inicial, pela A./apelante, e que foram julgados improcedentes, emergem da alegada existência de discriminação salarial entre a apelante e a sua colega de trabalho, B….
Uma leitura atenta da sentença recorrida, mormente da fundamentação jurídica utilizada para sustentar o juízo decisório proferido, impugnado no recurso, leva-nos a concluir que o tribunal a quo entendeu que a diferença remuneratória entre as duas trabalhadoras encontra justificação num critério objetivo, baseado na existência de diferentes habilitações literárias e de competências curriculares.
Pode ler-se, com interesse, na sentença em crise: «Descendo agora ao caso que nos ocupa, importa apreciar se dos factos provados resulta que a ré violou o princípio da igualdade retributiva e da não discriminação ao remunerar a autora com uma retribuição inferior à que pagava à trabalhadora B…. Tanto a autora como a colega estavam classificadas pela ré com a categoria profissional de ajudante técnica de farmácia do Grau A. Quando a colega B… foi admitida ao serviço da ré a autora já executava as mesmas funções ao serviço da ré há 28 anos. A autora auferia, em janeiro de 2009, 1.050,00€ mensais e, a colega, 1.300,00€ mensais. A autora manteve a remuneração de 1.050,00€ mensais até à cessação do seu contrato de trabalho com a ré. Tanto a autora como qualquer outro trabalhador da Farmácia, exerce materialmente as mesmas funções, sejam elas atender os utentes, vender medicamentos sujeitos a receita médica de acordo com prescrição médica, receber em numerário ou em pagamento por cartão, arrumar prateleiras e organizar e inventariar material, aconselhar os utentes quando se tratem de medicamentos não sujeitos a receita médica, analisando a sintomatologia apresentada e aconselhando na posologia dos mesmos, etc.. Tais funções são transversais a todos os trabalhadores que estejam a atender o público, no balcão da farmácia, desde o diretor farmacêutico, ao farmacêutico, e aos técnicos e assistentes farmacêuticos. No entanto, existe diferença de remunerações a nível de um diretor farmacêutico, de um farmacêutico e dos técnicos e assistentes, devido, entre outros fatores, à responsabilidade associada ao cargo e às habilitações profissionais dos mesmos. Ou seja, tanto a autora como a colega tinham por funções o atendimento ao balcão para venda de produtos farmacêuticos; realização de encomendas destes; verificação dessas encomendas após a sua receção; verificação diária da caixa; guardar o dinheiro no cofre; arrumar medicamentos e fechar o final do mês. Tanto a autora como a colega desempenhavam para a ré iguais funções, com igual responsabilidade, não existindo tarefas que apenas devessem ser desempenhadas por uma delas nem a ré distinguia tarefas para ser realizadas por uma ou outra. Mas, não obstante tanto a autora como a colega B… terem a mesma classificação profissional e desempenharem para a ré as mesmas funções sem distinção de tarefas, verdade é que, a colega B…, dominava as línguas inglesa e francesa o que facilitava o atendimento dos clientes estrangeiros e emigrantes, e tratava de tarefas que a autora não conseguia, como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com o Excel. Por outro lado, a autora tem como habilitações literárias o terceiro ciclo do ensino básico (9.º ano) e a colega B… possui Licenciatura em Farmácia obtida na Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico de Lisboa. Esta última, sendo licenciada em Farmácia, possuía conhecimentos técnico-científicos na área de Farmácia, os quais a autora não tinha, por não ser licenciada em Farmácia. Um critério objetivo materialmente fundamentador da diferença remuneratória comummente aceite na jurisprudência e na doutrina, como atrás se referiu, são as diferentes habilitações literárias entre trabalhadores e a ré veio invocar, como critério da diferença salarial da autora e da colega, o facto da trabalhadora B… ser licenciada. Entende-se que esse tratamento diferenciado, o qual tem vindo a ser sucessivamente confirmado como adequado e justo, torna legítima a diferença remuneratória. E assim se entende pois o princípio da igualdade remuneratória não impõe uma igualdade meramente formal, baseada tão só na categoria profissional e igualdade de funções que se inserem nessa atividade como sendo as que correspondem ao seu conteúdo funcional. As habilitações literárias com o acréscimo de saber traduzido no domínio das línguas inglesa e francesa para o atendimento de clientes e o saber trabalhar com Excel, tornam objetivamente fundado, equilibrado e justo, que a autora e a colega fossem remuneradas de forma diferente. Há assim uma justificação e fundamento material bastante para o efeito. As habilitações literárias da colega B…, ao ser licenciada em Farmácia, e de enriquecimento traduzidas em dominar o inglês, o francês e o programa de Excel, constituem um critério objetivo, permitido pelo artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP e artigo 31.º, n.º 3 do CT, que torna materialmente fundada a opção da ré, fundada no princípio geral da autonomia privada, em remunerá-la de forma diferente da autora, inexistindo qualquer fundamento discriminatório. Por outro lado, atento o vencimento da trabalhadora B… de janeiro de 2009 a setembro de 2012 no valor de € 1.300,00 e depois dessa data de € 1.127,10 e o da autora no valor € 1.050,00, também impõe que se conclua que a diferença salarial não é injustificada em função das habilitações literárias e de enriquecimento curricular da primeira. Assim se entendendo, decide-se que as concretas habilitações literárias e de enriquecimento curricular da colega da autora B… legitimam e tornam materialmente fundada a diferença remuneratória entre ambas praticada pela ré, sem ofensa dos princípios da igualdade remuneratória e da não discriminação, não se podendo concluir, face aos factos provados, que ambas desempenharam um trabalho igual ou objetivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade. Nestes termos, são julgados improcedentes os pedidos da autora em que seja declarado que a mesma, em janeiro de 2009 e nos anos seguintes, desempenhou ao serviço da Ré funções objetivamente semelhantes às desempenhadas pela sua colega B…, quer pela sua natureza, quer em termos de qualidade e quantidade, que seja declarado que tem direito a receber, desde janeiro de 2009, uma remuneração igual à que recebia nessa data a sua colega B… e que seja a Ré condenada a pagar-lhe, a esse título e conforme discriminado no art. 50° da p.i., a quantia de 27.000,00€.»
Desde já se adianta, que subscrevemos, sem quaisquer reservas, a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo.
A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 13.º o princípio da igualdade:
«Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei».
Como corolário deste princípio consagra-se ainda na Lei Fundamental da Nação, no artigo 59.º, nº1, alínea a), o princípio de que para trabalho igual é devido salário igual.
De harmonia com este preceito legal todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
Este princípio tem uma natureza material, ou seja, o que importa é que nas circunstâncias reais se trate de forma igual aquilo que é efetivamente igual, e de forma diferente, aquilo que é desigual.
Ao nível remuneratório, o que este princípio obriga é que no caso de existirem dois ou mais trabalhadores que exerçam o seu trabalho em idêntica quantidade, natureza e qualidade, a contrapartida monetária para a atividade exercida tem de ser igual.
Importa, então, determinar o que é o trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade.
Sobre tal temática, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, uniformemente, que para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e de trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado — Acórdãos de 6 de fevereiro de 2002, Processo n.º 1441/2001[2], de 9 de novembro de 2005, de 23 de novembro de 2005 e de 25 de junho de 2008, de 22/04/2009, respetivamente, Documentos nºs. SJ200511090013804, SJ200511230022624, SJ200806250005284 e SJ200904220030404[3].
Como regra geral, a alegação e prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado competem àquele contra quem a invocação é feita, nos termos previstos pelo n. º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
Importa também destacar que os aludidos princípios constitucionais estão presentes nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) e 270.º do Código do Trabalho.
E o artigo 25.º, n.º 5 do mesmo compêndio legal estipula que cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
No caso concreto, tal como é referido na sentença recorrida, sem merecer censura, resulta da factualidade assente que a apelante e a sua colega B… estavam classificadas com a mesma categoria profissional – Ajudante Técnica de Farmácia do Grau A – e exerciam idênticas funções profissionais, no que concerne às funções de atendimento ao balcão para venda de produtos farmacêuticos; à realização de encomendas de medicamentos; à verificação das encomendas após a sua receção; à verificação diária da caixa; à guarda do dinheiro no cofre; à arrumação de medicamentos e fecho no final do mês. Inclusive estas funções eram desempenhadas sem distinção e com igual grau de responsabilidade.
Vejamos então o que de diferente se apurou existir entre as duas trabalhadoras: A) - As retribuições auferidas eram distintas
A apelante auferia a retribuição mensal de € 1.050,00 e B… auferia, em janeiro de 2009, a retribuição mensal de € 1.300,00, que foi alterada para € 1.127,10, a partir de outubro de 2012. B) – A apelante e a sua colega B… tinham diferente tempo de serviço – Facto provado n.º 14. C) - A apelante tem como habilitações literárias o terceiro ciclo do ensino básico (9.º ano).
B… possui licenciatura em Farmácia obtida na Escola Superior de Tecnologia e Saúde do Instituto Politécnico de Lisboa, possuindo conhecimentos técnico-científicos na área de Farmácia, que a apelante não possui, por não ter a licenciatura.
Ademais, B… dominava as línguas inglesa e francesa, o que facilitava o atendimento de clientes estrangeiros e emigrantes e também tratava de tarefas que a apelante não conseguia, como as relacionadas com o Valormed e trabalhar com Excel.
Ora, em termos de conhecimentos técnicos e de competências curriculares (skills), necessários e úteis para o exercício da profissão, B… revela possuir habilitações literárias/qualificações que a apelante não possui. Para além disso realiza tarefas que a apelante não conseguia realizar, como trabalhar com o Excel e tratar de questões relacionadas com o Valormed.
Acresce que a antiguidade no serviço das duas trabalhadoras também não era igual.
Inexiste, pois, uma igualdade absoluta entre as duas trabalhadoras.
E as habilitações literárias e competências disponibilizadas (e utilizadas) pela trabalhadora B…, no exercício da sua atividade profissional justificam objetivamente o diferente tratamento remuneratório existente entre as duas trabalhadoras.
Neste sentido, vejam-se a título meramente exemplificativo: Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 584/98, n.º 313/89 e n.º 424/03[4]; Acórdão da Relação de Lisboa de 16-11-2016, P. 12007/15.9T8LEB.L1-4; Acórdão da Relação de Guimarães de 16-2-2017, P. 9463/15.9T8VNF.G1; Acórdão da Relação do Porto de 13-02-2017, P. 10879/15.6T8VNG.P1[5].
Conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-6-2000, Revista n.º 12/00-4.º[6], a diferença de tratamento salarial estará legitimada quando se baseia numa distinção objetiva de situações, não se funda em qualquer dos motivos indicados no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, tenha um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e se revele necessária, adequada e proporcionada à satisfação do objetivo que se pretende atingir.
No caso dos autos, o pagamento de um salário um pouco superior à colega da apelante, B…, mostra-se objetivamente fundado e justificado pelas diferentes habilitações literárias e competências que a mesma possui.
A diferente remuneração entre as duas trabalhadoras assenta num critério objetivo, materialmente fundado, e não discriminatório à luz da Constituição e da lei laboral.
Pelo exposto, resta-nos declarar que o tribunal a quo procedeu a uma correta interpretação e aplicação do direito, pelo que sufragamos o decidido.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.
Évora. 16 de maio de 2019
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/Secção Social.
[3] www.dgsi.pt
[4] www.tribunalconstitucional.pt
[5] www.dgsi.pt
[6] Sumários, Junho 2000.