EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA
PRAZO
Sumário


I- Tendo as partes convencionado um prazo certo de 5 anos para a duração do contrato de arrendamento para fim não habitacional mas nada estipulado em matéria de antecedência da denúncia do arrendatário, deve, por força do disposto no nº1 do art.º 1110ºdo Cód. Civil, aplicar-se o estatuído na lei quanto ao arrendamento para habitação.
II- Mercê da remissão expressa operada por esta norma, ter-se-á de ter em consideração o disposto no nº3 do art.º 1098º que consente que decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário possa denunciá-lo mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima de 120 dias do termo pretendido do contrato (uma vez que o prazo era superior a um ano).
III- O nº2 do art.º 1110ºdo Cód. Civil reporta-se exclusivamente aos casos em que não foi estipulado qualquer prazo.
IV-Outra solução, que não a aqui preconizada, redundará amiúde na aplicação de uma sanção jurídica – pagamento das rendas correspondentes ao pré-aviso em falta – por via de uma interpretação que não tem amparo expresso na lei, é doutrinariamente controversa e contraria a regra de que para os arrendamentos não habitacionais, na falta de estipulação convencional, se aplica o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral



ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO

1. Por apenso à execução instaurada por BB, vieram as executadas CC e DD deduzir oposição por embargos.
Fundamentaram a sua pretensão alegando que a última renda vencida foi paga antes da entrega do locado (Maio de 2015), nada mais havendo a pagar, sendo hoje entendimento dominante que aos contratos cujo prazo de validade foi fixado (5 anos) não se aplica o n.º 2 do art.º 1110º do Cód. Civil, antes se aplica o n.º 1 do mesmo artigo, pelo que o pré-aviso de 1 ano de rendas, peticionado pelo exequente, não tem qualquer fundamento.
O exequente contestou alegando que a arrendatária o informou que deixaria o locado em Maio de 2015, mas que só entregou as chaves em 06.07.2015, pelo que não pagou os meses de Maio, Junho e Julho desse ano, e que está em dívida um ano de rendas por não ter sido cumprido o pré-aviso legal nos termos do art.º 1110º do Cód. Civil.
O exequente desistiu do pedido na parte referente à renda do mês de Maio de 2015, no valor de € 400,00, mantendo o pedido relativo ao pré-aviso (1 ano de rendas).
Foi proferido despacho saneador-sentença no qual se julgaram os embargos improcedentes e, consequentemente, se determinou o prosseguimento da execução.

2. É desta decisão que as embargantes apelam, formulando, no recurso, as seguintes conclusões:
A) No contrato dos autos que as partes acordaram, no âmbito da sua livre disposição, que o prazo de duração do mesmo era de cinco anos.
B) As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. (nº1 art. 1110º do C. Civil)
C) A arrendatária estava sujeita a um aviso prévio de 120 dias para a denúncia do contrato de arrendamento, pelo que apenas cumpriu um mês de aviso prévio, ficou obrigada ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, no caso a renda correspondente a 90 dias.
D) Ao decidir de modo diverso o MMº Juiz a quo violou os regimes jurídicos supra indicados que aqui se reproduzem.
Termos em que, Com o mui douto suprimento de V. Exas deve o presente Recurso ser julgado procedente e em consequência revogada a sentença recorrida com os legais efeitos, com o que se fará a esperada Justiça”.


2. Não houve contra-alegações.

3.O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se a denúncia do contrato de arrendamento subjudice – para fim não habitacional e pelo prazo convencionado de 5 anos - por parte da inquilina, ora embargante, estava sujeito a um pré-aviso de 120 dias ou de um ano.

II- FUNDAMENTAÇÃO

i.) São os seguintes os factos assentes pela 1ª instância que não mereceram discordância das apelantes:
1. A execução baseia-se em documento denominado “Contrato de Arrendamento Para Fins Não Habitacionais”, datado de 17.01.2013 e assinado pelo exequente e pelas executadas, o primeiro na qualidade de senhorio e as segundas nas qualidades de arrendatária (CC) e fiadora (DD), nos termos do qual o primeiro cedeu à executada CC, com destino à atividade comercial de salão de cabeleireiro, e pelo prazo de cinco anos, renovável nos termos legais, com início em 01.02.2013, o gozo temporário da fração “A” do prédio descrito na 1ª CRP de Setúbal sob o n.º … da freguesia de São Lourenço, inscrito na matriz sob o artigo …, correspondente a um estabelecimento com área total de 111,85 m2 e dois lugares de estacionamento com a área total de 25,00 m2, mediante a contrapartida do pagamento de uma contrapartida monetária mensal de € 400,00, com vencimento no primeiro dia útil do mês anterior àquele que a que respeitasse – provado por documento.
2. A execução baseia-se ainda em duas cartas registadas com aviso de receção, enviadas pela I. mandatária do exequente, datadas de 07.07.2015 e efetivamente recebidas pelas executadas, cujo conteúdo é além do mais o seguinte:
“(…)
Na qualidade de mandatária do senhorio, referente ao locado (…), sou a comunicar-lhe que deverá proceder ao pagamento de 5.200,00 € correspondente ao mês de Maio de 2015, não pago e a 1 ano de pré-aviso conforme estabelecido no art.º 1110º do Código Civil, que não foi respeitado.” – provado por documento.
3. No requerimento executivo é peticionado o pagamento do montante de € 5.200,00, correspondente ao mês de maio de 2015 e a um ano de rendas, alegando-se que “em maio de 2015 a 1ª executada informou o senhorio de que deixaria o locado e não pagou esse mês, assim como 1 ano de pré-aviso nos termos do art. 1110º do Código Civil” – provado por documento.
4. Em maio de 2015, a embargante DD comunicou ao exequente que pretendia fazer cessar o arrendamento – admitido por acordo (alegado no r.e. e não impugnado pelas embargantes, conforme resulta do artigo 3º da petição e da ata de fls. 32).
5. No dia 06.07.2015, a embargante DD entregou ao exequente a fração referida em 1. – admitido por acordo (ata de fls. 32).

ii.) Do mérito do recurso

Na decisão recorrida entendeu-se que a embargante/inquilina deveria ter denunciado o contrato de arrendamento que a ligava ao embargado/senhorio com um ano de antecedência e, porque tal não sucedeu, deverá liquidar a indemnização correspondente ao pré-aviso em falta e que integra a quantia exequenda.
Para fundamentar o sentenciado sustentou-se ser aplicável ao caso o nº2 do art.º 1110ºdo Cód. Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14/8.
Este artigo, sob a epígrafe “Duração, denúncia ou oposição à renovação”, estabelece o seguinte:
«1 - As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.».
As embargantes, por seu turno, defendem a aplicabilidade ao caso do disposto no art.º 1098ºnº3 a) do Cód. Civil referindo que o prazo de denúncia do contrato era apenas de 120 dias.
Vejamos.
Do contrato de arrendamento resulta para o senhorio a obrigação de proporcionar o gozo, embora temporário, da coisa ao inquilino e, para este, a de, pontualmente, pagar a retribuição – renda – convencionada (artºs 1031 b) e 1038 a) do Código Civil).
A denúncia, a par do acordo das partes, da resolução e da caducidade, é uma das formas de cessação do contrato de arrendamento a que o art.º 1079º do Cód. Civil faz expressa menção.
Pode ser agregada no conceito de denúncia, quer a declaração que, nos contratos de duração indeterminada, um dos contraentes faz ao outro de que pretende pôr termo ao contrato – denúncia em sentido técnico - quer aquela outra em que, nos de duração determinada, obsta à renovação automática do contrato e que é, portanto, reconduzível à “oposição à renovação”.
“Nestes dois tipos a ideia base é a mesma: pretende-se impedir a subsistência de um vínculo contratual que se protela por um período indefinido”[1].
No domínio do arrendamento urbano, quer a denúncia do contrato, em sentido técnico, quer a oposição à renovação, são plenamente permitidas ao arrendatário mas deve respeitar prazos de antecedência, ou seja, tem de ser feita previamente em relação à data do termo do período de vigência do contrato ou termo pretendido.
A exigência de um pré-aviso visa evitar que a contraparte seja surpreendida com a súbita cessação do contrato, permitindo-lhe preparar-se para a extinção do vínculo contratual.
A inobservância desse pré-aviso não impede a extinção do contrato por via da operada denúncia ou da oposição à sua renovação mas não desvincula o arrendatário da obrigação de pagar a renda correspondente ao período de pré-aviso em falta (Cfr. art.º 1098 , nº 6 do Cód. Civil com a redacção introduzida pela Lei 31/2012, de 14/8).
Feitas estas breves considerações, foquemo-nos no caso subjudice.
As partes convencionaram um prazo certo de 5 anos para a duração do contrato de arrendamento para fim não habitacional mas nada estipularam em matéria de antecedência da denúncia do arrendatário.
O nº2 do art.º 1110ºdo Cód. Civil reporta-se exclusivamente aos casos em que não foi estipulado qualquer prazo.
Nos casos em que o foi, rege o disposto no nº1 do mesmo normativo que refere que na falta de estipulação contratual de regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento, se aplica o disposto na lei quanto ao arrendamento para habitação.
Portanto, “o regime do arrendamento não habitacional é assim construído com base na remissão para o arrendamento habitacional, sendo igualmente admissível a celebração de contratos com duração indeterminada ou com prazo certo”[2].
Ora, mercê da remissão expressa operada por esta norma, ter-se-á de ter em consideração o disposto no nº3 do art.º 1098º que consente que decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário possa denunciá-lo mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima de 120 dias do termo pretendido do contrato (uma vez que o prazo era superior a um ano).
Dissentimos, assim, com todo o respeito, do entendimento expendido no Acórdão desta Relação de 20.10.2016, relatado no proc. 1384/15.1T8FAR.E1. e permitimo-nos discordar firmemente da afirmação que nele é feita de que “ (…) não faria sentido que o legislador fixasse esse prazo mínimo (um ano), no caso de ausência apenas para a fixação de prazo de duração do contrato, considerando-o fixado em 10 anos (5 anos na atual redação do n.º2 do art.º 1110.º), e admitir simultaneamente a aplicação do n.º2 (ou 3 e 5, conforme a versão aplicável) do art.º 1098.º do C. Civil, que prevê um prazo de denúncia não inferior a 4 meses para um contrato em que as partes estabeleceram em 10 anos o prazo da sua duração, o que conduziria a uma ilogicidade do sistema jurídico e incompreensível desigualdade de soluções jurídicas”.
Tal afirmação olvida que a remissão que o nº1 do art.º 1110º faz para o regime da denúncia nos contratos para habitação, com prazo certo, implica que tal denúncia só possa ter lugar decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato, o que num contrato com o prazo de 5 anos acarrete que o mesmo só venha a cessar efectivamente passados dois anos (20 meses correspondentes a 1/3 do prazo, acrescido de 120 dias de pré-aviso).
Ao invés, perante o estatuído no nº2 do art.º 1110º a sua cessação pode ocorrer logo que cumprido um ano de pré-aviso, sem a limitação temporal a que alude o nº3 do art.º 1098º.
Nenhuma ilogicidade, a nosso ver, se descortina: Num contrato em que as partes fixaram previamente a sua duração, o legislador entendeu que a sua denúncia só poderia ter lugar após determinado período de vigência e cumprido determinado pré-aviso.
Noutro, em que não se estabeleceu qualquer prazo, o legislador não pretendeu que se considerasse de duração indeterminada e fixou, ele próprio um prazo que entendeu por razoável não limitando temporalmente o direito de denúncia ao arrendatário desde que exercido com determinada antecedência.
Parece-nos até coerente que num contrato com prazo certo o senhorio não seja completamente defraudado na sua expectativa de o mesmo se completar, exigindo-se, por isso, ao arrendatário que só lhe possa pôr termo volvido um determinado período de vigência.
Ao invés, quando nenhum prazo foi consensualmente fixado, nenhuma expectativa dessa natureza há que acautelar e, por isso, não há limitação legal quanto à duração mínima do contrato, cuja extinção por denúncia fica condicionada apenas ao pré-aviso.
Aliás, a outra solução, que não a aqui preconizada, redundará amiúde na aplicação de uma sanção jurídica – pagamento das rendas correspondentes ao pré-aviso em falta – por via de uma interpretação que não tem amparo expresso na lei, é doutrinariamente controversa[3] e contraria a regra de que para os arrendamentos não habitacionais, na falta de estipulação convencional, se aplica o disposto quanto ao arrendamento para habitação.
Posto isto, há que atentar que no caso se provou que em Maio de 2015, i.e. já volvido um terço da duração do contrato, a embargante DD comunicou ao exequente que pretendia fazer cessar o arrendamento e que no dia 06 de Julho de 2015 lhe entregou o locado.
Portanto, a extinção do contrato de arrendamento ocorreu efectivamente nesta última data mas deveria ter sido comunicada ao senhorio até 6 de Março de 2015.
Uma vez que a embargante só a comunicou em (data incerta de) Maio, deverá liquidar a indemnização correspondente a dois meses de renda referentes ao pré-aviso em falta nos termos do citado n.º 6 do art.º 1098º do Cód.Civil, ou seja € 800,00 e não a quantia a esse título reclamada (e exequenda) de € 4.800,00.
Por consequência, a decisão recorrida não se pode manter.

III- DECISÃO
Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, revogando a decisão recorrida, julgam-se os embargos procedentes e por consequência parcialmente extinta a execução.
Custas pelo apelado.

Évora, 16 de Maio de 2019
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite

__________________________________________________
[1] Romano Martinez in “ Da cessação do contrato “, Almedina , 2ª edição, pag.60.
[2] L. Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, 8ª edição, pag.169.
[3] É o próprio L. Menezes Leitão que na nota 178, pag. 169 da obra citada refere : “(…) Havendo estipulação de prazo, por exemplo de seis anos, é, porém, questionável qual a antecedência que se exige para a denúncia pelo arrendatário : 120 dias conforme dispõe o art.º 1098º nº3, ou mantém-se a exigência de um ano referida no art.1110º nº2 ? Como tendemos a interpretar esta disposição como limitada aos casos em que não houve estipulação de prazo, parece-nos mais lógica a primeira solução , ainda que dê lugar a uma grande incongruência no regime legal.